Processo nº 68/2025
(Suspensão de Eficácia)
Data: 06 de Fevereiro de 2025
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 29.11.2024 que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do despacho que revogou a autorização de permanência da Requerente na Região Administrativa Especial de Macau.
Para tanto alega a Requerente em síntese que em 24.05.2022 lhe foi concedida autorização de permanência como trabalhador a qual lhe foi revogada, sendo que, dessa revogação resulta prejuízo de difícil reparação uma vez que, sendo cidadã dos Estados Unidos da América terá de regressar ao seu pais, onde dada a sua idade será difícil arranjar emprego, para além das despesas de ali se ter de instalar.
Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta fazê-lo impugnando a verificação dos prejuízos invocados pela Requerente.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
«1.
A, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo Secretário para a Segurança em 29 de Novembro de 2024 através do qual foi decidido, em recurso hierárquico, manter a revogação da sua autorização de permanência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
A Entidade Requerida, devidamente citada, apresentou contestação.
2.
2.1.
Decorre do disposto no artigo 121.º n.º 1 do CPAC, que a suspensão de eficácia dos actos administrativos que tenham conteúdo positivo ou que, tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva é concedida quando se verifiquem os seguintes requisitos:
(i) a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
(ii) a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
(iii) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
2.2.
(i)
Não é controvertido que o acto suspendendo é um acto com conteúdo positivo pois que introduziu uma alteração na esfera jurídica da Requerente, extinguindo, por revogação, o acto administrativo de autorização ao abrigo do qual a mesma vinha permanecendo legalmente em Macau.
(ii)
Por outro lado, do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso, sendo que, como se sabe, esta verificação ser reporta, no essencial, aos pressupostos processuais do recurso contencioso (v.g. a tempestividade do recurso ou a recorribilidade do acto) e não a qualquer juízo, ainda que perfunctório, sobre o respectivo mérito. Por isso, mostra-se verificado o requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 121.º do citado diploma legal.
(iii)
Do mesmo modo, parece-nos que a suspensão de eficácia do acto, a ser decretada, não será susceptível de causar grave lesão do interesse público. De resto, a Entidade Requerida não alegou essa lesão pelo que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 129.º do CPAC é de considerar verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
(iv)
Controvertida é a questão de saber se, no caso, se mostra preenchido o requisito do decretamento da suspensão de eficácia que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, ou seja, saber se da execução do acto resultará, previsivelmente, prejuízo de difícil reparação para o requerente.
Parece-nos que não.
Como referiu o Tribunal de Última Instância (TUI) na sua decisão de 14.11.2009, tirada no processo n.º 33/2009, «não se pode paralisar a actividade da Administração se o requerente não alegar e provar sumariamente que a execução do acto lhe causa prejuízo de difícil reparação».
Sobre o que deve entender-se por prejuízo de difícil reparação, o TUI teve oportunidade de definir na referida decisão que: «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto».
Além disso, o nosso mais alto Tribunal tem igualmente vindo a decidir no sentido de que, cabe ao requerente da suspensão de eficácia o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o de forma concreta e especificada (veja-se, por exemplo, os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 26.2.2020, processo n.º 136/2019, de 7.7.2021, processo n.º 57/2021 e de 22.2.2023, processo n.º 9/2023).
Tendo isto presente, estamos modestamente em crer que o Requerente não demonstrou, ainda que de forma sumária, que os prejuízos que, segundo diz, para si resultarão da execução do acto e que são os decorrentes da impossibilidade de continuar a trabalhar na RAEM, sejam irreparáveis ou de difícil reparação, à luz do critério jurisprudencial acima referido (veja-se, no mesmo sentido, o decidido pelo Tribunal de Última Instância no acórdão de 6.7.2022, processo n.º 72/2022).
Na verdade, a Requerente limitou-se a alegar que, uma vez executado o acto, não poderá trabalhar na RAEM e que, sendo cidadã americana, lhe será difícil procurar e encontrar um novo emprego nos Estados Unidos da América em virtude da sua idade (57 anos), o que, para ela irá constituir um pesado encargo financeiro.
Todavia, nada isto se encontra minimamente substanciado. Desde logo, porque se desconhece, de todo, a situação económica e financeira da Requerente (por exemplo, se tem ou não poupanças e, se sim, qual a sua expressão, se tem ou não outras fontes de rendimento, por exemplo, de natureza imobiliária ou de capitais). Do mesmo modo que se desconhecem quais as suas competências profissionais, se tem ou não formação académica e qual, pois que, como é bom de ver, tal factualidade é essencial para avaliar a dificuldade que a mesma alega em relação à obtenção de novo emprego nos Estados Unidos da América.
A Requerente, com todo o respeito, não tem em devida conta que, uma coisa é sofrer prejuízos e incómodos em virtude da execução de um acto administrativo. Outra coisa, diferente, é esses prejuízos serem irreparáveis ou de difícil reparação. Segundo entendimento consolidado, «mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto» (assim, por todos, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 14.11.2009, tirado no processo n.º 33/2009).
Significa isto que, a nosso ver, a Requerente não se desincumbiu, minimamente que seja, do ónus que sobre si recaía de alegar factos concretos susceptíveis de consubstanciar o prejuízo irreparável que a lei exige para que o tribunal possa decretar a suspensão da eficácia de um acto administrativo.
Neste conspecto, parece-nos, pois, que se não demonstra estar preenchido o pressuposto do decretamento da providência a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser indeferido o pedido de suspensão de eficácia.».
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1) Factos
a) Em 17.12.2024 a Requerente A foi notificada do Despacho do Senhor Secretário para a Segurança que negou provimento ao recurso hierárquico que por si havia sido interposto do despacho que revogou a autorização de permanência para trabalhar com os seguintes termos:
«Avaliando o teor do despacho a fls. 72 do processo administrativo instrutor (P0001577533), pelo qual foi revogada a autorização de permanência na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), bem como da petição de recurso hierárquico, que aqui se dão por reproduzidos, verifico que a Recorrente alega, em suma, que o acto administrativo padece do vício de erro sobre os pressupostos de facto, violação do princípio da presunção de inocência e do princípio da proporcionalidade.
No que se refere à alegada violação do princípio da presunção de inocência, esta e improcedente, porquanto, segundo a jurisprudência firmada pelos tribunais da RAEM, o princípio universal de presunção de inocência tem o seu campo privilegiado de actuação no processo penal, o qual, tem realidades e finalidades próprias que não se confundem com o processo administrativo securitário.
A Administração, na sequência da actividade procedimental administrativa de natureza instrutória concluiu, que a Recorrente praticou factos susceptíveis de integrar a previsão do disposto da alínea 2) do n.º 2 do artigo 23.º da Lei n.º 16/2021. Ou seja, do ponto de vista securitário, existirem razões sérias para crer que a Recorrente praticou actos titicados como crime, o que constitui uma das formas legalmente admissíveis de demonstração da existência de perigo para a segurança ou ordem públicas.
O juízo sobre perigo para a segurança ou ordem pública, constitui-se como um conceito jurídico indeterminado, pelo que, a decisão penal condenatória ou, até a acusação, não são requisitos fundamentais, “in casu”, o juízo efectuado assenta em factos, que não foram fundamentadamente contrariados.
Quanto ao alegado vício de erro sobre os pressupostos de facto, o mesmo também não procede, porquanto os factos essenciais e instrumentais que serviram de fundamento ao acto recorrido foram correctamente julgados e assentes a prática do mesmo. Isto, sem esquecer que a Recorrente, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), limitou-se a impugnar alguns elementos probatórios oferecendo provas meramente circunstanciais, não tendo, todavia, feio uso do seu direito de requerer a realização de diligências probatórias no âmbito do procedimento administrativo, nos termos permitidos pelo disposto n.º 3 do artigo 94.º do CPA.
Por último quanto à violação do princípio da proporcionalidade, é consabido que o poder de revogar a autorização de permanência de um não residente é um poder discricionário a cargo da Administração.
O exercício de tal poder haverá de ser aferido em função do objectivo preconizado pela norma em causa, isto é, dos bens e interesses que se pretendem proteger e alcançar, sendo que os efeitos negativos invocados para a vida pessoal da Recorrente, não cabem no campo de proteção da norma em causa nem de outra que se sobreponha aos interesses públicos que se pretendem garantir. Ponderados todos os interesses em causa, não resulta que a decisão tenha violado de modo intolerável os interesses pessoais da Recorrente, os quais devem, necessariamente, ceder perante o relevante interesse público da segurança e ordem pública.
Assim, tudo ponderado, concluo que a decisão proferida é legal e adequada e está devidamente fundamentada, pelo que, ao abrigo do artigo 161.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, confirmo o acto recorrido, negando provimento ao presente recurso.».
2) Do Direito
De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
No caso dos autos o acto em causa revoga a autorização de permanência para trabalhar da Requerente, o qual, introduzindo uma alteração na situação jurídica da Requerente é manifestamente de conteúdo positivo.
Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, a saber:
Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
Vejamos então.
Acompanhamos o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público no que concerne à falta de demonstração do prejuízo de difícil reparação.
De concreto a Requerente apenas alega que tendo de regressar ao país de que é nacional dada a sua idade será difícil arranjar emprego.
Contudo, nada se diz nem se invoca quanto à situação patrimonial da Requerente, nada se sabe sequer quanto à ocupação profissional que a Requerente tinha em Macau, quanto auferia e onde residia, nada se diz quanto às competências e habilitações profissionais da Requerente.
É sustentado por alguns autores que sempre que não fosse possível a reconstituição específica, isto é a reconstituição da situação que existiria se o acto que se vem a apurar ser nulo não tivesse sido praticado, o prejuízo seria sempre irreparável.
Contudo, salvo melhor opinião não é esse o sentido da alínea a) do artº 121º do CPAC.
Como refere José Cândido de Pinho na obra indicada a pág. 215 na anotação 10 ao artº 121º “por muito merecedores de consideração que todos possam ser, o legislador só toma em boa conta os prejuízos que dificilmente possam ser reparados pelas vias normais ressarcitórias”, o que significa que o legislador na densificação do conceito “prejuízos de difícil reparação” não tinha em vista a reconstituição específica, mas a possibilidade de reparação através de compensação.
Caso assim não fosse haveria de se ter usado outra expressão que não “reparação” mas “reconstituição”, sendo certo que, temos sempre de presumir que o legislador se exprimiu da forma mais correcta de acordo com o pensamento e a intenção legislativa.
Assim sendo, não basta que a situação que existiria se o acto nulo não houvesse sido praticado não possa ser reconstituída para se concluir que já se verificou o prejuízo de difícil de reparação, havendo que invocar factos e demonstrar que não só a situação não pode ser reconstituída, como também que, os prejuízos que daí resultam não podem ser reparados ou que, podendo a situação ser reconstituída, os prejuízos que resultam de ter sido praticado o acto nulo ou anulável até ser expurgado não podem ser reparados.
Neste mesmo sentido vai a jurisprudência do Tribunal de Última Instância já sobejamente citada nas várias peças que integram o processo.
O que está em causa no conceito de prejuízo de difícil reparação é saber se o prejuízo é passível de ser compensado de modo a poder repará-lo equitativamente.
Não se invocando e menos ainda se demonstrando quaisquer elementos que minimamente permitam equacionar quais os prejuízos que possam resultar para a Requerente da revogação da autorização de residência, podendo-se apenas equacionar que sejam os resultantes da perda do salário – cujo valor se desconhece -, não há fundamento para admitir que não possam ser reparados através de acção indemnizatória.
Assim sendo, nada se alegando de concreto no sentido do referido prejuízo, impõe-se concluir não estar verificado o requisito da al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
Destarte, sem prejuízo dos disposto nos nº 2, 3 e 4 do indicado preceito - os quais não se aplicam no caso “sub judice” -, pese embora se acompanhe o parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público de que estão verificados os requisitos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 121º do CPAC, uma vez que não resultam indícios em sentido contrário, sendo de verificação cumulativa os requisitos previstos no nº 1, à míngua do da alínea a), impõe-se concluir no sentido do indeferimento da providência pedida.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos indefere-se o pedido de suspensão de eficácia do acto.
Custas a cargo da Requerente fixando-se a taxa de justiça em 4Uc´s.
Registe e Notifique.
RAEM, 06 de Fevereiro de 2025
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Seng Ioi Man
(1º Adjunto)
Fong Man Chong
(2º Adjunto)
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador do Ministério Público)
68/2025 SUSPENSÃO 18