Processo n.º 205/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 23 de Janeiro de 2025
ASSUNTOS:
- Promessa de compra e venda, sinal e incumprimento da promessa
SUMÁRIO:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - Em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real. As partes não estipularam que em caso de incumprimento dos Autores a Ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores. Face ao expendido, deve concluir-se que foi acordado sinal no caso em apreço.
VII – Em face da ausência de factos essenciais, cujo ónus cabe aos Autores, não pode considerar-se aqui demonstrado o dano excedente alegado pelo mesmo e reportado à diferença entre o valor actual da fracção prometida vender e o preço da prometida venda. Não pode o tribunal conhecer de outro eventual dano não alegado pelos Autores para aferir se esse dano excede consideravelmente o valor do sinal e se, por isso, é indemnizável, nomeadamente não pode o tribunal ponderar eventual dano decorrente da privação durante vários anos do uso do imóvel prometido vender. Com efeito, esse dano não foi processado em discussão contraditória e não foi colocado à apreciação do tribunal, pelo que seriam excedidos os poderes de cognição do tribunal (arts. 563º, nº 3 do CPC).
VIII - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
IX - No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento. No que tange ao dano efectivo, a Ré limitou-se a dizer que, devido à impossibilidade superveniente da prestação, os Autores vão adquirir fracções autónomas equivalentes às que contrataram com a Ré e que terá um valor de mercado superior ao preço acordado.
X - A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo. No entanto, tem de ponderar-se que foi por razões imputáveis à Ré que o autor não teve hipótese de adquirir atempadamente a fracção autónoma prometida e que, se tivesse podido fruir dela desde a data em que lhe deveria ser entregue nos termos acordados, há cerca de sete anos, teria a hipótese de ter obtido e continuar a obter até à data, ainda desconhecida, em que receberá a “fracção sucedânea” um valor que não será muito inferior ao valor do sinal. A perda de tal hipótese é um dano e esse dano corresponde à diferença entre a situação actual do autor e a que teria se não fosse o “incumprimento” da ré (Art. 560º, nº 5 do CCM). Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelos Autores, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 205/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 23 de Janeiro de 2025
Recorrente : Recurso Interlocutório / Recurso Final
- A, Limitada (A有限公司)
Recorridos : - B (B)
- C (C)
*
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A – Recurso interlocutório:
A, Limitada (A有限公司), Recorrente, com os sinais identificativos nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 26/11/2021 (fls.1178 e ss.), veio, em 15/12/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1228 a 1250, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) Constitui objecto do presente recurso jurisdicional o despacho saneador, nos termos e ao abrigo do artigo 429º, n° 1 do CPC, que julgou improcedente a excepção peremptória através da qual a Ré se defende afirmando que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua, mas da actuação de Serviços da RAEM;
2) O despacho saneador recorrido padece da nulidade do artigo 571.º/1b) e d) do CPC e de erro de julgamento por erro de interpretação e aplicação da norma do artigo 429.º/1-b do CPC e de violação do princípio do dispositivo e dos direitos à prova e à tutela judicial efectiva;
3) O despacho recorrido explicita a decisão tomada apenas com base em razões jurídicas, omitindo a factualidade invocada pela Recorrente na sua defesa por excepção;
4) Assim, o despacho recorrido padece dos vícios decorrentes da falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e de omissão de apreciação sobre questão que devia apreciar, previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do n° 1 do artigo 571° do CPC, pelo que o mesmo enferma da respectiva nulidade.
5) De acordo com o despacho recorrido, os factos que fundam a excepção invocada pela Ré não produzem o efeito jurídico por ela pretendido, dado considerar que os contratos em discussão nos autos têm apenas efeitos inter partes, ordenando o prosseguimento dos autos para o conhecimento das demais questões;
6) Ora, o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, com fundamento em excepções peremptórias, pode acontecer nas seguintes situações: (i) encontrarem-se já provados todos os factos em que se funda uma excepção peremptória, com força probatória plena, por confissão, admissão ou documento; (ii) serem inconcludentes os factos em que se funda a excepção peremptória (inconcludência da excepção peremptória) ou encontrarem-se já provados, com força probatória plena, factos contrários àqueles;
7) Em ambas as situações verifica-se o interesse que presidiu à outorga de tal poder ao Tribunal para conhecer do mérito da causa, dado não se justificar o prosseguimento da acção, uma vez que, com segurança, é já possível decidir na fase da condensação;
8) Pela fundamentação do despacho recorrido constata-se que a situação apreciada foi subsumida na hipótese de inconcludência da excepção peremptória;
9) Considerou-se que era inútil produzir prova sobre os factos alegados que fundam esta excepção, porque mesmo que os mesmos fossem considerados provados, daí nunca poderia decorrer o efeito pretendido pela Ré, isto é, o efeito de impedir ou extinguir o efeito jurídico dos factos constitutivos do direito invocado pelos Autores;
10) Contrariamente ao decidido pelo Meritíssimo juiz a quo, não se verifica, nos presentes autos, uma situação de inconcludência de excepção peremptória;
11) O Tribunal recorrido erra porque confunde a relevância da teoria que nega a eficácia externa das obrigações com a situação em causa nos presente autos.
12) Se a teoria que nega a eficácia externa das obrigações pode de facto justificar (não existe unanimidade na doutrina e na jurisprudência) a inexistência de um direito directo dos credores (os Autores nos presentes autos) em face de terceiro (RAEM), tal como parece defender-se no despacho recorrido, a verdade é que a mesma nada pode, nem pretende, esclarecer sobre se terceiros podem ou não prejudicar ou tonar impossível o cumprimento de contratos como os dos autos;
13) Em geral, a responsabilidade do devedor pelo incumprimento definitivo, simples mora ou cumprimento defeituoso pode ser excluída sempre que tais situações derivem de facto do credor ou de facto não imputável nem a um nem a outro, sendo que esta última situação se verifica quando o incumprimento derive de facto de terceiro ou se trate de caso fortuito ou de força maior;
14) Os direitos de crédito podem ser prejudicados por facto de terceiro, o que assume relevância em termos de permitir ao devedor poder alegar e provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua;
15) Para este efeito, no caso dos autos, a RAEM é terceiro, podendo a sua actuação dificultar ou impossibilitar, tal como se sustenta no caso aqui em apreço, o cumprimento da obrigação por parte da Ré;
16) A teoria que nega o efeito externo das obrigações foi aplicada no caso dos autos de forma desadequada;
17) Ao aplicar tal teoria, numa situação em que a mesma não é cabível, considerando inconcludentes os factos que fundam a excepção peremptória alegada, ficou o despacho recorrido a padecer do referido erro de julgamento;
Sem conceder,
18) Mesmo que, por hipótese remota, se pudesse entender que tal teoria é aplicável o ao caso dos autos, o Tribunal recorrido não poderia tomar a decisão que tomou;
19) Tal teoria, como se realça no despacho recorrido, admite excepções na sua aplicação e o despacho recorrido não demonstra de forma cabal que as mesmas se não verificam, ficando-se por meras afirmações conclusivas como, tais como, "Analisando globalmente o teor das alegações da Ré, as mesmas não constituem a situação referida..." e "o facto alegado pela Ré não é suficiente para mostrar que a Assistente tenha manifestamente violado o requisito da boa-fé, ou que tenha intenção de prejudicar os Autores ...";
20) O estado do processo não permitia apreciar tais factos, dado os mesmos carecerem de mais provas, o que impunha que o Tribunal procedesse à selecção de toda a matéria de facto relevante integrante da causa de pedir e das excepções, com vista a permitir um julgamento seguro das questões em causa;
21) Sem o estabelecimento dos factos pertinentes e com as afirmações conclusivas referidas não se podia garantir a existência de "uma muito razoável margem de segurança quanto à solução a proferir", tal como a doutrina exige;
22) O despacho recorrido, na aplicação da teoria referida, dá por adquirido que o contrato dos autos tem a natureza de "contrato-promessa", não apreciando a questão que a Recorrente suscita sobre a natureza de tal contrato;
23) Os Autores sustentam que o contrato em discussão nos autos é um típico contrato-promessa; a Ré defende que é um contrato atípico, aparentado com a compra e venda de um bem futuro, produto de uma determinada conjuntura que se viveu durante vários anos em Macau até à publicação da Lei n° 7/2013, durante o qual foi celebrado o contrato aqui em causa, que na língua chinesa se denomina um contrato "Mai Lau fá";
24) O Tribunal recorrido não poderia. aplicar a referida teoria, que pressupõe a existência de direitos de crédito emergentes de um "contrato-promessa", sem primeiro ter tomado posição expressa sobre tal questão;
25) Estando perante uma questão doutrinária e jurisprudencialmente controvertida entende a doutrina o juiz deve ponderar o risco de o ganho em economia processual que a decisão antecipada representava vir a ser anulado e excedido pela perda resultante de eventual revogação da decisão em recurso;
26) As vantagens com a apreciação de tal excepção, desde logo no saneador, revelavam-se claramente diminutas face às graves desvantagens decorrentes de uma decisão de provimento de um recurso cuja interposição seria mais do que expectável;
27) O Tribunal recorrido, com a decisão tomada, revela claramente não ter feito tal ponderação;
28) Também pelas razões acabadas de apontar o despacho recorrido padece do referido vício de erro de julgamento;
29) Resulta do artigo 5º do CPC, que consagra o princípio do dispositivo, que é às partes que cabe a formação da matéria de facto da causa, através da alegação dos factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se-baseiam as excepções peremptórias;
30) Nos termos das regras de prova plasmadas nos artigos 335º, 337º, 343º e 788º do Código Civil, no caso vertente cabe ao autor provar os factos constitutivos do direito invocado e à Recorrente os factos impeditivos, modificativos e extintivos desse direito;
31) No entanto, tal actividade probatória pressupõe que a matéria de facto relevante para a decisão da causa seja previamente seleccionada pelo tribunal segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito;
32) Assim, um dos pressupostos da aplicação do artigo 429.°, n.° 1, alínea b), do CPC é o de não existirem outras soluções plausíveis a carecer de instrução;
33) Ora, delimitando o litígio, os Autores afirmam que a Ré, ora Recorrente, incumpriu cinco contratos por impossibilidade superveniente que lhe é imputável e que os deve indemnizar pelos danos decorrentes da impossibilidade de cumprimento; a Recorrente afirma que a existir tal impossibilidade, a mesma lhe não é imputável, mas a um terceiro, e que isso interfere na obrigação de indemnizar que os Autores lhe atribuem.
34) A solução de direito é completamente diferente numa e noutra situação;
35) Se existir tal impossibilidade do cumprimento da obrigação e a mesma for imputável à Ré, esta responde por incumprimento culposo, nos termos do artigo 790° do Código Civil;
36) No entanto, se essa impossibilidade não for imputável à Ré, esta apenas responde nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipula o artigo 784°/1 do mesmo Código;
37) Se os factos que constituem a excepção não forem incluídos na selecção da matéria de facto, fica a Recorrente impedida de provar a sua defesa e fica o Tribunal impedido de aferir da solução de direito plasmada no n° 1 do artigo 784° do Código Civil;
38) O que se discute é a eficácia dos factos praticados pela RAEM, enquanto factos jurídicos stricto sensu e não enquanto negócios jurídicos;
39) É a eficácia jurídica da actuação do terceiro que está em causa e não a eficácia jurídica de qualquer contrato que esse terceiro celebrou com a Recorrente;
40) A Recorrente deu cumprimento à segunda parte do artigo 5° do CPC, alegando os factos necessários ao preenchimento da sua defesa e juntando dezenas de documentos em suporte dos factos novos, impeditivos do direito que se arrogam os Autores, documentos esses que, aliás, constam dos autos;
41) Pelo que, é pertinente apurar tais factos e sem tal apuramento não estão reunidos os pressupostos necessários ao conhecimento do mérito da acção na fase do saneador;
42) A decisão recorrida ignorou as várias soluções plausíveis de direito, que lhe impunham a fixação dos factos pertinentes excepcionados eventualmente já provados, e não procedeu, quanto aos controvertidos, à elaboração do "questionário" em base instrutória que, novamente, respeitasse as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. art. 430°, n.º 1, do CPC)";
43) Deveria, assim, o Mmo. Juiz a quo aplicar o artigo 430.°, n.º 1, do CPC, em vez de aplicar o artigo 429.°, n.º 1, alínea b), do mesmo Código;
44) Não o tendo feito, além de incorrer em nulidade, incorreu em erro de julgamento;
45) A douta decisão recorrida oblitera a defesa da Recorrente com base na imputabilidade da impossibilidade definitiva do cumprimento a terceiro, denegando à Recorrente a justiça a que tem direito.
46) O despacho recorrido viola, nomeadamente, as normas dos artigos 1°, 5°, 429°, n° 1, al. b), 430°, n° 1, 562º, nºs. 2 e 3, e 571°, n° 1, als. b) e d), todos do CPC, bem como os artigos 343°, 400.º/2, 784° e 788° do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, anulada a douta decisão recorrida com as demais consequências legais, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
*
B – Recurso da decisão final:
A, Limitada (A有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 17/10/2023, veio, em 27/10/2023, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1436 a 1458, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização à Recorrida, no montante global de HKD$4.416.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 9,75% ao ano, a contar desde a data da citação da Recorrente e até integral pagamento.
2. Não se logrou provar em julgamento que a vontade real das partes contratantes foi a da antecipação do cumprimento da obrigação a cargo do comprador, o que obviou à ilisão tout-court da presunção legal de que beneficia o "promitente-comprador", derivada do artigo 435º do Código Civil (CC), mas, salvo melhor opinião, se a ilisão não ocorreu por esta via, ocorre pela via da operação jurídica de qualificação do contrato.
3. A qualificação do contrato passa pela interpretação das suas cláusulas, tendo em conta as regras contidas nos artigos 228º (sentido normal da declaração), 229º (casos duvidosos) e 230º (negócios formais) do CC.
4. A respeito da letra dos contratos, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
5. In casu, embora as partes intitulem o contrato como "contrato-promessa", trata-se de uma tradução imprecisa de "Mai Lou Fa" (買樓花), em língua chinesa, cujo significado seria mais correctamente traduzido para "contrato de compra e venda em projecto".
6. Expressões como "o preço" ou a "venda" abundam na letra do contrato (vg. Cláusulas 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10 e 26), apontando para uma compra e venda imediata de um bem futuro, carente apenas da sua redução a escritura pública.
7. A expressão e conceito de "sinal" não aparece uma única vez no clausulado.
8. Oralmente, em cantonense, "sinal" e "depósito" pronunciam-se ambos "Teng Kam", todavia, tratando-se de diferentes conceitos, a escrita é naturalmente diferente: "sinal" escreve-se com os caracteres “定金” e "depósito" escreve-se com os caracteres "訂金".
9. Na versão original, em chinês, da cláusula 5 a de ambos os contratos, os caracteres são "訂金", significando "depósito".
10. As partes, ao optarem e acordarem numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão "訂" referente ao conceito de "sinal" (com o sentido de penalização), em prol da expressão "訂金", correspondente ao conceito de "depósito" (que não tem sentido penalizador), estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
11. Como refere Menezes Cordeiro no Parecer Jurídico ora junto, essas prestações devem ser qualificadas como "reserva" e não como "sinal" (vd. págs. 67 e 68 do Parecer).
12. Por seu turno, a cláusula 22ª do mesmo contrato afasta, tacitamente, a possibilidade de a Recorrente poder fazer obras nas próprias fracções.
13. O que, salvo melhor opinião, significa que os poderes da Recorrente se circunscrevem à estrutura e à concepção estética do edifício e que, quanto às fracções autónomas transaccionadas, os adquirentes são livres de as decorar e apetrechar conforme lhes aprouver, desde que não interfiram com a estrutura e estética do edifício.
14. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro.
15. A previsão da cláusula 9ª dos contratos em apreço, tem por fim, por um lado, possibilitar à Recorrente conhecer o novo titular da obrigação de pagamento das prestações acordadas com o cedente até à entrega e ocupação da fracção transmitida e, por outro lado, fiscalizar a legalidade da transmissão, nomeadamente, evitando a transferência da mesma fracção a diferentes terceiros.
16. Do mesmo modo, qualquer cessão, para produzir efeitos, implica a autorização do Cedido, nos termos do artigo 418º do CC, derivando desta obrigatoriedade a circunstância de a mesma estar prevista na cláusula 9ª.
17. In casu, futuramente, com a entrega da fracção após construída, a Recorrente fica totalmente desligada das razões que estavam na base de tal cláusula, pelo que desaparece a sua aplicabilidade.
18. A necessidade de se celebrar no futuro uma escritura pública de compra e venda é, nos termos do artigo 866º do CC, uma formalidade absolutamente essencial.
19. Assim, sendo ou não contratos-promessa, os contratos em causa teriam sempre que ser formalizados através da celebração de um segundo contrato, nomeadamente da referida escritura.
20. Pelo que, ressalvado diverso entendimento, também não é por via da cláusula 9ª dos contratos em apreço que se pode qualificá-los como contratos-promessa.
21. Já as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
22. as obrigações da Recorrente previstas nos contratos em causa incluem a obrigação de construir e de entregar a fracção autónoma objecto desse contrato, sendo que a obrigação de entregar a coisa é um efeito essencial da compra e venda e não do contrato-promessa (al. b) do artigo 869º do CC).
23. Os textos preliminares e circundantes conectados com os contratos em questão, designadamente, os documentos de fls. 68 e 71 e os recibos de pagamento, onde se escreveu sempre a palavra “preço” (價金), também apontam, no caso vertente, para uma perspectivação dos contraentes outra que não a do contrato-promessa.
24. Relativamente ao elemento histórico subjacente aos contratos em causal há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei n° 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
25. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, "Estes 'contratos-promessa' têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção".
26. Daí que os dois contratos ora em discussão possuem em anexo a planta de cada fracção respectivamente adquirida, escolhidas, em projecto, pelos Recorridos.
27. O que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
28. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que os contratos em discussão nos presentes autos se tratam de contratos-promessa típicos, a verdade é que, por todo o exposto em sede de alegação do presente Recurso quanto à interpretação das declarações negociais, as quantias que a Recorrente recebeu configuram um cumprimento antecipado tendo em vista a satisfação de obrigação futura.
29. A indemnização a cargo da Recorrente e a favor dos Recorridos deve, existindo, ser calculada, crêmos nós, com base nas regras do instituto do enriquecimento sem causa.
30. Aplicando-se ao caso subjudice as regras do enriquecimento sem causa, o valor total da indemnização cifra-se em HKD$2.208.000,00, equivalentes a MOP$2.274.240,00, acrescido dos respectivos juros calculados pela forma sentenciada.
31. Se por hipótese se considerar que os contratos em apreço se tratam de típicos contratos-promessa, seria manifestamente excessiva a condenação da Recorrente no pagamento do dobro das quantias que recebeu dos Recorridos, devendo antes arbitrar-se uma compensação com base em critérios de Equidade, nos termos dos artigos 436°/5 e 801° do CC.
32. A douta sentença recorrida não tomou em consideração todas as circunstâncias susceptíveis de influir em tal decisão, nomeadamente, os benefícios que os Recorridos obtiveram tendo por fonte o incumprimento contratual gerador da indemnização a cargo da Recorrente.
33. Com efeito, tendo sido dado por provado que os Recorridos vão receber uma fracção autónoma de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção mais valiosa das duas que constituem os objectos dos contratos aqui em causa, cujo valor de mercado será bastante superior ao valor inicialmente pago por eles à Recorrente e que existe um nexo de causalidade entre esta situação e o dano efectivo que os Recorridos terão sofrido em função do incumprimento contratual imputado à Recorrente, não pode deixar de se tomar em conta este factor no juízo a proferir quanto ao deferimento ou não do pedido subsidiário formulado pela Recorrente.
34. A possibilidade de os Recorridos usufruirem tal benefício foi concedida pela RAEM por via legislativa, com a publicação de legislação específica visando este segundo remédio para o incumprimento contratual imputado à Recorrente, nomeadamente, através da Lei n° 8/2019 conjugada com o Despacho do Chefe do Executivo n° 89/2019.
35. E, ainda, o mesmo terceiro, a RAEM, procedeu por via legislativa à devolução da totalidade do imposto de selo anteriormente pago pelos Recorridos por conta dos dois contratos em discussão.
36. Pelo que, em consequência, é facto incontornável que o dano efectivo dos Recorridos já foi por esta via significativamente mitigado.
37. Assim, salvo melhor opinião, mesmo sendo verdade que os Recorridos sempre continuarão privados da outra fracção que pretendiam, é assaz evidente que que o valor da condenação do pagamento do sinal em dobro, constitui uma quantia manifestamente excessiva a pagar aos Recorridos,
38. Aparentemente, a douta sentença recorrida decidiu como se os Recorridos nenhum benefício tivessem colhido da situação de incumprimento em discussão.
39. Tal como não tomou em conta a menor gravidade da culpa da Recorrente
40. Mesmo durante o ano de 2015 e até 23/12/2015, a Recorrente aproveitou o terreno e concluiu todo o trabalho de fundações, o que demonstra a sua boa fé e vontade de cumprir os contratos.
41. Depois, consta de fls. 77 e seguintes dos autos, junto pelos Recorridos, em Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Última Instância (TUI) no Processo n° 7/2018, em 23 de Maio de 2018, que a Recorrente recorreu da decisão de declaração de caducidade da concessão para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) e não tendo recebido provimento de tal Recurso em douto Acórdão de 19/10/2017, dele recorreu para o mais Alto Tribunal da RAEM, o TUI, assim se confirmando a efectiva vontade da Recorrente em construir o empreendimento "XXX".
42. Da conjugação do Facto Provado n° 20 deste Acórdão com os documentos autênticos constantes de fls. 1113 e 1135 dos autos, verifica-se que a Recorrente requereu a emissão da licença para construção das fundações em 22/10/2013, mas esta apenas foi emitida em 02/01/2014, com validade até 28/02/2014.
43. E resulta do artigo 3° do Regulamento Geral da Construção Urbana que o prazo para a emissão de tal licença é de 15 dias.
44. Ainda, dos Factos Provados nºs. 21 a 28 do referido Acórdão em conjugação com o Facto Assente da Alínea T) nos presentes autos, resulta que em 15/01/2014 a Recorrente pediu a prorrogação do prazo de aproveitamento, tendo-o feito de novo em 30/01/2014 e em 04/06/2014, havendo recaído decisão sobre estes pedidos somente em 24/07/2014.
45. Resulta da lei e da cláusula 5ª/7, do contrato de concessão junto pelos Recorridos constante de fls. 32 e seguintes dos autos, que o prazo para a DSSOPT responder é de 60 dias.
46. Resulta do Facto Provado n° 19 do referido Acórdão em conjugação com os documentos constantes de fls. 447 a 1012, que tendo a DSSOPT exigido à Recorrente a apresentação e aprovação de um Estudo de Impacto Ambiental sem o que não poderia esta pedir a licença de obra, a DSPA formulou sucessivamente pareceres e exigências com as consequentes apresentações pela Recorrente, até 29/08/2013, com a aprovação definitiva do projecto de obra, notificado à Recorrente em 15/10/2013.
47. E também resulta dos Factos Provados 29 e 30 do referido Acórdão, que a Recorrente em 27/11/2015 fez um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento por período não inferior a 60 meses, indeferido em 30/11/2015.
48. O exposto reconfirma que a Recorrente tudo tentou para poder aproveitar o terreno e entregar as fracções autónomas aos Recorridos, o que, com todo o respeito, deveria ter sido tomado em conta pela douta sentença recorrida mas não foi.
49. O projecto global de arquitectura foi apresentado pela Recorrente em 22/10/2009 e encontra-se junto aos autos a fls. 415 a 428, mas apenas foi aprovado em 07/01/2011 (fls. 447 e 448), sendo ambos documentos autenticados por notário com plena força probatória.
50. Ressalvado diverso entendimento, de todo o exposto, verifica-se, portanto, que se a Recorrente tem culpa no incumprimento tal culpa é diminuta.
51. Acresce ser facto notório que a Recorrente celebrou milhares de contratos idênticos aos dos presentes autos, os quais não foi possível cumprir pelas mesmas razões e circunstâncias, pelo que existe uma impossibilidade de cumprimento global que deve seguramente receber, por questões de equidade, tratamento diferenciado.
52. E, finalmente, note-se que os Recorridos não chegaram a adquirir nenhuma fracção autónoma à Recorrente por inteiro, apenas tendo-lhe pago 30% dos respectivos preços contratados, pelo que não há a certeza se iriam ou não concluir os negócios, pagando a totalidade dos preços das duas fracções.
53. Ponderando-se em todos estes factos, na óptica da Recorrente a douta sentença deveria, com todo o respeito, arbitrar uma indemnização com base em juízos de equidade ao abrigo do artigo 801° do CC, aplicável ex vi do artigo 436°/5 do mesmo Código.
54. Alternativamente e no mínimo, deveria, pelo menos, ter lugar uma redução proporcional do quantum indemnizatório tomando em consideração a atribuição, por via legislativa, de uma fracção aos Recorridos em condições excepcionais.
55. Quanto à fracção "14-F", melhor identificada nos autos, arbitrar-se-ia uma indemnização equivalente ao sinal em dobro, no valor de HKD$2.202.000,00.
56. Quanto à fracção autónoma "14-G", melhor identificada nos autos, arbitrar-se-ia uma indemnização equivalente ao sinal em singelo, HKD$1.107.000,00.
57. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228°, 229°, 230°, 435°, 436°, 467°, 473°/1 e 801° do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
*
B e C, Recorridos, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1540 a 1552, tendo alegado o seguinte:
1. 在上訴陳述中認為“被上訴判決”合同中存在“定金”是錯誤的理解;
2. 同時,亦認為上訴人與被上訴人之間所簽訂的應該是一份「將來物的買賣合同」;
3. 因此,被上訴法庭不應該透過被上訴判決判處上訴人須要向被上訴人支付雙倍“定金”作為賠償,這基於有關“訂金”不是現行法例上所規定的“定金”,而所簽訂的合同也不是預約買賣合同;
4. 加上特區政府對被上訴人的多項措施已經令被上訴人獲已經獲得多項賠償,所以雙倍定金的賠償對上訴人來說是過多,又或者,基於上訴人不能履行有關合同的原因是不可歸責,其責任是應被考慮為輕微,而被上訴人上述的損失已經透過其他措施所補償,包括:財政局退回所繳納印花稅,被上訴人取得了置換房等等,上訴人對被上訴人應該可以減輕等等;
5. 上訴人在提交陳述時亦提交一份法律意見,但有關法律意見的事實前提與本案的已證事實不同,因此被上訴人認為該意見內所陳述的情況不應該完全應用在本案中;
6. 至於陳述書的其他上訴理由,在尊重不同意見的前提下,被上訴人完全不同意上訴人上訴的理解,並認同“被上訴判決”的全部理由,並應該維持該判決的全部結果。
A. 關於定金的性質
7. 上訴人指合同中的被上訴人分階段向上訴人支付的樓款部份“樓款”應該定性為「訂金」,而不是現行《民法典》第436條所規定的定金;
8. 因為訂金和定金在含意不是同一內容,訂金只有優先預定的含意,當出賣人無法履行交易的內容時,出賣人只負退回“訂金”的責任;
9. 根據合同第5條規定,被上訴人每屆規定付款期限,必須如期支付,逾期則作被上訴人違約及「撻訂論」,而上訴人有權沒收被上訴人所有已付的樓付,並無償將被上訴人承購之單位收回及另行轉售予第三者,被上訴人不得異議或要求任何賠償。換言之,被上訴人必須無條件放棄一切權益;
10. 上述條文中,可以發現只有「撻訂」一詞,沒有正式使用「訂金」或「定金」一詞;
11. 可見上訴人認為「撻訂」中的「訂」就是「訂金」;
12. 然而,「撻訂」在香港及澳門的物業交易市場內,通常是針對買方放棄「定金」,而一般市民發音都會用“落訂”、“賠訂”及“撻訂”,實際上,在一般交易中,買家經常將口中所指的“訂”視為“定金”;
13. 須要注意,無論是在未落成的樓宇(在建樓宇)或是已經建成的樓宇,在物業市場上的預約合同,均會使用“落訂”的字眼或發音。
14. 如果像上訴人所說「撻訂」中的「訂」只具有「訂金」的性質,應該會用“退訂”,而不是「撻訂」;
15. 所以合同的第五條的「撻訂論」的「撻訂」按照目前港澳物業市場的一般理解,應該理解為“放棄定金”;
16. 另一方面,正如被上訴判決所指,是否預約合同要視乎當事人問訂立合同時的意思表示所產生的合同條款,且該等條款亦為合同雙方的意願及受其約束,其指出:
“A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes . É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual”(見被上訴判決第18至19頁)
17. 現行《民法典》第435條的規定,預約買受人向出賣人交付之全部金額,即使以提前履行或首期價金之名義交付者,推定具有定金的性質;
18. 已證事實m),n)及o)已經證明,被上訴人向上訴人購入兩個在建的獨立單位,並向其支付合共HKD$2,208,000.00;
19. 有關金額是兩個單位部份的價金,由此推定前述的價金附合《民法典》第435條的規定,從而具有“定金”的性質;
20. 《民法典》第343條規定,因法律推定而受益的一方,所推定的事實無須舉證,當然法律推定得以完全反證推翻;
21. 透過庭審對待證事實第5條的決定,只能證實上述由被上訴人向上訴人所支付的價金的收據上用了“價金”的字眼;
22. 並沒有任何的已證的事實證明被上訴人向上訴人支付部份樓款價金不具有“定金”的性質;
23. 因此,應該維持被上訴判決對上述價金HKD$2,208,000.00具有“定金”性質的理解。
B. 關於合同的性質
24. 上訴人在上訴陳述中亦指出本卷宗所針對的標的物具有將來物的性質,故本合同應解為「購買將來物的合同」;
25. 其主要的理解為卷宗的兩份合同是俗稱“買樓花”,在港澳的不動產買賣均知道“樓花”其實是尚未建成及/或在建樓宇;
26. 根據澳門的法律學者唐曉晴在其著作《預約合同法律制度研究》(O Regime Jurídico do Contrato-Promesa)書中就預約買賣合同及將來物的買賣有這樣的理解:
“預約合同與涉及將來物的買賣合同既有共通之處,也有不同的地方。就共通點而言,涉及將來物之交易既可透過買賣的預約合同達到目的,也可以透過將來物的買賣合同進行。即使從效力上觀察,兩者也有共通之處:無論買賣的預約合同抑或涉及將來物的買賣均不產生轉移所有權的效力。因而,兩種制度在實務上很容易被混淆。尤其是當預約合同的要式與涉及將來物的買賣合同的要式並無差別的時候,實際上卻經常會發生合同的識別問題(即某一份實務上的合同究竟應被識別為預約合同或涉及將來物的買賣合同)。
然而,兩者也有明顯的差別。
雖然兩種合同在完成意思表示之時都只產生債的效力,可是,兩者的給付內容並不相同。預約合同的給付乃作出締結本約的意思表示,別無其他。相反,涉及將來物的買賣則以出賣人取得將來物之所有權作為其給付義務,而買受人也須按合同作出交付價金的給付。
買賣的預約合同的當事人須在本約階段重新作出意思表示方會產生買賣的效力,而在涉及將來物的買賣合同中,當事人不須重新作意思表示,當出賣人取得標的物的所有權之時,該所有權自動轉移給買受人。」(見前述著作的第127頁至128頁)”;
27. 根據上述的理解,從卷宗兩份合同第9條及第15條的規定,均規定了被上訴人須要與上訴人簽署一份買賣公證書,才可以取得上述兩個單位的所有權;
28. 顯然,從債務履行的角度而言,本案中兩份合同規定與上述學者提及預約合同的制度相同,也符合現行《民法典》第404條的規定。
29. 葡國最高法院在卷宗03A2694號所作的判決對在建合同的法律地位有類似的判決:
“Quanto à qualificação do contrato, pretendem os recorrentes que o mesmo é um contrato de compra e venda de coisa futura. Ou então um contrato promessa de coisa futura.
O Artigo 211 do Código Civil dá a noção de coisas futuras como aquelas que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.
Por outro lado o Artigo 399 do Código Civil diz ser admissível a prestação de coisa futura sempre que a lei não o proíba.
Os negócios reais (dirigidos à constituição ou transferência de direitos reais) só produzem o seu efeito típico quando a coisa que constitui o seu objecto surja ou venha a surgir na titularidade do disponente - art. 408 n.º 2 e 880 n.º do Código Civil -.
Deve ter-se presente que a lei, Artigo 410 n.º 3 do Código Civil na redacção do Decreto Lei 379/86 de 11 de Novembro prevê o contrato promessa no caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou - construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contado, o contraente que promete pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.
A este tipo de contrato promessa aplica-se toda a lei referente ao atribuir o valor à coisa à data do incumprimento.
No contrato junto aos autos os recorrentes prometeram vender aos recorridos que disseram prometer comprar uma fracção a construir no lote que identificam segundo o projecto e caderno de encargos que estavam apresentados na Câmara de Sesimbra para aprovação e que eram do conhecimento dos promitentes-compradores. Concluído o edifício e obtida a licença de utilização a escritura seria outorgada.
Ora face ao preceituado na lei as partes prometeram vender e comprar uma fracção a construir como a lei prevê e não celebraram um contrato promessa de compra e venda de coisa futura. Para se concluir pela celebração de um contrato de promessa de compra e venda de coisa futura necessário se tornaria chegar à conclusão de qual foi a vontade das partes, isto é, saber se as partes atribuíram ou não carácter aleatório à promessa. Manifestamente que não resulta, quer do teor do contrato quer da manifestação de vontade das partes que essas característica fossem por elas queridas.”(載於網頁:https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/20669466cbcd694980256de90048ee47?OpenDocument&Highlight=0,coisa,futura,contrato,de,promessa,de,compra,e,venda);
30. 從上述的判決可以知道,如果認為本卷宗的兩個在建的獨立單位為“將來物”,要視乎合同的雙方當事人對有關給付的物是否賦予了射倖性質(carácter aleatório);
31. 一方面,根據已證事實c)至k),上訴人獲得澳門特別行政區批給合同對"P"地段進行利用;
32. 根據已證事實i),上訴人可以在該地段興建住宅及商業用途的獨立單位;
33. 況且,上訴人為澳門特區知名的不動產建築商及發展商,並在履行批給合同的約束,應該會如期履行;
34. 作為合同承購方的被上訴人基於這一系列客觀事實才會與上訴人簽訂兩份預約買賣合同去購入有關的兩個單位;
35. 另一方面,根據本卷宗的兩份合同中的條款,沒有看見上訴人與被上訴人對交易的單位賦予將來物的性質或有射倖性質;
36. 例如從合同第9條至第19條的規定規範了住宅單位落成後承購人的權利義務,上訴人提供有關合同予被上訴人已假設上訴人自己可以如期履行LOTE "P"地段的條件;
37. 況且,要完成上述批地合同的內容對上訴人並非一件非常困難的項目;
38. 否則,上訴人不會與澳門政府簽署有關批地合同,更在2006年將有關批地合同的原內容更換成興建住宅項目的內容(見已證事實i));
39. 總結而言,無論事實的層面或合同內容的規範,作為合同當事人的上訴人及被上訴人並沒有將有關交易的標的物預設成一件“將來物”。
C. 關於合同的責任
40. 本案中,上訴人指已經儘一切努力,但因為行政程序的問題而無法履行批給合同的內容,最終導致無法履行對被上訴人的合同責任;
41. 但上訴人所陳述的內容沒有在本卷宗被證實;
42. 相反,根據已證事實I)及S),上訴人在2006年獲澳門特區政府批準更改"P"地段的使用,當時有8年的利用期;
43. 而在已證事實T),U)及V)顯示,上訴人在2014年曾經向行政長官就P地段的使用申請延期至2015年12月25日止,並且被處罰了MOP$180,000.00;
44. 而上訴人亦欣然接受有關罰款,而且並沒有就有關的處罰提起任何行政上的救濟程序;
45. 葡國最高法院在卷宗7005/06.6TBMAI.P1.S1的判決中認為:“Perante um contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano, a construir pelo promitente vendedor, o cumprimento do mesmo consiste na outorga da escritura, no prazo convencionado, bem como pressupõe, entre outros, o cumprimento pelo promitente vendedor das obrigações acessórias de concluir a construção do prédio, conforme as especificações ajustadas, de o inscrever na matriz e no registo e de requerer a licença de habitação.
Muito embora o dever de construir seja autonomizável do dever de vender – segundo o programa negocial convencionado entre as partes – tais obrigações são indivisíveis: o dever principal ou primário emergente do contrato-promessa é a obrigação de outorgar a escritura pública de compra e venda, emitindo a prometida declaração negocial de venda; e o dever acessório de preparar a realização da escritura, desde logo concluindo a construção convencionada e obtendo, seguidamente, a licença de habitação.”(載於網頁:https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ef1331ef14b4b3828025791e004906c9?OpenDocument&Highlight=0,coisa,futura,contrato,de,promessa,de,compra,e,venda);
46. 從上述判決中指出作為在建樓宇的預約合同,作為出賣人首要就是如期與買受人簽署買賣公證書,而所附帶義務(又或者從給付義務)仍完成有關在建樓宇,並取得有關居住准照或使用准照;
47. 但上訴人無論是主要的給付義務,或從給付義務均沒有完成;
48. 而《民法典》第788條則規定,債務的不履行須要由債務人自己去證明非因其過錯所做成;
49. 透過事實V),X)及Y)可以知道,上訴人先是無法完成批給合同向特區政府要求將使用期延期;
50. 並且接受特區政府對其作出的罰款合共MOP$180,000.00;
51. 即使對有關土地的利用期延長後,上訴人亦無法按批給合同的內容在利用期內完成興建有關的住宅項目;
52. 導致該土地失效而被特區政府依法宣告批給失效並收回;
53. 因而上訴人也沒有辦法履行對被上訴人的兩份合同(見已證事實Z)及BB));
54. 根據《民法典》第790條第1款的規定,基於可歸責於債務人的原因以致給付成為不能時,債務人須承擔之責任與其因過錯不履行債務而承擔之責任相同;
55. 《民法典》第787條的規定:“債務人因過錯而不履行債務,即須對債權人因此而遭受之損失負責。”;
56. 上訴人根本沒有證明自己因不可歸責履行對被上訴人的兩份合同;
57. 因此,根據《民法典》第436條的規定,上訴人應向被上訴人賠償雙倍定金,亦即被上訴判決所定的賠償的範圍,並應自傳喚起計加上法定利息直到完全支付為止。
D. 關於賠償
58. 上訴人在陳述中指被上訴人已經獲得多項的賠償,當中包括退還購買時向特區支付的稅金及透過相關法律的規定獲得一套置換房;
59. 倘若被上訴人再獲得雙倍定金賠償時明顯過多;
60. 在尊重不同意見的前提下,被上訴人認為上訴人將多項事實混為一談;
61. 就稅務而言,被上訴人與上訴人簽訂兩份預約買賣協議,根據當時生效的《印花稅規章》的規定,須要向繳納政府繳納相關的稅款;
62. 須要注意,向政府繳納稅金是法律規定,且權利主體是澳門特區政府;
63. 其後,由於有關土地被特區宣告收回,上訴人對被上訴人已經無法履行有關預約買賣合同,故特區政府向被上訴人退回有關稅款;
64. 這裡須要注意一點,這筆款項本來的權利主體是特區政府,是特區的一項收益,但因為上訴人的行導致須退回給被上訴人,該筆性質的法律性質根本與賠償無關;
65. 同樣地,根據第8/2019號法律第2條規定:“興建暫住房及置換房是為受都市更新影響的不動產所有權人在租住或購買屬居住用途的獨立單位時提供多一種選擇,作為推動都市更新的鼓勵措施。”及
66. 第3條的規定:“提供暫住房及置換房非屬補償性,僅對都市更新的補償或安置措施起補充作用。”;
67. 該法律已經清楚表明其立法目的及作用並非一個補償作用,只具有補充性質;
68. 換言之,置換房的功能並不是取代原來被上訴人要購入的兩個居住用途單位;
69. 而且,我們應該知道,預約買賣合同是要物合同且交易的標的物為“特定”且“不可取代”;
70. 最重要的是,這個置換房是澳門特區行政區去負責承建,並非由上訴人去負責承包整個項目;
71. 須要知道,本次訴訟被上訴人依法要追究的對象是上訴人,而不是澳門特別行政區政府;
72. 上訴人不應也不能將上述兩項所謂的“補償”視為自己因不能對被上訴人履行的合同責任而當作是對被上訴人的“賠償”;
73. 所以上訴人指被上訴人收到的兩項“補償”根本不構成上訴人對被上訴人的任何賠償;
74. 關於雙倍定金的問題,著名的兩位葡國法學教授PIRES DE LIMA及ANTUNES VARELA在Código Civil Anotado第418頁中(第一冊,第四版)對雙倍定金有這樣的敘述:"Os efeitos do não cumprimento imputável a qualquer dos contraentes, quanto ao sinal, são os tradicionais no nosso direito: perda do sinal ou sua restituição em dobro. E têm-se, imperativamente, estes efeitos como fixação da respectiva indemnização pelos danos.
Isto não quer dizer, evidentemente, que não possam existir outras indemnizações que se não fundem no não-cumprimento. Se o promitente comprador, por exemplo, entrar na posse da coisa e fizer nela benfeitorias, pode ter direito a ser indemnizado delas, nos termos gerais."
75. 我們可以看到雙倍定金是作為因可歸責不履行的必要賠償;
76. 另一名法學教授João Calvão da Silva在其著作Sinal e Contrato Promessa(第12版)第149頁至第151頁中對“定金”的功能有這樣的詮釋:
"Função do sinal: determinação prévia da indemnização e função coercitiva Em face do regime legal acabado de analisar, podemos dizer ser dupla a função do sinal (confirmatório): a coerção ao cumprimento e a determinação prévia da indemnização devida em caso de não cumprimento.
Acessória estipulação real quoad constitutionen - a exigir a entrega efectiva da coisa ao accipiens para se constituir -, o sinal constitui indirecta medida de coerção ao cumprimento do contrato, prévia ou contemporaneamente celebrado. De facto, ao constituirem o sinal, as partes visam garantir e reforçar o contrato, procurando tornar mais seguro o seu cumprimento. O accipiens, com o empos samento efectivo da coisa - o sinal - que lhe é entregue pelo tradens, visa reforçar a obrigação deste, confiando mais no seu cumprimento, visto que a própria entrega da coisa pode traduzir um começo de adimplemento; o accipiens vê no sinal uma garantia e um reforço da obrigação do tradens, cujo cumprimento (ou continuação de cumprimento) visa assegurar directa e imediatamente. O tradens, por seu turno, tem no desapossamento da coisa que entrega ao accipiens razão para sentir, de modo especial, a aludida pressão ao cumprimento da sua obrigação e, simultaneamente, razão para potenciar a confiança em que o accipiens cumpra também a sua obrigação, dada a ameaça sancionatória, própria do regime do sinal, que sobre ele passa a recair.
Estipulação real dirigida a reforçar os vínculos nascentes do contrato e a garantir o seu cumprimento, pela coerção indirecta que exerce sobre o devedor, o sinal constitui também a fixação preventiva e convencional da indemnização devida, em caso de não cumprimento imputável a uma das partes. Isto é, se a finalidade coercitiva do sinal não for alcançada, ainda assim ele determina previamente o quantum respondeatur resultante do não cumprimento, independentemente do montante ou até da existência do dano efectivo. Preventiva e convencional fixação da indemnização pelo não cumprimento imputável, determinada ne varietur pelo regime-regra ou como limite mínimo de indemnização devida, se tiver sido estipulada convenção em contrário (art. 442.º, n.º 4), o sinal tende, assim a acautelar e garantir a reparação do dano - neste sentido, entretanto o ac. do S.T.J., de 6 de Maio de 2004 (Processo 03B4295). Deste modo, quando não for eficaz como meio de compulsão ac cumprimento, o sinal funciona como meio ressarcidor do dano, não se podendo aplicar o enriquecimento sem causa, dada a subsidiariedade desta figura."(粗體及底線由被上訴人自行加上);
77. 從一眾法學教授的理解,可以看到雙倍定金的賠償是屬於強制性,其是為了擔保預約合同的出售方能夠確實履行,以支付定金彌補一方的損失;
78. 上訴人最後亦要求尊敬的中級法院法官 閣下根據《民法典》第436條第5款結合第801條規定,對有關雙倍定金進行減輕;
79. 但正如前述,定金本身的功能是法律強制定出的賠償金額,而非由合同的雙方當事人自行商議後訂定的金額;
80. 因此,在本案中根本沒有適用有關規定的空間;
81. 所以被上訴判決裁定上訴人須要向被上訴人支付雙倍定金合共HKD$4,416,000.00是完全法律的規定。
82. 總上所述,應該駁回上訴人在上訴陳述中所提出的全部理由,維持被上訴判決的內容。
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) A Ré é uma sociedade limitada, estabelecida no dia 8 de Fevereiro de 1977, com sede de pessoa colectiva em Macau, na Avenida do Nordeste, “Villa de Mer”, r/c, Loja H, com registo nº 838SO na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau e com capital no montante de MOP100.000,00, cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
b) Por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2º suplemento (sic) do Boletim Oficial n.º 52, de 26 de Dezembro de 1990, foi concedido à ré um terreno, resgatado ao mar, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta, com a área total de 187.967m2, constituído pelos lote “A”, “A1”, “B”, “C1”, “C2”, “D1”, “D2”, “Pa”, “Pb”, “O”, “S” e “V”.
c) Em conformidade com o estipulado na 2.ª cláusula do aludido contrato de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos.
d) Em conformidade com o estipulado na cláusula 3.ª do aludido contrato de concessão, os lotes designados por “Pa” e “Pb”, destinavam-se à construção, em duas fases, de uma unidade têxtil, composta por diversos edifícios, estando ainda obrigada a executar o aterro atrás referido e as obras de construção de muralhas de protecção e de infra-estruturas no terreno em causa.
e) Seguidamente, por Despacho nº 123/SATOP/93, publicado na II Série, do Boletim Oficial nº 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho nº 160/SATOP/90, foi à ré concedida um terreno resultante da anexação de duas parcelas de terreno, designadas por “Pa” e “Pb”, constituindo um lote único, com a área global de 67,536m2.
f) Oportunamente, por Despacho n.º 123/SATOP/99, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 50, II Série, de 17 de Dezembro de 1999, foi autorizada a alteração da finalidade do aproveitamento do terreno do lote “P” para a construção de um complexo industrial, com a área bruta global de 67.896m2, destinado à instalação de uma unidade fabril de artigos têxteis para lar e de tecidos para vestuário, composta por diversos edifícios.
g) Posteriormente, a ré pretendeu alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação.
h) Atento o disposto no Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 19/2006, publicado na II Série do Boletim Oficial da RAEM, nº 9, de 1 de Março de 2006, foram acordados os pedidos de alteração de finalidade e do reaproveitamento do Lote “P” apresentados pela Ré, do qual passou a constar a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal.
i) Após a alteração de finalidade do terreno, seria construído no lote “P” um edifício, constituído por um pódio com cinco pisos, sobre o qual assentariam dezoito torres com quarenta e sete pisos cada uma, afectos às finalidades que a seguir se discriminam:
- Habitação (não incluía o piso contra incêndio): 559.730 m2;
- Comercial: 100.000 m2;
- Estacionamento: 116.400 m2;
- Área livre: 50.600 m2.
j) E o prazo de aproveitamento foi em 96 meses.
k) Autorizada a alteração da finalidade do terreno, a ré promoveu, no período da concessão do seu aproveitamento, um projecto designado por “XXX”, no qual seria construído um pódio com cinco pisos e sobre o qual assentariam dezoito torres, juntamente com pisos de refúgio, com quarenta e sete pisos cada.
l) Em 13 de Julho de 2012, os autores e a ré celebraram “contratos-promessa de compra e venda de imóveis” para aquisição de duas fracções habitacionais F e G do 14º andar do Bloco 6 do edifício “XXX”, registado na Conservatória do Registo Predial de Macau sob a descrição nº 22380, situado em Macau, no Bairro da XXX, s/n, Lote “P”. (vide fls. 51 a 60 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
m) Os autores e a ré convencionaram que o preço das duas referidas fracções em causa seria de HKD3.670.000,00 e de HKD3.690.000,00, equivalentes a MOP3.780.100,00 e MOP3.800.700,00.
n) Segundo o indicado na al. L) dos factos assentes sobre os contratos-promessa, os autores necessitavam de pagar à ré o preço do imóvel segundo a seguinte forma:
a. Em relação à fracção F, no 14º andar do Bloco 6:
i. Pagar a quantia de HKD1.101.000,00 na celebração do “contrato-promessa de compra e venda de imóvel” (ou seja, no dia 13 de Julho de 2012);
ii. Liquidar o remanescente, no valor de HKD2.569.000,00, à Ré, na totalidade ou através de hipoteca bancária dentro de sete dias contados após a emissão da licença de utilização pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
b. Em relação à fracção G, no 14º andar do Bloco 6:
i. Pagar a quantia de HKD1.107.000,00, na celebração do “contrato-promessa da compra e venda” do imóvel (ou seja no dia 13 de Julho de 2012);
ii. Liquidar o remanescente, no valor de HKD2.583.000,00, à Ré, na totalidade ou através de hipoteca bancária dentro de sete dias contados após a emissão da licença de utilização pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
o) Os Autores pagaram à Ré, conforme as alíneas a) I) e b) I) do artigo anterior, um valor total de HKD2.208.000,00.
p) Em 13 de Julho de 2012, os autores pagaram à ré MOP800,00, como despesas derivadas dos dois contratos-promessa mencionados na alínea L) dos factos assentes.
q) De acordo com o estipulado na alínea b), n.º 3 da cláusula 3.ª dos dois “contratos-promessa de compra e venda” mencionados na alíena L) dos factos assentes, os remanescentes valores de HKD2.569.000,00 e HKD2.583.000,00, deviam ser liquidados pelos Autores à Ré, na totalidade ou por empréstimo hipotecário dentro de sete dias, contados após a emissão da licença de utilização pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
r) Segundo a cláusula 10.ª dos dois contratos-promessa mencionados na alínea L) dos factos assentes, a entrega das fracções seria feita no prazo de 1200 dias úteis de sol (ou seja, excluídos domingos, feriados e dias de chuva), contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura; no caso de atraso, a 1.ª Outorgante (Ré) reembolsaria aos 2.ºs outorgantes (Autores), os juros vencidos, calculados à taxa de poupança bancária sobre os preços dos imóveis recebidos.
s) Por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado na II Série do Boletim Oficial da RAEM n.º 9, de 1 de Março de 2006, foi autorizada à ré a alteração de finalidade do lote “P”, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal.
t) Por despacho do Chefe do Executivo, proferido em 15 de Julho de 2014, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015, aplicando à ré uma multa no montante de MOP180.000,00.
u) Com o seguinte teor:
“Assunto: sobre o pedido de prorrogação do prazo do aproveitamento de terreno, de um terreno concedido por arrendamento, situado na zona de Novos Aterros da Areia Preta (NATAP) Macau, com uma superfície total de 105.437 m2, constituído por quatro lotes designados por “O”, “P”, “S” e “V”, cujo contrato de concessão foi regulado pelo Despacho n.° 160/SATOP/90, e revisto pelo Despacho n.° 123/SATOP/93, pelo Despacho n.° 123/SATOP/99, pelo Despacho n.° 19/2006 e pelo Despacho n.° 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas:
1. Nos termos da cláusula nº 2 do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas nº 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já caducou aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do artº 2º do Despacho nº 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai expirar aos 25 de Dezembro de 2015.
2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP$180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.° da Lei n.° 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2. Se, no futuro, o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
3. Nestes termos, comunica-se à vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia do pagamento da multa”.
v) A Ré comunicou, por escrito, no dia 4 de Agosto de 2014, ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte:
“A, LIMITADA
Ex.mo Senhor Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, engenheiro XXX
Assunto: sobre o pedido de prorrogação do prazo do aproveitamento de terreno, de um terreno concedido por arrendamento, situado na zona de Novos Aterros da Areia Preta (NATAP) Macau, com uma superfície de 68.001 m2, designado por Lote “P”, cujo contrato de concessão foi regulado pelo Despacho n.° 160/SATOP/90, e revisto pelo Despacho n.° 123/SATOP/93, pelo Despacho n.° 123/SATOP/99, pelo Despacho n.° 19/2006 e pelo Despacho n.° 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas
A A, LIMITADA (o nome em inglês: A LIMITED, doravante designada simplesmente por “concessionária”), com a sede de pessoa colectiva na Avenida do Nordeste, Lote “P”, Edifício “I”, Macau, a concessionária do terreno em título, em resposta ao pedido no ofício n.° 572/954.06/DSODEP/2014 emitido pela DSSOPT aos 29 de Julho do ano corrente, declara aceitar a multa no valor de MOP$180.000,00, condenada segundo o despacho proferido aos 15 de Julho de 2014, declara mais aceitar as seguintes condições:
1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.° da Lei n.° 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P" ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
A, Limitada
D, E
Aos 4 de Agosto de 2014”
w) Deste modo, até ao dia 25 de Dezembro de 2015, o prazo de aproveitamento, por parte da Ré, do terreno do lote “P” já se encontrava expirado.
x) Posteriormente, por despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno, cujo teor se segue:
“1.… foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 68.001 m2, situado na península de Macau, nos NATAP, designado por lote «P», a que se refere o Processo n.° 2/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma nele incorporadas no terreno revertem, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.”.
y) A ré encontrava-se impossibilitada de executar obras o aludido terreno, incluindo o desenvolvimento do projecto do edifício “XXX” e de construir as duas fracções autónomas em causa que os autores comprometeram adquirir. (Q. 3º)
z) A ré encontra-se impossibilitada de construir o edifício onde se situariam as fracções autónomas de prédio urbano objecto dos dois contratos referidos na alínea L) dos factos assentes. (Q. 4º)
aa) Nos contratos referidos em L e nos recibos de pagamento escreveu-se a palavra “preço”. (Q. 5º)
bb) As fracções autónomas de prédio urbano negociadas nos contratos referidos em L localizar-se-iam em edifício a construir num terreno que, à data da celebração daqueles contratos, era objecto do contrato de concessão do lote “P”. (Q. 7º)
cc) A data dos termos dos prazos de arrendamento e da concessão é pública, constando do Registo Predial. (Q. 8º)
dd) Os autores celebraram os contratos referidos em L. (Q. 10º)
ee) Foi deferida a candidatura dos autores a adquirir uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019, de 12 de Abril e do Despacho do Chefe do Executivo de 30 de Maio. (Q. 11º)
ff) Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção mais valiosa das duas que constituem os objectos dos dois contratos aqui em causa. (Q. 12º)
gg) O valor de mercado dessa fracção será bastante superior ao valor inicialmente pago pelos autores. (Q. 13º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
A – Recurso interlocutório:
É do seguinte teor o despacho recorrido:
(...)
根據《民事訴訟法典》第429條第1款b項規定,只要訴訟程序之狀況容許無需更多證據已可全部或部分審理所提出之一個或數個請求,又或任何永久抗辯,法庭即可立即審理案件之實體問題。
本案中,被告在答辯狀中提出永久抗辯,使用大量篇幅陳述與被告和澳門特別行政區之間的批給土地關係有關的事實,認為涉案合同之履行不能應歸責於澳門特別行政區的一系列行為,而不應歸責於被告本身。
根據《民法典》第788條第1條規定,在合同範疇,就債務之不履行,須由債務人證明非因其過錯造成;換言之,屬於過錯推定的情況。據此,結合《民法典》第337條第1款的規定,應由債務人承擔非因其過錯造成債務不履行之舉證責任。
因此,本案中,應由被告陳述和證明非因其過錯造成涉案合同的不履行。
然而,除應有的尊重外,法庭認為,即使被告所陳述的事實全部獲得證實(在答辯狀抗辯A部分的事實,在此視為完全轉錄),被告的理由亦明顯不能成立;或者說,被告所提出者明顯不是對有關法律問題可予接受之解決方法。
根據《民法典》第400條第2款規定,僅在法律特別規定之情況及條件下,合同方對第三人產生效力。
在此可以參見葡萄牙最高法院2012年5月29日在第3987/07.9TBAVR.C1.S1號合議庭裁判中的司法見解:
“I – É tradicional e prevalente, na doutrina portuguesa, a teoria que nega a eficácia externa das obrigações, assente na concepção clássica da relatividade dos direitos de crédito, que apenas podem ser violados pelas partes, em contraposição com os direitos reais que são oponíveis erga omnes.
II – Só nos casos em que ocorra abuso do direito de terceiro se deve admitir a eficácia externa das obrigações.
III – Assim, só em casos particularmente escandalosos – quando o terceiro tenha tido intenção ou pelo menos consciência de lesar os credores da pessoa directamente ofendida ou da pessoa com quem contrata – é que poderá ser justificado quebrar a rigidez da doutrina tradicional e admitir a eficácia externa das obrigações.”
首先,從卷宗第51至60頁表見涉案合同不具物權效力,在原告取得涉案合同地位的情況下,原告亦未取得相關單位的所有權,因而不能主張擁有任何形式的物權,原告所擁有的只不過是因涉案合同而產生的單純債權。這樣,基於債權的相對性,它只會在合同的雙方當事人之間(即原告和被告之間)產生效力,不會延伸到合同以外的第三人(包括澳門特別行政區)。原告的債權亦只會被作為債務人的被告侵犯,不會像具有對外效力的物權一樣,可能被任何人侵犯。
只有當出現法律明文規定的特殊情況,又或者當第三人知道債權人和債務人之間的特殊關係,但仍作出特別具譴責性的行為,尤其是當出現其濫用權利的情況時,第三人才可能因為侵犯合同當事人的債權而須對其承擔責任。
綜觀被告陳述的內容,都不屬於上述條文及司法見解提及的極少數的第三人因侵犯合同債權而須承擔責任的情況。
原告和被告之間的合同屬於一個法律關係,而被告獲澳門特別行政區批給土地又是另一個法律關係。面對原告聲稱遭到侵犯的債權,澳門特別行政區正是處於第三人的法律地位。有關土地批給合同屬於行政合同,合同外的第三人只有在合同當事人基於違法的合同條款損害其權益時,才能提起合同有效性之訴,又或者當合同中訂有保障其利益的條款時,才能提起執行合同之訴。然而,從澳門特別行政區與被告訂立的土地批給合同中,並不能衍生出原告等預約買受人的任何權利,原告或被告都沒有提出存在任何澳門特別行政區須對原告承擔責任的合同條款。這樣,根據債權之相對性理論,立即可以排除澳門特別行政區對原告的責任。
除此之外,澳門特別行政區也不存在對原告的過錯。即使被告陳述的有關事實全部獲得證實,也只可能是澳門特別行政區在執行土地批給合同的過程中對被告的過錯,不代表澳門特別行政區的行為對原告存有過錯,也不能因此推斷或證明被告在涉案合同的法律關係中就不存在過錯。不應將兩個法律關係中的過錯問題混為一談。
最後,更不存在濫用權利的情況。即使澳門特別行政區知道原告與被告之間的合同以及其行為有可能侵害到原告的債權,但根據被告所陳述的事實,不足以顯示澳門特別行政區明顯違背善意原則的要求,或具備傷害原告的意圖;也不存在對善良風俗的違反,因為澳門特別行政區只不過是行使其在土地批給合同中作為批給人的權利以及法律賦予的職能,況且宣告土地失效的行為屬於被法律限定的行為,其合法性不容置疑;也不存在澳門特別行政區的行為明顯超越權利之社會或經濟目的所產生之限制的情況,因為看不到澳門特別行政區在行使其權利的過程中偏離了其職能。
綜合以上理由,就涉案合同,澳門特別行政區不對原告承擔任何責任。
倘若被告提出上述所謂抗辯的目的僅為證明非因其過錯造成涉案合同的不履行,那麼,如上所述,土地批給合同中的過錯和涉案合同的過錯屬於兩個不同的問題,不應將兩者混為一談。即使被告陳述的有關事實全部獲得證實,也只可能是澳門特別行政區在執行土地批給合同的過程中對被告的過錯,不能因此推斷或證明被告在涉案合同的法律關係中就不存在過錯。
綜上所述,裁定被告提出的涉案合同之履行不能應歸責於澳門特別行政區(而不應歸責於被告本身)之抗辯理由(即答辯狀抗辯A部分)不成立。
作出通知。
(...)
*
Quid juris?
A propósito da matéria em discussão, ficou consignado o seguinte entendimento no Proc. nº 220/2024, com acórdão proferido em 30 de Maio, em que se discute a mesma matéria:
“ (…)
此外,亦認為相關批示存有適用法律的錯誤。
現就有關問題作出審理。
關於決定無效方面,這部分的上訴理由是明顯不成立的,理由在於相關決定是從法律層面上否定了澳門特別行政區在本案中的責任,當中被告陳述的所謂“永久抗辯事實”不論是否證實,均不影響相關決定的方向。
申言之,對該等“永久抗辯事實”作出篩選並進行審判屬無用的訴訟行為。
《民事訴訟法典》第87條明確規定,在訴訟程序中不應作出無用之訴訟行為。
就同一司法見解,可參閱本院在卷宗編號1142/2019、1150/2019及1195/2019內作出之裁判。
基於此,被訴批示並沒有違反《民事訴訟法典》第562條第2及3款之規定,亦不存在《民事訴訟法典》第571條第1款d)項所規定之判決/批示無效瑕疵。
就法律適用方面,我們完全認同有關決定,故根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述決定及其依據,駁回這部分的上訴。
事實上,本院在涉及“海一居”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
如被訴批示所言,只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。”
Valem, mutantis mutadis, estas considerações para o caso dos autos, já que se discutem a mesma matéria e a Ré veio a invocar os mesmos fundamentos para tentar defender a sua posição, mas sem razão nesta parte.
*
Não é difícil perceber-se o raciocínio da Ré ao invocar estes argumentos, o objectivo é o mesmo: afastar a sua culpa no incumprimento do contrato-promessa celebrado com os Autores! Porém, tendo em conta os factos dados pelos assentes pelo Tribunal recorrido, esta tentativa não pode suceder já que o que se discute é a relação contratual celebrada entre os Autores e a Ré/Recorrente por força do princípio da eficácia relativa dos contratos em relação apenas às partes.
Sobre esta matéria, não é pela primeira vez que este TSI vem a pronunciar-se, já no processo nº 220/2024, cujo acórdão foi proferido em 30/05/2024, este TSI abordou esta questão nos seguintes termos:
“在尊重不同見解下,我們認為該等事實即使獲得證實,也不會對本案的法律適用有任何改變,故第一被告對有關事實裁判提出之爭執是毫無意義的。
事實上,即使證實第一被告於2013年06月28日提交了第5次環評報告及已與相關部門(土地工務局及環境保護局)於2013年07月26日開會,並在會上對第一被告作出了新的要求,對本案的審判結果而言,不產生任何影響。
基於此,不需對這部分的上訴作出審理。”
Mutatis mudantis, esta argumentação vale igualmente para o caso em apreço, já que tais matérias são dispensáveis para decidir as questões levantadas pelas partes. Em bom rigor das coisas, os factos considerados assentes pelo Tribunal recorrido, são suficientes para resolver as questões levantadas nestes autos, o que diverge das partes é o enquadramento jurídico de certas matérias, cuja análise relegamos para a sede própria, nomeadamente a sede em que se analisam as questões de mérito.
Improcede assim esta parte do recurso.
*
Prosseguindo,
B – Recurso da decisão final:
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO.
B e C, casados entre si, ambos de nacionalidade chinesa, titulares dos BIRPM n.º 7358XXXX e 7353XXXX, respecitvamente, com outros elementos de identificação nos autos, intentaram a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra a Ré, A Limitada (A有限公司), registada na CRCBM sob o n.º 838(SO).
Alegando que, como promitente-compradores, celebraram com a ré, como promitente-vendedora, dois contratos-promessa de compra e venda relativamente a duas fracções autónomas de um prédio urbano que a ré iria construir num terreno concessionado pela RAEM; e alegando ainda que já cessou por caducidade a concessão sem que a ré tivesse construído, incumprindo e já não podendo cumprir a promessa por razões que lhe são imputáveis,
Pediram os autores que:
1. Sejam declarados resolvidos os referidos contratos-promessa;
2. Seja a ré condenada a pagar-lhes a quantia de HKD4.416.000,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal;
3. Seja a ré condenada a restituir-lhes a quantia de MOP800,00, como despesas com emolumentos para celebração dos contratos-promessa;
4. Seja a ré condenada a pagar-lhes a quantia de MOP117.198,00 que foi despendida no pagamento de imposto do selo sobre a transmissão dos imóveis;
5. Seja a ré condenada a pagar os juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que for condenada, desde a data da declaração de caducidade da concessão (26/01/2016) até integral pagamento.
Contestou a Ré, aceitando a existência dos contratos invocados pelos autores mas discordando que os mesmos configurem contratos-promessa e rejeitando que já não possam ser cumpridos, alegando que intentou uma acção judicial contra a RAEM na qual pretende conseguir um novo contrato de concessão por arrendamento do mesmo terreno onde pretendia construir o empreendimento imobiliário de que faziam parte as fracções autónoma contratadas, as quais, em caso de procedência da referida acção judicial, poderão ser entregues ao autor1.
Ainda em contestação, disse a ré que, caso improceda a referida acção que intentou contra a RAEM e caso não possa efectivamente construir o seu empreendimento imobiliário nem possa cumprir a sua obrigação para com os autores, essa impossibilidade não lhe deve ser imputada a si porquanto deve ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos do impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão.
Para o caso de se concluir que ocorre impossibilidade da prestação e que esta é imputável à ré, veio esta, também na contestação, defender que os autores não têm direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado, porquanto não foi acordado o referido sinal nem a existência do mesmo se presume porquanto o contrato celebrado é um contrato de compra e venda de coisa futura que não pode ser qualificado de contrato-promessa.
Também na contestação que apresentou, disse a ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade.
Por fim, requereu a ré contestante a intervenção acessória da RAEM invocando como fundamento que, caso seja condenada a indemnizar os autores, terá direito de regresso contra a RAEM para esta lhe reembolsar o montante da condenação.
Na réplica que apresentaram, os autores, com excepção da que respeita aos juros moratórios, impugnaram todas as teses da contestação, quer quanto à afirmação da prestação da ré como ainda possível, quer quanto à imputabilidade a terceiro da causa da impossibilidade da prestação, quer quanto à qualificação do contrato, à inexistência de sinal e à intervenção da equidade na fixação do montante da indemnização.
Foi admitida a intervenção acessória da RAEM, a qual contestou e foi objecto de resposta pelas partes principais. Porém, a ré veio depois comunicar aos autos que desistiu da acção de indemnização que movera contra a RAEM e, por isso, foi proferido despacho a fls. 1158 a declarar extinta a instância relativamente à RAEM por inutilidade superveniente da lide.
Foi proferido despacho saneador a fls. 1178 a 1183, o qual julgou improcedente a excepção peremptória de imputabilidade da impossibilidade superveniente da prestação a terceiro (RAEM) por considerar que é imputável à ré e seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão.
Foi interposto recurso da referida decisão de improcedência da excepção preremptória, o qual foi recebido sem efeito suspensivo e ainda se encontra pendente.
A fls. 1201 vieram os réus reduzir o pedido na parte em que haviam pedido a condenação da ré a reembolsá-los da quantia que haviam pago a título de imposto do selo (MOP117.198,00).
Por despacho de fls. 1224 foi admitida a referida redução do pedido.
Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e foram apresentadas doutas alegações de Direito pelos autores e pela ré. De tais alegações sobressai que os autores consideram que a relação contratual em litígio consubstancia um contrato-promessa e retiram do respectivo regime jurídico a solução de Direito do presente pleito defendendo a procedência da acção e sobressai ainda que a ré considera que se trata de um contrato atípico com elementos de proximidade com contratos típicos como o contrato-promessa e o contrato de compra e venda de bens futuros e só para efeitos de análise admite que possa ser qualificada de contrato-promessa.
*
II – SANEAMENTO.
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR.
Tendo em conta o relatório que antecede (designadamente o facto de a ré já não questionar que ocorre impossibilidade superveniente da prestação a seu cargo; o facto de já ter sido conhecida e julgada improcedente a excepção peremptória de imputação a terceiro daquela impossibilidade superveniente da prestação; o facto de ter sido considerado que é imputável à ré o facto de ter havido redução do pedido na parte relativa ao imposto do selo), as questões a decidir gravitam à volta de:
1- Qualificação do contrato existente entre as partes e consequências do incumprimento definitivo desse contrato por parte da ré, designadamente:
1.1 – Direito dos autores de resolver o contrato;
1.2 – Obrigação da ré indemnizar os autores.
1.2.1 – Montante da indemnização, existindo sinal;
1.2.1.1 – Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização calculada com base no regime do sinal deve ser reduzida segundo juízos de equidade ou se deve ser incluir ainda os emolumentos despendidos pelos autores (MOP800,00).
1.2.2 – Montante da indemnização, não existindo sinal.
1.2.3 – Indemnização moratória (início da mora e taxa de juro).
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO.
A) – Motivação de facto.
Estão provados os seguintes factos:
(...)
B) – Motivação de Direito.
a) - Da impossibilidade da prestação.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir.
Se a prestação acordada é originariamente possível, mas deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar.
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões imputáveis a terceiro, fica o devedor exonerado perante o credor. Mas se este credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação, então o credor tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese actual da ré, escorada no art. 784º do CC e que já foi rejeitada no despacho saneador.
A tese dos autores é outra: que a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor (a ré). Foi esta a tese acolhida no despacho saneador e que aqui já não é discutível, tendo aquele despacho invocado, entre o mais, a presunção de culpa do devedor estabelecida no art. 788º do CC e tendo relegado para este momento a apreciação das consequências.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida pela ré: celebrar o contrato prometido de compra e venda de duas fracções autónomas de prédio urbano ou apenas construir e entregar as referidas fracções. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona na suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação dizendo que mantinha pendente uma acção judicial que lhe poderia proporcionar a faculdade de construir aquelas fracções. Por outro lado, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos que lhe permitam construir as mencionadas fracções, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva2. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade de construir ou adquirir as fracções autónomas prometidas vender3.
Resta, pois, nesta sede apurar as consequências da impossibilidade superveniente da prestação quando essa impossibilidade ocorre por causa imputável ao devedor.
Em rigor, esta situação de impossibilidade imputável da prestação não é conceitualmente incumprimento4, mas é considerada como incumprimento definitivo no art. 790º, nº 1 do CC. Por isso, atrás se disse em sede de enunciação das questões a decidir que há que apurar as consequências do incumprimento definitivo do contrato.
Em primeiro lugar, perante a impossibilidade superveniente imputável ao devedor, a acordada obrigação de prestar extingue-se e o devedor já não tem o dever de cumprir aquilo que acordou cumprir. Mas nasce eventualmente na esfera jurídica do devedor outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor no caso de este ter sofrido danos decorrentes da extinção da obrigação, e nasce na esfera do credor outro direito, o direito a resolver o contrato que já não pode ser cumprido na parte do devedor (art. 790º do CC).
É, como se disse, a questão que cabe aqui apreciar e decidir: consequências do incumprimento definitivo do contrato.
b) - Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão da autora e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
c) – Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, a autora entende que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende que deve ser qualificado como contrato atípico.
A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes5. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual6. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular7. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual8.
Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das parte não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
Vejamos então nos factos provados se, nas prestações concretamente acordadas pelas partes que ali constam, o seu acordo pode ou não ser qualificado como contrato-promessa.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
Nos factos provados avulta a referência conclusiva à expressão “contrato-promessa” (als. l), n), p), q), r) e u)). No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Porém, a al. l) remete para o documento de fls. 51 a 60, precisamente o texto do acordo em análise. Desse texto constam expressões cujo significado aponta quer no sentido de as partes acordarem celebrar no futuro novo contrato (de compra e venda), quer no sentido de acordarem apenas formalizar no futuro um acordo já concluído. Com efeito, ora denominam o contrato de “contrato-promessa de compra e venda” e falam em prometer vender, “prometer comprar e “prometida venda” e denominam-se “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”; ora falam em recuperação e revenda da fracção pela ré e alienação da fração pelo promitente-comprador antes da celebração da escritura pública de compra e venda (cláusulas 5ª e 9º).
Pois bem, nesta situação em que se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis, como referido, a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CC).
Ora, parece-nos decisivo o teor das cláusulas 9º e 22ª para saber o sentido que o normal declaratário atribuiria ao teor da declaração que as partes plasmaram no documento a que se reporta a alínea l) dos factos provados: - se lhe atribuiria o sentido de estar já concluído o acordo definitivo ou se lhe atribuiria o sentido de ainda haver algo para acordar no futuro.
Na referida cláusula 22ª refere-se que a ré pode fazer alterações de construção sem que a outra parte contratual possa recusar a transacção, o que aponta no sentido de haver ainda acordo a fazer no futuro que as partes denominaram “transacção” e que não podia ser recusado com determinado fundamento.
A cláusula 9ª aponta também para que as partes quisessem ainda novo contrato. Com efeito, estabeleceram condições onerosas para a cessão da posição contratual. Ora, se as partes já considerassem a propriedade da fracção na esfera jurídica do “comprador”, porque considerariam que este não era dono integral e não podia transferir para terceiro sem o consentimento da ré e sem a remunerar?
Este “mecanismo” de cessão da posição contratual aponta no sentido de que, no entendimento das partes contratantes, a ré não se desligou da prestação característica do contrato-promessa que é celebrar outro contrato e que, por isso, receberá comissão para celebrar esse novo e futuro contrato com terceiro, não se tratando apenas de uma modificação subjectiva do mesmo contrato. Se na vontade real dos contraentes a ré já nada tivesse a ver com a fracção autónoma em causa nem com a prestação característica do contrato promessa, a comissão que recebeu (ou tem direito a receber) por consentir na cessão da posição contratual seria incompreensível na economia do contrato. De facto, as partes não estabeleceram a necessidade de consentimento e de pagamento de comissão para as vendas posteriores à celebração da escritura pública de compra e venda, o que aponta para que, no espírito dos contraentes, a situação negocial é diferente antes e depois da escritura, porque a fracção está em esferas jurídicas diferentes nesses dois momentos.
Se as partes considerassem que celebraram um contrato de compra e venda de bem futuro não era necessário regular a cessão da posição contratual que regularam. O comprador de bem futuro pode vender a coisa como pode o comprador de bem já existente. O proprietário que adquiriu por contrato não transmite a sua posição contratual quando vende. Não transmite um crédito, mas transmite um direito real, ainda que futuro, ainda que suspenso. Se as partes sentissem que a fracção autónoma já pertencia aos autores em termos de direito real futuro, não colocariam qualquer entrave a que os autores vendessem, também como bem futuro. A justificação que a ré dá (conhecer a quem deveria entregar a fracção) não basta na perspectiva do normal declaratário para o pesado e caro mecanismo contratual estabelecido no caso de os autores já se sentirem proprietários, apesar de terem suspensa a aquisição do direito de propriedade. Até porque a ré estava totalmente garantida face à falta de pagamento, pois faria suas as quantias que já lhe haviam sido pagas (cláusula 5ª do contrato em análise).
Se a ré vendeu bem futuro, como defende, os autores também poderiam fazer o mesmo e vender o seu bem futuro sem necessidade de “autorização” da ré. A ré também não pediu autorização a ninguém para vender um bem futuro de que seria proprietária quando o construísse. Porque necessitavam os autores de “autorização” se eram tão proprietários futuros como a ré? É esta falta de explicação para a desconsideração da qualidade jurídica real dos autores face a bens futuros que tem de levar o declaratário normal a concluir que, afinal, os autores e a ré consideraram que os autores apenas tinham direito de crédito e poderiam ceder a posição contratual do contrato gerador desse direito de crédito, mas não podiam vender bens futuros porque estes bens eram alheios, porque eram da ré. Ao regularem a cessão da posição contratual, as partes deixam entender que consideraram que a posição dos autores que podia ser cedida era uma posição creditícia e não uma posição real. Isto é, que os autores tinham um direito de crédito, um direito ao cumprimento de uma promessa de contratar, e não um direito real, ainda que futuro e em suspensão. Ao regularem a cessão de um crédito (posição contratual) as partes deixam entender ao declaratário normal que consideravam que os autores não tinham ainda um direito real sobre cousa futura. Deixam entender que os autores não podem transmitir a coisa futura (o seu direito real sobre ela), mas apenas podem transmitir a promessa da ré (um direito sobre a ré não um direito sobre a coisa futura).
É esta engrenagem negocial aliada à denominação que as partes deram ao contrato que celebraram que deve levar o “normal declaratário” a considerar que a prestação característica que a ré assumiu foi celebrar um contrato no futuro com o promitente originário ou com aquele a quem fosse cedida a posição contratual de promitente-comprador.
Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
d) – Da indemnização por incumprimento definitivo do contrato-promessa.
i - Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido no despacho saneador que houve incumprimento culposo da ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que os autores contrataram a aquisição de duas fracções autónomas de um imóvel e pagaram uma parte do preço sem nada terem recebido em troca, é forçoso concluir que sofreram danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que os autores pagaram para adquirir e nada adquiriram.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar os autores, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização. E esta conclusão é afirmada sem necessidade de discussão sobre a existência de sinal penitencial, aquele sinal acordado pelas partes como “preço do arrependimento”, o qual torna lícita a desvinculação unilateral do normal dever de cumprimento do contrato.
ii - A distribuição do risco contratual em caso de perturbação do plano contratual em consequência da superveniência da impossibilidade da prestação.
A ré, quer na sua contestação, quer nas suas alegações de Direito faz referência à distribuição ao risco contratual para concluir que deve ser chamado o instituto do enriquecimento sem causa para solução do caso sub judice.
Porém, tendo já sido decidido no despacho saneador que a impossibilidade da prestação é imputável à ré não se vê que haja mais lugar à ponderação de repartição do risco da prestação nem do risco de utilização.
Como regra geral, o risco de prestação corre por conta do devedor e o risco de utilização corre por conta do credor9. Se alguém se compromete a construir e vender um imóvel para fins comerciais e se, entretanto, aumenta o preço dos materiais de construção e é publicada uma lei que obriga ao fecho dos estabelecimentos comerciais todos os dias da parte da tarde, o risco da subida do preço (risco de prestação) corre por conta do construtor vendedor e o risco de arrendar por renda inferior (risco de utilização) corre por conta do comprador.
O mesmo se passa em caso de a perturbação do plano contratual advir da impossibilidade superveniente da prestação imputável ao credor ou ao devedor (arts. 784º, nº 2 e 790º, nº 2 do CC).
Às referidas regras escapam os contratos aleatórios em que as partes ou a natureza do contrato repartem de forma diferente os riscos contratuais10. Porém, nada nos presentes autos permite qualificar como aleatórios os contratos celebrados entre os autores e a ré. Nada permite concluir que o risco de não ser possível construir tivesse sido convencionalmente atribuído a qualquer das partes. Acresce ainda que, se se atribuir o risco contratual aos autores, então nada têm a receber, nem pelo regime da resolução contratual, nem pelo regime do sinal, nem pelo regime do enriquecimento sem causa, nem por qualquer outro. Perdem o que prestaram11. Exceptuam-se os casos dos vícios contratuais e afins.
Estando decidia a questão da imputabilidade da causa da impossibilidade superveniente da prestação e não se tratando de contrato aleatório, não há que ponderar a repartição do risco contratual.
iii. – Do montante da indemnização.
É nesta questão que é maior a divergência entre as partes.
Os autores alegam que foi prestado sinal no montante de HKD2.208.000,00 e pretendem receber o dobro do referido sinal, com acréscimo de MOP.800,00 que pagaram a título de emolumentos. Já a ré diz que não foi prestado qualquer sinal, mas que foi paga a título de preço a referida quantia de HKD2.208.000,00, a qual deve ser devolvida em singelo.
O princípio geral é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que delimita o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
iii.1 – Da existência de convenção de sinal.
Há, pois, antes de mais, que apurar se foi acordado sinal no caso em apreço.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico12. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes13.
Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que os autores entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito dos contratos promessa que ambos celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 6º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão. Com efeito, a ré logrou apenas provar que o contrato que celebrou refere a palavra preço, não constituindo tal facto “prova do contrário” do facto presumido. Isto é, não é prova de que as partes não quiseram atribuir carácter de sinal.
Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice consta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido diz-se que a falta de pagamento pelos autores das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelos autores à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
A ré nas suas doutas alegações de Direito apontou o percurso intelectual que, em seu entender, deve ser percorrido para alcançar aquele sentido vinculador. Mas não atendeu ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
Ora, se em caso de incumprimento dos autores a ré é indemnizada em “dois milhões”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que os autores ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelos autores fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
As partes não estipularam que em caso de incumprimento dos autores a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
iii.2 – Da indemnização por despesas com emolumentos para celebração do contrato e da redução equitativa do valor da indemnização predeterminada por referência ao valor do sinal.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda. Como se disse, as partes já não disputam esta questão e é evidente na factualidade provada que a prestação prometida pela ré deve considerar-se impossível actualmente.
Está também demonstrado que a ré recebeu o sinal.
Foi já decidido no despacho saneador que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa, ainda que presumida. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere aos autores o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC).
Mas terá ainda a ré de pagar à autora um montante igual ao do sinal que recebeu?
A natureza confirmatória do sinal.
O dever de pagar quantia igual ao sinal tem uma justificação:
- Ou o sinal foi estabelecido pelos contraentes como “preço do arrependimento” e o contraente paga em cumprimento do que acordou, sendo-lhe lícito desvincular-se da promessa sem que isso implique incumprimento dessa promessa (sinal penitencial);
- Ou o sinal não foi estabelecido como penalização pela desvinculação lícita mas visou confirmar a intenção de contratar e, nesse caso de sinal confirmatório, o valor do sinal é o valor e o limite prévia e supletivamente tabelados da indemnização por incumprimento ilícito, uma vez que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (art. 782º do CC).
No caso de contrato-promessa de compra e venda de prédio ou de sua fracção autónoma, como é o que vigorou entre a autora e a ré, não é admissível sinal apenas penitencial se o promitente adquirente recebeu a coisa prometida vender, porque, nesse caso, o promitente-fiel tem sempre direito ao cumprimento, ainda que mediante recurso à acção de execução específica14.
É discutível se o sinal tem um regime unitário ou se tem um regime quando estabelecido pelas partes com funções confirmatórias e outro regime quando estabelecido apenas com funções penitenciais do arrependimento15. “O critério de qualificação do sinal como confirmatório ou penitencial é o critério da licitude ou da ilicitude da recusa de cumprimento”16.
É a vontade das partes quem determina se o sinal é penitencial e preço de arrependimento ou se é confirmatório e valor supletivo da indemnização por incumprimento. Só interpretando a vontade negocial das partes se pode saber se quiseram estabelecer sinal penitencial ou confirmatório17. Em caso de dúvida, o sinal deve ter-se como de natureza confirmatória porque a regra é a de que as partes quando celebram um contrato se vinculam de modo irrevogável e não de modo a que se possam desvincular livremente pagando o sinal penitencial: “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”18.
No caso em apreço, atenta a escassez de factos que permitam saber a vontade das partes, o sinal estabelecido contratualmente tem, pois, natureza confirmatória, pelo que é a medida da indemnização devida pelo incumprimento da promessa da ré.
Conclui-se, pois, que no caso dos presentes autos o sinal convencionado e constituído não é o preço que as partes estabeleceram no âmbito da sua autonomia privada como contrapartida do direito a desistir da celebração do contrato prometido. O sinal é aqui a medida da indemnização por incumprimento, predeterminada por norma supletiva.
Da indemnização das despesas pagas a título de emolumentos.
Quando os danos efectivos sejam consideravelmente superiores ao valor do sinal, o montante da indemnização deve ser o do dano efectivo e não o do sinal. É o que se dispõe no nº 4 do art. 436º do CC19.
Os autores pretendem ser indemnizados por MOP.800,00 que despenderam com elolumentos. Não é, claramente, um caso de dano consideravelmente superior ao valor do sinal. Está “coberto pelo sinal” e não é autonomamente indemnizável.
Não procede esta parte da pretensão dos autores.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações20, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento21. Mas trata-se de uma pena hoje quase meramente indicativa, pois que se houver dano excedente consideravelmente superior ao sinal, a indemnização por incumprimento fica no montante do dano efectivo e não no montante do sinal e se o dano for manifestamente inferior ao sinal a indemnização já não é reconduzida ao dano efectivo, mas reduzida a um limite equitativo.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
De certo modo, em matéria de princípio dispositivo a equidade opera com limites menos rigidos que a aplicação dos critérios de decisão normativos, designadamente nos casos dos limites do pedido e da alegação. Pode, pois, ser ponderado em sede de equidade o interesse contratual positivo normal, mesmo que não tenha sido alegado em factos nem consubstanciado no pedido, como ocorre no caso dos autos em que os autores se limitam a peticionar o sinal em dobro acrescido de dois danos emergentes autónomos ligados ao interesse contrstual negativo e sem peticionar lucros cessantes ligados ao interesse contratual positivo.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que os autores sofreram (se os referidos limites determinados pelo princípio do pedido e da alegação). O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo da autora e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré limitou-se a dizer que, devido à impossibilidade superveniente da prestação, os autores vão adquirir uma fracção autónoma equivalente a uma das duas que contrataram com a ré. Sendo assim, sempre os autores continuarão a ficar privados de uma fracção que teriam se a ré cumprisse o acordado.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
Tem razão a ré quando diz que deve ser ponderado nesta sede que os autores para poderem usufruir das fracções prometidas vender ainda teriam de despender 70% do preço que acordaram pagar.
No entanto, tem também de ponderar-se que foi por razões imputáveis à ré que os autores não tiveram hipótese de adquirir e que, se tivessem podido fruir das duas fracções autónomas em causa desde a data em que lhes deveriam ser entregues nos termos acordados, há cerca de 7 anos, teriam a hipótese de obter um valor que não seria muito inferior ao valor do sinal. A perda de tal hipótese é um dano e esse dano corresponde à diferença entre a situação actual dos autores e a que teriam se não fosse o “incumprimento” da ré (Art. 560º, nº 5 do CC). Acresce que, mesmo que os autores adquiram uma fracção autónoma, sempre continuarão privados da outra que também pretendiam adquirir.
Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelos autores, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
e) - Da mora na obrigação de indemnizar.
a. O início da mora.
A autora pretende a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a declaração de caducidade do contrato de concessão até integral pagamento. A ré entende que é a citação que determina o início da mora.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre quanto às obrigações puras e líquidas, como é a da ré, no momento da interpelação (art. 794º, nºs 1 e 4 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A mora ocorreu, pois, com a citação.
b. A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepões aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito dos autores nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de HKD4.416.000,00 (quatro milhões, quatrocentos e desasseis mil dólares de Hong Hong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento.
Custas a cargo de autores e ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões levantadas no recurso, tal como se refere anteriormente, o TSI já teve oportunidade de se pronunciar, nomeadamente nos processos nº 220/2024, em que fica consignado o seguinte entendimento:
“從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
事實上,本院在涉及“海一居”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
4. 就賠償金額方面:
第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
a) 法律規定容許者;
b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
在本個案中,原告們向原預約買受人F支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。
*
四. 決定
綜上所述,裁決第一被告的上訴不成立,維持原審法院的決定。
*
訴訟費用由第一被告支付。
作出適當通知。”
Ora, bem vistas as coisas, é de verificar-se que, praticamente, todas as questões levantadas pelo Recorrente já foram objeto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, e nesta sede, não encontramos vícios que demonstrem a incorrecta aplicação de Direito, muito menos os alegados vícios invalidantes da decisão atacada.
Nesta sede, limitamo-nos a frisar os seguintes aspectos:
1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pode cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indescupavel”, o que deve relevar para cumprir as sanções contratuais!
4) – Ora no caso em exame, como o primitente-comprador é sempre o mesmo, não tendo ele cedido a posição a terceiro, e o seu pedido é tão singelo: restituição do sinal em dobro, e não se encontram motivos que demonstrem que tal restituição representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
Perante o decidido e o fundamentado do Tribunal recorrido, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente.
*
Síntese conclusiva:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - Em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real. As partes não estipularam que em caso de incumprimento dos Autores a Ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores. Face ao expendido, deve concluir-se que foi acordado sinal no caso em apreço.
VII – Em face da ausência de factos essenciais, cujo ónus cabe aos Autores, não pode considerar-se aqui demonstrado o dano excedente alegado pelo mesmo e reportado à diferença entre o valor actual da fracção prometida vender e o preço da prometida venda. Não pode o tribunal conhecer de outro eventual dano não alegado pelos Autores para aferir se esse dano excede consideravelmente o valor do sinal e se, por isso, é indemnizável, nomeadamente não pode o tribunal ponderar eventual dano decorrente da privação durante vários anos do uso do imóvel prometido vender. Com efeito, esse dano não foi processado em discussão contraditória e não foi colocado à apreciação do tribunal, pelo que seriam excedidos os poderes de cognição do tribunal (arts. 563º, nº 3 do CPC).
VIII - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
IX - No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento. No que tange ao dano efectivo, a Ré limitou-se a dizer que, devido à impossibilidade superveniente da prestação, os Autores vão adquirir fracções autónomas equivalentes às que contrataram com a Ré e que terá um valor de mercado superior ao preço acordado.
X - A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo. No entanto, tem de ponderar-se que foi por razões imputáveis à Ré que o autor não teve hipótese de adquirir atempadamente a fracção autónoma prometida e que, se tivesse podido fruir dela desde a data em que lhe deveria ser entregue nos termos acordados, há cerca de sete anos, teria a hipótese de ter obtido e continuar a obter até à data, ainda desconhecida, em que receberá a “fracção sucedânea” um valor que não será muito inferior ao valor do sinal. A perda de tal hipótese é um dano e esse dano corresponde à diferença entre a situação actual do autor e a que teria se não fosse o “incumprimento” da ré (Art. 560º, nº 5 do CCM). Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelos Autores, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos presentes recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 23 de Janeiro de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1º Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Juiz-Adjunto)
1 Nas suas alegações sobre solução jurídica da causa já a ré não questiona a impossibilidade do cumprimento da sua prestação contratual. Talvez por já ter desistido do pedido na acção que intentara contra a RAEM.
2 Luíz Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
3 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
4 Neste sentido, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, 1988, p. 170.
5 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato a um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 2ª edição, p. 166.
6 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
7 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
8 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p.427.
9 Baptista Machado, Rico contratual e Mora do Credor, Obra Dispersa, 1991, p. 274 .
10 Baptista Machado, op. cit., p. 272.
11 Assim como também perderiam se se entendesse que celebraram contrato de compra e venda de bens futuros com carácter aleatório (art. 870º, nº 2 do CC).
12 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
13 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p.94.
14 Art. 820º, nº 2 do CC.
15 Nuno Miguel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, 90.
16 Nuno Miguel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, 103.
17 “Problema de interpretação da vontade das partes é também a questão da natureza (confirmatória ou penitencial) do sinal: se a intenção dos contraentes foi a de confirmar o contrato... haverá sinal confirmatório; se, inversamente, as partes quiseram reservar ... a faculdade de retratacção ou de recesso do contrato, haverá sinal penitencial. É a liberdade contratual que molda o caráter do sinal, cabendo ao tribunal apurar se as partes quiseram um ou outro - Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
18 Art. 400º do CC. Também no sentido de o sinal ser “naturalmente” e presumidamente confirmatório, Professor Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 167 e Calvão da Silva, op. cit, pgs. 94 e 95. No mesmo sentido, Acórdãos do Venerando TSI, nº 1002/2015, de 17/03/2016, Relator: Dr. Lai Kin Hong e nº 327/2017, de 4/4/2019, Relator: Dr. Fong Man Chong.
19 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p.151.
20 Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
21 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
2024-205-sinal-dobro 38