Processo nº 128/2024
(Autos de suspensão de eficácia)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por apenso aos Autos de Recurso Contencioso no Tribunal de Segunda Instância registado com o n.° 392/2023, pediram A (甲), B (乙), e C (丙), a suspensão de eficácia do acto administrativo do CHEFE DO EXECUTIVO de 02.03.2023 com o qual se declarou a nulidade dos anteriores actos administrativos que lhes tinha concedido o direito de residência e os seus Bilhetes de Identidade de Residente Permanente da R.A.E.M.; (cfr., fls. 2 a 16 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, e após resposta da entidade administrativa requerida, (cfr., fls. 26 a 29), proferiu o Exmo. Relator do Tribunal de Segunda Instância despacho consignando que decidido já se encontrava o aludido “recurso contencioso” por Acórdão de 24.07.2024, em tramitação estando também o recurso jurisdicional do decidido para esta Instância, e que, assim, atento o estatuído no art. 123°, n.° 2 do C.P.A.C., a este Tribunal de Última Instância devia ser dirigido o dito pedido de suspensão de eficácia; (cfr., fls. 32 e 32-v).
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Nesta conformidade, após neste Tribunal de Última Instância distribuído e autuado como “autos de pedido de suspensão de eficácia”, foram os mesmos com vista ao Ministério Público que juntou douto Parecer com o seguinte teor:
“No caso sub judice, convém realçar que pese embora o despacho suspendendo traduza em declarar nulidade de anteriores actos administrativo, porém é óbvio que o mesmo provoca, directa e necessariamente, a alteração da statu quo dos Requerentes, alteração que consiste em eles perderem o estatuto de residente permanente da RAEM.
Sendo assim, e em homenagem das jurisprudências pacíficas e consabidas dos doutos TSI e TUI, colhemos, em primeiro lugar, que se trata in casu de um acto de conteúdo positivo. À luz do disposto na alínea a) do art.120º do CPAC, verifica-se a idoneidade do objecto, no sentido de que será susceptível de suspensão da eficácia o referido despacho.
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Repare-se que o despacho suspendendo consubstancia em declarar a nulidade dos actos administrativos referidos no art.8.º do Requerimento Inicial, e que os três Requerentes perderam o recurso contencioso registado sob o n.º392/2023 do TSI (doc. de fls.47 a 60 dos autos).
Nestes termos, afigura-se-nos que não obstante a ser apresentado na pendência do recurso jurisdicional, o pedido da suspensão de eficácia em apreciação fica sujeito à regra geral consagrada no n.º1 do art.121º do CPAC, segundo a qual são cumulativos todos os três requisitos previstos neste n.º1 e eles três são autónomos entre si, por isso, a não verificação de qualquer um torna desnecessária a apreciação dos restantes (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, pp.340 a 359, José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ 2013, pp.305 e ss.).
Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, parece-nos que se preenchem in casu os requisitos consignados nas b) e c) do n.º1 do art.121.º do CPAC. Daqui flui que resta indagar se existir o “prejuízo de difícil reparação” contemplado na a) do n.º1 aludido.
Para os devidos efeitos, entendemos que é prudente e equilibrada a jurisprudência que inculca (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º194/2012 e n.º129/2012/A): a interrupção do ensino regular primário, secundário ou universitário – assume o “prejuízo de difícil reparação”.
Na mesma linha de valoração e sem necessidade de explanação mais desenvolvida, colhemos que se verifica o requisito consignado na a) do n.º1 do art.121.º do CPAC, dado que é razoavelmente previsível que a imediata execução do despacho suspendendo determinará inevitavelmente a interrupção ou, ao menos, a séria dificuldade de continuação do ensino secundário do 3º Requerente.
Ora bem, tudo isto impende-nos a concluir que se verificam in casu todos os requisitos prescritos no n.º1 do art.121.º do CPAC, pelo que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia dos Requerentes.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”; (cfr., fls. 66 a 67).
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Nada parecendo obstar, urge decidir.
Fundamentação
2. O presente pedido de “suspensão da eficácia de actos administrativos” – matéria regulada nos art°s 120 e segs. do C.P.A.C. – constitui uma “providência cautelar” que visa impedir que, durante a pendência de um recurso ou acção, ocorram prejuízos ou que a situação de facto se altere de modo a que a decisão que se vier a proferir, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão puramente platónica.
Apresentando-se-nos de considerar desde já que aos ora requerentes assiste “legitimidade” para o pedido que deduziram, (pois que tem “interesse pessoal e directo” na pretensão apresentada; cfr., art. 121°, n.° 1 do C.P.A.C.), e, salientando-se em causa não está agora a “legalidade” do acto administrativo em questão, (cfr., v.g., os Acs. do T.U.I. de 17.12.2009, Proc. n.° 37/2009 e de 13.01.2021, Proc. n.° 212/2020), importa apreciar se verificados estão os requisitos legais para a concessão da requerida “suspensão de eficácia”.
Nos termos do art. 120° do C.P.A.C.:
“A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
E, nesta conformidade, claro é que só os actos “positivos” ou “negativos com vertente positiva” são passíveis de suspensão da sua eficácia.
Como sobre este aspecto – bem – observa José Cândido de Pinho:
«“Acto administrativo de conteúdo positivo” é todo aquele que altera a ordem jurídica existente no momento em que é praticado. Introduz modificações na ordem jurídica e nas posições jurídicas substantivas dos interessados em relação ao que antes dele (acto objecto do pedido) acontecia. São exemplos disso, os actos de nomeação de um funcionário, os actos de demissão, ou os actos de autorização.
Portanto, e ao contrário do que sugere o adjectivo “positivos”, para este efeito não se refere o legislador apenas aos actos favoráveis, àqueles que se reflectem positivamente na esfera de direitos e interesses dos interessados.
O vocábulo “positivos” tem aqui um sentido mais vasto, de modo a cobrir qualquer invasão daquela esfera, tanto favorável, como negativamente. Quer dizer, também os actos desfavoráveis ao requerente são considerados actos positivos na acepção que aqui está em causa, na medida em que alteram um “status” anterior. Portanto, desde que haja um corte total ou parcial com o passado, alterando-o, desde que o acto seja total ou parcialmente ablativo relativamente a uma situação anteriormente existente, desde que haja uma perda ou diminuição da posição jurídica substantiva do interessado requerente, estaremos também perante um acto positivo como condição de acesso ao uso do meio de suspensão de eficácia. Exemplo disso é o acto que determina a cassação de uma licença ou impõe a cessação de uma actividade»; (in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, pág. 190 e segs.).
Dest’arte, e tendo em conta os “efeitos” da “decisão administrativa” agora em questão – que declara nulos os actos com os quais se tinha reconhecido aos requerentes o “direito a residir na R.A.E.M.” – evidente se apresenta que se está perante um “acto positivo”, (que, aliás, ninguém parece contestar), e, assim, passível de suspensão da sua eficácia.
Continuando, importa então ter presente que nos termos do art. 121° do C.P.A.C.:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.
Atenta a redacção do preceito em causa, tem-se vindo a entender que os requisitos enumerados nas transcritas “alíneas a), b) e c)” são de verificação “cumulativa”; (cfr., v.g., entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 16.05.2018, Procs. n°s 21/2018 e 38/2018, de 04.10.2019, Proc. n.° 90/2019, de 26.02.2020, Proc. n.° 136/2019, de 13.01.2021, Proc. n.° 212/2020 e, mais recentemente, de 29.07.2024, Procs. n°s 82/2024 e 85/2024).
–– Relativamente ao previsto na “alínea a”, vale a pena recordar o seguinte excerto do comentário por Cândido de Pinho efectuado:
“8 – (…)
Com o advérbio- previsivelmente, está o legislador a alertar que o interessado invoque e prove uma situação de facto de onde se extraia com muita probabilidade a ocorrência dos danos. Quer isto dizer, que o requisito em apreço não se basta com uma alegação vaga, superficial, mais ou menos conclusiva dos danos. Também não é suficiente invocar ou reproduzir as palavras da lei. É preciso expor e especificar muito bem a situação factual concreta, de modo a que fique bem claro que, sem a suspensão, a esfera jurídica do interessado ou dos que ele defende, ficará muito provavelmente lesada. É que, neste capítulo, a alínea demonstra perfeitamente que não estamos perante um quadro de presunção “iuris tantum” acerca da existência do prejuízo.
Depois, é preciso ainda que os efeitos danosos sejam de tal modo severos que se tomem de difícil reparação. É evidente que este é um conceito indeterminado. Mas até por assim ser, mais cuidado deve o requerente elaborar e expor um quadro fáctico bem fundamentado, capaz de convencer o tribunal de que o recurso contencioso bem sucedido seguido da execução do julgado dificilmente será apto a reparar os prejuízos sofridos, a ponto de repor integralmente a situação actual hipotética. Portanto, deverá ser neste requisito que o recorrente deve depositar a sua máxima atenção.
E claro que a prova aqui não tem que ser cabal, perfeita e exaustiva, como aquela que se faz geralmente numa acção; em vez disso, é perfunctória, característica e própria de uma providência cautelar, de processado urgente. Isso, contudo, não desobriga o interessado de narrar circunstanciadamente os factos, expor muito bem a sua situação jurídico/material pretérita e actual, bem como os danos advenientes e futuros que sejam causa do acto suspendendo. O referido conceito indeterminado deve ser, portanto, densificado o máximo que puder ser através de factos que sejam verosímeis e demonstráveis, sem prejuízo daqueles que, por muito evidentes, tenham a natureza de notórios (art. 250°, n°2 do CC e 434°, do CPC).
(…)
12 – Deve ter-se em conta que os danos a invocar e provar são os danos que devem resultar do acto através de um juízo assente na lógica e na consequência pura. Quer dizer, segundo um padrão objectivo, os prejuízos hão-de decorrer da execução do acto, de tal modo que é pressuposta a verificação de uma relação de causa-efeito entre o acto e a sua execução. Desta feita, entende-se que ficam fora da previsão da alínea os prejuízos hipotéticos, eventuais e conjecturais.
13 – E os danos morais serão de considerar na figura?
Qualquer decisão ablativa, qualquer acto decorrente de uma Administração dita “agressiva”, até mesmo qualquer indeferimento pode provocar aborrecimentos, dores de cabeça, arrelias, mal-estar; é natural, é próprio da reacção do ser humano perante uma adversidade. E pode ser ainda uma “perda de face”, uma indignidade perante a sociedade em geral ou perante um grupo (profissional, social, lúdico, desportivo, etc.) no qual o interessado se encontre incluído, uma humilhação, a vergonha profunda, um forte desgosto, etc.
Também não repugna admitir que a demolição da casa, que sempre serviu de moradia do requerente e da sua família mais próxima e directa e que, portanto, neles criou uma ligação afectiva, ou a separação de uma mãe do seu filho menor de terna idade, que dos seus cuidados e amparo precisa, haverá de gerar danos desse tipo.
Todavia, independentemente da verificação de danos morais, o que releva para a caracterização do requisito será intensidade deles. E isso, só casuisticamente pode ser analisado. Portanto, o que podemos dizer é que os danos morais não estão necessariamente afastados da previsão da norma em apreço; devemos, por outro lado, entender que só devem ser atendidos aqueles que, pela sua gravidade, intensidade e objectividade, mereçam a tutela do direito. Assim o proclama o art. 489° do Código Civil”; (cfr., v.g., ob. cit., Vol. II, pág. 214 e segs., e, no
mesmo sentido, V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, pág. 347 e segs., assim como, entre outros, os Acs. deste T.U.I. de 13.01.2021, Proc. n.° 212/2020 e de 29.07.2024, Proc. n.° 82/2024).
In casu, dos elementos dos presentes autos – e da consulta que se efectuou ao processo principal – julga-se de considerar relevante e assente que:
- os (1ª e 2°) requerentes, A e B, casados entre si, obtiveram autorização de residência em Macau – com base na aquisição de um imóvel – em 11.04.2006, obtendo os seus Bilhetes de Identidade de Residente Permanente em 16.09.2013;
- o (3°) requerente, C, é filho dos (1ª e 2°) requerentes, A e B, nascido em Hong Kong em 26.12.2005, tendo sido autorizado a residir em Macau em 29.12.2008 e obtendo o seu B.I.R. Permanente em 05.02.2016;
- a (1ª) requerente A é (essencialmente) doméstica, ocupando-se por vezes de alguns trabalhos em regime de “trabalho parcial”;
- o (2°) requerente B trabalha no “[Empresa]” como “técnico de manutenção”, auferindo mensalmente cerca de MOP$19.000,00;
- o (3°) requerente C, estuda em Macau, no 11° ano de escolaridade, encontrando-se em vias de prosseguir os seus na Universidade;
- os (1ª, 2° e 3°) requerentes residem habitualmente em Macau desde as suas autorizações de residência;
- por decisão transitada em julgado em 10.12.2015, foi a (1ª) requerente A condenada pela prática de 1 crime de “falsificação de documentos”, p. e p. pelo art. 18°, n.° 1 e 2 da Lei n.° 6/2004;
- na sequência de tal decisão condenatória elaborou o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a seguinte Proposta:
“Assunto: Proposta de declaração de nulidade do acto de autorização de residência temporárias dos interessados.
(P2139/2005, 2139/2005/01A, 2139/2005/01R, 2139/2005/02R, 2139/2005/03R)
Proposta N.º PRO/00319/AJ/2023
Data: 13/02/2023
IPIM
Em 06 MAR 2023
Entrada
Assinatura (vide o original)
V. Exa. Senhora Directora do Departamento Jurídico e de Fixação de Residência, D,
1. A requerente A foi concedida em 11 de Abril de 2006, nos termos do artigo 1.º, alínea 4), artigos 3.º e 5.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 e com fundamento na aquisição de bens imóveis, a autorização de residência temporária, e o seu cônjuge B foi concedida a autorização de residência temporária por extensão da autorização de residência temporária da requente. Posteriormente, a autorização de residência temporária foi extendida, em 29 de Dezembro de 2008, ao descendente da requerente C. Os pedidos de renovação da autorização de residência temporária dos 3 interessados acima mencionados foram autorizados respectivamente em 20 de Maio de 2010 e 13 de Maio de 2013, cuja validade da autorização de residência temporária era até ao dia 8 de Março de 2016 (v. anexo 5).
2. A requerente A e o seu cônjuge B foram emitidos bilhetes de identidade de residente permanente de Macau em 16 de Setembro de 2013, e o seu descendente C foi emitido a “Declaração de Confirmação” (v. anexo 1) por este Instituto em 5 de Fevereiro de 2016, a seguir, foi lhe emitido o bilhete de identidade de residente permanente de Macau.
3. Conforme o documento constante do auto n.º 2139/2005, a requente apresentou o certificado notarial n.º 2005 Shi Zheng Zhi no. 1364 emitido pelo Cartório Notarial da cidade de Shi Shi da província de Fujian da República Popular da China no seu primeiro pedido, pelo qual, comprovou que a cópia do certificado do ensino secundário do curso que a requerente tinha frequentada entre Setembro de 1999 e Julho de 2002 na 6ª Escola Secundária da cidade de Shi Shi da província de Fujian está conforme o original do certificado de ensino secundário “Gao” Bi Zi (03) n.º 7906239, e o selo branco “selo exclusivo da Direcção de Educação da cidade de Shi Shi” e os carimbos de “6ª Escola Secundária da cidade Shi Shi da província Fujian” e do Director da Escola E são verdadeiros.
4. Em 4 de Janeiro de 2016, este Instituto recebeu uma cópia do acórdão penal (Processo n.º CR-1-15-0057-PCC) relacionado com a requerente proferido pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base de Macau, esta sentença condenatória foi transitada em julgado em 10 de Dezembro de 2015 (v. anexo 2), e segundo o aludido acórdão, foram provados os seguintes factos:
1) Em 2005, A comprou por via desconhecida no interior da China um certificado notarial de certificado do ensino secundário falsificado em que continha o conteúdo de conclusão do ensino secundário, pela requerente, na 6ª Escola Secundária da cidade de Shi Shi da província de Fujian (ou seja, o documento de habilitações académicas referido no ponto 3 da presente proposta), na altura em que ela obteve o documento mencionado, sabia perfeitamente que o certificado notarial era falsificado, todavia, com o objetivo de cumprir o requisito de habilitações académicas para a residência por investimento, apresentou ainda, em 23 de setembro de 2005, esses documentos para solicitar a autorização de residência temporária com a intenção de enganar outras pessoas e o Governo de Macau, e A acabou por obter o bilhete de identidade de residente de Macau.
2) A Procuradoria Popular Suprema da República Popular da China provou que o documento apresentado por A era documento falsificado.
3) Por isso, A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento p.p. pelo artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 6/2004, foi condenada pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses com condição de a arguida pagar, no prazo de 3 meses após o trânsito em julgado do acórdão, à Região Administrativa Especial de Macau um montante de MOP10.000,00 a título de reparação dos males causados pelo crime cometido por ela.
5. Uma vez que a requerente apresentou o documento falsificado aquando pediu a autorização de residência temporária, que se trata de um acto criminoso, induzindo a Administração Pública da pratica do acto administrativo de autorização de residência temporária com base no aludido documento falsificado, o que resultou a que o acto administrativo padece vício de nulidade, e nos termos do artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo, este Instituto emitiu, em 23 de Julho de 2019, aos interessados audiência escrita (v. anexo 3).
6. Os interessados apresentaram, em 5 de Setembro de 2019, a resposta (v. anexo 4) através do advogado constituído, o conteúdo é o seguinte:
1) Os interessados tornaram-se residentes permanentes de Macau, por isso, eles gozam do direito de residência nos termos da Lei Básica e do artigo 2.º da Lei n.º 8/1999, e o aulido direito não pode ser negado por acto administrativo da Administração. Por outro lado, os interessados não dispõem da situação de perda do direito de residência estipulada no artigo 2.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999, portanto, os interessados devem continuar a gozar do seu direito de residência.
2) Os actos criminosos mencionados no artigo 122.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo devem ser os actos da Administração Pública, os actos praticados na matéria administrativa por entidade que não é a Administração Pública, e os crimes cometidos pelas organizações privadas com o fim de interesses púbicos no exercício das suas actividades. Por isso, a requerente cometeu crime, mas isto não faz parte de qualquer um dos actos administrativos acima mencionados, portanto, não deve ser vinculado pelo Código de Procedimento Administrativo, e também não é aplicável, ao acto pertinente, o disposto do artigo 122.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo.
3) Mesmo que o acto administrativo de autorização de residência temporária seja nula, porém, segundo o disposto do artigo 123.º, n.º 3 do Código de Procedimento Administrativo : “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”, os interessados consideram que o efeito do facto de que eles tinham residido em Macau a partir do dia em que foram emitidos os bilhetes de identidade de residente não permanente de Macau até a presente data deve ser mantido.
4) De facto, os interessados têm residido legal, habitual e consecutivamente em Macau por mais de 7 anos, o efeito do facto relevante não pode ser negado ou anulado, além disso, a requerente e seu cônjuge estão em Macau há mais de 13 anos desde 2006, no momento em que eles foram concedidos a autorização de residência temporária, e o seu filho começou a viver e estudar em Macau a partir de Março de 2009, eles estabeleceram-se em Macau e estão a viver estavelmente.
5) A requerente cometeu crime, mesmo assim, a Administração Pública dispõe do poder discricionário em matéria de autorização de residência temporária, e não é necessariamente proferir a decisão de indeferimento da autorização de residência, por isso, desejaria que este Instituto considere as circunstâncias pertinentes, mantendo a autorização de residência temporária concedida aos interessados e o direito de residência em Macau dos mesmos.
7. Quanto à opinião constante da resposta de audiência escrita acima referida, a análise é a seguinte:
1) nos termos do artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo,
“Artigo 122.º (Actos nulos)
1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2. São, designadamente, actos nulos:
a) ……;
b) ……;
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
……”
2) No que diz respeito a explicação da disposição acima mencionada, conforme os acórdãos n.ºs 11/2012, 48/2012 e 29/2018 proferidos pelo Tribunal de Última Instância, refere-se o conteúdo seguinte: “……em termos literais, poderia parecer não ter aqui aplicação a alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo. Contudo, a doutrina tem feito uma interpretação extensiva da norma, que é totalmente justificável. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS sustentam que: “A expressão «actos administrativos que impliquem a prática de um crime» tem que ser objecto de interpretação extensiva: não estão em causa apenas as situações em que o acto administrativo em si preenche um tipo penal, mas todas aquelas em que o acto administrativo envolva, na sua preparação ou execução, a prática de um crime. Exemplos de actos administrativos que implicam a prática de crimes: um acto administrativo de conteúdo difamatório para o seu destinatário; um acto praticado sob extorsão; uma ordem dada por um superior a um subalterno para que exerça violência física injustificada sobre pessoas”, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM4 escrevem: “Consideramos abrangidos na parte final desta alínea c) –mesmo se parece estranho o facto do legislador se referir apenas ao «objecto» do acto administrativo –também aqueles que, não sendo crime por esse lado, o são pela sua motivação ou finalidade, quando esta seja relevante para a respectiva prática. Diríamos, portanto, serem nulos não apenas os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime……”.
3) Segundo as opiniões das sentenças acima mencionadas, o acto criminoso consagrado no artigo 122.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento Administrativo, abrangendo não só os actos cujo objecto constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime.
4) In casu, a requerente foi condenada pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento p.p. pelo artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 6/2004, o aludido acórdão foi transitado em julgado. O objectivo do crime cometido pela requerente é para obter a qualidade de residente de Macau, sem dúvida que a requerente foi autorizada a sua residência temporária e a qualidade de residente de Macau com base do certificado notarial proveniente da habilitação académica falsificada, no sentido de preencher os requisitos da habilitação académica estipulados pela lei (artigo 3.º, alínea 2) do Regulamente Administrativo n.º 3/2005).
5) O então Chefe do Executivo praticou, em 11 de Abril de 2006, o acto de autorização de residência temporária concedida a requerente e ao seu cônjuge, o que se baseou no certificado do ensino secundário falsificado da requerente (documento falsificado “certificado notarial n.º 2005 Shi Zheng Zhi no. 1364 emitido pelo Cartório Notarial da cidade de Shi Shi da província de Fujian da República Popular da China”), o aludido acto administrativo foi praticado com base no acto criminoso cometido pela requerente, com a intenção de obter a autorização de residência temporária em Macau, fingindo que preenche os requisitos para requerer autorização de residência temporária em Macau, quando não possui as condições para obter a autorização de residência temporária, o que resultou num acto criminoso ao praticar o acto administrativo em causa. De acordo com a interpretação da decisão judicial acima referida, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, alínea c), do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto administrativo padece de vício de nulidade.
6) Ademais, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 16/2021 ‘Regime jurídico do controlo de migração e das autorizações de permanência e residência na Região Administrativa Especial de Macau.’ entrada em vigor em 15 de Novembro de 2021, estipula-se claramente que são nulos “as autorizações de entrada, de permanência e de residência, bem como as respectivas renovações ou prorrogações, que tenham sido obtidas com base em declarações falsas ou em documentação falsa, falsificada ou deturpada, ou autêntica mas pertencente a outrem, ou com base em qualquer outro meio fraudulento”.
7) No que diz respeito à aplicação do artigo 123.º, n.º 3 do Código de Procedimento Administrativo, passo a citar o acórdão n.º 76/2015 do Tribunal de Última Instância: “A verdade é que também aqui há (poder haver) efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade das relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do suum cuique tribuere, da igualdade, da não locupletamento, e até da realização do interesse público- princípios que podem, todos, ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da ‘absolutividade’ do acto nulo. Não pode, nunca, é assacar-se efeitos putativos favoráveis ao particular em cuja conduta se funda a nulidade do acto, como nos casos de coacção ou crime, ou até, simplesmente, de dolo ou má-fé do interessado.”
8) É obvio que, in casu, a requerente cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime de falsificação do documento, com a intenção de enganar terceiros e o Governo de Macau para obter a autorização de residência temporária e o direito de residência em Macau para si própria e para o seu agregado familiar.
9) Ao abrigo do disposto do artigo 123.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo, a Administração Pública pode, a qualquer momento, declarar a nulidade do acto administrativo pertinente.
8. Pelos expostos, em virtude de que a requerente A cometeu o crime de falsificação de documento quando esta apresentou o pedido de autorização de residência temporária, por consequência, a Administração Pública praticou o acto administrativo da autorização de residência temporária com base naquele documento em que constou conteúdo falso, o que resultou no padecimento de vício de nulidade do aludido acto administrativo da autorização de residência temporária. Após o processo de audiência, propõe-se à V. Exa. Chefe do Executivo, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 16/2021 aplicada subsidiariamente por força do artigo 23.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005,, e do disposto no artigo 122.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) e artigo 123.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso, declarar a nulidade do acto administrativo praticado pelo então Chefe do Executivo em 11 de Abril de 2006, de autorização de residência temporária concedida a requerente A e ao seu cônjuge B, e a nulidade dos actos subsequentes (o acto de autorização de residência temporária concedida ao descendente C e os actos de autorização de renovação de autorização praticados respectivamente em 29/12/2008, 20/5/2010 e 13/5/2013).
Submete-se a proposta acima referida para apreciação e despacho superior.
(…)”;
- submetida tal proposta à apreciação do Chefe do Executivo, sob a mesma foi exarado despacho de concordância datado de 02.03.2023; (sendo este o “acto administrativo” objecto do presente pedido de suspensão de eficácia).
–– Aqui chegados, quid iuris?
Da reflexão que sobre a “situação” retratada nos presentes autos, eis o que se nos mostra de consignar.
Cremos que se deve considerar verificado o necessário “prejuízo irreparável” dos requerentes.
Com efeito, importa ter presente que na sequência da decisão administrativa em questão, vem-se os ora requerentes na iminência de serem expulsos e terem de sair de Macau, onde tem vivido – habitualmente – há cerca de “18 anos”, onde o (2°) requerente B trabalha, auferindo o seu vencimento mensal (de MOP$19.000,00), com o qual os requerentes fazem face às suas despesas quotidianas, e onde o (3°) requerente C tem vindo a estudar, encontrando-se em momento de iniciar os seus estudos universitários, (valendo aqui atentar especialmente no teor do douto Parecer do Ministério Público e no que se consignou nos aludidos Acs. do T.S.I.).
E, assim, se visto está que Macau tem sido o seu “centro de vida – e de interesses – há mais de 18 anos”, inegável nos parece que se deve considerar que a aludida “expulsão”, implicando uma (súbita) cessação deste “status quo”, representa uma grave e séria ruptura e transformação da sua forma de vida, devendo constituir situação bastante para justificadamente integrar o conceito de “prejuízo irreparável” agora em questão.
Na verdade, e nos tempos que correm, em que ultrapassada se deve considerar a concepção tradicional de “prejuízo irreparável”, mais adequada é uma ponderação com base em critérios como o da “irreversibilidade” ou da “intolerabilidade”; (cfr., v.g., Vieira de Andrade in, “A justiça Administrativa”, pág. 168, podendo-se também ver o Ac. deste T.U.I. de 13.01.2021, Proc. n.° 212/2020).
Com efeito, em causa não está um (qualquer) “período de vida” de alguns (poucos) anos, (sejam eles 3, 5 ou 7 anos), mas de cerca de “18 anos”, (quase 20), o que, como se nos mostra bastante evidente, constitui um (bom) “bocado da vida de uma pessoa”.
Por sua vez, e como nos parece igualmente bastante claro, não se nos mostra de ter a “situação” dos autos como (potencialmente) causadora de uma “grave lesão para o interesse público”.
É óbvio que pela (1ª) requerente A foi cometido um ilícito penal que até já foi objecto de condenação transitada em julgado, necessária sendo assim uma (adequada) “resposta” a tal conduta.
Porém, importa também ter em conta – e não perder de vista – que os factos que integram o dito ilícito ocorreram em 2005, há quase “20 anos”, e que o próprio período de 2 anos e 6 meses de suspensão de execução da pena aplicada de 2 anos e 3 meses de prisão já decorreu, mais justo e adequado se mostrando assim de se ponderar na efectiva relevância de tais aspectos (negativos), e de os apreciar de acordo e em conformidade com a própria “proporcionalidade das coisas”…
Dest’arte, em conformidade com o que se deixou exposto, e porque (in casu) se nos apresentam verificados os pressupostos legais para uma decisão favorável à pretensão aqui em questão, julga-se de deferir o peticionado.
Decisão
3. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam decretar a suspensão de eficácia do já identificado acto administrativo.
Sem custas.
Notifique.
Macau, aos 08 de Novembro de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
Proc. 128/2024 Pág. 6
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