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Processo nº 136/2024
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido, natural da Tunísia e com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância datado de 26.09.2024, (Proc. n.° 610/2024), que confirmou o veredicto do Tribunal Judicial de Base com o qual se decidiu pela sua condenação como autor material da prática de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (na redacção resultante da Lei n.° 10/2016), na pena de 12 anos de prisão, batendo-se tão só pela redução da dita pena para uma outra não superior a 8 anos de prisão; (cfr., fls. 320 a 328 e 336 a 348 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em Resposta, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 360 a 363).

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Oportunamente, nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, pugnando também pela inteira confirmação do decidido; (cfr., fls. 376).

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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal Judicial de Base foram dados como “provados” os seguintes factos como tal elencados no seu Acórdão que foram totalmente confirmados pelo Acórdão ora recorrido do Tribunal de Segunda Instância:

“1) No dia 1 de Dezembro de 2023, pelas 10h09 da noite, o arguido A chegou a Macau num voo vindo de Kuala Lumpur, e entrou em Macau com sucesso.
2) Quando o arguido chegou ao átrio de entrada do Aeroporto Internacional de Macau, os agentes da Polícia Judiciária descobriram que o arguido estava nervoso e comportava-se com atitude suspeita, pelo que vigiaram e, posteriormente, interceptaram o arguido que levara a sua mala no carrossel de bagagens, levando-o ao Gabinete da Polícia Judiciária junto do Aeroporto Internacional de Macau para efeitos de investigação.
3) Durante a investigação, os agentes da Polícia Judiciária descobriram um forro selado na parte inferior da mala levada pelo arguido.
4) A seguir, os agentes da Polícia Judiciária efectuaram revista à supracitada mala e encontraram no forro selado um saco plástico selado, de cor preta e com a área de cerca de 40x32cm, que continha pó branco, com peso total de cerca de 2,1kg.
5) Feito o exame laboratorial, averiguou-se que o pó branco acima referido, com peso líquido de 1.973,0g, continha “Cocaína”, substância abrangida tabela I-B anexa à Lei n.º 17/2009, e após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Cocaína” era de 72,8%, com peso de 1,42kg.
6) Após a investigação, verificou-se que, no dia 28 de Novembro de 2023, na Guiné, o arguido obteve, junto dos dois suspeitos “B” e “C”, a referida mala em cujo forro selado foi escondida droga “Cocaína”, com o objectivo de ajudar os suspeitos a transportar a respectiva droga “Cocaína” da Guiné para Macau e entregá-la ao indivíduo indicado pelos suspeitos, podendo o arguido receber um montante de USD5.000,00 a título de remuneração.
7) Depois, sob as instruções dadas pelos dois suspeitos “B” e “C”, o arguido, levando com ele a aludida mala contendo droga “Cocaína”, tomou um voo da Guiné para a Turquia, e depois da Turquia para Macau, via Kuala Lumpur. Posteriormente, acabou por ser interceptado pela Polícia no Aeroporto Internacional de Macau.
8) A par disso, os agentes da Polícia Judiciária ainda encontraram na posse do arguido USD700,00 em numerário, dois cartões de embarque da AirAsia, um cartão de embarque da Turkish Airlines, uma tabela de informações da trajectória de voos e um telemóvel. O dinheiro em numerário é produto do crime praticado pelo arguido, e o telemóvel foi usado como instrumento de comunicação pelo arguido na prática das actividades de tráfico de drogas.
9) O arguido conhecia bem a natureza e as características da referida droga, que não era destinada ao seu consumo pessoal.
10) O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária ao praticar dolosamente as supracitadas condutas.
11) O arguido, sabendo bem que eram proibidos os seus actos, ainda transportou, da Guiné para Macau, droga controlada por lei, e pretendeu entregá-la a outrem.
12) O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
O arguido alegou ser motorista antes de ser preso preventivamente, auferia mensalmente cerca de 150 dólares americanos, tem como habilitações literárias o ensino superior, e tem dois filhos menores com a ex-esposa.
De acordo com o CRC mais recente, o arguido é delinquente primário”; (cfr., fls. 274-v a 375-v e 323-v a 324-v).

Do direito

3. Entende – tão só – o ora recorrente, que “excessiva” é a pena de “12 anos de prisão” que lhe foi aplicada, pugnando pela sua redução para uma outra “não superior a 8 anos de prisão”.

Cremos, porém, que não se pode acolher o assim pretendido.

Vejamos.

Ao dito crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” pelo recorrente cometido cabe a pena (abstracta) de 5 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009 com a redacção dada pela Lei n.° 10/2016).

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, importa atentar que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Sobre a matéria preceitua também o art. 65° do mesmo Código que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Por sua vez, nos termos do seguinte art. 66°:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

No caso, atento o que alega o ora recorrente, constata-se que, de relevante, invoca apenas a sua “primo-delinquência” e “confissão”.

Porém, tendo presente a “factualidade” dada como provada, de onde resulta, nomeadamente, que o ora recorrente, agindo em conformidade com um plano previamente traçado com outros indivíduos não (totalmente) identificados, viajou de Kuala Lumpur para Macau, onde veio a ser detido à chegada ao aeroporto com um total de 1,42 quilogramas de “Cocaína”, apresenta-se-nos pois evidente que a decisão do Tribunal de Segunda Instância, (que confirmou a do Colectivo do Tribunal Judicial de Base), não merece qualquer censura, sendo assim, de se confirmar, na íntegra, a pena ao ora recorrente aplicada.

Com efeito, sendo natural da Tunísia, e encontrando-se em Macau de passagem, como “turista-acidental”, (muito) pouca relevância se pode atribuir à sua invocada “primo-delinquência”, o mesmo sucedendo com a sua também alegada “confissão”, pois que, (como se referiu), importa atentar que foi detido em “flagrante delito”, o que necessariamente anula, em grande medida, o valor da dita “confissão”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 31.10.2018, Proc. n.° 71/2018, de 19.06.2019, Proc. n.° 49/2019, de 23.06.2021, Proc. n.° 84/2021 e de 08.05.2024, Proc. n.° 107/2023).

Assim, e na ausência de qualquer “circunstância” que permita considerar a “situação” em questão como “excepcional” ou “extraordinária”, desde logo se mostra de consignar que motivos não existem para qualquer “atenuação especial da pena” ao abrigo do transcrito art. 66° do C.P.M., sendo de referir igualmente que verificados também não estão os necessários pressupostos legais do art. 18° da Lei n.° 17/2009 para idêntica medida, (pois que, como se tem decidido: “Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 30.07.2015, Proc. n.° 39/2015, de 30.05.2018, Proc. n.° 34/2018, de 23.09.2020, Proc. n.° 155/2020, de 30.10.2020, Proc. n.° 165/2020, de 27.11.2020, Proc. n.° 193/2020, de 23.06.2021, Proc. n.° 84/2021, de 24.09.2021, Proc. n.° 66/2021, de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022, 12/2022 e 14/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 52/2022, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022, de 15.03.2023, Proc. n.° 30/2023, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023 e de 26.01.2024, Proc. n.° 98/2023-I).

De facto, tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira “válvula de segurança” que permita, em hipóteses “especiais”, (“excepcionais”, ou “extraordinárias”), ou seja, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

E como repetidamente temos vindo a considerar, “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais” – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 03.04.2020, Proc. n.° 23/2020-I, de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I e de 23.09.2020, Proc. n.° 155/2020, de 27.11.2020, Proc. n.° 193/2020, de 23.06.2021, Proc. n.° 84/2021, de 11.03.2022, Proc. n.° 8/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 52/2022, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023 e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 04.09.2024, Proc. n.° 92/2024).

Nesta conformidade, ponderando no que até aqui se expôs, na referida moldura penal – 5 a 15 anos de prisão – atentos os critérios para a determinação da medida da pena previstos nos transcritos art°s 40° e 65° do C.P.M., na circunstância de em causa estar um crime dito “transnacional”, no que vem sendo entendido pelos Tribunais de Macau em matéria de pena em processos análogos, e apresentando-se-nos evidente que o Tribunal a quo não deixou de ponderar, adequadamente, em todas as circunstâncias relevantes para efeitos de fixação da pena em questão, mostra-se-nos pois que se impõe confirmar a pena de 12 anos de prisão decretada.

Na verdade, a “factualidade provada” revela que o recorrente desenvolveu, como autor material, uma conduta onde não se pode desconsiderar as (impressionantes) “quantidades” e “natureza” do estupefaciente que a mesma envolveu – tendo sido surpreendido com 1,42 quilogramas de “Cocaína” – muito intenso sendo o seu dolo e extremamente elevado o grau de ilicitude da sua conduta, (muito) fortes sendo, igualmente, as necessidades de prevenção criminal, (face aos graves malefícios e prejuízos que o crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” em questão causa à saúde pública).

Da mesma forma, importa pois ter presente que, (nomeadamente), em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e tão só quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de julgamento.

Com efeito, temos vindo a entender que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., os Acs. de 27.04.2018, Proc. n.° 27/2018, de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019, de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020-I, de 23.06.2021, Procs. n°s 72/2021-I e 84/2021, de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022, 12/2022 e 14/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 52/2022, de 15.03.2023, Proc. n.° 30/2023, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023 e a Decisão Sumária de 27.05.2024, Proc. n.° 60/2024).

Cabe aqui uma breve nota.

Insurge-se também o recorrente contra o que considera constituir erro a factualidade provada quanto à sua “situação académica e económico-social”.

Importa porém dizer que se limita a alegar, sem nada demonstrar, de nada valendo assim o que nesta sede afirma.

Dest’arte, revelando-se pela decisão recorrida, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação da pena aplicada; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014, de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015, de 03.04.2020, Proc. n.° 23/2020, de 05.05.2021, Proc. n.° 40/2021, de 23.06.2021, Proc. n.° 72/2021-I, de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022, 12/2022 e 14/2022, de 15.03.2023, Proc. n.° 30/2023 e a Decisão Sumária de 13.03.2024, Proc. n.° 20/2024).

Aliás, como nota Figueiredo Dias, (in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.

Dest’arte, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 12 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$3.500,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Novembro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Fong Man Chong

Proc. 136/2024 Pág. 14

Proc. 136/2024 Pág. 1