Processo nº 126/2024
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão de 17.04.2024, proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR2-23-0304-PCC do Tribunal Judicial de Base, decidiu-se condenar o (1°) arguido A (甲), com os restantes sinais dos autos, como autor material e em concurso real da prática de 1 crime de “detenção ilícita de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 3, e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção resultante da Lei n.° 10/2016), na pena de 6 anos de prisão, e 1 crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, (na redacção introduzida pela mesma Lei n.° 10/2016), na pena de 4 meses de prisão, fixando-se-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 6 anos e 2 meses de prisão; (cfr., fls. 423 a 435 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, o dito arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 05.09.2024, (Proc. n.° 459/2024), concedeu parcial provimento ao recurso, absolvendo o dito recorrente do crime de “detenção indevida de utensílio”, p. e p. pelo art. 15° da Lei n.° 17/2009, e, mantendo, no restante, o decidido, ficou o mesmo condenado na pena de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 549 a 572).
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Ainda inconformado, traz o arguido o presente recurso para este Tribunal, afirmando que a decisão recorrida padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; (cfr., fls. 598 a 617).
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Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 620 a 624-v).
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Oportunamente, nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando também pela inteira confirmação do decidido; (cfr., fls. 641).
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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os seguintes factos como tal elencados no seu Acórdão que foram totalmente confirmados pelo Acórdão ora recorrido do Tribunal de Segunda Instância:
“1. O 1º arguido A (甲) é residente de Macau. A partir de uma data não apurada, o 1º arguido adquiriu droga junto de um indivíduo desconhecido em Hong Kong, e depois trouxe a droga para Macau.
2. O 1º arguido e o 2º arguido B (乙) conhecem-se.
3. Tanto o 1º arguido como o 2º arguido consumam drogas em Macau.
4. O 1º arguido usa o telemóvel com o n.º XXXXXXXX, e o 2º arguido usa o telemóvel com o n.º XXXXXXXX.
5. No dia 15 de Agosto de 2023, os 1º e 2º arguidos contactaram-se usando os supracitados telemóveis, e combinaram encontrar-se nas imediações das [Rua(1)] pelas 13h00 do mesmo dia, para que o 1º arguido vendesse ao 2º arguido, pelo preço de MOP$300, a droga “Heroína” com o peso de cerca de 0,5g. O 2º arguido manifestou a sua concordância.
6. Pelas 13h00 do mesmo dia, o 1º arguido e o 2º arguido reuniram-se no cruzamento das [Rua(1)] com o [Rua(2)]. A seguir, o 1º arguido entregou ao 2º arguido um pacote da droga “Heroína” (controlada pela tabela I-A do art.º 4.º da Lei abaixo referida), e recebeu uma quantia de MOP$300. O 2º arguido adquiriu a referida droga para consumo pessoal.
7. Após a conclusão da transacção, o 1º arguido saiu do local em direcção à [Rua(3)], e o 2º arguido, em direcção à [Rua(4)].
8. Os guardas do CPSP que estavam em patrulha no endereço acima referido descobriram que os 1º e 2º arguidos comportavam-se com atitudes suspeitas, pelo que interceptaram o 1º arguido nas proximidades do n.º XX da [Rua(3)].
9. Os guardas do CPSP encontraram no bolso direito das calças do 1º arguido os seguintes objectos:
1) Dois pacotes de grãos de cor branca, respectivamente embrulhados em três papéis de embrulho de cor branca, com o peso de cerca de 0,21g cada.
2) Um telemóvel imprimido com “XXXXX” (com dois cartões SIM, n.º XXXXXXXX);
3) MOP$4.630, HKD$270 e RMB¥50 em numerário;
4) Três chaves.
Os referidos grãos de cor branca eram destinados para consumo pessoal do 1º arguido. O telemóvel foi usado como instrumento de comunicação pelo 1º arguido na prática do crime, e o numerário de MOP$300 era produto do crime cometido pelo 1º arguido. (ora apreendidos aos autos)
10. O 2º arguido descobriu que estava a ser prosseguido pelos guardas policiais, fugiu de imediato para dentro duma casa de banho na loja “[Loja(1)]”, sita na [Rua(4)] n.º XX, fechou a porta a cadeado, deitou o aludido pacote da droga “Heroína” no vaso sanitário, e pressionou o botão de descarga para arrastar a droga com água.
11. O 2º arguido só abriu a porta da casa de banho acima referida depois de os guardas policiais terem batido à porta por várias vezes, foi de imediato interceptado pelos guardas, que por sua vez, encontraram na sua posse um telemóvel imprimido com “XXXXX” (com um cartão SIM, n.º XXXXXXXX). Esse telemóvel foi usado como instrumento de comunicação pelo 2º arguido na prática do crime. (ora apreendido aos autos)
12. Na tarde do mesmo dia, os guardas do CPSP encontraram os seguintes objectos acima da mesa no quarto n.º 202, sito no [Endereço(1)], onde viveu o 1º arguido:
1) Um grande saco plástico transparente, contendo 15 pacotes de grãos de cor branca, respectivamente embrulhados em três papéis de embrulho de cor branca, com o peso de cerca de 0,21g cada;
2) Um pacote de grãos de cor branca embrulhados num papel de embrulho de cor branca, com o peso de cerca de 0,69g;
3) Grãos de cor branca (num estado espalhado) embrulhados numa factura bancária, com o peso de cerca de 0,79g;
4) Uma garrafa plástica de cor amarela contendo líquido, com uma tampa de cor branca, ligada a uma palhinha de cor azul e uma palhinha de cor amarela (que por sua vez, estava ligada a um papel alumínio de cor prateada);
5) Uma palhinha de papel cuja extremidade estava ligada a um papel de cor prateada e branca;
6) Um papel de cor prateada e branca, um isqueiro, uma lâmina aberta, um grande saco plástico transparente contendo 19 sacos plásticos transparentes, e 6 papéis adesivos de cor branca.
(todos apreendidos aos autos)
13. Os guardas do CPSP ainda encontraram acima da cama no aludido quarto do 1º arguido um pacote de cristais de cor branca embrulhados em dois papéis de embrulho de cor branca, com o peso de cerca de 0,21g. (ora apreendido aos autos)
14. Os guardas do CPSP também encontraram os seguintes objectos debaixo da mesa no quarto do 1º arguido:
1) Um papel alumínio queimado;
2) Um palito de bambu;
3) Uma tesoura de cor preta, um isqueiro, um papel de cor prateada e branca, uma lâmina aberta, 5 papéis alumínio.
(todos apreendidos aos autos)
15. No mesmo dia, os 1º e 2º arguidos foram levados ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para se submeterem ao teste de drogas, cujo resultado mostrou que o 1º arguido tinha reacção positiva em relação a “Morphine”, substância abrangida pela tabela I-A do art.º 4.º da Lei n.º 17/2009 (alterada pelas Lei n.º 4/2014, Lei n.º 10/2016, Lei n.º 10/2019, Lei n.º 22/2020 e Lei n.º 10/2021); e o 2º arguido tinha reacção positiva em relação a “Methadone”, substância abrangida pela tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei.
16. Submetidos a exame laboratorial, os dois pacotes de grãos de cor branca, respectivamente embrulhados em três papéis de embrulho de cor branca, e encontrados na posse do 1º arguido, revelaram ser “Heroína”, substância abrangida tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei, com peso líquido global de 0,268g; após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Heroína” era de 79,8%, com peso global de 0,214g.
17. Após feito o exame laboratorial, verificou-se que, no tocante aos objectos apreendidos encontrados em cima da mesa no quarto do 1º arguido:
1) os grãos brancos, embalados por 3 papéis de embrulho brancos nos 15 pacotes, continham “Heroína”, substância controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei, com peso líquido total de 1,879g; de acordo com a análise quantitativa, continham “Heroína” de 82,3%, com peso total de 1,55g;
2) os grãos brancos, embalados por 1 papel de embrulho branco num pacote, continham “Heroína”, substância controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei, com peso líquido total de 0,632g; de acordo com a análise quantitativa, continham “Heroína” de 83%, com peso total de 0,525g;
3) os grãos brancos, embalados por 1 factura bancária, continham “Heroína”, substância controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei, com peso líquido total de 0,165g; de acordo com a análise quantitativa, continham “Heroína” de 84,7%, com peso total de 0,140g;
4) os vestígios e líquidos na garrafa plástica, tampa, palhinha azul, palhinha amarela e papéis de alumínio continham “Metanfetamina”, substância controlada pela Tabela II-B do art.º 4.º da referida Lei;
5) a palhinha de papel e o vestígio nela continham “Heroína”, substância controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei.
18. O peso total de “Heroína” descoberta acima aludida era de 2,429g.
19. Após feito o exame laboratorial, verificou-se que, os cristais brancos embalados por 2 papéis de embrulho brancos num pacote encontrado em cima da cama no quarto do 1º arguido continham “Metanfetamina”, substância controlada pela Tabela II-B do art.º 4.º da referida Lei, com peso líquido de 0,138g; de acordo com a análise quantitativa, continham “Metanfetamina” de 79,5%, com peso total de 0,110g.
20. Após feito o exame laboratorial, verificou-se que, no tocante aos objectos apreendidos encontrados abaixo da mesa no quarto do 1º arguido:
1) o vestígio num papel de alumínio queimado continha “Heroína”, substância controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei;
2) o vestígio num palito de bambu continha “Heroína”, substância controlada pela Tabela I-A do art.º 4.º da referida Lei.
21. Para obter interesse ilícito, sabendo a natureza das drogas acima mencionadas, o 1º arguido adquiriu e deteve essas drogas e aproveitou as drogas apreendidas para o seu consumo próprio.
22. Os 1º e 2º arguidos adquiriram e consumiram as drogas mesmo sabendo a sua natureza.
23. O 1º arguido ainda deteve como utensílio e instrumento para consumo a referida garrafa plástica, palhinhas, palhinha de papel, papéis de alumínio, palito de bambu, lâmina e papéis.
24. Os dois arguidos praticaram as referidas condutas de forma livre, voluntária e consciente.
25. Os dois arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei.
Além disso, mais se apurou:
- O 1º arguido A declarou que tem como habilitação académica o 2º ano do ensino primário, foi guarda antes da prisão preventiva, auferindo mensalmente o rendimento no valor de MOP$13.000,00, tem um filho menor, que agora está a cargo da mãe do arguido.
- Conforme o CRC mais actualizado, o 1º arguido é primário.
(…)”; (cfr., fls. 427 a 430, 564-v a 567-v e 4 a 6-v do Apenso).
Do direito
3. Insurge-se o (1°) arguido A contra o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância que confirmou o Acórdão do Tribunal Judicial de Base na parte em que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “detenção ilícita de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 3, e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção resultante da Lei n.° 10/2016), na pena de 6 anos de prisão.
E, como se referiu, imputa ao Acórdão recorrido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, reclamando uma alteração da qualificação jurídico-penal da sua conduta que considera dever ser efectuada nos termos do art. 11° da Lei n.° 17/2009.
Porém, e sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, não lhe assiste razão.
Nos termos do art. 14° da aludida Lei n.° 17/2009:
“1. Quem consumir ilicitamente ou, para seu exclusivo consumo pessoal, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, adquirir ou detiver ilicitamente plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 3 meses a 1 ano ou com pena de multa de 60 a 240 dias, salvo o disposto no número seguinte.
2. Caso as plantas, substâncias ou preparados que o agente referido no número anterior cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém constem do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante, e a sua quantidade exceder cinco vezes a quantidade deste mapa, aplicam-se, consoante os casos, as disposições dos artigos 7.º, 8.º ou 11.º
3. Para determinar se a quantidade de plantas, substâncias ou preparados que o agente cultiva, produz, fabrica, extrai, prepara, adquire ou detém excede ou não cinco vezes a quantidade a que se refere o número anterior, são contabilizadas as plantas, substâncias ou preparados que se destinem a consumo pessoal na sua totalidade, ou aquelas que, em parte, sejam para consumo pessoal e, em parte, se destinem a outros fins ilegais”.
E preceitua o referido art. 8° que:
“1. Quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no n.º 1 do artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
2. Quem, tendo obtido autorização mas agindo em contrário da mesma, praticar os actos referidos no número anterior, é punido com pena de prisão de 6 a 16 anos.
3. Se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV, o agente é punido com pena de prisão:
1) De 1 a 5 anos, no caso do n.º 1;
2) De 2 a 8 anos, no caso do n.º 2.”.
Por sua vez, nos termos do pelo recorrente citado art. 11°:
“1. Se a ilicitude dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados, a pena é de:
1) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos nas tabelas I a III, V ou VI;
2) Prisão até 3 anos ou multa, se se tratar de plantas, de substâncias ou de preparados compreendidos na tabela IV.
2. Na ponderação da ilicitude consideravelmente diminuída, nos termos do número anterior, deve considerar-se especialmente o facto de a quantidade das plantas, das substâncias ou dos preparados encontrados na disponibilidade do agente não exceder cinco vezes a quantidade constante do mapa da quantidade de referência de uso diário anexo à presente lei, da qual faz parte integrante”.
Aqui chegados, vejamos, (ainda que de forma algo abreviada).
Pois bem, este Tribunal de Última Instância tem (repetidamente) afirmado que o vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” traduz-se na “falta de investigação” e de “pronúncia” sobre os “elementos fácticos” que permitam a integração na previsão típica criminal por falência de matéria integrante do seu tipo “objectivo” ou “subjectivo”, ou, até, de uma qualquer “circunstância modificativa” (agravante ou atenuante), sendo, por sua vez, de se considerar que inexiste qualquer “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento; (sobre o sentido e alcance do vício em questão, cfr., v.g., e entre outros, o Ac. deste T.U.I. de 27.11.2020 Proc. n.° 193/2020, de 05.05.2021, Proc. n.° 40/2021, de 30.07.2021, Proc. n.° 104/2021, de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023 e de 01.11.2023, Proc. n.° 82/2023).
E, sendo este o – que se considera ser o adequado – sentido e alcance do “vício” pelo ora recorrente assacado ao Acórdão recorrido, muito cremos não ser necessário aqui expor para se demonstrar que o mesmo não existe.
Com efeito, atento o que se consignou no Acórdão do Tribunal Judicial de Base, (assim como no veredicto do Tribunal de Segunda Instância), sem esforço se mostra de concluir que não se incorreu na aludida “falta de investigação e pronúncia” sobre a “matéria” que constituía o objecto dos presentes autos, pois que no(s) mencionado(s) aresto(s) não se deixou de proferir expressa e clara decisão sobre (toda) a “matéria de facto” constante da deduzida acusação pública, assim como de toda a outra factualidade que, com ela relacionada e com relevo, no julgamento foi objecto de discussão e resultou apurada, (notando-se, também, que, oportunamente, não apresentou o arguido contestação).
Nesta conformidade, não sendo de se confundir o dito “vício” com uma eventual “insuficiência”, ou mesmo “falta de prova” sobre a matéria de facto, (cfr., v.g., o Ac. de 30.07.2021, Proc. n.° 104/2021), que também não existe, cabe pois dizer que a matéria de facto in casu dada como provada se apresenta suficiente e bastante para uma segura aplicação e decisão de direito, nenhuma censura merecendo a decisão de condenação do arguido ora recorrente como autor material da prática de 1 crime de “detenção ilícita de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 e 3, e 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção resultante da Lei n.° 10/2016).
Basta aliás ver – e mesmo sem contar com o estupefaciente que no dia 15.08.2023 o ora recorrente cedeu ao (2°) arguido B (乙) a troco de MOP$300,00 – que, na sua posse, (corpo e casa), foram (ainda) apreendidas um total de 2,429g de “Heroína” e 0,11g de “Metanfetamina”; (cfr., factos provados n°s 5, 16, 17, 18 e 19).
E, perante esta “factualidade” que do julgamento resultou “provada”, especialmente, no que toca à “Heroína”, cuja “quantidade excede – claramente – as 5 vezes” da referida no art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 17/2009 e seu “Mapa” em anexo, (constituindo quase o seu “dobro”), vista se nos apresenta a solução para o presente recurso.
Bate-se, o arguido, ora recorrente, por uma diversa qualificação jurídico-penal da sua conduta, alegando que se outra “matéria” tivesse sido apurada, (ou considerada), possível seria a sua condenação nos termos do art. 11°, n.° 1 da referida Lei n.° 17/2009, (que daria lugar à aplicação de uma moldura penal consideravelmente mais leve).
Ora, compreende-se – e respeita-se – o seu ponto de vista.
Todavia, cremos que o mesmo não pode ser acolhido.
Com efeito, para além de nem o próprio arguido ora recorrente explicitar, concretamente, a que “matéria de facto” se refere (com vista a tal objectivo), não se pode perder de vista que a sua conduta inclui a aludida “cedência” de uma quantidade de 0,5g de “Heroína” ao 2° arguido a troco de MOP$300,00, (cfr., facto provado n.° 5), e que, para além da “quantidade” e “natureza” do estupefaciente “apreendido”, provado também está que, “em data não apurada adquiriu estupefaciente em Hong Kong, trazendo-o para Macau”, (cfr., facto provado n.° 1), o que, em nossa opinião, dá conta que em causa (já) não está uma mera (simples e isolada) “cedência” e “posse de estupefaciente”, e que, assim, em face até mesmo da “intensidade do dolo” e em resultado da “imagem global dos factos” nos leva a concluir que afastada se mostra estar a pretendida possibilidade de se ter como “consideravelmente diminuída a ilicitude” da conduta em questão para efeitos de aplicação do aludido art. 11°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009.
Por fim, uma última nota.
Dúvidas não temos – e cremos que não existem – que o Tribunal (de julgamento) deve investigar – e ponderar – “toda a matéria objecto do processo”, e, como tal, não só a que pode levar à condenação (e à agravação da pena) do arguido, mas, também, (e com a mesma diligência), a que possa dar lugar a uma decisão absolutória ou a uma atenuação (especial ou redução) da pena.
Contudo, numa situação como a dos autos, em que do Acórdão condenatório do Tribunal Judicial de Base se constata que se emitiu pronúncia sobre tudo o que efectivamente constava da acusação, e, nesta conformidade, (até por ausência de contestação), se discutiu e havia (essencialmente) a decidir, (afastando-se até porque “não provada” alguma matéria que a integrava), e, considerando também que o próprio recorrente não identifica sequer a “matéria” que em sua opinião ficou por investigar, outra solução não se apresenta possível.
Em nossa modesta opinião – não se nega, e apresenta-se até de admitir igualmente que (eventuais) – vantagens podia haver em se ter investigado e feito constar da deduzida acusação, (e quiçá, da decisão condenatória), outra matéria, nomeadamente, respeitante à “origem” (ou proveniência) da droga apreendida, às “razões” da sua apresentação (e divisão) em mais de 15 embalagens individuais, assim como do destino que o arguido pretendia dar aos cerca de outros 20 pequenos sacos de plástico que foram encontrados com o “produto” apreendido.
Porém, em face do que se deixou consignado, do apurado e do decidido, e atenta à fase processual dos presentes autos, mais não se nos mostra de acrescentar sobre tais aspectos…
Isto dito, e outra questão não havendo a apreciar, (e notando-se que a pena de 6 anos de prisão aplicada está a 1 ano do seu limite mínimo, e a 9 anos do seu máximo), impõe-se a decisão que segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$3.500,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 08 de Novembro de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Fong Man Chong
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