Processo nº 348/2024
(Autos de Recurso Contencioso)
Data do Acórdão: 23 de Janeiro de 2025
ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Residência
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 348/2024
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 23 de Janeiro de 2025
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
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ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 09.02.2024 que indeferiu o pedido de renovação da autorização de fixação de residência, formulando as seguintes conclusões:
UM– Causa de pedir do recurso – i.e., os actos recorridos n.º 1 e n.º 2
* Existência da relação de conexão entre os actos recorridos n.º 1 e n.º 2
* Existência da relação de dependência entre os actos recorridos n.º 1 e n.º 2
* Justificabilidade da cumulação de impugnações
1. Em 01/09/2023, a recorrente A recebeu a notificação da audiência escrita n.º 100535/SRDARPNT/2023P emitida pelo Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do CPSP da RAEM em 23/08/2023, que lhe comunicou a intenção de revogar a autorização de residência concedida à recorrente (vd. o doc. 3)
2. Em 14/09/2023, a recorrente apresentou à entidade recorrida, ou seja, ao Secretário para a Segurança o pedido de não revogar a autorização de residência concedida à recorrente por motivos humanitários (vd. doc. 2);
3. Em 14/09/2023, a recorrente apresentou ao comandante do CPSP da RAEM os articulados como resposta à notificação acima mencionada com base na existência da relação de dependência entre o pedido por motivos humanitários de revogar a autorização de residência concedida à recorrente / pedido de não revogar a autorização de residência, suspendendo assim o processo administrativo (vd. doc. 4);
4. Em 18/12/2023, a recorrente recebeu o ofício n.º 111596/CPSP-SRDARP/OFI/2023P do CPSP da RAEM, ou seja, o ofício n.º 111596/CPSP-SRDARP/OFI/2023P que solicitou à recorrente entregar o depoimento escrito das suas testemunhas (vd. doc. 5);
5. Na realidade, em 11/12/2023, a recorrente já apresentou ao comandante do CPSP da RAEM o depoimento escrito de A, B, C e D; ao mesmo tempo, voltou a apresentar o pedido por motivos humanitários acima referido (vd. doc. 6);
6. Em 04/03/2024, a recorrente recebeu o ofício n.º 102126/CPSP-SRDARP/OFI/2024P do comandante CPSP da RAEM endereçado à recorrente, notificando-a do despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 que julgou nula a autorização de residência concedida à recorrente pelo CPSP em 04/03/2009 (vd. doc. 7);
7. Além disso, a notificação n.º 100145/SRDARPNT/OFI/2024P anexa à notificação acima referida dirigida à recorrente não forneceu o texto integral do despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 que julgou nula a autorização de residência concedida à recorrente pelo CPSP em 04/03/2009 (vd. doc. 7);
8. Por isso, em 08/03/2024, a recorrente pediu por escrito à entidade recorrida enviar por carta a decisão administrativa acima referida que foi o despacho em relação à recorrente, bem como notificar o seu mandatário da decisão administrativa no despacho (vd. doc. 8);
9. Além disso, em 11/03/2024, a recorrente pediu ao comandante CPSP emitir gratuitamente à recorrente o texto integral do despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 (vd. doc. 9);
10. Infelizmente, a recorrente não obteve qualquer resposta escrita da entidade recorrida. Então via-se obrigada a instaurar junto do Tribunal Administrativa o processo n.º TA-24-0509-PPC para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão, para obter o texto integral do despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 que julgou nula a autorização de residência concedida à recorrente pelo CPSP em 04/03/2009 (vd. doc. 10);
11. Em 19/04/2024, a entidade recorrida entregou ao Tribunal Administrativo a contestação e o anexo 1 no âmbito do processo n.º TA-24-0509-PPC. Só assim é que em 19/04/2024, a recorrente recebeu o despacho proferido pelo Mm.º Juiz, a contestação e o anexo 1, ou seja, o texto integral do despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 que julgou nula a autorização de residência concedida à recorrente pelo CPSP em 04/03/2009 (vd. doc. 1);
12. Em 22/04/2024, através da plataforma de envio de peças processuais por meios electrónicos aos tribunais, a recorrente apresentou resposta escrita 1ao Juiz do Tribunal Administrativo; e com base na inutilidade superveniente do processo n.º TA-24-0509-PPC, o processo extinguiu-se (vd. doc. 11);
13. Em 25/04/2024, a recorrente foi notificada do despacho proferido pelo Mm.º Juiz do TA em 23/04/2024 com que se declarou a extinção do processo n.º TA-24-0509-PPC pela inutilidade superveniente (vd. doc. 12);
14. Lê-se o seguinte no anexo 1 da contestação acima referida, ou seja, o parecer do chefe, substituto, do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do CPSP:
“1. À interessada A (agora de 64 anos de idade) e a E (agora de 34 anos de idade), filha que a acompanhava, ambas munidas de Salvo-Conduto Singular para Deslocação a Hong Kong e Macau, o CPSP concedeu autorização de residência em 04/03/2009, com justificação de reunião com o cônjuge / padrasto F; as duas são agora portadoras de BIRM permanente.
2. No entanto, segundo a sentença n.º CR4-22-0255-PCC do TJB, aproveitando do facto de F era residente de Macau, a interessada celebrou um casamento falso no Interior da China e em seguida obteve o registo e a prova do casamento que não correspondiam à verdade. Com a certidão enganou o Interior da China, para além da RAEM. Mentiu que era para reunião conjugal e com justificação de relação padrasto / filha, pediu às autoridades competentes do Interior da China e da RAEM a reunião familiar e a autorização de residência, para que a interessada e a filha que levava consigo obtivessem os documentos legais necessários para a residência e a permanência em Macau previstos pela lei. Os seus actos comprometeram a fé pública de tais documentos comprovativos e prejudicaram o interesse da RAEM e de terceiros. A e E acabaram por conseguir obter o direito à residência em Macau e BIRM. Em 16/06/2023, o TJB condenou a interessada A e F a dois anos e três meses de prisão por cada um pelo crime de falsificação de documento, suspenso na execução por dois anos. A decisão já transitou em julgado em 06/07/2023 (documentos 47 - 60).
3. Visto que a autorização de residência concedida a A se baseava na certidão de casamento não correspondente à verdade e que o crime envolvido durante o processo foi o factor essencial para a concessão da autorização de residência por parte do CPSP, para além do facto de que o TJB já proferiu a decisão sobre o crime, o nosso Departamento instaurou nos termos legais a audiência escrita. Intenta-se declarar nula a autorização de residência anteriormente concedida à interessada e à sua filha acompanhante. Emitiu-lhes a notificação de audiência escrita.
4. Em 14/09/2023 e 18/09/2023, o CPSP recebeu as alegações escritas e a documentação atinente à audiência escrita submetidas pelo mandatário da interessada e da sua filha acompanhante. O conteúdo das alegações escritas pode-se resumir no seguinte: as duas já viviam em Macau desde havia muito tempo. Esperava-se que se mantivesse a autorização de residência concedida a ambas por motivos humanitários; o mandatário apresentou provas e depoimentos escritos sobre a residência habitual em Macau e as condições familiares da interessada e da sua filha acompanhante.
5. Da análise dos documentos submetidos pela interessada e pela filha acompanhante na fase de audiência escrita resulta insuficiente a fundamentação; tendo-se em conta ao mesmo tempo as seguintes circunstâncias:
1) A relação matrimonial existente entre a interessada A e F foi o factor principal contemplado durante o acto administrativo de concessão da autorização de residência na RAEM, ou seja, foi-lhe o pressuposto, sem a qual a autorização de residência não teria sido concedia; 2.) Sendo falsa a relação matrimonial entre a interessada A e F, o acto administrativo de concessão da autorização de residência na RAEM enferma do vício de erro; além disso, a prática do acto administrativo estava relacionada com o crime cometido pela interessada acima referido; 3) a única razão e motivo por que E obteve a autorização de residência foi a relação matrimonial entre a sua mãe A e F. Então a autorização de residência concedida a E também teve a ver com o crime acima referido; portanto, propõe-se declarar nula a autorização de residência anteriormente concedida à interessada A e à sua filha acompanhante E nos termos do art.º 122.º, n.º 2, alínea c) do CPA” (negritos, itálicos e sublinhados nossos) (vd. doc. 1);
15. O parecer e a proposta acima referidos do chefe, substituto, do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do CPSP ficaram aprovados pelo comandante do CPSP e assim foram apresentados à entidade recorrida para decisão. A entidade recorrida tomou a decisão administrativa de “Aprovado. Tratamento segundo proposto” (vd. doc. 1);
16. De facto, não se encontra qualquer decisão administrativa expressa de deferimento ou indeferimento no despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 no pedido de não revogar a autorização de residência concedida à recorrente por motivos humanitários (vd. doc. 2) submetido pela recorrente em 14/09/2023 à entidade recorrida.
17. O despacho proferido pela entidade recorrida em 09/02/2024 referiu antes sim só o que constava do pedido: “Em 14/09/2023 e 18/09/2023, o CPSP recebeu as alegações escritas e a documentação atinente à audiência escrita submetidas pelo mandatário da interessada e da sua filha acompanhante. O conteúdo das alegações escritas pode-se resumir no seguinte: as duas já viviam em Macau desde havia muito tempo. Esperava-se que se mantivesse a autorização de residência concedida a ambas por motivos humanitários; o mandatário apresentou provas e depoimentos escritos sobre a residência habitual em Macau e as condições familiares da interessada e da sua filha acompanhante.” E “Da análise dos documentos submetidos pela interessada e pela filha acompanhante na fase de audiência escrita resulta insuficiente a fundamentação”, ou seja, limitou-se a referir só alguns factos conclusivos; além disso, fundamentou-se no seguinte: “a única razão e motivo por que E obteve a autorização de residência foi a relação matrimonial entre a sua mãe A e F. Então a autorização de residência concedida a E também teve a ver com o crime acima referido”, para por fim, com a consequência jurídica de “declarar nula a autorização de residência anteriormente concedida à interessada A e à sua filha acompanhante E”, declarou-se nula a autorização de residência anteriormente concedida à recorrente.
18. Assim sendo, a entidade recorrida já praticou acto administrativo expresso (doravante designado por “acto recorrido n.º 2”), pois com o despacho proferido em 09/02/2024, considerou os motivos humanitários invocados como factos conclusivos insuficientes e com os fundamentos de que a autorização de residência anteriormente concedida à recorrente tinha sido baseada no seu casamento com F e de que a concessão autorização de residência tinha constituído crime (sic – N. da T.), para tomar a decisão administrativa de declarar nula a autorização de residência anteriormente concedida à recorrente.
19. No presente caso, o acto recorrido n.º 1 foi o acto administrativo de declarar nula a autorização de residência anteriormente concedida à recorrente, enquanto o acto recorrido n.º 2 foi o acto administrativo de indeferir o pedido por motivos humanitários de não revogar a autorização de residência concedida à recorrente;
20. Conforme o entendimento do Mm.º Ex-Juiz do TUI da RAEM Dr.º Viriato Manuel Pinheiro de Lima e do Delegado Coordenador do Ministério Público Dr. Álvaro António Mangas Abreu Dantas sobre a relação de dependência ou conexão, tanto o acto recorrido n.º 1 como o acto recorrido n.º 2 tinham a ver com a questão de se dever declarar como nula a autorização de residência concedida à recorrente pelo crime cometido no acórdão n.º CR4-22-0255-PCC do TJB ou antes manter-se a autorização de residência por motivos humanitários. Portanto, os actos recorridos n.º 1 e n.º 2 estavam ligados por uma relação de conexão;
21. De acordo com o parecer jurídico e a jurisprudência acima citados, antes de declarar como nula a autorização de residência acima referida, a entidade recorrida devia obrigatoriamente considerar as questões de facto e de direito de se existiam motivos humanitários para manter-se a autorização de residência, para depois tomar a decisão administrativa de declarar como nula a autorização de residência anteriormente concedida;
22. Assim, conforme o parecer acima citado, os actos recorridos n.º 1 e n.º 2 estavam ligados também por uma relação de dependência, visto que na hipótese de procedência do pedido por motivos humanitários, a recorrente poderia continuar a viver na RAEM na qualidade legítima de residente permanente da RAEM;
23. Portanto, é em conformidade com os princípios da economia processual e da eficiência é que a recorrente interpõe um único recurso contencioso dos actos recorridos n.º 1 e n.º 2 praticados pela entidade recorrida; além disso, é justo que o Mm.º Juiz do TSI conheça conjuntamente dos actos recorridos n.º 1-3 (sic – N. da T.) no presente processo para avaliar ao mesmo tempo os vícios de que ambos os actos administrativos enfermam para proferir uma decisão judiciária justa (nos termos do art.º 44.º do CPAC).
DOIS – Vício de ilegalidade dos actos administrativos recorridos n.º 1 e n.º 2
I. Violação do princípio de humanidade, do princípio jurídico da prevalência da lei hierarquicamente superior em relação à hierarquicamente inferior,do princípio jurídico da prevalência da lei especial em relação à lei geral, nulidade e vício de ilegalidade
24. A recorrente não era arguida na sentença penal condenatória n.º CR4-22-0255-PCC, pois a recorrente não teve qualquer parte nos actos criminosos dentro do processo penal;
25. Em 06/03/2009, o CPSP emitiu à recorrente o certificado de residência n.º 0450/2009. A recorrente obteve o BIRM não permanente (vd. doc. 1 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
26. Em 04/03/2016, a DSI da RAEM emitiu à recorrente o BIRM permanente n.º XXX (vd. doc. 1 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
27. A recorrente vive na RAEM desde há pelo menos 15 anos desde a obtenção do BIRM não permanente;
28. A recorrente vive na RAEM desde há pelo menos 8 anos desde a obtenção do BIRM permanente;
29. Em 14/09/2023, a recorrente apresentou à entidade recorrida, ou seja, ao Secretário para a Segurança o pedido de não revogar a autorização de residência concedida à recorrente por motivos humanitários, que se dá por integralmente transcrito aqui (vd. doc. 2).
30. Salvo o devido respeito, a entidade recorrida limitou-se a referir genericamente as razões humanitárias no ponto 4.º do despacho proferido em 09/02/2024 com que se declarou nula a autorização de residência concedida à recorrente. Na parte conclusiva do ponto 5.º referia apenas que “É insuficiente a fundamentação” e acabou por “declarar nula a autorização de residência concedida à recorrente” (vd. doc. 1).
31. Merece sublinhar que desde que seja justificado o pedido por razões humanitárias, não é preciso declarar como nula a decisão administrativa de autorização de residência por motivos humanitários. Mesmo no caso de desacordo, é de proceder conforme os princípios da decisão, da desburocratização e da eficiência previstos pelo art.º 11.º e pelo art.º 12.º do CPA. A entidade recorrida devia ter decidido sobre o pedido por razões humanitárias formulado pela recorrente já no âmbito do acto recorrido n.º 1 (vd. doc. 2), para ver se era justificado, para resolver todos os assuntos invocados pela recorrente à entidade recorrida de maneira global, célere e eficiente;
32. O que nos é difícil de entender é o facto de que se limitou a referir genericamente as razões humanitárias no ponto 4.º do despacho acima referido com que se declarou nula a autorização de residência concedida à recorrente. Na parte conclusiva do ponto 5.º referia apenas que “É insuficiente a fundamentação” e acabou por “declarar nula a autorização de residência concedida à recorrente” (vd. o anexo 1 da contestação da entidade recorrida no âmbito do processo n.º TA-24-0509-PPC do doc. 1);
33. Além disso, o pressuposto legal para a concessão da autorização de residência à recorrente era a legalidade e validade do casamento da recorrente com F. Só que já que a entidade recorrida ou o CPSP já concedeu à recorrente a autorização de residência, já não se pode declarar obrigatoriamente nula a autorização de residência concedida tendo somente com base na ilegalidade do casamento no que respeita a se declarar nula a autorização de residência ou antes mantê-la. Porque as razões humanitárias é questão prévia e ligada que se deve tomar em conta antes de declarar nula a autorização de residência (vd. o anexo 1 da contestação da entidade recorrida no âmbito do processo n.º TA-24-0509-PPC do doc. 1)!
34. Salvo o devido respeito, em relação ao CPA, o Princípio de Humanidade previsto pelo art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos remetido pelo art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau remetido pelo art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China prevalece pois que se trata de uma lei hierarquicamente superior. Devido ao conflito entre a lei hierarquicamente superior e a inferior, esta segunda fica sem dúvida inválida (nos termos do art.º 1.º, n.º 2 e n.º 3 e do art.º 287.º do CC);
35. Além disso, em relação ao CPA, a Lei n.º 16/2021 é lei especial, enquanto aquela é lei geral. É de respeitar o princípio da prioridade da aplicação da lei especial sobre a lei geral;
36. Só se não se encontrasse solução legal para o presente caso na lei hierarquicamente superior ou na lei especial é que se podia aplicar, em última instância, o CPA!
37. O que concretiza o princípio da legalidade previsto pelo art.º 3.º, n.º 1 do CPA; dito mais directamene, trata-se da observância do princípio da integralidade da ordem jurídica.
38. Assim, o despacho acima referido que declarou nula a autorização de residência concedida à recorrente ofendeu o Princípio de Humanidade previsto pelo art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos remetido pelo art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau remetido pelo art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China, o princípio jurídico da prevalência da lei hierarquicamente superior em relação à hierarquicamente inferior e o princípio jurídico da prevalência da lei especial em relação à lei geral. Logo, enferma do vício de ilegalidade (nos termos do art.º 1.º, n.º 2 e n.º 3 e do art.º 287.º do CC);
II. Violação dos princípios da legalidade, da decisão, da desburocratização e da eficiência, pelo que enferma do vício de ilegalidade de anulabilidade
39. Além disso, o despacho acima referido que declarou nula a autorização de residência concedida à recorrente ofendeu os princípios da legalidade, da decisão, da desburocratização e da eficiência, previstos respetivamente pelo art.º 3.º, n.º 1, pelo art.º 11.º, n.º 1 e pelo art.º 12.º do CPA, pelo que enferma do vício de ilegalidade de anulabilidade (nos termos do art.º 124.º do CPA);
III. Enferma do vício de anulabilidade pela falta de fundamentação
40. Salvo o devido respeito, conforme o acórdão do TSI n.º 116/2013, o despacho acima referido que declarou nula a autorização de residência concedida à recorrente é completamente contrário ao princípio da prevalência da lei hierarquicamente superior sobre a inferior e ao princípio da prevalência da lei especial sobre a geral. Para além disso, era dever legal da entidade recorrida prestar a justificação em relação ao pedido por razões humanitárias apresentado pela recorrente à entidade recorrida. No ponto 5.º referia apenas que “É insuficiente a fundamentação”, sem, no entanto, prestar qualquer explicação sobre a insuficiência, violando assim o art.º 11.º, n.º 1, o art.º 114.º, n.º 1, alínea c), o art.º 115.º, n.º 1 e n.º 2 do CPA e enferma do vício de anulabilidade pela falta de fundamentação (nos termos do art.º 124.º do CPA);
IV. Enferma do vício de nulidade pela ofensa do direito fundamental da recorrente de construir a família na RAEM consagrado pela lei
41. Salvo o devido respeito, no despacho acima referido não se encontra qualquer análise sobre o pedido por razões humanitárias apresentado pela recorrente. Fazia referência apenas a si mesmo, considerando que se devia declarar nula a autorização de residência concedida à recorrente que constituía objecto de crime, desconsiderando completamente a garantia legal acerca da formação da família de qualquer um. A recorrente e sua filha E já formaram ambas as próprias famílias na RAEM. Sua filha E casou-se com G e tiveram um filho, H, que é menor e vive com eles na RAEM. Têm como Macau a sua residência permanente. Portanto, violou o direito fundamental da recorrente de construir a família na RAEM protegido pela lei nos termos do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remete para o art.º 38.º, n.º 1 e o art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remetem para o art.º 23.º, n.º 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e nos termos do art.º 10.º, n.º 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;
42. Então, o despacho acima referido, pela violação do direito fundamental da recorrente de construir a família na RAEM protegido pela lei, enferma do vício de nulidade (nos termos do art.º 122.º, n.º 2, alínea d) do CPA);
V. Enferma do vício de nulidade pela ofensa do direito fundamental da recorrente ao desenvolvimento livre e geral na RAEM
43. A recorrente tem 65 anos de idade;
44. Em 13/01/2012, a recorrente obteve o certificado de conclusão do curso de formação de croupiers (vd. doc. 3 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
45. De 2012 a 24/10/2018, a recorrente trabalhou no “Table Games Department” na XXX Casino, S.A. como Dealer (“croupier”) (vd. documentos 4 e 5 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
46. De 01/07/2019 a 31/03/2020, a recorrente trabalhou nos “MSS STAFFING SERVICES” como empregada (a tempo parcial) (vd. doc. 6 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
47. Em 25/07/2019, a recorrente até obteve o Cartão de Formação em Segurança Ocupacional para a Construção Civil” emitido pela DSAL da REAM (vd. doc. 7 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
48. De 01/01/2020 a 28/01/2020, a recorrente trabalhou como empregada de mesa (a tempo parcial) no Grand Club Lounge do XXX Macau (vd. doc. 8 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
49. Em 06/04/2023, a recorrente obteve o certificado do Curso para empregados de mesa de restaurante chinês e ocidental organizado conjuntamente pela DSAL e pela Federação das Associações dos Operários de Macau (vd. doc. 9 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
50. Dito simplesmente, é desde há pelo menos 15 anos que a recorrente vive na RAEM, desde 2009 quando lhe foi concedida a autorização de residência acima referida;
51. A recorrente nunca deixou de formar-se afincadamente na RAEM, até trabalhou como ajudante na cozinha e como empregada de mesa em companhias privadas na RAEM (vd. doc. 10 do pedido por motivos humanitários do doc. 2);
52. Durante a estadia na RAEM de 15 anos acima referida, a recorrente não cometeu qualquer crime!
53. No que respeita ao trabalho e à assistência social, a recorrente já está ligada com Macau de maneira inseparável, pois que cumpre o dever de pagar o imposto profissional por trabalhar na RAEM e contribui para o Fundo de Segurança Social da RAEM;
54. A recorrente, agora já de idade de aposentação de 65 anos consegue sobreviver só na RAEM;
55. Além disso, pela autorização de residência acima referida, a recorrente já cancelou o registo de residência original no Interior da China;
56. E, filha da recorrente portadora do BIRM permanente n.º XXX (vd. doc. 11 do pedido por motivos humanitários do doc. 2), tem sempre vivido com a mãe na RAEM e toma conta da requerente.
57. Em 25/09/2012, E, filha da recorrente, casou-se com o residente do Interior da China G no Interior da China (vd. doc. 2-1 do pedido por motivos humanitários apresentado por E do doc. 13);
58. Além disso, G, cônjuge de E, filha da recorrente, obteve autorização de residência na RAEM pela reunião familiar graças à autorização de residência concedida acima referida. É, portanto, portador do BIRM não permanente n.º XXX (vd. doc. 2-2 do pedido por motivos humanitários apresentado por E do doc. 13);
59. Em 16/03/2018, E, filha da recorrente, deu à luz H, filho de G (vd. doc. 2-3 do pedido por motivos humanitários apresentado por E do doc. 13);
60. H, filho de E, filha da recorrente, tem 5 anos de idade. É portador do BIRM permanente n.º XXX (vd. doc. 14) e do cartão de estudante n.º XXX emitido pela DSEJ (vd. doc. 3 do pedido por motivos humanitários apresentado por E do doc. 13);
61. Por outras palavras, pela autorização de residência concedida a E, filha da recorrente, é que G obteve o BIRM não permanente pela reunião familiar; H, por ser filho biológico de E, filha da recorrente, obteve o BIRM permanente;
62. Uma vez declarada como nula a autorização de residência acima referida, então a recorrente, E, filha da recorrente, G que é cônjuge de E, filha da recorrente e o neto da recorrente H perderá certamente a identidade legal enquanto residentes permanentes de Macau, o que é uma consequência grave;
63. Nos termos do art.º 33.º, n.º 3 e do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remetem para o art.º 28.º, n.º 4, o art.º 30.º, n.º 1, o art.º 65.º, n.º 1 e o art.º 40.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remetem para o art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a República Popular da China respeita e garante os direitos humanos. Além disso, tutela que a RAEM no contexto da política estabelecida pela República Popular da China “Um país, dois sistemas” cumpra o dever de observância da lei e que respeite os direitos humanos de todos os residentes e não residentes de Macau, o que é um seu dever constitucional, o que é natural;
64. Evidentemente, é dever constitucional da entidade recorrida respeitar e assegurar os direitos humanos de todos os residentes e não residentes da RAEM no contexto da política “Um país, dois sistemas” nos termos do art.º 33.º, n.º 3 e do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remetem para o art.º 30.º, n.º 1 e o art.º 65.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
65. De acordo com os pareceres do Presidente da RPC Dr. Xi Jinping, do governo chinês sobre os direitos humanos, e com a definição dos direitos humanos dadas pela ONU, por direitos humanos entende-se os direitos devidos à humanidade – ou seja, os direitos que a pessoa tem necessariamente pelo nascimento. O direito chama-se também direito à personalidade. Os direitos humanos compreendem os direitos à sobrevivência / à vida – ou seja, qualquer pessoa tem direito de viver no mundo – o direito ao desenvolvimento pleno e livre – quer dizer o direito ao gozo das condições materiais para a concretização efectiva do seu direito à personalidade da pessoa que vive neste mundo. É de verificar a garantia dos direitos humanos com a realização, o bem-estar e a segurança do povo. A RPC e a RAEM devem abraçar os valores comuns à toda a humanidade de paz, desenvolvimento, justiça, justeza, democracia e liberdade, defendendo a dignidade e os direitos humanos, para que a promoção do desenvolvimento livre e pleno seja a ambição preeminente concernente aos direitos humanos (nos termos do art.º 33.º, n.º 3 e do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remetem para o art.º 28.º, n.º 4, o art.º 30.º, n.º 1, o art.º 65.º, n.º 1 e o art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remetem para o art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.)
66. Merece sublinhar que os direitos humanos nascem também da garantia da dignidade humana e enquanto direitos fundamentais da humanidade devidamente estão protegidos pela Constituição da República Popular da China e pela Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau. Além disso, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos garante o desenvolvimento livre e pleno da humanidade enquanto a ambição preeminente concernente aos direitos humanos;
67. Além disso, nos termos do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remete para o art.º 28.º, n.º 4, o art.º 30.º, n.º 1 e o art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remetem para o art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, “Ninguém será submetido à tortura nem a pena a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes. Em particular, é interdito submeter uma pessoa a uma experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento.”
68. Segundo o entendimento do Prof. Dr.º francês Michel Deyra sobre o princípio de humanidade, a essência do princípio de humanidade reside em prevenir e aliviar os sofrimentos físicos e morais, proteger a integridade física e moral, garantir a saúde e através da atitude de abstenção que visa não prejudicar e poupar, divulgar noções de respeito, com vista a condições mínimas que permitam a uma pessoa conduzir uma vida aceitável e tão normal quanto possível, i.e., tratamento humano. A concretização do Princípio de Humanidade no contexto da RAEM faz-se nos termos do art.º 33.º, n.º 3 e do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remetem para o art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remete para o art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos;
69. É absolutamente inegável que o princípio de humanidade garante a inviolabilidade da dignidade humana;
70. Dito de maneira mais directa, os direitos humanos é a concretização e o resultado substancial do princípio de humanidade e garante a divulgação de noções de respeito que asseguram a sobrevivência da humanidade, o tratamento humano que consiste no desenvolvimento pleno e livre, o mútuo respeito interpessoal, que tende a prevenir e aliviar os males físicos e morais que cada um sofre, para que todos assumam uma atitude de abstenção que visa não prejudicar e poupar os outros e para que todos possam gozar de condições mínimas que lhes permitam conduzir uma vida aceitável e tão normal quanto possível.
71. A recorrente é primária. Vive na RAEM desde há pelo menos 15 anos sem qualquer crime cometido. A recorrente tem trabalhado e estudado com esforço na RAEM. E, filha da recorrente, também é residente permanente da RAEM e precisa que tome conta dela. A recorrente já não tem registo de residência no Interior da China e perdeu toda a assistência social derivada do registo residencial. A recorrente cumpriu o dever fiscal em Macau e contribui para o Fundo de Segurança Social de Macau. Com a aproximação da idade de aposentação, a recorrente já não tem meios necessários para voltar a viver no Interior da China e precisa que a filha tome conta dela. Portanto, o governo da RAEM deve assumir uma atitude de não prejudicar e de poupar perante a recorrente, que apesar do crime cometido no processo penal n.º CR4-22-0255-PCC, está sinceramente arrependida e confessou sem reservas os factos cometidos, para garantir-lhe condições mínimas que lhe permitam conduzir uma vida aceitável e tão normal quanto possível – ou seja, tratá-la humanamente, continuando a qualificá-la como residente permanente da RAEM, senão a recorrente não conseguiria viver normalmente no Interior da China, pois que ficariam destruídos todos os resultados do seu trabalho conquistados na RAEM, todos os seus esforços e a assistência social que tem na RAEM devida ao seu trabalho afincado. Além disso, desde há pelo menos 15 anos, a recorrente tem como centro de vida a RAEM (vd. o pedido por motivos humanitários do doc. 2);
72. Além disso, o governo da RAEM deve assumir uma atitude de não prejudicar e de poupar perante a recorrente, que apesar do crime cometido no processo penal n.º CR4-22-0255-PCC, está sinceramente arrependida e confessou sem reservas os factos cometidos, para garantir-lhe condições mínimas que lhe permitam conduzir uma vida aceitável e tão normal quanto possível – ou seja, tratá-la humanamente, continuando a qualificá-la como residente permanente da RAEM, senão a recorrente não conseguiria desenvolver-se de maneira plena e livre nem viver, pois que ficariam destruídos todos os resultados do seu trabalho conquistados na RAEM, todos os seus esforços, para além do facto de a recorrente já ter perdido toda a assistência social no Interior da China (vd. o pedido por motivos humanitários do doc. 2);
73. Assim, salvo o devido respeito, a entidade recorrida violou o dever constitucional de respeitar e assegurar os direitos humanos de todos os residentes e não residentes da RAEM, dado que os actos recorridos n.º 1 e n.º 2 violaram completamente o direito humano fundamental ao desenvolvimento livre e pleno dentro da RAEM da recorrente.
74. Com base no acima referido, como a recorrente já confessou completamente e sem reservas o crime cometido no processo penal n.º CR4-22-0255-PCC e visto que com actos recorridos n.º 1 e n.º 2, a entidade recorrida declarou nula a autorização de residência concedida à recorrente, fazendo perder à recorrente o centro de vida que é a RAEM, violou-se o direito humano fundamental ao desenvolvimento livre e pleno dentro da RAEM da recorrente (nos termos do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remete para o art.º 28.º, n.º 4, o art.º 30.º, n.º 1 e o art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remetem para o art.º 7.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos).
75. De acordo com os pareceres do Presidente da RPC Dr. Xi Jinping, do governo chinês sobre os direitos humanos, com a definição dos direitos humanos dadas pela ONU e com o entendimento do Prof. Dr.º francês Michel Deyra sobre o princípio de humanidade, salvo o devido respeito, os actos recorridos n.º 1 e n.º 2 já privaram a recorrente do direito humano fundamental ao desenvolvimento livre e pleno dentro da RAEM, pois que lhe impediram completamente o desenvolvimento livre e pleno na família, no trabalho, nos estudos e nas relações sociais que tinha porém já estabelecido na RAEM, bem como o desenvolvimento livre e pleno assegurado pela assistência social da RAEM que pagou com o preço da perda do direito à assistência social no Interior da China. Até lhe provocou desgostos pela perda da possibilidade de desenvolvimento livre e pleno na RAEM determinada pela declaração como nula a autorização de residência uma vez concedida. Desqualificada como residente permanente da RAEM, perdeu as relações sociais, laborais e familiares já estabelecidas na RAEM graças ao desenvolvimento livre e pleno, o que se traduz em sentimento de frustração. Desqualificada como residente permanente da RAEM, perdeu todos os resultados do desenvolvimento livre e pleno na RAEM graças à sua identidade como residente da RAEM. A recorrente sente-se triste, deprimida, angustiada. Então não se sente feliz. Além disso, perdeu o centro de vida que era a RAEM. Então sente-se insegura e apreensiva. Perdeu então a segurança. A entidade recorrida violou o princípio de humanidade e ofendeu a dignidade da recorrente, impedindo-lhe completamente o desenvolvimento pleno e livre dentro da RAEM. Logo, foi contra a ambição preeminente concernente aos direitos humanos. Os actos recorridos n.º 1 e n.º 2 enferma do vício de nulidade de acto administrativo pela ofensa do princípio de humanidade e pela violação do direito humano que consiste no desenvolvimento pleno e livre na RAEM (nos termos do art.º 33.º, n.º 3 e do art.º 31.º, n. 1 da Constituição da República Popular da China que remetem para o art.º 28.º, n.º 4, o art.º 30.º, n.º 1, o art.º 65.º, n.º 1 e o art.º 40.º, n.º 1 da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau que remetem para o art.º 7.º e o art.º 8.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que remetem para o art.º 122.º, n.º 2, alínea d) do CPA).
Contra-alegando veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, apresentando as seguintes conclusões:
1) Inconformada com a decisão proferida em 9 de Fevereiro de 2024 pelo Secretário para a Segurança, que declarou nula a autorização de residência da recorrente, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.
2) Quanto ao que alega a recorrente que nos autos existem três actos administrativos recorridos, tendo em consideração que evidentemente são inviáveis os dois pedidos por si formulados na fase de audiência, e tal como foi indicado pela recorrente na petição de recurso, na verdade, o que pede ela é manter a sua autorização de residência.
3) Na tomada da decisão, a entidade recorrida já indicou claramente ter ponderado os documentos apresentados pela recorrente e os depoimentos das testemunhas por escrito, mas considerou que não era suficiente a fundamentação da recorrente para a manutenção da autorização de residência, razão pela qual decidiu declarar a nulidade da autorização de residência da recorrente, pelo que não existe o que alegou a recorrente que a decisão não tinha sido tomada expressamente.
4) De acordo com os dados existentes nos autos, tendo o CPSP, em 19 de Fevereiro de 2024, já notificado respectivamente a recorrente e seu mandatário judicial da decisão de declaração de nulidade da autorização de residência tomada pelo Secretário para a Segurança, donde constando também os conteúdos da notificação previstos na lei, em particular, o texto integral do acto administrativo.
5) Exige a recorrente que se proceda à nova notificação por considerar não ter recebido a cópia de despacho com assinatura. Mas isso não afecta a validade da notificação já feita.
6) Tendo em consideração que o CPSP, em 19 de Fevereiro de 2024, notificou por correio a recorrente e esta só veio a interpor o presente recurso contencioso em 10 de Maio de 2024 (intentou em 10 de Maio de 2024 o processo de suspensão da eficácia e foi julgado improcedente), pelo que existe a interposição intempestiva.
7) Caso assim o Tribunal não entenda, também deve a motivação da recorrente ser julgada improcedente.
8) Nos autos, o CPSP recebeu a comunicação do Tribunal, tomando conhecimento de que, segundo a decisão do respectivo processo penal já transitada em julgado, é falso o casamento entre a recorrente e o cidadão de Macau senhor F, e que o pressuposto e o elemento essencial para o pedido de concessão da autorização de residência - ou seja, a reunião familiar em Macau - é falsa. Pelo que o Secretário para a Segurança proferiu despacho declarando nula a autorização de residência da recorrente.
9) Sabemos que o acto nulo não produz qualquer efeito jurídico, se a Administração verificar a nulidade de determinado acto administrativo, deve proceder à respectiva declaração, pelo que não existe qualquer margem de discricionariedade.
10) Assim sendo, embora as razões humanitárias sejam um dos factores a ponderar pela Administração na tomada de decisão sobre o pedido de autorização de residência nos termos das disposições do regime jurídico de migração em vigor, e mesmo que exista tal factor, também não é possível manter o acto nulo.
11) Além do mais, nos autos não há dados que uma vez recambiada para o Interior da China, a recorrente irá enfrentar a falta de condições de vida ou de apoio familiar. E muito menos ainda, actualmente a recorrente vive na cidade de Zhongshan, da Província de Guangdong, RPC, e evidentemente, isto também está em contradição com o que alega ela na petição de recurso que vive em Macau.
12) Mais considera a recorrente que deve a decisão recorrida ser anulada por falta de fundamentação.
13) Quanto à fundamentação, a jurisprudência de Macau tem vindo a entender que deve a Administração fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
14) No despacho recorrido, nele foram indicados claramente todos os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão e ao mesmo tempo, também foi indicado que não procedem os fundamentos expostos pela recorrente na audiência, pelo que também não existe o vício pela falta de fundamentação alegado pela recorrente.
15) Alega a recorrente que a decisão recorrida violou o direito fundamental dela e da sua filha, que é protegido por lei, para constituir família na RAEM.
16) O que a decisão recorrido declarou a nulidade da autorização de residência da recorrente não afecta a filiação entre a recorrente e sua filha e também nada a ver com o casamento da sua filha, pelo que deve ser julgado improcedente esta motivação do recurso.
17) E quanto ao direito humano, igualmente a decisão recorrida não causa qualquer ofensa aos direitos fundamentais da recorrente, pelo que não existe a alegada violação dos seus direitos fundamentais em Macau.
Dada Vista dos Autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público nos termos do artº 58º do CPAC por este foi emitido o seguinte Parecer:
«(…)
(i)
Sobre a cumulação de impugnações apresentada na douta petição inicial, creio, com todo o respeito, que a Recorrente labora em manifesto erro. Na verdade, contrariamente ao que alega, a Entidade Recorrida praticou um único acto administrativo, proferiu, se quisermos, uma única decisão, através da qual declarou a nulidade da autorização de residência da Recorrente. Daí que, a meu modesto ver, resulte processualmente inviável cumular impugnações, como pretende a Recorrente, uma vez que, por definição, essa cumulação pressupõe uma pluralidade de actos administrativos.
Aliás, se, como pretende a Recorrente, a situação pudesse ser configurada como uma cumulação de impugnações, parece-me que teria de se concluir pela respectiva ilegalidade uma vez que, se bem vejo, se não verificam os requisitos legais da respectiva admissibilidade a que se refere a norma do n.º 1 do artigo 44.º do CPAC, já que os actos que a Recorrente vislumbra como tendo sido praticados pela Entidade Recorrida não estariam, entre si, numa relação de dependência ou conexão (cfr. o que a este propósito escrevemos em VIRIATO LIMA/ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, RAEM, 2015, p. 175).
Mais. Como se afigura evidente, a pretendida cumulação só faria sentido numa lógica de subsidiariedade, uma vez que a apreciação do chamado «acto recorrido n.º 2» pressupõe a improcedência da impugnação do chamado «acto recorrido n.º 1». Ora, da alínea a) do n.º 2 do artigo 44.º decorre que a cumulação não é admissível quando seja (ou devesse ser...) apresentada em termos de subsidiariedade.
Parece-me, pois, pelo que venho de dizer, que a petição inicial do recurso deve ser objecto de uma interpretação restritiva, que julgo favorável à Recorrente, no sentido de se considerar que a mesma tem apenas por objecto o único acto administrativo praticado pela Entidade Recorrida, datado de 9 de Fevereiro de 2024, através do qual foi declarada a nulidade da autorização de residência da Recorrente, não ocorrendo, pois, qualquer cumulação de impugnações.
A entender-se em contrário, parece-me, salvo melhor opinião e pelas razões que referi, que a cumulação de impugnações é ilegal e deve, por isso, conduzir à absolvição da Entidade Recorrida da instância [artigo 46.º, n.º 2, alínea g) do CPAC].
(ii)
Sobre a excepção da caducidade do direito de recurso suscitada pela Entidade Recorrida na sua douta contestação, parece-me que o seu conhecimento deve ser relegado para final, uma vez que a Recorrente invocou um vício que, a seu ver, integra a previsão da alínea do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo sendo, por isso, gerador da nulidade do acto recorrido. Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 25.º do CPAC, o direito de recurso de actos nulos não caduca, podendo ser exercido a todo o tempo. Assim, em meu modesto entender, o conhecimento da excepção suscitada só deverá ter lugar em sede de sentença, caso, nessa altura, se venha a concluir pela improcedência daquele vício e apenas remanesça a apreciação de vícios geradores da anulabilidade do acto recorrido. Daí que, sobre a dita excepção reserve o direito de sobre ela me pronunciar no parecer final, sem prejuízo, claro está, de outro ser o douto entendimento do Tribunal.
(…)».
Relegada para final a apreciação das questões suscitadas e notificadas as partes daquele parecer e para apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso na parte relativa aos vícios alegados pela Recorrente e geradores de nulidade do acto administrativo e procedente a excepção da caducidade do direito ao recurso invocada pela Entidade Recorrida com a sua consequente absolvição da instância relativamente aos demais vícios.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1) Dos factos
A factualidade com base na qual foram praticados os actos recorridos consiste no seguinte:
a) Por Despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 09.02.2024, foi declarada a nulidade da autorização de residência concedida à Recorrente, com os fundamentos constantes da informação nº 200230/SRDARPA/2023P, o qual consta de fls. 172 a 175 dos PA traduzidos a fls. 428 a 433 dos autos e com o seguinte teor:
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Parecer:
- Concordo com o parecer e proposta do chefe substituto do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência;
- Submete-se à apreciação do Exmo. Sr. Secretário para a Segurança.
Comandante do CPSP
(Ass. vd. original) 25 de Janeiro de 2024
1. Em 23 de Fevereiro de 2009, o CPSP concedeu à interessada A (actualmente com 64 anos de idade), e sua filha acompanhante, E (actualmente com 34 anos de idade), então portadoras de Salvo-condutos de “ida” para Hong Kong e Macau, autorização de residência com fundamento no agrupamento familiar com o cônjuge/padrasto F; actualmente as duas referidas pessoas são titulares do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau.
2. De acordo com a sentença do TJB, processo n.º CR4-22-0255-PCC, a interessada utilizou o estatuto de residente de Macau de F para, através de contrair um casamento simulado, obter um registo e uma certidão de casamento no Interior da China que não correspondiam aos factos, e, com a ajuda dessa certidão, enganou as autoridades do Interior da China e de Macau, formulando pedidos de agrupamento familiar e de residência em Macau junto das autoridades competentes do Interior da China e de Macau com falsos fundamentos de relação conjugal e de padrasto/enteada, a fim de obter, para si e para a sua filha acompanhante, documentos legais necessários à residência e permanência em Macau, condutas essas afectaram a credibilidade de tais documentos e prejudicaram os interesses da RAEM e de terceiros, acabando por conseguir que A e E obtivessem o direito de residência em Macau e os documentos de identificação de residentes de Macau; em 16 de Junho de 2023, a interessada A e F foram condenados, cada um, no TJB, pela prática de um crime de falsificação de documentos, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, tendo a referida sentença transitado em julgado em 6 de Julho de 2023 (Doc.s 47-60).
3. Dado que a autorização de residência concedida a A se baseava numa certidão de casamento que não correspondia à verdade, e que os factos ilícitos envolvidos no processo foram os principais factores que fundamentaram a concessão da autorização de residência pelo CPSP, factos esses que levaram o TJB a proferir a referida sentença, este Departamento iniciou o procedimento de audiência escrita em conformidade com a lei, com a intenção de declarar nulas as autorizações de residência concedidas à interessada e à filha acompanhante, e emitiu “Notificações de Audiência Escrita” às duas pessoas.
4. Em 14 de Setembro de 2023 e 18 de Setembro de 2023, o CPSP recebeu as alegações escritas e documentos pertinentes apresentados pelo mandatário da interessada e sua filha acompanhante em relação à audiência escrita, os quais, de um modo geral, afirmavam que as duas residiam em Macau há muito tempo e esperavam que as suas autorizações de residência pudessem ser mantidas por razões humanitárias; além disso, o mandatário apresentou ainda os depoimentos testemunhais escritos sobre a residência habitual e a situação familiar da interessada e sua filha acompanhante em Macau.
5. Após a análise dos documentos apresentados pela interessada e sua filha durante a fase de audiência, verifica-se que a sua fundamentação não era suficiente; além disso, foi tido em consideração que: ① a relação matrimonial entre a interessada A e F era o elemento principal, ou pressuposto, que fundamentou o acto administrativo que lhe concedeu a autorização de residência em Macau, e que, sem esta relação, seria impossível a concessão da autorização de residência; ② a relação matrimonial entre A e F era falsa, pelo que o acto administrativo de concessão da autorização de residência estava viciado de erros, e os supramencionados actos criminosos da interessada encontravam-se envolvidos no processo de tomada do acto administrativo em questão; ③ a única razão pela qual E conseguiu obter a autorização de residência foi a relação conjugal entre a sua mãe A e F, e, do mesmo modo, o acto de concessão da sua autorização de residência também estava afectado pelos actos criminosos acima referidos; por conseguinte, propõe-se que sejam declaradas nulas, ao abrigo do artigo 122.º, n.º 2, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo, as autorizações de residência concedidas à interessada A e à sua filha acompanhante E.
Submete-se à apreciação do Sr. Comandante.
17/01/2024
Chefe substituto do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência
(Ass. vd. original)
XXX, subintendente
Despacho:
Concordo, proceda-se conforme proposto.
O Secretário para a Segurança
(Ass. vd. original)
09/02/2024
Assunto: Proposta de declaração de nulidade das autorizações de residência concedidas a pessoas titulares de Salvo-condutos de “ida” para Hong Kong e Macau
Relatório N.º 200230/SRDARPA/2023P
Data: 29/12/2023
1. Em 23 de Fevereiro de 2009, a interessada A, então portadora do Salvo-conduto de “ida” para Hong Kong e Macau n.º XXX, emitido pela Província de Guangdong, e a sua filha acompanhante E (então portadora do Salvo-conduto de “ida” para Hong Kong e Macau n.º XXX, emitido pela Província de Guangdong), pediram autorização de residência no então Serviço de Migração com fundamento de agrupamento em Macau com o cônjuge/padrasto F (titular do BIRPM n.º XXX), tendo o pedido de autorização de residência das mesmas sido deferido em 4 de Março de 2009; actualmente as mesmas são titulares do BIRPM n.º XXX e BIRPM n.º XXX, respectivamente.
2. Em 2021, a DSI recebeu uma participação respeitante ao casamento fictício dos dois indivíduos em causa, pelo que o Departamento de Controlo Fronteiriço ajudou a investigar a relação matrimonial entre a interessada A e o seu cônjuge F e, de acordo com o relatório de investigação n.º 162/CIRDCF/2022P (Doc.s 38-40), ambos admitiram ter pago/recebido benefícios ilegais para contrair casamento falso com o fim de permitir que A e E obtivessem o estatuto de residente de Macau, admitiram ainda que nunca viveram juntos como marido e mulher, nem no interior da China nem em Macau.
3. Realizada a investigação, verificou-se que a interessada A e o cônjuge F eram suspeitos de terem cometido um crime de [simulação e invocação de certos actos jurídicos para obtenção de autorizações]. Em 10 de Junho de 2022, foram entregues ao Ministério Público para investigação. Em 10 de Novembro de 2022, o Ministério Público acusou-os da prática de dois crimes de falsificação de documentos em relação aos factos acima referidos (Acusação do Ministério Público n.º 2475/2022, Doc.s 42-45).
4. De acordo com a sentença do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (processo n.º CR4-22-0255-PCC), o TJB proferiu decisão em 16 de Junho de 2023, a qual transitou em julgado em 6 de Julho de 2023 (Doc.s 47-60):
a) A utilizou o estatuto de residente de Macau de F para, através de contrair um casamento simulado, obter um registo e uma certidão de casamento no Interior da China que não correspondiam aos factos, e, com a ajuda dessa certidão, enganou as autoridades do Interior da China e de Macau, formulando pedidos de agrupamento familiar e de residência em Macau junto das autoridades competentes do Interior da China e de Macau com falsos fundamentos de relação conjugal e de padrasto/enteada, a fim de obter, para si e para a sua filha acompanhante, documentos legais necessários à residência e permanência em Macau, condutas essas afectaram a credibilidade de tais documentos e prejudicaram os interesses da RAEM e de terceiros, acabando por conseguir que A e E obtivessem o direito de residência em Macau e os documentos de identificação de residente de Macau; decide-se condenar A e F, cada um, pela prática de um crime de falsificação de documentos, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos;
b) A e F divorciaram-se em 2010 sem notificar a DSI da alteração do seu estado civil, mas tal não alterou(sic) nem impediu A e a sua filha de obterem bilhetes de identidade de residente permanente, portanto, decide-se absolver os dois do segundo crime de falsificação de documentos de que vinham acusados.
5. Tendo em conta que a autorização de residência da interessada foi concedida com base numa certidão de casamento que não correspondia aos factos, e que os factos ilícitos envolvidos no processo foram o factor-chave que levou o CPSP a conceder-lhe a autorização de residência, e quanto à filha acompanhante E, a sua autorização de residência foi concedida com base na relação matrimonial da sua mãe A com o padrasto F, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Administrativo, este Departamento pretende declarar nulas as autorizações de residência da interessada e da sua filha acompanhante, e realizar uma audiência escrita das mesmas de acordo com a lei; em 1 de Setembro de 2023, a interessada A e a referida filha E, que já era adulta, foram oficialmente notificadas do referido parecer, ou seja, a intenção de declarar nulas as autorizações de residência (para mais informações, consultar as Notificações de Audiências Escritas n.º 100535/SRDARPNT/2023P e n.º 100536/SRDARPNT/2022(sic)P), podendo as mesmas, querendo, se pronunciar por escrito sobre o teor da audiência escrita no prazo de 15 dias a contar da recepção da notificação.
6. Em 14 de Setembro de 2023, o CPSP recebeu as alegações escritas e os documentos pertinentes apresentados pelo advogado constituído das duas pessoas em questão:
- O conteúdo das alegações escritas apresentadas pelo advogado da interessada A, foi substancialmente o seguinte (Doc.s 96-102):
a) Em 13 de Setembro de 2023, a administrada apresentou um pedido ao Secretário para a Segurança para não revogar a referida autorização de residência por razões humanitárias, e só o Secretário para a Segurança tem a competência para decidir se revoga ou não a referida autorização de residência por razões humanitárias; o teor do referido pedido formulado pela administrada ao Secretário para a Segurança aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) Pede-se ao Comandante que suspenda o presente procedimento administrativo até que o Secretário para a Segurança tenha tomado uma decisão administrativa executória que não tenha sido objecto de procedimento cautelar de suspensão de eficácia, e que profira uma decisão justiça.
- O conteúdo das alegações escritas apresentadas pelo advogado da filha acompanhante E, foi substancialmente o seguinte (Doc.s 91-95):
a) Em 13 de Setembro de 2023, a administrada apresentou dois pedidos ao Secretário para a Segurança pedindo a não revogação da supramencionada autorização de residência com fundamento em razões humanitárias e na manutenção dos efeitos presumidos dos factos decorrentes da decisão administrativa de concessão de autorização de residência viciada de nulidade (sic), e só o Secretário para a Segurança tem a competência para decidir se revoga ou não a referida autorização de residência por razões humanitárias; o teor dos referidos pedidos formulados pela administrada ao Secretário para a Segurança aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) Pede-se ao Comandante que suspenda o presente procedimento administrativo até que o Secretário para a Segurança tenha tomado uma decisão administrativa executória que não tenha sido objecto de procedimento cautelar de suspensão de eficácia, e que profira uma decisão justiça.
7. Posteriormente, em 20 de Setembro de 2023, este Departamento recebeu uma carta remetida pelo Gabinete do Secretário para a Segurança, à qual se juntam as alegações escritas e documentos pertinentes apresentados ao referido Gabinete pelo advogado constituído da interessada e sua a filha:
- O conteúdo das alegações escritas apresentadas ao Gabinete do Secretário para a Segurança pelo advogado da interessada A, foi substancialmente o seguinte (Doc.s 139-149):
a) No processo penal do crime de falsificação de documentos, A confessou sem reservas o crime que tinha cometido e se mostrou arrependida; A tem actualmente 64 anos de idade, e obteve, em 2012, o certificado do curso dos trabalhadores dos jogos; trabalhou em várias empresas em Macau de 2012 a Janeiro de 2020; em palavras simples, A tem residido em Macau há pelo menos 13 anos desde a concessão da sua autorização de residência em 2009 e, durante esse período, não cometeu qualquer crime, e cumpriu as suas obrigações referentes ao pagamento do imposto profissional e às contribuições para a segurança social;
b) A está quase na idade da reforma e já cancelou o seu registo do agregado familiar no Interior da China, podendo apenas viver em Macau; por conseguinte, a sua autorização de residência não deve ser revogada por razões humanitárias, caso contrário não poderia viver uma vida normal no Interior da China, uma vez que os frutos do trabalho que acumulou em Macau e os benefícios sociais acumulados através do seu trabalho árduo teriam sido destruídos.
- A interessada A apresentou também certificados de cursos profissionais e documentos comprovativos de emprego (Doc.s 133-138).
8. O conteúdo das alegações escritas apresentadas ao Gabinete do Secretário para a Segurança pelo advogado da filha E, foi substancialmente o seguinte (Doc.s 120-132):
a) E tem actualmente 34 anos de idade, casou com o seu cônjuge I em 2012 e teve o filho H com o cônjuge em 2018; E trabalha em Macau desde 2010 e o seu cônjuge e filho também trabalha e estuda em Macau respectivamente;
b) E e o seu cônjuge cumpriram as suas obrigações em matéria de pagamento do imposto profissional e de contribuições para a segurança social em Macau e cancelaram os seus registos do agregado familiar no Interior da China; importa sublinhar que E e o seu cônjuge não foram condenados no processo penal nem cometeram qualquer crime, e não têm qualquer conhecimento de que a relação matrimonial entre A e o padrasto foi simulada.
c) O filho de E é também residente permanente de Macau e depende dos cuidados dela. E e o seu cônjuge cancelaram os seus registos do agregado familiar no Interior da China e E não dispõe dos recursos necessários para viver no Interior da China e precisa de cuidar do seu filho. Por conseguinte, o Governo da RAEM deve, a partir do pensamento não prejudicial e salvador, tratar E, que não cometeu o crime acima referido, de uma forma humanitária, permitindo-lhe continuar a residir em Macau, caso contrário, não poderá viver uma vida normal no Interior da China, por ter sido destruído tudo o que construiu em Macau. Por isso, a sua autorização de residência não deve ser revogada por razões humanitárias.
d) À luz do artigo 123.º do Código do Procedimento Administrativo, a eficácia presumida de um acto administrativo viciado de nulidade é a atribuição de efeitos jurídicos aos factos-base dum acto administrativo nulo, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito administrativo (sic);
e) No caso em apreço, E vive em Macau há 13 anos e estabeleceu uma série de relações sociais; tendo em conta as razões acima expostas, nos termos do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, E não causou o supramencionado vício de nulidade de que padece o acto administrativo de concessão de autorização de residência;
f) Em conformidade com o artigo 8.º do Código do Procedimento Administrativo, considerando que E não cometeu qualquer crime para obter a referida autorização de residência, nem enganou o Governo de Macau, que a mesma tem cumprido a lei de Macau desde que lhe foi concedida a autorização de residência em 2009, e que ela e o seu cônjuge têm um filho em Macau, tendo todos os três tomado Macau como local de residência permanente, devem ser mantidos os efeitos jurídicos do residente permanente de Macau resultantes do facto de a requerente ter obtido a qualidade legal, ou seja, o BIRPM, facto esse decorrente do acto administrativo de concessão de autorização de residência que padece do vício de nulidade.
g) De acordo com o artigo 4.º do Código do Procedimento Administrativo, o órgão administrativo que revogou a autorização de residência acima referida devia respeitar o facto de a requerente ser uma pessoa singular que obteve a qualidade legal e estabeleceu uma série de relações sociais legais durante os 13 anos. (sic)
h) Face ao exposto, o órgão administrativo que prossegue o interesse público deve, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 38.º da Lei Básica de Macau, aplicável por remissão do n.º 1 (sic) do artigo 31.º da Constituição da República Popular da China, no n.º 1 do artigo 23.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e n.º 1 do artigo 10.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, aplicáveis por remissão do n.º 1 do artigo 40.º da Lei Básica de Macau, e no n.º 1 do artigo 3.º, artigos 4º, 7º, 8º e nº 3 do artigo 123º do Código do Procedimento Administrativo e n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Bases da Orgânica (sic) Familiar, aplicáveis por remissão do n.º 8, manter os efeitos jurídicos inerentes ao estatuto de residente permanente de Macau da requerente, ou seja, decidir não revogar a sua autorização de residência.
- A filha acompanhante E apresentou também certificados de conclusão do ensino secundário e universitário, documentos comprovativos de emprego, certificados de mérito, certificados de formação, documentos comprovativos de participação em actividades de serviço público, de aquisição de bem imóvel e de plano de poupança em Macau, registo criminal e fotografias da sua vida em Macau, e prova de cancelamento do registo do agregado familiar do seu cônjuge no Interior da China (Doc.s 103-119).
9. Para além dos documentos acima referidos, este Departamento recebeu, em 13 de Dezembro de 2023, do advogado da interessada e da filha, os depoimentos testemunhais escritos sobre a residência habitual das mesmas em Macau e a situação familiar delas (Doc.s 153-167).
10. Após a análise dos documentos apresentados pela interessada e sua filha durante a fase de audiência, constata-se que a sua fundamentação não era suficiente; além disso, foi tido em consideração que: ① a relação matrimonial entre a interessada A e F foi o elemento principal, ou pressuposto, que fundamentou o acto administrativo que lhe concedeu a autorização de residência em Macau, e que, sem esta relação, seria impossível a concessão da autorização de residência; ② a relação matrimonial entre A e F era falsa, pelo que o acto administrativo de concessão da autorização de residência estava viciado de erros, e os supramencionados actos criminosos da interessada encontravam-se envolvidos no processo de tomada do acto administrativo em questão; ③ a única razão pela qual E conseguiu obter a autorização de residência prende-se com a relação conjugal entre a sua mãe A e F, e, do mesmo modo, o acto de concessão da sua autorização de residência também estava afectado pelos actos criminosos acima referidos; por conseguinte, propõe-se que sejam declaradas nulas, ao abrigo do artigo 122.º, n.º 2, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo, as autorizações de residência concedidas à interessada A e à sua filha acompanhante E.
Submete-se à apreciação superior.
Elaborado por
XXX
(26102023)
Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência
Subdivisão de Residência
XXX, subcomissário
27/12/2023».
a) Por carta registada expedida em 19.02.2024 a Requerente foi notificada daquela decisão e respectivos fundamentos nos termos que constam de fls. 30v. a 32 e traduzido a fls. 321 a 328 a qual foi recebida pela Recorrente em 04.03.2024 – cf. documentos indicados e artº 6º da p.i. onde a Recorrente confessa data em que recebeu a indicada correspondência.
2) Do Direito
Vem a Recorrente invocar na p.i. que impugna o acto recorrido 1 e o acto recorrido 2 presumindo que previamente à prática do acto impugnado houve um pedido de autorização de residência por razões humanitárias.
Sobre esta matéria em sede de Vista dos autos nos termos do artº 58º já vinha o Ilustre Magistrado do Ministério Público opinar no sentido de se interpretar a p.i. em sentido restrito sob pena da impugnação não poder ser admitida – conforme parecer dada por reproduzido supra -.
Ora, um dos requisitos da petição de recurso contencioso nos termos da al. c) do nº 1 do artº 42º do CPAC é a indicação do acto recorrido.
Pese embora a Recorrente naquilo que apenas poderá ser uma confusão de interpretação ficcione a existência de acto recorrido 1 e acto recorrido 2, o certo é que dúvidas não há que do acto objecto destes autos apenas resulta a prática de um único acto administrativo que se traduziu na declaração de nulidade da autorização de residência da Recorrente e da sua filha.
Daquela decisão resulta haver dois actos administrativos, um a declaração de nulidade de autorização de residência de A aqui Recorrente, outro a declaração de nulidade de autorização de residência de E, mas nestes autos apenas A é Recorrente, pelo que, ficamos reduzidos a um único acto administrativo que tem por objecto a Recorrente.
Aquilo que a Recorrente ficciona como sendo um acto administrativo – o indeferimento da autorização de residência por razões humanitárias – é manifestamente inexistente.
O que aconteceu segundo a Recorrente invoca é que em sede de exercício de audição prévia a Recorrente veio invocar como fundamento para que não fosse decretada a nulidade da autorização de residência por razões humanitárias. Não foi formulado pedido algum de concessão de autorização de residência por razões humanitárias ainda que a ora Recorrente e antes cidadã ouvida em processo administrativo ficcionasse essa realidade, sendo certo que, da errada configuração que as partes tiram ou dão aos procedimentos não resulta direito algum.
Aqui chegados e sem necessidade de outras considerações, acompanhamos o Douto parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que o objecto destes autos é apenas o despacho de 09.02.2024 do senhor Secretário Para a Segurança que declara a nulidade da autorização de residência de A.
Cabe agora apreciar das demais questões suscitadas entre elas a excepção da caducidade do direito ao recurso invocada pela Entidade Recorrida.
Sobre esta matéria é do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo Secretário para a Segurança que declarou a nulidade da sua autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
Além disso, considerando que a Entidade Recorrida praticou um outro acto administrativo que identificou, a Recorrente cumulou a impugnação desse acto.
Sobre essa cumulação já nos pronunciámos a fls. 412 verso e 413 em termos que aqui damos por reproduzidos.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou douta contestação na qual invocou a excepção da caducidade do direito de recurso e, além disso, pugnou pela improcedência da pretensão impugnatória da Recorrente.
2.
(i)
Comecemos por apreciar os vícios imputados pela Recorrente ao acto administrativo que, em seu entender, geram a respectiva nulidade por ofensa de direitos fundamentais, nomeadamente o direito de constituir família (artigos 44.º e 45.º da douta petição inicial) e o direito ao desenvolvimento livre e geral na RAEM (artigos 46.º a 84.º da douta petição inicial).
Vejamos.
É certo, nisto acompanhamos a Recorrente, que, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento administrativo (CPA), são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Todavia, contrariamente ao que vem alegado na douta petição inicial, o acto recorrido não ofendeu o conteúdo essencial de qualquer direito fundamental da Recorrente. Por uma razão simples.
Os direitos fundamentais consagrados na Lei Básica e bem assim em outras leis da Região são direitos de que são titulares os residentes. É isso o que se extrai, não só da epígrafe do capítulo III da nossa lei fundamental, mas também, e de modo decisivo, dos respectivos artigos 25.º a 41.º, nos quais é feita menção expressa aos «residentes» quando se trata de identificar os titulares dos direitos fundamentais tipificados, nomeadamente, o direito de constituir família previsto no artigo 38.º.
Não se desconhece que o artigo 43.º da Lei Básica estende o gozo ou a titularidade dos direitos e liberdades dos residentes de Macau às pessoas que não sejam residentes, mas aqui se encontrem. Contudo, esta equiparação entre a titularidade de direitos fundamentais por residentes e não residentes não é automática e vale, apenas, como orientação geral, «estando vinculada à condição resolutiva de o recorte e o sentido de cada direito fundamental apreciado o não permitir, numa análise necessariamente tipológica, que pode determinar tal resultado perante a ilógica desse mesmo pretendido alargamento» (seguimos JORGE BACELAR GOUVEIA, Direito Constitucional de Macau, Lisboa/Macau, 2012, p. 73).
Ora, como parece evidente, a titularidade do direito fundamental de fixação na RAEM e de aqui constituir família, a que aludem os artigos 33.º e 38.º da Lei Básica, depende, em princípio, da prévia aquisição do estatuto de residente à luz do artigo 24.º da Lei Básica. Quem não for residente de Macau ou, ao menos, não for titular de uma autorização de permanência ou de residência temporária em Macau, ainda que aqui se encontre, não é titular do direito fundamental de aqui se fixar e constituir família.
Por outro lado, também parece evidente, que, mesmo em relação àqueles que estão autorizados a residir ou permanecer em Macau, os referidos direitos fundamentais não podem constituir obstáculo à prática de actos administrativos extintivos (revogatórios ou de outra natureza) dessas autorizações, sob pena de, a não ser assim, ficar desprovida de conteúdo qualquer actividade fiscalizadora da administração em relação à legalidade desses actos e/ou à conveniência da sua manutenção. Constituiria inadmissível petição de princípio imputar, por exemplo, a um acto que revoga uma autorização de residência o vício da nulidade por violação do direito fundamental previsto no artigo 33.º ou no artigo 38.º da Lei Básica, uma vez que, por definição, um acto extintivo da autorização de residência implica precisamente como seu efeito mais relevante o de que o visado deixe de poder residir em Macau. Do mesmo modo, não pode invocar-se a violação desses direitos fundamentais em relação a um acto que indefere uma autorização de residência ou uma autorização de permanência em Macau. E, no entanto, esses actos são impeditivos de os respectivos requerentes se fixarem em Macau e de aqui constituírem família.
No caso em apreço, o acto recorrido é, precisamente, um acto que declarou a nulidade do acto de autorização de residência da Recorrente que foi praticado em virtude de a Administração ter considerado que esse acto de que a Recorrente beneficiou caía na previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA (segundo o que aí se estabelece, são nulos «os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime»), dado na sua origem estar um casamento simulado celebrado entre a Recorrente e um residente da RAEM.
Como tal, pelo que antes referimos, não pode imputar-se a esse acto a nulidade resultante da ofensa dos direitos fundamentais a que se refere a alínea d) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA que foi invocada pela Recorrente.
(ii)
Restam os vícios alegados na douta petição inicial eventualmente geradores da anulabilidade do acto recorrido. Quanto a estes, no entanto, coloca-se a questão prévia da caducidade do direito de recurso suscitada pela Entidade Recorrida na douta contestação.
Por ela vamos começar. De acordo com o artigo 25.º, n.º 2, alínea b) do CPAC, o direito de recurso contencioso de actos anuláveis caduca no prazo de 60 dias quando, como no caso, o recorrente resida no exterior de Macau, iniciando-se a contagem desse prazo com a notificação do acto, nos casos em que, como na situação presente, a respectiva publicação não seja obrigatória [artigo 26.º, n.º 2, alínea a) do CPAC].
No caso, é a própria Recorrente que refere que foi notificada do acto recorrido no dia 4 de Março de 2024, pelo que, apresentada a petição inicial do recurso contencioso em 10 de Maio de 2024, é de concluir que ocorreu a caducidade do direito de recurso, uma vez que entre uma data e a outra decorreram mais de 60 dias.
A esta conclusão não obsta a alegação da Recorrente de que o prazo do recurso se teria suspendido nos termos do artigo 27.º, n.º 2 do CPAC em virtude do requerimento que em 11 de Março de 2024 dirigiu à Administração no sentido de que lhe fosse fornecido o texto integral do acto recorrido. Pelo seguinte.
De acordo com o n.º 2 do artigo 27.º do CPAC, quando a notificação do acto administrativo omita as indicações previstas no artigo 70.º do CPA, entre as quais se conta a de dela constar o respectivo o texto integral, pode o interessado requerer, no prazo de 10 dias, a notificação dos elementos em falta ou a passagem de certidão ou fotocópia autenticada que os contenha, ficando, nesta hipótese, suspenso o prazo para a interposição do recurso cuja contagem se tenha iniciado.
Constitui, pois, pressuposto da suspensão da contagem do prazo o de que a notificação seja omissa quanto às indicações previstas no artigo 70.º do CPA. Se tal não se verificar, o requerimento que o interessado eventualmente formule, ainda que ao abrigo da referida norma legal, não produzirá o dito efeito suspensivo.
Ora, no caso, parece-nos que a notificação do acto administrativo recorrida que foi efectuada pela Administração continha todas as indicações a que se refere o artigo 70.º do CPA, incluindo o respectivo texto integral. Na verdade, como se extrai dos documentos cujas traduções se encontram a fls. 321 a 328 dos presentes autos, foi comunicado à Recorrente que a Entidade Recorrida declarou a nulidade da autorização de residência que havia sido concedida em 4 de Março de 2009 pelas razões expostas na informação n.º 200230/SRDARPA/2023P do Departamento para os assuntos de Residência e Permanência cujo teor foi integralmente transcrito na notificação e comunicado à Recorrente. Quer isto dizer que, apesar de não ter sido fornecida à Recorrente a cópia do despacho proferido pela Entidade Recorrida foi-lhe, no entanto, disponibilizado o teor do despacho e a transcrição integral da respectiva fundamentação, pelo que, a nosso modesto ver, é de considerar que foi dada satisfação à exigência legal contida na alínea a) do artigo 70.º do CPA, o qual, recorde-se, não exige a entrega da cópia do acto, mas do seu texto integral. Basta ver, em ordem a demonstrar este nosso ponto, que, mesmo depois de ter instaurado a acção de intimação para passagem de certidão no Tribunal Administrativo, a Recorrente não obteve nada que não tivesse já desde a notificação do acto recorrido.
Deste modo, por faltar o pressuposto previsto na norma do n.º 2 do artigo 27.º do CPAC, uma vez que a notificação efectuada não era omissa em relação às indicações previstas no artigo 70.º do CPA, cremos que o requerimento formulado pela Recorrente no sentido de lhe ser fornecido o texto integral do acto, de que efectivamente, já dispunha, não produziu a suspensão da contagem do prazo do recurso contencioso. Daí que seja de considerar, como antes dissemos, verificada a excepção dilatória da caducidade do direito de recurso, a implicar a excepção da Entidade Recorrida da instância em relação aos vícios geradores da anulabilidade do acto recorrido.
(iii)
Para o caso de assim se não entender, sempre diremos que, a nosso ver, a alegação desses vícios não pode proceder. Muito brevemente, pelo seguinte.
(iii.1)
Segundo o disposto na norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), são nulos «os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime». De acordo com a que nos parece ser a melhor interpretação desse preceito legal, extensiva em relação ao seu elemento gramatical, deve considerar-se que na sua previsão estão incluídas, para além das situações em que o próprio objecto do acto constitua um crime, todas aquelas que envolvam, de modo decisivo ou essencial, a prática de um crime ou em relação às quais se conclua que o acto administrativo, sem o facto criminoso, não teria sido praticado com o mesmo conteúdo (como se sabe, em Portugal, a interpretação da norma correspondente à da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA sempre colocou dificuldades à doutrina e aos tribunais, desde cedo se tendo formado um certo consenso interpretativo no sentido de estender a sua aplicação a situações de facto que não cabiam na letra da sua previsão, nomeadamente, aquelas em que o objecto do acto não constituía crime, mas em que a prática do acto envolvia a prática de um crime: assim, MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 162 e, em sentido idêntico, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, reimpressão, Coimbra, 1998, p. 645, cuja doutrina foi acolhida, entre nós, pelo Tribunal de Última Instância nos seus acórdãos de 25.04.2012, processo n.º 11/2012 e de 25.07.2012, processo n.º 48/2012).
No caso em apreço, o fundamento do acto de autorização de residência cuja nulidade foi declarada pela Administração consistiu no chamado reagrupamento familiar da Recorrente e do seu marido, residente permanente da RAEM. Acontece que, como ficou demonstrado em sede de processo criminal, o casamento entre a Recorrente e o dito residente foi simulado, tendo daí resultado a condenação criminal respectiva. Significa isto, portanto, que a Recorrente beneficiou da autorização de residência na RAEM com fundamento num reagrupamento familiar que, afinal, e de modo decisivo, se baseou, e, nessa medida, envolveu, num facto criminoso. É seguro, à luz de um elementar juízo de prognose póstuma, que, sem a consideração desse casamento a dita autorização de residência a favor da Recorrente não teria sido concedida pela Administração (veja-se, a propósito de situação idêntica, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 16.07.2020, processo n.º 1099/2019).
Deste modo, o acto de autorização de residência em Macau de que beneficiou a Recorrente cai na previsão contida na parte final da norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA, sendo, por isso nulo. Andou bem, por isso, a Administração, ao declarar essa nulidade.
(iii.2)
O poder da Administração previsto no n.º 2 do artigo 123.º do CPA de declarar a nulidade de actos administrativos anteriormente praticados é um poder legalmente vinculado (veja-se, nesse sentido, o afirmado, expressis verbis, por esse Venerando Tribunal de Última Instância nas doutas decisões de 25.04.2012, no processo n.º 11/2012 e de 25.07.2012, no processo n.º 48/2012. Trata-se, aliás, de um entendimento que tem apoio na mais representativa doutrina administrativista: cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 3.ª edição, Coimbra, 2015, p. 352 e no mesmo sentido, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 3.ª edição, Coimbra, 2017).
Como se sabe, os princípios gerais da actividade administrativa funcionam como limites ao exercício da discricionariedade e, portanto, é nesse domínio que encontra a sua justificação. Constituindo um limite da margem de livre decisão administrativa, tais princípios apenas podem bloquear a adopção de uma conduta administrativa com eles incompatível na medida em que tal conduta se encontre naquele espaço de livre decisão (assim, MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2.ª edição, p. 221). É esse, de resto, o sentido que a nossa jurisprudência tem vindo a apontar de modo uniforme: a violação dos princípios gerais da actividade administrativa só tem relevância autónoma no âmbito da actividade discricionária da Administração, não quando está em causa o exercício de uma actividade vinculada (assim, entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 03.04.2020, processo n.º 7/2019 e de 27.11.2020, no processo n.º 157/2020).
Sendo assim, o invocado «princípio da humanidade» (?), que a lei, aliás, não consagra como princípio geral da actividade administrativa, não pode sobrepor-se ao princípio da legalidade da Administração resultante do artigo 3.º do CPA.
Do mesmo modo, os princípios gerais invocados pela Recorrente no artigo 41.º da douta petição inicial carecem de relevância enquanto fundamentos de invalidação do acto recorrido, independentemente da questão da sua concreta violação no caso presente que, de resto, se não lobriga.
(iii.3)
Quanto à alegada falta de fundamentação do acto recorrido também invocada pela Recorrente, parece-nos que a mesma, de todo, não ocorre. Isto porque, o dito acto, de concordância com informação anterior, está, como é do domínio do óbvio, fundamentado por referência, justamente, a essa informação que dele faz parte integrante. Além disso, essa fundamentação é mais do que suficiente, ao menos no nosso modesto entender. Com efeito, parece-nos que a Administração não deixou de plasmar no respectivo texto, com clareza, as razões de facto e de direito pelas quais considerou que, no caso, se justificava declarar a nulidade do acto que autorizou a residência da Recorrente na RAEM. De tal modo que, um destinatário normal colocado na posição da Recorrente, confrontado com o dito acto, não podia deixar de ficar ciente dos motivos que levaram à actuação administrativa questionada nos presentes autos. Isto basta para se considerar que a Administração observou o disposto nos 114.º, n.º 1, alínea a) e 115.º, n.ºs 1 e 2 do CPA.
3.
Face ao exposto,
(α) o presente recurso contencioso deve ser julgado improcedente na parte relativa aos vícios alegados pela Recorrente geradores de nulidade do acto recorrido;
(β) a Entidade Recorrida deve ser absolvida da instância, em virtude da caducidade do direito de recurso, em relação aos vícios alegados pela Recorrente geradores da anulabilidade do acto recorrido.».
Tal como já referíamos antes o objecto destes autos é a declaração de nulidade da autorização de residência de A.
No que concerne à caducidade do direito ao Recurso foi dado como provado com base na confissão da Recorrente em sede de petição de recurso que foi notificada em 04.03.2024 da prática do acto e dos documentos que a acompanhavam.
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma do vício de nulidade que a Recorrente invoca e que caducou o direito ao recurso no que concerne aos vícios de anulabilidade invocados.
A caducidade do direito à acção é uma excepção dilatória que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância – nº 2 do artº 412º do CPC -.
Destarte, impõe-se absolver a Entidade Recorrida da instância no que concerne aos vícios de anulabilidade e negar provimento ao recurso contencioso quanto à invocada nulidade.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Julga-se procedente a invocada excepção da caducidade do direito ao recurso absolvendo a Entidade Recorrida da instância quantos aos invocados vícios que conduzem à anulabilidade do acto;
- Nega-se provimento ao recurso quanto ao vício invocado que conduziria à nulidade do acto.
Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 23 de Janeiro de 2025
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Seng Ioi Man
(1º Adjunto)
Fong Man Chong
(2º Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 Resultam da plataforma de envio de peças processuais por meios electrónicos aos tribunais a ref.ª 20240422003976 e entrada n.º TA522/2024 referentes à resposta escrita.
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348/2024 REC CONT 66