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Processo nº 740/2024
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data do Acórdão: 23 de Janeiro de 2025

ASSUNTO:
- Despacho Saneador
- Caso julgado formal


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Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 740/2024
(Autos de Recurso Jurisdicional em Matéria Administrativa)

Data: 23 de Janeiro de 2025
Recorrente: A (Menor, representada pelos seus pais B e C)
Recorrida: Directora dos Serviços de Identificação
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
veio intentar acção para determinação da prática de actos administrativos contra,
Directora dos Serviços de Identificação, também, com os demais sinais dos autos,
pedindo que seja a Ré condenada a emitir o Certificado de Confirmação do Direito de Residência à Requerente.

Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente por ilegitimidade passiva da Ré.
Não se conformando com a decisão proferida veio a Recorrente recorrer da mesma, apresentando as seguintes conclusões e pedidos:
1. O Director da Direcção dos Serviços de Identificação proferiu a decisão final, tendo legitimidade passiva.
2. O Tribunal a quo proferiu a decisão em 29 de Maio de 2024 (doravante designado por “decisão recorrida”) com o seguinte teor : “Por falta de legitimidade passiva, indeferida a acção intentada pela requerente A contra a entidade requerida, o Director da Direcção dos Serviços de Identificação (cfr. o disposto no artigo 37.º, ex vi do artigo 106.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, e no artigo 230.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 99.º, n.º 1.)”
3. Porém, salvo o devido respeito, a recorrente não concorda com a decisão do tribunal a quo, visto que a decisão recorrida padece do vício de aplicação errada da lei, e que viola as disposições do artigo 41.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, por consequente, a decisão recorrida viola as disposições do artigo 37.º, ex vi do artigo 106.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, e as disposições do artigo 230.º, n.º 1, alínea d), ex vi do artigo 99.º, n.º 1.
4. Em 23 de Maio de 2023, a requerente apresentou reclamação da decisão de rejeição de emissão do certificado de confirmação do direito de residência “Notificação de não autorização (pedido de certificado de confirmação do direito de residência n.º 2022*******)” constante no ofício n.º 1533/DSI/DIR-DR/OFI/2023 da subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação.
5. Entretanto, a requerente foi informada do ofício n.º 2131/DSI-DAG/OFI/2023, datado de 23 de Junho de 2023, do Director da Direcção dos Serviços de Identificação, “Resposta à Reclamação (pedido de certificado de confirmação do direito de residência n.º 2022*******)”, segundo o qual a Direcção dos Serviços de Identificação mantém a sua decisão de não emitir «certificado de confirmação do direito de residência» à requerente e rejeita a reclamação em causa.
6. A decisão acima mencionada foi assinada pela subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação na qualidade de Director Subst..
7. Como é óbvio, no presente caso, o Director da Direcção dos Serviços de Identificação tomou a decisão concernente em nome da Direcção dos Serviços de Identificação em relação ao pedido da requerente.
8. O Director da Direcção dos Serviços de Identificação delegou oficiosamente na subdirectora a competência para apreciar e autorizar pedido do certificado de confirmação do direito de residência através do Despacho n.º 1/DSI/2023, mas o Director pode avocar o poder pertinente nos termos do artigo 41.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo.
9. Visto que “o delegante mantém a competência para praticar o mesmo acto que outras pessoas praticam ao mesmo tempo”.1
10. De facto, o delegado não tem em si próprio competência, pelo contrário, este exerce actividades com a competência de outrem. “O que se transfere não é a competência, não é a titularidade de poderes, mas sim o exercício dos poderes, o exercício de uma competência do delegante”2
11. No outro sistema normativo – Brasil – “O acto de delegação não revoga a competência do órgão delegante, este continua a exercer, de modo consolidado, a competência com o órgão delegado.”3
12. A seguinte jurisprudência está em consonância com a doutrina actual, segundo a qual, “ao delegar, mesmo que o delegante e o delegado exerçam a competência concorrente, o delegante reserva-se o direito de praticar actos no âmbito da delegação.”4
13. Se o delegante ou o subdelegante exerça a sua competência, não sendo necessário praticar expressamente a avocação, desde que a matéria em causa (os processos) esteja ainda na sua posse.5
14. De qualquer modo, o delegante pode, a qualquer momento, avocar a sua competência delegada a outrem, o exercício de avocação é feito em cada caso concreto, visto que “o exercício geral de avocação equivale a uma revogação tácita da delegação”6
15. No presente caso, o Director da Direcção dos Serviços de Identificação tomou efectivamente a decisão em 23 de Junho de 2023, e que deve ser considerado o exercício de avocação da competência delegada a outrem.
16. Ainda por cima, a competência delegada na subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação para emitir o certificado de confirmação do direito de residência é oriunda do Director da Direcção dos Serviços de Identificação.
17. O Código de Processo Administrativo Contencioso não é o mesmo que o Código de Processo Civil em geral, o público como a parte desfavorecida, cujo direito de intentar acções judiciais contra o Governo deve ser protegido pelos princípios do processo administrativo contencioso, e estes últimos não devem ser concentrados nas formalidades. Mesmo que seja verdade que o Director delegue a sua própria competência na subdirectora e já não tenha a competência concernente, desde que o órgão recorrido em questão esteja correcta e tenha o poder geral segundo a lei para proceder aos actos em questão, deva ser considerado como tendo tido a legitimidade passiva, tanto mais que no presente caso concreto, o Director já tem o poder concernente e tomou a decisão.
18. Neste sentido, juntamente com os princípios antiformalista e “pro actione”, bem como os princípios do respeito do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efectiva, o Director da Direcção dos Serviços de Identificação tem legitimidade passiva.
19. Por isso, a decisão recorrida deve ser anulada, procede-se ao reenvio do processo para novo julgamento.
20. Além disso, a decisão recorrida padece do vício de violação da lei, violando os princípios da segurança e da determinabilidade previstos nos artigos 575.º e 583.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 99.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo Contencioso.
21. A requerente foi informada do despacho sanado proferido pelo Juiz do Tribunal a quo em 8 de Novembro de 2023, constante nas fls. 73 a 75 dos processos em epígrafe, o teor do despacho é o seguinte: “Ambas as partes do processo têm a personalidade judiciária e a legitimidade”
22. O despacho seja impugnável, no entanto, depois de todos os intervenientes processuais terem sido informados do despacho, nem a requerente, nem a entidade requerida, nem o Ministério Público deram seguimento ao despacho e, nomeadamente, não recorreram do aludido despacho no prazo previsto na lei.
23. Portanto, o despacho constante nas fls. 73 a 75 foi confirmado (v. os dispostos do artigo 582.º do Código de Processo Civil, ex vi, do artigo 99.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso).
24. Após a confirmação, o despacho constante nas fls. 73 a 76 passa a ter força obrigatória no âmbito do presente processo, vinculando não só o Tribunal de Primeira Instância, mas também todos os tribunais que tem de conhecer de qualquer questão suscitada num recurso – cfr. os dispostos do artigo 575.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 99.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
25. A decisão recorrida viola a decisão transitada em julgado formulada com base do aludido despacho.
26. Os tribunais devem ter respeitado ao conteúdo do despacho sandado constante nas fls. 73 a 75, uma vez que este foi confirmado, e que constituía uma decisão confirmada de modo formal, por conseguinte, torna-se obrigatória no âmbito do presente processo contencioso.
27. Pelo exposto, a decisão recorrida viola indubitavelmente os princípios da segurança e da definitividade consagrados nos artigos 575.º e 582.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 99.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, violando os dispostos do artigo 41.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, assim, deve ser anulada.
28. Para cumprir os princípios da segurança e da definitividade previstos pela lei, a decisão recorrida deve ser anulada, procede-se ao reenvio do processo para novo julgamento.
Em face do acima exposto, requer-se a MM.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância que se dignem admitir os fundamentos do recurso e julgar procedente o recurso:
1. Por a decisão recorrida enfermar do vício de aplicação errada da lei, e que viola o disposto no artigo 41.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, violando os dispostos no artigo 37.º, ex vi do artigo 106.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, e no artigo 230.º, n. º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 99.º, n.º1, deve ser anulada a decisão recorrida, e procede ao reenvio do processo para novo julgamento; ou
2. A decisão recorrida padece indubitavelmente do vício de violação da lei, violando os princípios da segurança e da definitividade consagrados nos artigos 575.º e 582.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 99.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, a decisão deve ser anulada, e procede ao reenvio do processo para novo julgamento, fazendo a justiça como sempre!

Pela Recorrida não foram apresentadas alegações.

Foram os autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Do Direito

É do seguinte teor a decisão recorrida:
«(…)
Presentemente procede-se o julgamento das questões da excepção dilatória.
De acordo com o artigo 104.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, “A acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos tem por finalidade a condenação da Administração na prática do acto omitido ou recusado.”. Quanto à questão da legitimidade passiva em acção judicial, através do disposto no artigo 37.º, por remissão do artigo 106.º desse Código verifica-se - a legitimidade passiva deve pertencer ao órgão que praticou o acto. Por outro lado, embora em direito comparado não seja unanime com a regulamentação do código acima mencionado, mas as doutrinas e anotações relacionadas são de grande valor de referência, “Como ré ou entidade demandada figurará aí, nos termos do art. 10.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, a entidade ou o ministério em que se integra o órgão a quem o requerimento para a prática do acto foi dirigido, e a quem é imputada, portanto a omissão ou indeferimento ilegais; ou então, como estas acções também valem para os litígios inter-orgânicos (e intra-orgânicos), serão demandados aí os próprios órgãos (ou colégios) que omitiram ou recusaram os actos que haviam sido solicitados ou requeridos.”(vide Mário Esteves de Oliveira, Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Volume I, pp. 425 a 426).
Além disso, é evidente que, sobre se a entidade recorrida tem ou não competência para praticar o acto relevante face ao pedido, tem a ver com a questão da legitimidade passiva – no recurso contencioso, a incompetência da entidade contra a qual é interposto o recurso, de acordo com o artigo 21.º, n.º 1, alínea b) do Código, pode servir de fundamento do recurso contencioso para suportar o pedido de anulação do acto recorrido. Porém, na acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, dado que o objecto da acção deixou de basear-se no acto administrativo, portanto qualquer forma de vício já não tem importância para o pedido de condenação da requerente. (vide Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, pp. 90 a 91). A competência da entidade requerida determina se ela, nos termos legais, tem ou não a obrigação de tomar decisão sobre a matéria do pedido, que por sua vez, estabelece o seu estatuto de sujeito na relação jurídica de entidade administrativa controvertida. Neste sentido, caso a entidade requerida não tenha o direito de decidir nos termos da lei, então a acção será julgada improcedente por falta de legitimidade passiva.
Voltando ao caso em apreço, dos elementos constantes nos autos demonstram que,
- A requerente inicialmente face à decisão da Subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação da não emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência, interpôs recurso contencioso;
- Posteriormente, atendendo às exigências constantes no despacho de aperfeiçoamento do tribunal, alterou o meio processual, usando outro meio correspondente aos interesses da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos;
- Contudo, ao mesmo tempo, a requerente alterou a acção judicial contra o Director da Direcção dos Serviços de Identificação, solicitando que este último fosse condenado a emitir o Certificado de Confirmação do Direito de Residência.
- O Director da Direcção dos Serviços de Identificação depois de ter sido citado, como entidade requerida, apresentou contestação.
É evidente que embora o Director da Direcção dos Serviços de Identificação possa dirigir e tomar decisões em nome da Direcção dos Serviços de Identificação, entretanto face à questão do pedido da requerente não tomou concretamente decisão. A decisão de rejeição da emissão do Certificado de Confirmação do Direito de Residência foi da responsabilidade da Subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação. Neste sentido, o Director da Direcção dos Serviços de Identificação não tem legitimidade passiva nesta acção.
Além do mais, embora o Director da Direcção dos Serviços de Identificação, nos termos legais, tem competência para apreciar e aprovar os pedidos de Certificado de Confirmação do Direito de Residência, mas ele através do Despacho n.º 1/DSI/2023 delegou tal poder ao Subdiretor. Sendo assim, devido ao efeito inerente do acto de delegação de poderes, ele não pode continuar a usufruir o poder de decidir sobre a matéria relevante, a não ser que exerça o poder de avocação previsto no do artigo 41.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, caso contrário, apenas se delimita em conformidade com o disposto no n.º 1, emitir directivas ou instruções vinculativas para o delegado ou subdelegado (vide Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2. edição, pp. 230 a 231).
Por outras palavras, a entidade delegante e a entidade delegada não têm, ao mesmo tempo, a mesma competência para tomar decisões sobre matérias específicas. No caso em apreço, não há provas de que o Director da Direcção dos Serviços de Identificação tenha explicitamente avocado o poder que tinha concedido neste caso concreto. Por conseguinte, ele não tem a competência de tomar decisão sobre a matéria do pedido, e por sua vez, nem tem legitimidade passiva.
De acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 2, alínea f), por remissão e adaptação do artigo 106.º do Código de Processo Administrativo Contencioso – caso seja manifesta a verificação de circunstâncias que obstem ao prosseguimento da acção, designadamente, erro na identificação do estatuto da entidade demandada, sendo tal erro manifestamente indesculpável, deve o recurso ser liminarmente rejeitado. Se o erro em causa não seja manifestamente indesculpável, a acção não deve ser liminarmente rejeitada, mas deve com base no disposto no artigo 51.º, n.º 1, do Código, notificar o requerente para corrigir as eventuais irregularidades da petição. (Vide Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 740/2022, de 26 de Abril de 2023).
No entanto, a situação neste caso é diferente, após audiência de julgamento em público e depois de concluídas as alegações de direito, até à fase final de envio do processo ao Ministério Público para vista, é que o Tribunal devido à pretensão do Ministério Público, procedeu ao julgamento da respectiva excepção dilatória. Mesmo que concordemos que o erro não seja manifestamente indesculpável, mas nesta fase da acção já não há possibilidade de correcção, já não é possível de citar a entidade com legitimidade passiva que é a Subdirectora da Direcção dos Serviços de Identificação, para substituir a inicial entidade demandada para participar na acção.
Nestes termos, deve rejeitar a acção contra a entidade requerida.».

Foi do seguinte teor o Douto Parecer do Ministério Público:
«1.
A, melhor identificada nos presentes autos, instaurou acção para a determinação da prática de actos legalmente devidos contra a Directora dos Serviços de Identificação, pedindo a condenação da Ré na prática do acto de emissão do Certificado de confirmação do Direito de Residência.
Por douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 102 a 106 dos presentes autos, foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, suscitada pelo Ministério Público no seu parecer, com a consequente absolvição da Ré da instância.
Inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela revogação daquela decisão.
2.
(i)
Como dissemos, na douta sentença recorrida o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e com esse fundamento, absolveu a Ré da instância.
A Recorrente, no seu recurso, coloca apenas duas questões e que são as de saber se a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento:
o por ter considerado que, quem tem legitimidade passiva para a presente acção é, não a Directora dos Serviços de Identificação, mas a Subdirectora desses Serviços (conclusões 1 a 19 das alegações do recurso);
o por ter violado decisão anteriormente proferida no processo e transitada em julgado (conclusões 20 a 26 das alegações do recurso).
Em nosso modesto entender, a douta sentença impugnada não é passível da censura que lhe é dirigida pela Recorrente. Pelo seguinte.
(ii)
(ii.1)
Segundo o disposto no artigo 106.º do CPAC, à legitimidade passiva na acção para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 37.º, de acordo com o qual, se considera como entidade recorrida o órgão que tenha praticado o acto. Deste modo, aplicado o artigo 37.º com as necessárias adaptações, à acção para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, impõe-se entender que, quando está em causa um indeferimento expresso da pretensão dirigida pelo particular à Administração, a legitimidade passiva para essa acção cabe ao órgão que praticou o acto de indeferimento.
No caso em apreço, o órgão que indeferiu o requerimento da Recorrente não foi a directora, mas antes a subdirectora dos Serviços de Identificação (de acordo com o artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 29/2017, a Direcção dos Serviços de Identificação tem os seguintes órgãos: um director e dois subdirectores) e daí que, como bem decidiu o Meritíssimo juiz a quo, fosse esta, e não aquela, quem dispunha de legitimidade passiva para a presente acção.
(ii.2)
Não colhe, salvo o devido respeito, a argumentação em contrário apresentada pela Recorrente nas doutas alegações do seu recurso.
É certo, na verdade, que a competência legal para autorizar a emissão do certificado de confirmação do direito de residência cabe, de acordo as disposições conjugadas do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 7/1999 e na alínea 7) do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 2972017, ao director dos serviços de identificação. Todavia, como também foi salientado na douta decisão recorrida, a directora dos Serviços de Identificação, nos termos constantes da alínea 8) do n.º do Despacho n.º 1/DSI/2023, publicado no Boletim Oficial n.º 18, II série, de 3 de Maio de 2023, delegou na subdirectora a sua competência para apreciar e decidir sobre pedidos do Certificado de Confirmação do Direito de Residência. Ora, mercê dessa delegação ocorreu, como é consensual, e sem prejuízo dos poderes do delegante referidos no artigo 41.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), uma transferência do exercício normal da dita competência da directora para a subdirectora.
Além disso, a Recorrente também não tem razão quando alega que apresentou reclamação do acto de indeferimento e que essa reclamação foi decidida pela directora dos serviços de identificação e que isso justificaria que esta fosse demandada na acção. Com todo o respeito, não é assim. A reclamação é, por definição, dirigida e apreciada pelo autor do acto reclamado, tal como resulta do disposto no artigo 145.º, n.º 2, alínea a) do CPA, e, no caso, foi isso que aconteceu: a reclamação foi efectivamente decidida pela autora do acto reclamado, ou seja, a subdirectora dos serviços de identificação, embora com uma indevida invocação de que o fazia enquanto directora substituta (note-se que, se a decisão fosse directora, não se trataria já de uma reclamação, mas de um recurso hierárquico impróprio, o qual, como é bom de ver não podia ser decidido pela autora do acto que, nessa situação, seria recorrido, face ao disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea g) do CPA). Significa isto, pois, que, tanto o acto de indeferimento, como o acto que decidiu a reclamação graciosa que a Recorrente apresentou são da autoria do mesmo órgão, a subdirectora dos serviços de identificação.
Concluindo. Sendo a legitimidade passiva para a acção para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, de acordo com o artigo 106.º do CPAC, a correspondente à legitimidade passiva para o recurso contencioso, cabendo, portanto, ao órgão administrativo que teria legitimidade para o mesmo, cremos que não podem restar dúvidas de que, no caso, é a subdirectora dos serviços de identificação, enquanto autora do acto de indeferimento «recorrível», que dispõe dessa legitimidade. Na verdade, se, ao invés da presente acção, tivesse sido interposto um recurso contencioso do acto de indeferimento, seria aquela subdirectora que aí figuraria como entidade recorrida.
Demonstra-se, assim, a nosso ver, a improcedência do primeiro fundamento do recurso.
(iii)
A douta sentença recorrido não violou, parece-nos, qualquer caso julgado.
Com efeito, apesar de o despacho saneador não ter a finalidade de afirmar genericamente a verificação dos pressupostos processuais ou a inexistência de nulidades processuais (pelo contrário, aliás, tal como decorre da parte final do n.º 1 do presente artigo e, também, do n.º 1 do artigo 430.º, onde, expressamente, se admite a possibilidade de não haver lugar a despacho saneador. Já nesse sentido, à luz do CPC de 1961, ARTUR ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, 1982, Volume II, p. 266. Apontando a «manifesta inutilidade» do despacho tabelar, CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra, 2004 p. 442) encontra-se muito enraizada a compreensível prática judiciária de prolação do chamado despacho saneador «tabelar». Conhecedor da referida prática, o legislador não deixou a lei de consagrar a solução, que nem sempre foi pacífica, de que o despacho saneador que tenha conhecido de excepções dilatórias ou de nulidades processuais, uma vez transitado em julgado, apenas constitui caso julgado formal quanto a questões que tenham sido concretamente apreciadas. Por isso, quando o juiz, no despacho saneador, declara, tabelarmente, que o tribunal é competente, que as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e que não há nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa, não se forma sobre essa decisão caso julgado formal. Significa isto, portanto, que nada obsta a que, em momento posterior, nomeadamente, na sentença, o juiz, nos termos do n.º 1 do artigo 563.º, conheça e julgue procedente uma concreta excepção dilatória (já nesse sentido, JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código…, pp. 199-200. Cfr. Ac. TSI de 26.10.2023, proc. 281/2023).
Sendo isto assim, como seguramente é, parece-nos incontornável a conclusão de que, a circunstância de o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, no despacho saneador que proferiu a fls. 73 dos presentes autos, ter afirmado, genericamente, serem as partes legítimas não o impedia de, na sentença, vir a julgar, como efectivamente julgou, procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, não se podendo dizer, por isso, que, ao fazê-lo, incorreu em violação do disposto no artigo 575.º do CPC uma vez que, como vimos, sobre aquela decisão não se formou caso julgado formal.
Parece-nos, pois, que o segundo fundamento do recurso também não pode ser acolhido.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».

Em sentido igual ao da decisão recorrida no que concerne à competência para a prática do acto devido em cuja condenação se pede, resulta da decisão proferida no Acórdão de 11.04.2024 proferido no processo 828/2023.
No que concerne à possibilidade do julgador depois de ter proferido um despacho saneador tabular em que diz serem as partes legítimas poder em sede de decisão apreciar e decidir a questão da legitimidade, concluindo pela ilegitimidade de uma ou ambas as partes sem ofender o caso julgado formal, também já decidimos em igual sentido no Acórdão datado de 26.10.2023 proferido no Processo nº 281/2023.

Destarte, uma vez que a decisão recorrida acompanha aquela que tem vindo a ser reiteradamente a jurisprudência deste Tribunal, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos daquela para os quais remetemos e aos quais aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, bem como, aderindo aos fundamentos constantes do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público supra reproduzidos, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

III. DECISÃO
  
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.

Registe e Notifique.

RAEM, 23 de Janeiro de 2025

(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Seng Ioi Man

(Segundo Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong

(Procurador-Adjunto)
Mai Man Ieng
1 (v. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código de Procedimento Administrativo de Portugal (anotado e comentado), 5.ª edição, 2002, pp. 234.)
2 (v. Ribeiro, Lino e Cândido Pinho, José, Código do Procedimento Administrativo de Macau (anotado e comentado), pp. 276)
3 (Estado de Minas Gerais, revista do Tribunal de Auditória, edição de 14 de Agosto de 2007, www.tce.mg.gov.br/revista - Marcello Caetano definiu claramente a matéria em causa)
4 (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal 14/04/1967 AD66,979)
5 (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal 10/03/1998 processo n.º 30978, Ribeiro, Lino e Cândido Pinho, citado nas fls. 237)
6 (v. Santos Botelho, José Manuel, Pires Esteves; Cândido Pinho, José, Código de Procedimento Administrativo de Portugal, (anotado e comentado), 5.ª edição, 2002, pp. 235, citado por Gordillo)
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