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Processo n.º:19/2025/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data do Acórdão:23 de Janeiro de 2025
Assunto:Suspensão de eficácia do acto administrativo que indeferiu a prorrogação de autorização de permanência de menor
SUMÁRIO
  I – O decretamento de suspensão de eficácia de acto administrativo depende da verificação cumulativa dos requisitos previstos no art. 121º n.º 1 do CPAC e de que o acto suspendendo tenha pelo menos uma vertente positiva.
  II – É de decretar a suspensão de eficácia do acto administrativo que indeferiu a prorrogação de autorização de permanência de uma menor de dois anos de idade, caso se conclua que a mudança na vida e o desassossego determinados pelo regresso da menor à sua pátria e daí a separação com a sua mãe, ora Requerente, são susceptíveis de lhes provocar prejuízos de difícil reparação, sem a verificação dos requisitos impeditivos previstos no art.º 121º n.º 1º al. b) e c) do CPAC.
O Relator

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Seng Ioi Man
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
Processo n.º:19/2025/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data do Acórdão:23 de Janeiro de 2025
Requerente:A
Entidade Requerida:Secretário para a Segurança
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I. RELATÓRIO
A (doravante designado por “Requerente”), de nacionalidade Filipina, portadora do Título de Identificação de Trabalhador Não Residente n.º 24******, com domicílio em Avenida da Praia Grande ..., ...... Tai Ha Bloco ..., R/C ..., em Macau, vem, ao abrigo dos artigos 120º e ss. do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a Suspensão de Eficácia do acto do Secretário para a Segurança (doravante designado por “Entidade Requerida”) que indeferiu o seu pedido de autorização de permanência a favor da sua filha B.
O requerimento da Requerente baseia-se nos fundamentos constantes a fls. 3 a 10 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Regularmente citada, vem a Entidade Requerida contestar pugnando pelo indeferimento do pedido, por não preenchimento do requisito previsto na alínea a) do n.º 1º do artigo 121º do CPAC.
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O Ministério Público emitiu douto parecer opinando que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.
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II. FACTOS
Considera-se assente a seguinte factualidade com interessa para a decisão da causa:
1. Em 17 de Novembro de 2022, a Requerente apresentou o pedido de autorização de permanência a favor da sua filha B.
2. O pedido foi indeferido pelo Senhor Director do CPSP.
3. Desta decisão recorreu hierarquicamente a Requerente para o Senhor Secretário para a Segurança, que, por seu despacho de 15 de Setembro de 2023, decidiu indeferir o recurso, tendo, no entanto, considerando a idade da menor e para que a Requerente pudesse ter tempo suficiente para organizar a vida da menor depois do seu regresso à pátria, autorizado a sua permanência na RAEM, por um
ano, ao abrigo do disposto no art. 11º da Lei n.º 16/2021.
4. Em 3 de Setembro de 2024, a Requerente apresentou um pedido que visava a prorrogação de autorização de permanência a favor da sua filha até 20 de Abril de 2026 (i.e. ao termo da autorização da permanência da Requerente) ou, subsidiariamente, pelo mesmo período de um ano, até 15 de Setembro de 2025.
5. Em 19 de Setembro de 2024, a Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento, exarada sob a informação n.º DARP.529/2024/TNR (fls. 11), vindo a Requerente a apresentar a sua pronúncia escrita em 4 de Outubro de 2024.
6. Em 20 de Novembro de 2024, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento proferida pela Entidade Requerida em 13 de Novembro de 2024, exarada sob a informação n.º 4400228/STNRDARP/2024P.
7. A menor nasceu em Macau, no dia 12 de Setembro de 2022.
8. A menor precisa de cuidado dos seus pais.
9. Ambos os pais trabalham e residem em Macau.
10. A menor frequenta a XXXX - Centro Familiar em Macau.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
O presente procedimento de suspensão de eficácia tem por objecto o acto praticado pela Entidade Requerida que indeferiu a prorrogação da autorização de permanência peticionada pela Requerente a favor da sua filha, nascida aqui na RAEM em 12 de Setembro de 2022.
Dispõe o art.º 120º do CPAC:
“Artigo 120.º
(Suspensão de eficácia de actos administrativos)
A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.”
Prevê, por sua vez, o art.º 121º do CPAC:
“Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
   A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
   1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
   a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
   2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
   3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
   4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
   5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
É jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que o decretamento de suspensão de eficácia de acto administrativo depende da verificação cumulativa dos requisitos previstos no art. 121º n.º 1 do CPAC e de que o acto suspendendo tenha pelo menos uma vertente positiva. 1
No caso vertente, dos factos indiciariamente provados resulta que a menor tem permanecido legalmente aqui na RAEM por força da autorização concedida pelo Sr. Secretário para a Segurança ao abrigo do disposto no art. 11º da Lei n.º 16/2021. Antes da expiração do prazo concedido, veio a Requerente, mãe da menor, requerer a prorrogação do prazo, para que a menor pudesse continuar a permanecer na RAEM. Este requerimento, no entanto, foi indeferido pela Entidade Requerida.
Como é óbvio, para a persistência da situação actual, i.e., a permanência
da menor na RAEM mesmo após o decurso do prazo de um ano concedido no acto anterior, é imprescindível a prorrogação do prazo. Por isso, o acto suspendendo, não obstante se tratar dum acto negativo, repercutir-se-á na esfera jurídica da Requerente, sendo certo que a geração da eficácia do acto e os respectivos actos de execução que mais tarde podem surgir determinarão a saída da menor da RAEM, o que criará à Requerente, como mãe e representante legal, a obrigação de acatar e cumprir em conformidade com a decisão administrativa. Assim, somos de opinião de que o acto não deixa de ter uma vertente positiva, uma vez que afecta uma situação jurídica preexistente, e daí que cabe na previsão do art. 120º al. b) do CPAC.
Vejamos então os restantes requisitos.
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- Do requisito previsto no art.º 121º n.º 1º al. a):
Para a suspensão da eficácia do acto, é necessária a demostração de que a a sua execução causará previsivelmente à Requerente prejuízo de difícil reparação. Para o efeito, alegou a Requerente, essencialmente, o seguinte:
“- Quanto ao primeiro requisito, não falta jurisprudência que aponta para a existência ou verificação previsível de prejuízos irreparáveis para os menores no caso da execução imediata do acto de indeferimento de renovação ou prorrogação da situação jurídica preexistente, pois a vida e o desenvolvimento da menor seria inevitavelmente interrompido e comprometido, o que impedirá o acompanhamento e cuidado por parte da mãe, especialmente quando está na fase de crescimento e desenvolvimento da personalidade, sendo imprevisíveis as sequelas e os malefícios que uma quebra das referências parentais pode acarretar (no mesmo sentido, vide ainda acórdãos do TSI n.ºs 600/2023/A, 462/2023/A, 245/2012/A, 751/2023/A, 25/2018/A, 798/2013, 96/2012/A, 228/2005.
   - Estudos comprovam que o papel e a presença dos pais é fundamental para o crescimento saudável e harmonioso das crianças e o afastamento das crianças dos seus pais poderão ter efeitos permanentes e prejuízos profundos para o seu normal desenvolvimento.
   - Por outro lado, não há dor e angústia maior para uma mãe do que não poder estar com os seus filhos, sobretudo quando a Requerente e o seu marido dispõem de todas as condições económicas para o poder fazer na RAEM, assim como quando se trata de uma criança de dois anos apenas.
   - De tudo exposto resulta claramente que existe um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado e da produção de prejuízos de dificil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no recurso contencioso, donde se conclui estar plenamente verificado o requisito do "periculum in mora" e do previsível grave prejuízo de difícil reparação causado à Requerente e à sua filha, preenchendo-se assim o requisito constante do artigo 121°, n.° 1, al. a) do CPAC.”
Sobre a questão em apreço, tal como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 12 de Janeiro de 2017, proferido no proc. n.º 916/2016:
“(…) a separação de uma criança de três anos das suas referências parentais, em especial se tal implicar o apartamento da sua mãe, tudo na incerteza de quem cuidará da criança na sequência da saída desta por implementação da medida decorrente da não renovação de autorização de residência.
   Não se impondo, numa situação cautelar e provisória, a defesa de interesses superiores como os da segurança, autoridade, alarme social, intranquilidade, harmonia colectiva, tem-se por compaginável a possibilidade de um compasso de espera até à decisão definitiva do caso a manutenção de uma situação de união familiar propiciadora de são e integral desenvolvimento da personalidade, psicossomático, psicológico, afectivo, de uma criança de 3 anos, vista a indispensabilidade das referências parentais, em particular nessa idade.”
Como já vimos, a execução do acto suspendendo importa a saída da menor da RAEM, situação que perturbará necessariamente a vida familiar actual da Requerente, ficando esta obrigada a optar entre a separação com a filha ou a sua própria saída também da RAEM de modo a acompanhar a criança às Filipinas.
No primeiro caso, a situação é semelhante à descrita no aresto citado, tal implicará o apartamento da menor da sua mãe, tudo na incerteza de quem cuidará da criança na sequência da saída, sendo certo que, ainda que a Requerente, por hipótese, consiga incumbir alguém da sua confiança a tomar conta da filha, o acompanhamento e educação de uma criança, de 2 anos apenas, por uma outra pessoa que não seja parente, são incomparáveis com o cumprimento desses deveres parentais pela própria Requerente, progenitora que constitui a figura primária de referência da menor e que acompanha o seu crescimento aqui na RAEM, tendo relação mais íntima e afectiva. Para nós, a mudança na vida e o desassossego que a separação poderia causar às Requerente e menor constituem prejuízos de difícil reparação.
E no segundo caso, embora estejamos de acordo que nada obsta a que a Requerente acompanhe a filha menor às Filipinas, desse modo se obviando ao prejuízo resultante da separação, tal como observa doutamente o Ministério Público no seu parecer, esse hipotético regresso implicaria para a Requerente a perda do seu emprego na RAEM (tornando até, no nosso ponto de vista, porventura inútil o requerimento da Requerente considerando o facto do regresso à pátria da Requerente com a filha menor), o que, por si, não deixa de constituir um dano de difícil reparação.
Pelo exposto, somos de opinião de que a execução do acto é o que causará previsivelmente prejuízo de difícil reparação à Requerente.
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  - Do requisito previsto no art.º 121º n.º 1º al. b):
  Ponderando cuidadosamente a consequência que a suspensão da eficácia do acto poderá causar, somos de opinião de que a permanência de uma criança, de 2 anos, durante a pendência do recurso contencioso, que tem sido acompanhado e cuidado pelos seus pais que aqui trabalham, não será susceptável de causar grave lesão do interesse público, pelo que, tendo em conta o disposto no art. 129º n.º 1 do CPAC e a posição tomada pela Entidade Recorrida na sua contestação, temos por verificado o requisito em apreço.
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  - Do requisito previsto no art.º 121º n.º 1º al. c):
  Neste procedimento, para além de ninguém suscitar, analisados tanto os actos principais (com o recurso contencioso interposto em 26 de Dezembro de 2024) como o presente apenso, não se vê nenhum elemento que aponte a ilegalidade do recurso contencioso, pelo que, deve ser considerado verificado este último requisito.
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Tudo ponderado, resta decidir.
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IV. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, acordam em deferir o presente pedido de suspensão da eficácia.
Sem custas por isenção subjectiva da Entidade Recorrida.
Registe e Notifique.
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RAEM, aos 23 de Janeiro de 2025

(Relator)
Seng Ioi Man

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Procurador-Adjunto)
Mai Man Ieng
1 Vg. Ac. TUI, de 04/11/2009, no proc. n.º 33/2009; Ac. TSI, de 15/12/2011, no proc. n.º 799/2011.
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Proc. n.º 19/2025/A (Suspensão de Eficácia) 2/10