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Processo nº 109/2024
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em audiência colectiva no Tribunal Judicial de Base responderam como 1ª, 2° e 3° arguidos, A (甲), B (乙) e C (丙), todos com os restantes sinais dos autos.

A final, realizado o julgamento, decidiu-se condenar:

►a (1ª) arguida A, como autora material e em concurso real, da prática de:
- 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147°, n.° 1 e 2 do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão;
- 1 crime de “dano”, p. e p. pelo art. 206°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 5 meses de prisão;
- 1 crime de “coacção grave (tentada)”, p. e p. pelo art. 149°, n.° 1, al. a), 148°, n.° 1 e 128° do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado (tentado)”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. g) e 128° do C.P.M., na pena de 10 anos de prisão; e,
- 1 crime de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e 6°, n.° 1, al. b) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 3 anos de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi a dita arguida A condenada na pena única de 13 anos e 3 meses de prisão.

►o (2°) arguido B, como autor material e em concurso real, da prática de:
- 1 crime de “coacção grave (tentada)”, p. e p. pelo art. 149°, n.° 1, al. a), 148°, n.° 1 e 138°, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão;
- 1 crime de “coacção grave (tentada)”, p. e p. pelo art. 149°, n.° 1, al. a), 148°, n.° 1 e 128° do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão;
- 1 crime de “homicídio qualificado (tentado)”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. g) e 128° do C.P.M., na pena de 10 anos de prisão; e,
- 1 crime de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. f) e 6°, n.° 1, al. b) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 3 anos de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi o dito arguido B condenado na pena única de 13 anos de prisão.

►o (3°) arguido C, como autor material e em concurso real, da prática de:
- 2 crimes de “coacção grave (tentada)”, p. e p. pelo art. 149°, n.° 1, al. a), 148°, n.° 1 e 128° do C.P.M., na pena de 1 ano de prisão cada;
- 1 crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art. 138°, al. d) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão; e,
- 1 crime de “ofensa simples à integridade física”, p. e p. pelo art. 137°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico, foi o arguido C condenado na pena única de 4 anos de prisão.

Em relação ao pedido de indemnização civil aí enxertado, decidiu-se condenar:
- os (1ª, 2° e 3°) arguidos, A, B e C, a pagar solidariamente ao 1° demandante D (丁) a quantia de MOP$513.826,00, e ao 2° demandante E (戊) a quantia de MOP$100.000,00;
- a (1ª) arguida A a pagar à 3ª demandante F (己) a quantia de MOP$3.000,00; e,
- o (3°) arguido C a pagar ao 2° demandante E a quantia de MOP$2.289,00, e à 3ª demandante F a quantia de MOP$5.000,00; (cfr., fls. 1481 a 1536-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Do assim decidido, recorreram para o Tribunal de Segunda Instância o 1° demandante (e assistente) D, e os ditos (1ª, 2° e 3°) arguidos, A, B e C; (cfr., fls. 1732 a 1758, 1673 a 1725, 1760 a 1787 e 1788 a 1803).

*

Por decisão sumária da Exma. Juiz Relatora de 14.06.2024, não se admitiu o recurso do aludido assistente quanto à “decisão crime”; (cfr., fls. 1977 a 1981).

*

Por Acórdão de 20.06.2024, (Proc. n.° 330/2024), decidiu-se negar provimento aos recursos dos 1ª, 2° e 3° arguidos, concedendo-se parcial provimento ao recurso do 1° demandante quanto à “decisão civil”, fixando-se o valor da sua indemnização por “incapacidade parcial permanente” em MOP$200.000,00, e quanto aos seus “danos não patrimoniais” em MOP$350.000,00; (cfr., fls. 2007 a 2043-v).

E, por Acórdão de 18.07.2024, confirmou-se a decisão de não admissão do recurso do assistente no que toca à “decisão crime”, julgando-se improcedente a reclamação apresentada; (cfr., fls. 2180 a 2189-v)

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Ainda inconformados, vêm agora os (1ª e 2°) arguidos A e B e o dito assistente D recorrer para esta Instância; (cfr., fls. 2115 a 2147, 2151 a 2164-v e 2250 a 2257).

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Em Resposta, foi o Ministério Público de opinião que os recursos não mereciam provimento; (cfr., fls. 2226 a 2232-v, 2233 a 2244 e 2262 a 2262-v).

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Oportunamente, nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer considerando também que os recursos deviam ser julgados improcedentes; (cfr., fls. 2280).

*

Adequadamente processados os autos, e colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos (nos termos do art. 52°, n.° 2 e 3 da Lei n.° 9/1999), cumpre decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Nos Acórdãos do Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância vem elencados – como “provados” e “não provados” – os seguintes factos:

“ 1.º
Antes do acontecimento do caso, a 1.ª arguida A tinha desavenças amorosas e pecuniárias com o seu ex-marido, ou seja, com o assistente D; pois essa andava convencida de que este tinha amantes e que lhe devia dinheiro por vários motivos, que incluía alimentos dos filhos.
2.º
Pelas 5h20 da tarde de 05/08/2022, a 1.ª arguida A chegou a casa do assistente D situada no [Edifício], Bloco IV, 11.º andar D que ficava na [Rua(1)]. Fez barulhos ao pé da porta do apartamento. O assistente D então abriu a porta em madeira do apartamento e os dois, separados pela porta de segurança em ferro, discutiram por causa dos alimentos dos filhos.
3.º
Entretanto, a 1.ª arguida A deu um pontapé à porta de segurança em ferro do apartamento, dizendo ao assistente D: “Se não me abres, verás que te faço em pedaços! Não te poupo nem morta!”
4.º
O apartamento era propriedade da mãe do assistente D, ou seja, pertencia à vítima F, que lhe servia de morada a si própria e ao marido, ou seja, ao assistente E (o pai do assistente D).
5.º
Com o seu dito, a 1.ª arguida A aludia à eventualidade de colocar em perigo a vida do assistente D, o que foi bastante para o perturbar ou horrorizar.
6.º
De resto, o pontapé dado pela 1.ª arguida A amolgou e deformou a porta de segurança em ferro. Alargou a fenda da porta de quando ficava fechada. A reparação custou cerca de MOP3.000,00 (cfr. fls. 681 dos autos).
7.º *
A partir de não mais tarde que os meados de Agosto de 2022, o 2.º arguido B, i.e., o namorado da 1.ª arguida A, que já aguentava mais que esta andasse contrariada por causa das disputas relativas às questões amorosas e pecuniárias entre a 1.ª arguida A e o seu ex-marido assistente D, anunciava à 1.ª arguida A que ia matar o assistente D.
8.º
Ouvido isso, a 1.ª arguida A não o dissuadiu; antes até incitava 2.º arguido B em tom provocatório, dando a entender que a promessa se fazia só se era capaz de fazer o que prometera; que não se falasse à toa. Até fez um melodrama, pedindo ao 2.º arguido B que apagasse as fotos de casal deles dois, para que a apagasse da memória uma vez por todas, o que nada fez senão reforçar ainda mais a determinação do 2.º arguido B de ferir e até mesmo matar o assistente D (cfr. fls. 626v a 627 dos autos).
9.º
Em 20 de Agosto do mesmo ano, o 2.º arguido B mandou a seguinte mensagem ao assistente D através de um app chat de telemóvel: “Ó tu safado do poltrão D, que andas escondido dentro de [Edifício], não te atreves a sair?... Te parto as pernas se te apanho, que não pagas as dívidas” (cfr. fls. 542 dos autos)
10.º
Com a sua mensagem, o 2.º arguido B deu a entender que se o assistente D não pagasse as dívidas, então viria a agredi-lo fisicamente de forma grave, o que foi bastante para o perturbar e horrorizar. A mensagem do 2.º arguido B servia precisamente para que o assistente D, todo perturbado e horrorizado, viesse a liquidar as dívidas que supostamente contraira junto da 1.ª arguida A.
11.º
Só que o assistente D andava indomável na mesma.
12.º **
A partir de um momento não mais tarde que pelas 11h00 da manhã de 28/08/2022, a 1.ª arguida A e o 2.º arguido B resolveram-se a acabar com o assistente D; ou, no mínimo dos mínimos, a feri-lo fisicamente de forma grave (cfr. fls. 632 a 634v dos autos)
13.º
Na noite de 28/08 do mesmo ano, o 2.º arguido B, chegado algures perto da morada acima referida, armou uma emboscada e pôs-se à espreita para vingar-se no assistente D pela 1.ª arguida A, exigindo-lhe pagar os alimentos dos filhos, assim como outras dívidas (cfr. fls. 613 e 633v dos autos).
14.º
O 2.º arguido B meteu então no saco que trazia uma faca metálica que arranjara de antemão, bem escondida, para usá-lo a agredir o assistente D, tirando-lhe inclusivamente a vida.
15.º
A faca acima referida media ao total 23cm de comprimento, com a lâmina de cerca de 12,3cm (cfr. fls. 286 a 287 dos autos).
16.º
Ao lado do 2.º arguido B à espreita, a 1.ª arguida A ora o assistia na vigia ao redor, ora vagava de carro por aí à procura do assistente D. Até substituía o 2.º arguido B para este descansar um pouco.
17.º
Pela 1h06 da madrugada de 29 de Agosto do mesmo ano, a 1.ª arguida A, portando o filho consigo, entrou no vestíbulo do bloco IV do [Edifício], apanhou o elevador e chegou à casa do assistente D acima referida, para voltar a exigir-lhe o pagamento das dívidas e dos alimentos.
18.º
Antes de a 1.ª arguida A subir, o 2.º arguido B já a avisara de que levava consigo a faca e lhe confiara o seu intento. A 1.ª arguida A não só não o demoveu, mas também aderiu ao plano e se solidarizou com ele, mostrando-lhe apoio tanto moral como verbalmente. Conluiaram-se para pôr em prática a trama acima referida. Entretanto, a 1.ª arguida A mostrava-se muito atenciosa e carinhosa para com 2.º arguido B. De resto, os dois acertaram agulhas acerca dos detalhes das operações futuras.
19.º
Enquanto a 1.ª arguida A avançava para o apartamento acima referido, o 2.º arguido B ficava à espera ao pé do edifício. Mantinha o contacto com a 1.ª arguida A por apps de telecomunicação. Até lhe assegurou que já subiria, faca na mão, se fosse necessário; que bastaria uma ordem dela para este esfaquear até à morte o assistente D; que o faria também caso o assistente D se comportasse mal para com 1.ª arguida A. Quanto a isso, a 1.ª arguida A não objetou.
20.º
Só que a polícia acorreu ao local para pôr fim à perturbação. Então a 1.ª arguida A deixou a morada do assistente D pelas 2h00 da madrugada daquele mesmo dia juntamente com o filho. Mas juntou-se ao 2.º arguido B que ficava ao pé do edifício, à espera do assistente D (cfr. fls. 477 a 488 dos autos)
21.º
Pelas 5h21 da manhã do mesmo dia, para prover às acções que ia tomar a seguir, a 1.ª arguida A foi de carro para o [Posto de Abastecimento de Combustíveis]. Pediu ao funcionário encher de gasolina o tanque que trazia. Depois, colocou-o dentro do carro (cfr. fls. 452 a 454v dos autos)
22.º
Pelas 6h15 da manhã do mesmo dia, o 3.º arguido C, ou seja, o pai da 1.ª arguida A, informado pelo 2.º arguido B por meio do [Aplicação de Rede Social] de que a 1.ª arguida A estava à espreita para apanhar desprevenido o assistente D; sobreveio a toda a pressa e chegou à entrada do bloco IV do [Edifício] para ter com a 1.ª arguida A e o 2.º arguido B. Depois encontrou-se com eles (fls. 163 a 164 dos autos)
23.º
Pelas 8h00 da manhã do mesmo dia, o assistente E (o pai do assistente D) deparou-se com o 2.º arguido B à saída do bloco IV do [Edifício], a 1.ª arguida A e o 3.º arguido C.
24.º
O 3.º arguido C desatou aos gritos, exigindo ao assistente E o pagamento das dívidas que pretendia que o assistente D tivesse contraído, lançando ao assistente E aos berros ditos como: “Que D devolva o dinheiro, senão te matam a família toda!” “Vais ver que arranjo alguém para matar-te toda a família!”
25.º
Visto isso, a 1.ª arguida A pôs-se a gritar ao 2.º arguido B, para que o assistente E ouvisse: “Vai lá buscar a gasolina. Se não me devolve o dinheiro, vou levar ambos os filhos à porta dele. Ponho fogo e morremos todos juntos!”
26.º
Tendo tomado a deixa, o 2.º arguido B foi para junto do carro da 1.ª arguida A, extraiu o tanque de gasolina acima referido e estava para deitá-la ao chão.
27.
Pouco depois, a ofendida F saiu do bloco 4 do [Edifício], os três arguidos viram-na e exigiram-lhe o pagamento do dinheiro que achavam que o assistente D lhes devia.
28.
Durante o período, o 3.º arguido C disse à ofendida F: “Vou te matar, não te deixo ir, vou queimar toda a tua família!”
29.
(Não provado)
30. (Parcialmente provado)
A seguir, reparada a situação, o assistente E e a ofendida F viraram-se e voltaram à residência.
31. (Parcialmente provado)
As palavras proferidas pelo 3.º arguido C e pela 1.ª arguida A ao assistente E, incluindo as proferidas pela 1.ª arguida A ao 2.º arguido B mas realmente destinadas a ser ouvidas pelo assistente E, conjugadas com a conduta do 2.º arguido B de levar consigo a lata de gasolina, implicaram que se a família D não restituísse a dívida, os três arguidos iriam praticar actos que poriam em risco vidas da família D, e tais palavras eram suficientes para provocar medo ou inquietação no assistente E.
32.
Os três arguidos agiram de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, com o fim de fazer agir o assistente E por causa da referida inquietação ou medo, promovendo assim o pagamento do dinheiro que os arguidos achavam que o assistente D lhes devia.
33. (Parcialmente provado)
As palavras proferidas pelo 3.º arguido C à ofendida F, implicaram que se a família D não restituísse a dívida, o arguido iria praticar actos que poriam em risco vidas da família D, e tais palavras eram suficientes para provocar medo ou inquietação na ofendida F, tendo como objectivo fazer agir a ofendida F por causa da referida inquietação ou medo, promovendo assim o pagamento do dinheiro que os arguidos achavam que o assistente D lhes devia.
34. (Parcialmente provado)
Depois, o assistente E e a ofendida F não se submeteram por causa das aludidas palavras e condutas, não pagaram em pessoa ou deixaram o assistente D pagar o dinheiro que os referidos três arguidos achavam que o assistente D lhes devia.
35.
A seguir, o assistente E e a ofendida F que voltaram à residência chamaram a polícia pedindo auxílio.
Por sua vez, os três arguidos ainda deambularam nas proximidades do referido edifício à espera do assistente D. Durante o período, a 1.ª arguida A e o 2.º arguido B continuaram a discutir, através do software de comunicação de telemóvel, os detalhes de acções futuras. Durante a discussão, o 2.º arguido B perguntou à 1.ª arguida A se deveria apunhalar o assistente D com faca à primeira vista, dizendo que a 1.ª arguida A poderia vê-lo actuar e o assistente D morreria sem dúvida; por outro lado, a 1.ª arguida A disse ao 2.º arguido B que se o assistente D se submetesse ao pagamento solicitado por eles, poderia adiar o emprego de violência física no momento, e depois usar o dinheiro pago para contratar assassino para matar o assistente (vide as fls. 181 a 187v dos autos).
36.
No mesmo dia, pelas 12h00, o 3.º arguido C, o 2.º arguido B, e a 1.ª arguida A chegaram sucessivamente ao “[Loja(1)]” sito na [Rua(2)], para tomar refeição.
37.
No mesmo dia, pelas 01h06 da tarde, o 2.º arguido B descobriu que o assistente D estava passando pela rua em frente, então pegou de imediato numa garrafa de vidro na porta do estabelecimento de comidas e saiu do estabelecimento para perseguir o assistente D, e, reparada a situação, a 1.ª arguida A e o 3.º arguido C também foram embora para perseguir (vide as fls. 245 a 255 dos autos).
38.
Após ter alcançado o assistente D, o 2.º arguido B brandiu imediatamente a garrafa de vidro para agredi-lo, envolvendo-se assim os dois na briga. Após a chegada ao local, a 1.ª arguida A agrediu de imediato o assistente D junto com o 2.º arguido B, e o assistente, derrotado, fugiu em direcção ao estabelecimento de comidas “[Loja(2)]” sito na mesma estrada (vide as fls. 245 a 255 dos autos).
39.
Quando chegou à porta do “[Loja(2)]”, o assistente D foi alcançado de novo pelo 2.º arguido B e pela 1.ª arguida A, e estes dois arguidos, em conjugação de esforços, empurraram o assistente D para dentro do estabelecimento e impediram-no de sair (vide as fls. 256 a 260v dos autos).
40.
A seguir, o 2.º arguido B pegou numa pinça de cozinha acima do fogão para apunhalar ininterruptamente o assistente D, e, ao mesmo tempo, a 1.ª arguida A também agrediu o assistente D usando a chave do carro como arma para picar as suas costas ininterruptamente (vide as fls. 256 a 259, 260v a 262, 286 e 288 dos autos).
41.
No mesmo dia, pelas 01h08 da tarde, tendo conhecimento do ataque contra o assistente D, o assistente E deslocou-se ao estabelecimento “[Loja(2)]” em seu socorro, mas o 3.º arguido C agarrou-se a este fora do estabelecimento, impediu-o de entrar para ajudar o assistente D, e durante o período, ainda agrediu o assistente E com socos.
Neste momento, ao chamamento da 1.ª arguida A, o 3.º arguido C também entrou no respectivo estabelecimento de comidas, e agrediu o assistente D com socos e pontapés (vide as fls. 256 a 259, 262v a 265 dos autos).
42.
Pelas 01h10 da tarde do mesmo dia, o 2.º arguido B chamou a 1.ª arguida A para retirar da mochila dele e entregar-lhe a supracitada faca metal preparada, a arguida fez o que lhe foi dito, e o 2.º arguido pegou na respectiva faca afiada, usando-a para agredir o assistente D (vide as fls. 256 a 259, 264v, e 265v dos autos).
43.
Reparada a situação, o assistente D fez resistência, gritou em voz alta: “Me está matando! Socorro!”, e agarrou a lâmina da faca com a mão esquerda para evitar que fosse apunhalado no corpo.
44. (Parcialmente provado)
Durante o período, a 1.ª arguida ainda agrediu o assistente D junto com o 2.º arguido.
45. (Parcialmente provado)
Finalmente, o 2.º arguido B enterrou a respectiva faca afiada no peito esquerdo do assistente D mais do que uma vez, e em consequência, o assistente D perdeu a consciência, e das suas feridas escorreu grande quantidade de sangue no chão (vide as fls. 83 a 106 dos autos). O incidente alarmou imediatamente as pessoas presentes, e o 2.º arguido B atirou a faca afiada para o fogão.
46.
No mesmo dia, pelas 01h11 da tarde, a 1.ª arguida A viu que o assistente D foi gravemente agredido com sucesso e que estiveram alarmadas as pessoas presentes, pelo que saiu da loja.
47.
As referidas condutas de agressão dos três arguidos B, A e C causaram directa e necessariamente ao assistente D várias lesões resultantes de instrumento contundente no corpo direito, lesões inchadas no osso zigomático esquerdo e na aurícula da orelha esquerda, inchaço na parte esquerda da testa, e uma ferida penetrante no peito esquerdo, que atingiu os lobos superior e inferior do pulmão esquerdo e causou o hemotórax e o pneumotórax, resultando na necessidade de operação cirúrgica e transfusão de grande quantidade de sangue; bem como entrada de ar no pulmão devido às lesões dos vasos sanguíneos, e feridas cortantes e perfurantes no corpo (vide o parecer clínico de medicina legal constante das fls. 549 a 551 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
48.
As lesões causadas pela agressão acima referida provocaram perigo para a vida do assistente D, que, felizmente, foi salvado com todo o esforço dos passageiros e do pessoal médico que chegara ao local.
49. (Parcialmente provado)
Os dois arguidos A e B ainda agiram de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, ao agredir o assistente D com intenção de lhe tirar a vida, só que não tiveram sucesso por motivo alheio à sua vontade.
O 3.º arguido, a pedido da 1.ª arguida, agrediu dolosamente o 1.º assistente. Ademais, durante o período, o 3.º arguido, sabendo que a 1.ª arguida e o 2.º arguido estavam a agredir o assistente D, ainda impediu o 2.º assistente de prestar socorro, aceitando assim a possibilidade de graves lesões ao corpo do 1.º assistente causadas pela 1.ª arguida e pelo 2.º arguido.
50.
Na verdade, até ao fim do incidente, a 1.ª arguida A e o 2.º arguido B nunca deitaram a resolução referida no artigo 12.º da acusação.
51.
Por outro lado, pelas 01h08 da tarde do mesmo dia, tendo conhecimento do ataque contra o assistente D, o assistente E deslocou-se ao estabelecimento “[Loja(2)]” em seu socorro, mas o 3.º arguido C agarrou-se a este fora do estabelecimento, impediu-o de entrar para ajudar o assistente D, e durante o período, ainda agrediu o assistente E com socos.
52.
Pelas 01h10 da tarde do mesmo dia, o assistente E teve sucesso em entrar no estabelecimento de comidas “[Loja(2)]”, e pretendeu impedir os três arguidos de continuar a agredir o assistente D, mas foi novamente agredido pelo 3.º arguido C, que por sua vez, expulsou o assistente do estabelecimento, perseguindo-o e atacando-o (vide as fls. 256 a 259, 263 a 265v, 269 a 274 dos autos).
53.
As referidas condutas de agressão do 3.º arguido C causaram directa e necessariamente ao assistente E contusões na órbita direita, fracturas das paredes orbitárias inferior e interior, contusões no lado esquerdo da caixa torácica, e fracturas da 6ª costela e dos antebraços, ambas por avulsão, as quais necessitaram de 30 dias para se recuperarem (vide o parecer clínico de medicina legal constante das fls. 290 a 291 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
54.
Os três arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as referidas condutas.
55.
Os três arguidos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*
Foram ainda provados os seguintes factos em audiência:
De acordo com o certificado de registo criminal, os três arguidos são delinquentes primários.
A 1.ª arguida alegou ser desempregada antes de ser presa preventivamente, tem o pai e dois filhos a seu cargo, e tem como habilitação literária o 3.º ano do ensino secundário.
O 2.º arguido alegou ser barbeiro antes de ser preso preventivamente, auferia mensalmente MOP10.000, tem um filho a seu cargo e tem como habilitação literária o ensino primário.
O 3.º arguido alegou ser desempregado, recebia mensalmente o subsídio de MOP2.800, tem um filho a seu cargo e não recebeu qualquer educação.
*
(II) Factos provados pertinentes ao pedido cível
Após a audiência de julgamento, para além dos factos compatíveis com os factos provados constantes da acusação, ainda foram provados os seguintes factos alegados no pedido cível:
1.º demandante cível D
Os factos constantes dos artigos 1.º a 58.º do pedido cível, desde que idênticos aos factos provados constantes da acusação, dão-se aqui por provados e integralmente reproduzidos.
Artigos 64.º e segs.:
Os três demandados cíveis A, B e C, em conjugação de esforços, agrediram o 1.º demandante cível D, causando-lhe directa e necessariamente várias lesões resultantes de instrumento contundente no corpo direito, lesões inchadas no osso zigomático esquerdo e na aurícula da orelha esquerda, inchaço na parte esquerda da testa, e uma ferida penetrante no peito esquerdo, que atingiu os lobos superior e inferior do pulmão esquerdo e causou o hemotórax e o pneumotórax, resultando na necessidade de operação cirúrgica e transfusão de grande quantidade de sangue; bem como entrada de ar no pulmão devido às lesões dos vasos sanguíneos, e feridas cortantes e perfurantes no corpo (para a perícia concreta, vide as fls. 549 a 551 dos autos).
As lesões causadas pela agressão acima referida provocaram perigo para a vida do 1.º demandante cível D, que agora permanece vivo.
Para além de ficar ferido em várias partes do seu corpo, o 1.º demandante cível D também sofreu leões do pulmão na cavidade torácica, e precisou submeter-se à consulta médica na Cirurgia Torácica do Centro Hospitalar Conde de S. Januário/dos Serviços de Saúde. (para a perícia concreta, vide as fls. 549 a 511 dos autos e o Doc. 2)
A referida agressão também causou ao 1.º demandante cível D lesões inchadas no osso zigomático esquerdo e na aurícula da orelha esquerda, e inchaço na parte esquerda da testa.
O 1.º demandante cível D também precisou submeter-se à consulta médica na Cirurgia Plástica do CHCSJ/SS. (para a perícia concreta, vide as fls. 549 a 551 dos autos e o Doc. 3)
No dia em que foi agredido, o 1.º demandante cível D foi submetido a tratamento urgente, e ficou internado no CHCSJ por um total de 10 dias, só tendo alta no dia 7 de Setembro do mesmo ano. (Doc. 4)
Quando teve alta do hospital, o 1.º demandante cível D ainda não se recuperou completamente, e devido aos pensos das feridas no peito esquerdo e nos braços, era restrita a movimentação da parte superior do seu corpo. (Doc. 5)
O 1.º demandante cível D precisou deslocar-se ao CHCSJ/SS por várias vezes, para receber tratamento e exame médicos, ficar internado, comprar medicamentos e submeter-se à consulta para acompanhamento, e as despesas emergentes durante o período totalizam dezasseis mil e trezentas e vinte e seis patacas (MOP16.326,00).
Antes da ocorrência dos factos, o 1.º demandante cível D trabalhava como motorista do automóvel ligeiro de aluguer (doravante designado por “táxi”, de matrícula M-XX-XX), auferindo mensalmente mais de quinze mil patacas (MOP15.000,00).
Por causa das lesões sofridas desde a ocorrência dos factos até ao presente, o 1.º demandante cível D ainda não pode voltar a exercer a actividade profissional de motorista de táxi.
(…)
Pelo menos desde 05 de Agosto de 2022, a 1.ª demandada civil, A, e o 2.º demandado civil, B, começaram a ameaçar muitas vezes o 1.º demandante civil, D, dizendo que iam ferir gravemente o seu corpo e tirar-lhe a vida.
Antes de praticar o acto de matar o 1.º demandante civil, D, os três demandados civis, A, B e C, ameaçaram publicamente o 2.º demandante civil, E e F que iam fazer mal à família deles.
No ataque dos três demandados civis, A, B e C, ao 1.º demandante civil, D, o 2.º demandante civil, E, teve conhecimento de que o 1.º demandante civil, D, foi atacado e correu para salvar e ajudá-lo, mas foi impedido e atacado muitas vezes pelo 3.º demandado civil, C.
O 3.º demandado civil, C, atacou o 2.º demandante civil, E, o que causou directa e necessariamente ao 3.º demandante civil contusão orbital direita, fracturas das paredes infraorbitárias e internas, contusão torácica esquerda, fracturas do sexto arco costa e dos dois antebraços, ambos apresentavam lacerações, o tempo de recuperação levou cerca de 30 dias (vd. o relato pericial de fls. 290-291 dos autos).
O 2.º demandante civil, E necessitava de receber no Centro Hospitalar Conde de São Januário/Serviços de Saúde de Macau tratamentos médicos, submeter-se aos exames, internamento, bem como de comprar medicamentos. O total das despesas incorridas é de duas mil, duzentas e oitenta e nove patacas (MOP2.289,00).
Desde o ataque até agora, o 1.º demandante civil, D, e os seus pais (incluindo o 2.º demandante civil, E) sentem-se assustados, amedrontados e ansiosos e perdem a sensação de segurança pelo mundo exterior, estando sempre preocupados com que os três demandados civis, A, B e C, continuem a fazer-lhes mal e a tirar vingança.
As emoções negativas acima mencionadas têm piorado a saúde mental dos 1.º e 2.º demandantes civis, D e E.
A ocorrência deste caso e os danos causados deixaram uma sombra psicológica ao demandante, E.
Pedido adicional:
Em 03 de Novembro de 2023, a conclusão da “perícia da junta médica” elaborada, de forma singular, pelo Dr. G, médico da medicina legal do Centro Hospitalar Conde de São Januário, refere o seguinte: (fls. 1329 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
As Lesões Traumáticas sofridas por E estão curadas, na perspectiva do médico-legal, tendo demandado cem (100) dias de doença para tal.
Pelas lesões sofridas, ao 2.º autor foi determinada uma incapacidade absoluta temporária de 100 dias. O mesmo já recuperou das lesões.
(…)
(II) Factos não provados
Realizada a audiência de julgamento, existem alguns factos nesta causa que não correspondem aos factos provados constantes da acusação:
♦ (Ponto 29) Neste momento, o 2.º arguido, B, disse também à vítima, F, que “acredita ou não que vou queimar a tua família toda?”
♦ (Ponto 30) Em seguida, a 1.ª arguida, A, gritou ao assistente, E, que “logo leva os teus filhos para morrerem juntos!”
♦ (Ponto 33) As palavras do 2.º arguido, B, eram suficientes para fazer com que a vítima, F, se sentisse inquieta ou assustada.
♦ (Ponto 44) Enquanto estavam em um impasse, a 1.ª arguida, A, pegou na faca afiada entregue pelo 2.º arguido, B, e golpeou com ela o braço esquerdo do assistente, D.
♦ (Ponto 45) A 1.ª arguida, A, entregou de novo a faca ao 2.º arguido, B.
♦ (Ponto 49) Os três arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, no sentido de atacar o assistente, D, causando-lhe lesões corporais graves.
~
São considerados não provados os demais factos elencados no pedido civil apresentado pelos 1.º e 2.º demandantes civis que não correspondem aos factos provados supra referidos, ou não têm qualquer ligação com o objecto da acção, nomeadamente os pontos 29 a 31, 33, incluindo ainda os pontos 51 a 52:
♦ Durante a agressão, o 3.º demandado civil, C, tendo conhecimento de que o 2.º demandado civil, B, atacou com faca o 1.º demandante civil, D, ainda continuou a dar murros e pontapés ao 1.º demandante civil, D, agravando os ferimentos do mesmo. O 1.º demandante civil, D, foi agredido por várias pessoas, o que enfraqueceu a sua capacidade de defesa e resultou em que o mesmo não conseguisse evitar a agressão fatal feita pelo 2.º demandado civil, B. (correspondente ao ponto 51 do pedido civil)
♦ No decorrer da agressão, o 3.º demandado civil, C, podia prever necessariamente que o 1.º demandante civil, D, poderia morrer como resultado, mas não parou tal comportamento, ao contrário, agrediu o 1.º demandante civil, D, com murros e pontapés, colocando-o em maior risco e a sua vida em perigo. (correspondente ao ponto 52 do pedido civil)
~
São considerados não provados os demais factos elencados no pedido civil apresentado pela 3.ª demandante civil que não correspondem aos factos provados supra referidos, ou não têm qualquer ligação com o objecto da acção, nomeadamente:
♦ Na altura em que os demandados civis, A e B, encontraram a demandante civil, F, no rés-do-chão do [Edifício], ameaçaram-na abertamente de ir fazer mal à família toda dela”; (cfr., fls. 1489-v a 1498, 2011 a 2019-v e 6 a 13-v do Apenso).

Do direito

3. Vêm os (1ª e 2°) arguidos A e B, assim como o assistente D, recorrer do que pelo Tribunal de Segunda Instância foi decidido em sede dos presentes autos e que atrás se deixou referenciado.

Em síntese, entende a (1ª) arguida A que a decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância padece dos vícios de “erro notório na apreciação da prova”, “nulidade por falta de fundamentação” e “excesso de pena”.

Por sua vez, afirma o (2°) arguido B que o Acórdão recorrido padece dos vícios de “violação do princípio in dubio pro reo”, “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “erro na aplicação do direito”, “nulidade por falta de fundamentação” e “excesso de pena”.

Por fim, imputa também o assistente D ao Acórdão recorrido de 18.07.2024 que confirmou a decisão de não admissão do seu recurso relativamente à “acção crime” o vício de “errada aplicação de direito”, pugnando assim pela admissão do seu (anterior) recurso, com a consequente devolução dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para nova decisão.

Da reflexão que sobre o decidido e agora alegado e concluído nos foi possível efectuar, eis o que se nos mostra de consignar.

3.1 Por uma questão de “lógica”, começa-se pelos “recursos do 1ª e 2° arguidos, (A e B)”.

Pois bem, antes de mais, (transitada já estando a “decisão sobre o pedido de indemnização civil”), há que dizer – e clarificar – que em conformidade com o estatuído no art. 390°, n.° 1, al. f) e g) do C.P.P.M., os atrás aludidos recursos dos (1ª e 2°) arguidos apenas podem incidir sobre o “segmento decisório” que os condenou pela prática do crime de “homicídio qualificado na forma tentada”, (pois que a restante decisão do Tribunal de Segunda Instância não é susceptível de recurso para este Tribunal de Última Instância).

Isto dito, e não estando este Tribunal de Última Instância vinculado a conhecer das “questões” trazidas para apreciação na mesma ordem em que elas são pelos recorrentes colocadas, vejamos.

Como em apertada síntese se deixou relatado, com os seus recursos afirmam os recorrentes – (1ª e 2°) arguidos A e B – que a decisão recorrida padece de “falta de fundamentação”, “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova”, “violação do princípio in dubio pro reo”, “errada qualificação jurídica”, e, por fim, “excesso de pena”.

Ora, eis o que sobre tais “questões” se nos mostra de consignar.

–– Da imputada “falta de fundamentação”.

Sob a epígrafe “Requisitos da sentença” prescreve (actualmente) o art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. que:

“Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”; (redacção introduzida pela Lei n.° 9/2013).

E, relativamente à dita “fundamentação” já teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar que:

“A nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. ‘reforçou’ o dever de fundamentação, exigindo (agora) o ‘exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal’, suficiente (já) não sendo uma (mera) ‘enumeração dos elementos probatórios’ a que se atendeu com a afirmação (conclusiva) de que se lhes deu crédito, evidente sendo assim que o Tribunal deve, (na medida do possível, e ainda que de forma concisa), expor também os ‘motivos’ que o levaram a atribuir relevo e/ou crédito aos elementos probatórios de que se serviu para decidir a matéria de facto da forma que fez.
Porém, se é certo que com a nova redacção do art. 355°, n.° 2 do C.P.P.M. se pretendeu acabar com a chamada ‘fundamentação tabelar’, igualmente certo é que com a mesma não se quis introduzir a exigência de uma fundamentação ‘exaustiva’ relativamente a todos os ‘pontos’, ‘pormenores’ ou ‘circunstâncias’ da matéria de facto.
Não se pode esquecer que o comando em questão faz, (continua a fazer), referência a ‘uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa…’, não se podendo igualmente olvidar que a ‘fundamentação do Tribunal’ não é o segmento da sentença ou acórdão com o qual se tenta dar resposta a toda e qualquer (eventual e possível) questão (ou dúvida) que os sujeitos processuais possam (ou venham a) ter, (esgotando-se, em absoluto, o tema sobre eventuais e hipotéticas questões), destinando-se, antes, a expor e a permitir conhecer os ‘motivos que levaram o Tribunal a decidir (a matéria de facto) da forma como decidiu’, (acolhendo, ou não, uma ou mais versões apresentadas e discutidas em audiência de julgamento), devendo-se ter – sempre – em conta os ‘ingredientes do caso concreto’”; (cfr., v.g., os Acs. de 30.07.2021, Proc. n.° 104/2021 e de 29.09.2023, Proc. n.° 81/2023).

In casu, em face do teor da “fundamentação” pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base abundante e detalhadamente exposta sobre as razões da sua convicção no que toca à “conduta criminosa” que aos ora recorrentes foi imputada na acusação pública deduzida, (cfr., fls. 1498 e segs.), e que, foi objecto de integral confirmação pelo Acórdão agora recorrido, (cfr., nomeadamente, fls. 2036-v e segs.), evidente se nos apresenta que a mesma não justifica qualquer censura.

Na verdade, basta uma mera leitura à “fundamentação” exposta para se alcançar, claramente, dos motivos que levaram o Tribunal Judicial de Base (e o Tribunal de Segunda Instância) a decidir, (e confirmar), a matéria de facto provada, manifesto se nos apresentando que se limitam os recorrentes a invocar o “vício” em questão sem nenhuma razão, pois que não o especificam, nem tão pouco rebatem os “motivos” pelo Colectivo de Juízes concretamente expostos no seu Acórdão, pouco mais se mostrando de acrescentar sobre a questão.

De facto, e como temos repetidamente referido, o vício de “falta de fundamentação” não equivale à sua “insuficiência”, (que, de qualquer forma, no caso, também não ocorre), e a eventual “discordância” com o que se expôs a tal propósito também não equivale à sua “falta”.

–– Da alegada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Pois bem, como repetidamente tem esta Instância considerado, o vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” traduz-se na “falta de investigação” e de “pronúncia” sobre os “elementos fácticos” que permitam a integração na previsão típica criminal por falência de matéria integrante do seu tipo “objectivo” ou “subjectivo”, ou, até, de uma qualquer “circunstância modificativa” (agravante ou atenuante), sendo, por sua vez, de se considerar que inexiste qualquer “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento; (sobre o sentido e alcance do vício em questão, cfr., v.g., e entre outros, o Ac. deste T.U.I. de 27.11.2020 Proc. n.° 193/2020, de 05.05.2021, Proc. n.° 40/2021, de 30.07.2021, Proc. n.° 104/2021, de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023 e de 01.11.2023, Proc. n.° 82/2023).

E, no caso dos presentes autos, analisando o teor do Acórdão do Tribunal Judicial de Base, assim como do agora recorrido, do Tribunal de Segunda Instância, e ponderando, igualmente, no que pelos ora recorrentes alegado vem, evidente se nos apresenta que não ocorre o “vício” em questão, pois que não se incorreu em (qualquer) “omissão de investigação” e (expressa e adequada) “pronúncia” relativamente a qualquer dos “factos objecto do presente processo”, tendo os Tribunais em questão apurado e decidido tudo o que de relevante havia e que ao dito “objecto” lhes cabia decidir.

–– Do assacado “erro notório na apreciação da prova”.

Também aqui temos – repetidamente – afirmado que apenas existe o dito “erro” quando “se violam as “regras sobre o valor da prova vinculada”, as “regras de experiência” ou as “legis artis”, devendo ser um “erro ostensivo” e de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”, e, “assim, visto estando que o “erro notório na apreciação da prova” nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que o Tribunal devia ter dado relevância a determinado meio de prova – sem “especial valor probatório” – para formar a sua convicção (e assim dar como assente determinados factos), visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da “livre apreciação da prova” e de “livre convicção” do Tribunal”; (cfr., v.g., e para citar os mais recentes, os Ac. deste T.U.I. de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022 e 12/2022, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022, de 21.09.2022, Proc. n.° 78/2022, de 13.01.2023, Proc. n.° 108/2022, de 03.03.2023, Proc. n.° 97/2022, de 29.09.2023, Procs. n°s 71/2023 e 81/2023, de 01.11.2023, Proc. n.° 82/2023, de 26.01.2024, Proc. n.° 98/2023-I, de 08.03.2024, Proc. n.° 9/2024-I e de 05.06.2024, Proc. n.° 43/2024).

De facto, (e abreviando), não se pode olvidar que é na audiência de julgamento que se produzem e avaliam (todas) as provas, (cfr. art. 336° do C.P.P.M.), sendo da análise (global) do seu conjunto e no uso dos seus poderes de “livre apreciação da prova” conjugados com as regras da experiência, (cfr. art. 114° do mesmo código), que os julgadores adquirem a “convicção” sobre os factos objecto do processo, não bastando uma “dúvida pessoal”, ou uma mera “possibilidade ou probabilidade”, para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Nesta conformidade, e, em face do sentido e alcance que se considera dever ter o conceito de “erro notório” que se deixou exposto, patente se mostra a solução para esta questão.

Com efeito, a atrás retratada “matéria de facto” apresenta-se clara e coerente, assentando numa “convicção” lógica e de forma explícita e convincentemente justificada na (generosa e detalhada) fundamentação exposta no Acórdão do Tribunal Judicial de Base que, como se viu, foi também integralmente acolhida pelo Tribunal de Segunda Instância, nenhuma censura merecendo.

–– Quanto à alegada “violação do princípio in dubio pro reo”, vejamos.

Este Tribunal de Última Instância tem (repetidamente) afirmado que o “princípio in dubio pro reo” só actua em caso de “dúvida insanável”, “razoável” e “motivável”, definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”, pelo que para fundamentar essa “dúvida”, e impor a absolvição, não basta que tenha havido “versões dispares” ou mesmo “contraditórias”, sendo antes necessário que perante a “prova produzida”, reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – (alguma) dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”, (neste sentido, e com maior desenvolvimento, vd., v.g., os Acs deste T.U.I. de 02.07.2021, Proc. n.° 97/2021, de 11.03.2022, Proc. n.° 12/2022, de 14.04.2023, Proc. n.° 29/2023-I, de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023, de 01.11.2023, Proc. n.° 82/2023 e de 19.06.2024, Proc. n.° 46/2024).

Por isso, para a sua “violação”, exige-se a comprovação de que o Juiz – e não o recorrente – tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido “contra o arguido”, (sendo ainda de se exigir que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num “estado de dúvida” quanto aos factos que devia dar por “provados” ou “não provados”).

E, percorrendo-se a decisão do Tribunal Judicial de Base que, como se referiu, contém abundante e detalhada fundamentação quanto à sua decisão, (e à ora recorrida do Tribunal de Segunda Instância), claro é que nenhuma “dúvida”, ainda que meramente “aparente”, existiu ou existe, mais não se mostrando de aqui consignar sobre o imputado vício.

–– Da “errada qualificação jurídica” quanto ao crime de “homicídio qualificado” (na forma tentada), e da sua “pena”.

Vejamos.

Como atrás se deixou relatado, foram os ora recorrentes – (1ª e 2°) arguidos A e B – condenados pela prática, em co-autoria material e na forma tentada, de 1 crime de “homicídio qualificado”, p. e p. pelo art. 129°, n.° 1 e 2, al. g) e 128° do C.P.M., na pena individual de 10 anos de prisão.

E, atentando-se na matéria de facto dada como provada e atrás retratada, cremos que nenhuma censura merece a aludida “qualificação jurídico-penal” da conduta dos ditos arguidos (que do julgamento resultou provada), pois que, evidente se nos apresenta que verificados estão todos os elementos “objectivos” e “subjectivos” do dito (tipo de) crime pelo qual foram condenados, (na forma “qualificada” e “tentada”), cabendo aqui notar que a aludida “qualificação” ocorreu porque se deu por verificada (e provada) a “situação” a que se refere à alínea g) do n.° 2 do art. 129° do C.P.M., onde se prevê como “circunstância qualificativa” a de o agente “(…) ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas”.

Com efeito, no caso, como claramente resulta da matéria de facto atrás retratada, e como expressamente indicou também o Tribunal de Segunda Instância, “a partir de 28 de Agosto, pelas 11 horas, de manhã, a 1.ª arguida e o 2.º arguido acordaram entre eles, em conluio, a prática do plano acima referido, cujo intuito é matar o 1.º assistente, é claro que eles foram depois de pensar ou optar bem os métodos que executariam o acto, ademais, conjugado com a operação de ataque efectuada entre 12 horas e 1 hora, da tarde, do dia 29 de Agosto, tendo ultrapassado mais de 24 horas os plano e motivo de homicídio dos dois arguidos, pois, reunido as circunstâncias agravantes do crime do homicídio qualificado”; (cfr., fls. 2036-v e 31-v do Apenso).

Por sua vez, mal se alcançando os verdadeiros “motivos” que levaram a engendrarem tal “plano”, (com a preparação, com antecedência, da faca e da gasolina), e tão só se sabendo que havia “desentendimentos emocionais e financeiros”, (mas sem se provar em concreto “quais”), inegável se nos apresenta também, (até pela “forma de agressão”), que a conduta dos ora recorrentes revela “especial censurabilidade” – a justificar a “qualificação” – do crime cometido.

Quanto à sua “forma tentada”, e visto estando que os ditos arguidos não conseguiram “consumar o crime que planearam cometer”, não obstante a prática dos seus provados “actos de execução” com a intenção de causar a morte do assistente, mais não é preciso dizer para se confirmar o decidido.

Vejamos agora da “pena”.

Nos termos do art. 129° do C.P.M., ao crime de “homicídio qualificado” cabe a “pena de 15 a 25 anos”, e, por força do estatuído no art. 22°, n.° 2 e 67°, n.° 1, al. a) e b) do mesmo Código, (quanto à “atenuação especial” da pena para o crime cometido na “forma tentada”), o “limite máximo desta pena é reduzido de um terço”, devendo o seu “limite mínimo ser reduzido a um quinto”, resultando, assim, numa pena (especialmente atenuada) de 3 anos a 16 anos e 8 meses de prisão.

Ora, como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, importa atentar que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Sobre a matéria preceitua também o art. 65° do mesmo código onde se prescreve que:

“1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
2. Na determinação da medida da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da determinação da pena”.

Isto dito, importa igualmente ter presente que em “matéria de pena”, o recurso não deixa de possuir o paradigma de remédio jurídico, pelo que o Tribunal de recurso deve intervir na pena, (alterando-a), apenas e tão só, quando detectar desrespeito, incorrecções ou distorções dos princípios e normas legais pertinentes no processo de determinação da sanção, pois que o recurso não visa, nem pretende eliminar, a imprescindível margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de julgamento.

Com efeito, de forma repetida e firme temos vindo a entender que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada”; (cfr., v.g., os Acs. de 27.04.2018, Proc. n.° 27/2018, de 30.07.2019, Proc. n.° 68/2019, de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020(I), de 23.06.2021, Procs. n°s 72/2021(I) e 84/2021, de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022, 12/2022 e 14/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 52/2022, de 15.03.2023, Proc. n.° 30/2023 e de 29.09.2023, Proc. n.° 71/2023).

Dest’arte, revelando-se pela decisão recorrida, a selecção (adequada) dos elementos factuais elegíveis, a identificação (correcta) das normas aplicáveis, o cumprimento (estrito) dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida e justa dos critérios legalmente atendíveis, imperativa é a confirmação da(s) pena(s) aplicada(s); (neste sentido, cfr., v.g., os Acs. deste Tribunal de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014, de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015, de 26.06.2020, Proc. n.° 44/2020(I), de 11.03.2022, Procs. n°s 8/2022, 12/2022 e 14/2022, de 18.05.2022, Proc. n.° 52/2022 e a Decisão Sumária de 27.05.2024, Proc. n.° 60/2024).

Como nota Figueiredo Dias, (in “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.

In casu, e atenta a matéria de facto atrás retratada, que dizer da pena individual de “10 anos de prisão” aos ora recorrentes aplicada pelo crime de “homicídio qualificado” na forma tentada que cometeram em co-autoria e tendo como ofendido o assistente D?

Pois bem, neste aresto já se fez uma breve exposição sobre os “critérios legais” a ter em conta em matéria da “determinação da medida concreta da pena”.

E, ponderando a dita factualidade dada como provada, inegável se apresenta que directo e intenso é o dolo dos arguidos, e elevada a ilicitude da sua conduta.

Basta ver que o ofendido foi – nomeadamente – atacado e agredido com uma faca, o que lhe causou as lesões descritas no “ponto 47” da matéria de facto, pelas quais ficou internado por um total de 10 dias, tendo sofrido uma incapacidade absoluta temporária por 100 dias, evidente se mostrando de considerar assim que a conduta dos ditos (1ª e 2°) arguidos, ora recorrentes, é – claramente – “grave”, (aliás, puseram em risco a vida do ofendido).

Porém, atenta a moldura penal in casu aplicável – “3 anos a 16 anos e 8 meses de prisão” – considerando que os arguidos são “primários”, (e que o ofendido já se encontra recuperado das lesões), afigura-se-nos que a dita pena se apresenta algo inflacionada.

Por sua vez, não se pode igualmente olvidar que nos termos do art. 28° do C.P.M.:

“Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes”.

E, nesta conformidade, atenta a factualidade dada como provada, de onde se constata uma “participação” mais directa e decisiva do (2°) arguido, B, no que toca às lesões provocadas ao ofendido, apresenta-se-nos também justo fazer-se aqui uma “distinção” nas penas individuais a aplicar, mostrando-se-nos mais adequada a pena de 7 anos e 6 meses de prisão para a (1ª) arguida A, e a de 8 anos e 8 meses de prisão para o (2°) arguido B.

Aqui chegados, importa agora atentar que nos termos do 71° do C.P.M.:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”.

E, atento os critérios estatuídos no n.° 1 e 2 do citado art. 71° do C.P.M., assim como às penas parcelares à (1ª) arguida A aplicadas, apresenta-se-nos mais adequada a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.

Em relação ao (2°) arguido B, e na ponderação dos mesmos critérios e penas parcelares aplicadas, fixa-se a pena única de 11 anos e 8 meses de prisão.

3.2 Aqui chegados, continuemos, passando-se agora para o “recurso do assistente D”.

Pois bem, como se colhe do que se deixou relatado, por decisão sumária da Exma. Relatora 14.06.2024 não se admitiu o aludido recurso do assistente, e, em sede da reclamação pelo mesma apresentada confirmou-se o assim decidido por Acórdão do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância de 18.07.2024.

Entendeu-se, pois, que ao dito assistente não assistia “legitimidade para recorrer” da “decisão crime” objecto do seu recurso, o que, pelo mesmo, vem agora contestado, pedindo a revogação do dito Acórdão de 18.07.2024, com a devolução dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para apreciação e decisão do seu recurso.

Eis como se nos mostra de decidir.

Ora, como resulta do que pelo ora recorrente foi, (oportunamente), alegado, pretende o mesmo que o (3°) arguido, C, seja também condenado como co-autor de 1 crime de “homicídio qualificado (tentado)” – tal como sucedeu com os outros dois (1a e 2°) arguidos – pretendendo, também uma agravação da pena a todos os (3) arguidos aplicada.

E, assim, há aqui que atentar desde já que apesar de em sede de reclamação para a Conferência ter o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância confirmado a decisão (sumária) de “não admissão do recurso do dito assistente ora (também) recorrente”, o certo é que no seu Acórdão de 20.06.2024, não deixou de emitir pronúncia sobre a pretendida “qualificação jurídico-penal” da conduta do 3° arguido, consignando, expressamente, o que segue:

“(III) A conduta do 3.º arguido constitui ou não o crime de homicídio qualificado (por tentativa)?
O 1.º assistente apontou que a conduta do 3.º arguido constitui, identicamente, um crime de homicídio qualificado (por tentativa). De acordo com o que foi pronunciado na acusação, o 3.º arguido foi acusado por um crime de ofensa grave à integridade física (contra D). O 1.º assistente apontou ainda (fls. 1475), que o assistente D sofreu-se uma ofensa grave à integridade física, resultante, principalmente, do esfaqueamento na parte do peito, praticado pelos outros arguidos, e foi esta ferida que causou o risco de vida do assistente, D. Apontou também que antes desta ferida com risco de vida causada a D, o 3.º arguido entrou pelo menos duas vezes na loja para atacar D, durante esse tempo, impediu também o assistente, E a salvar D.
Daí que, o presente Juízo fez a seguinte análise:
Auto de visionamento do telemóvel do 3.º arguido, lavrado as fls. 149-166 dos autos, constam lavrados a comunicação entre os 2.º e 3.º arguidos no [Aplicação de Rede Social], constante de fls. 163, que no dia 29 de Agosto, pelas 5 horas e tal, de manhã, o 2.º arguido telefonou ao 3.º arguido por [Aplicação de Rede Social], depois, o 2.º arguido respondeu ao 3.º arguido, que: Tento demorar nele em possível, se precisasse de fazer, espera por mim, eu faço propriamente. Ontem vim aí para encontrar nele, depois, por coincidência encontrei o mesmo e disse por pressa, pois, o que não devia dizer a ele, pelo que não causou grande problema para preocupar. Sim, fui eu que fiz mal, eu, como há de dizer, ele falou comigo, se eu não fizer, ele chateava os meus filhos até que esses morressem. Como era possível eu a vê-los a morrer, eu, estou correcto ou não.
Mesmo que o 2.º arguido enviasse à 1.ª arguida a supra mensagem, na madrugada do dia 29 de Agosto, nesse mesmo dia 29, de madrugada, os três encontraram-se, por acto este não se pode entender que o 3.º arguido sabia o plano da 1.ª arguida e do 2.º arguido, ademais, o 3.º arguido na qualidade de pai da 1.ª arguida, sempre que conheça o eventual disparate ou erro da filha, seja quem for, deslocará, imediatamente, ao local.
In casu, o 3.º arguido esteve na Loja de Bolinhas de Peixes [Loja(2)], entrou na loja em quatro vezes (nomeadamente, nas horas de 13:09:34, 13:10:05, 13:10:16, 13:10:48), e pelo menos em três diferentes tempos bateu no 1.º assistente, com muros e pontapés. Se fosse como acima citado, baseado no último tempo em que o 3.º arguido tinha entrado na loja, ainda não tinha acontecido o momento (13:11:03 e depois) em que o 2.º arguido iniciava a lesar outrem com faca, pelo que é impossível entender que o 3.º arguido, junto da 1.ª arguida e do 2.º arguido, em conluio, detendo a faca para matar a pessoa, pois, por ponto subjectivo, para o 3.º arguido é imprevisível que o 2.º arguido detinha com faca a atacar materialmente ao alheio, aliás, não constam com motivo e dolo no 3.º arguido em matar o 1.º assistente, enquanto ao facto de demora da dívida pecuniária que devia ao 3.º arguido, já foi um assunto passado em alguns anos atrás. Por isso, a conduta de ataque ao 1.º assistente, participada pelo 3.º arguido em posterior, não reúne um conluio prévio ou interlocutório com a conduta praticada pela 1.ª arguida e pelo 2.º arguido, isto é, a detenção de faca para matar a pessoa, muito menos se reúne com acordo provisório e nexo de causalidade necessário, portanto, a conduta do 3.º arguido não reúne os pressupostos subjectivo e objectivo de comparticipação dolosa do crime de homicídio.
De facto, esta questão já tinha sido analisada e definida concretamente no recurso do despacho de instrução1, o presente Tribunal Colectivo concorda também com esta interpretação do Tribunal superior, entendendo que o 3.º arguido não reúne os pressupostos subjectivo e objectivo de comparticipação dolosa do crime de homicídio, a conduta do 3.º arguido pertence a um acordo comum e uma divisão de tarefas, junto da 1.ª arguida e 2.º arguido, a fim de atacar o 1.º assistente, D, fazendo com que o mesmo sofresse ofensa grave à integridade física. Pelo que só se pode entender que o 3.º arguido cometeu um crime de ofensa grave à integridade física (contra o 1.º assistente)”; (cfr., fls. 2037-v a 2038 e 32 a 33 do Apenso).

E, perante isto, quid iuris?

Pois bem, sem perder de vista que o Acórdão que confirma a decisão sumária da “não admissão do recurso” do assistente, ora recorrente, é “posterior” ao Acórdão onde se apreciou da sua pretensão em ver a conduta do 3° arguido igualmente qualificada como a prática de 1 crime de “homicídio qualificado (tentado)”, admite-se como possível e defensável o entendimento no sentido de se considerar que se mantém válida a referida “reflexão”, apresentando-se ser também esta uma solução mais consentânea com a celeridade e simplicidade processual.

Porém, considerando que o dito Acórdão que confirma a decisão de não admissão do recurso se refere, expressa e especificamente, à questão da pretendida “alteração da qualificação jurídico-penal da conduta do 3° arguido”, consignando-se que ao recorrente não assistia legitimidade para recorrer, (desta parte e das medidas das penas), temos pois sérias dificuldades em adoptar o supra aludido entendimento quanto à validade do decidido relativamente a esta pretensão.

Aliás, lendo-se o Acórdão cujo segmento se deixou atrás transcrito, afigura-se-nos mesmo de considerar mais adequada esta solução até porque em sede de “dispositivo” (absolutamente) nada se diz sobre tal “matéria”, tão só se decidindo dos recursos dos arguidos, e do recurso do assistente quanto ao decidido em relação ao seu pedido de indemnização civil.

–– Aqui chegados, importa então ver da adequação da decisão quanto à “legitimidade do assistente para o recurso que interposto”.

Ora, a questão já foi objecto de decisão por este Tribunal de Última Instância prolatada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 15.04.2015, Proc. n.° 128/2014, onde se concluiu que “O assistente não tem legitimidade para recorrer, quanto à espécie e medida da pena aplicada, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação”.

E, assim – independentemente do demais, nomeadamente, das declarações de voto juntas ao referido veredicto e da própria evolução que o entendimento sobre esta matéria tem registado, especialmente, no que toca à disciplina da “vitimologia”, que reclama, e cremos que bem, o reconhecimento de um papel cada vez mais interventivo da vítima no Processo Penal, principalmente, se com o estatuto de “assistente”, (cfr., v.g., a título de direito comparado, Cláudia Cruz Santos in, “Assistente, recurso e espécie e medida de pena”, R.P.C.C., Ano 18, n.° 1, pág. 137 e segs., e o Ac. do S.T.J. de Portugal de 22.01.2015, Proc. n.° 520/13 e o de Rel. de Évora de 21.03.2017, Proc. n.° 519/09) – evidente é que o “objecto” do recurso em questão do assistente não coincide com a “questão” e “matéria” tratada e decidida no aludido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Tribunal de Última Instância de 15.04.2015.

Nesta conformidade – notando-se também que já no seu requerimento de abertura de instrução pugnava o ora recorrente pela (sua) pretendida e referida “alteração da qualificação jurídica”, tendo, inclusivé, recorrido do despacho de não pronúncia, não se apresentando desta forma de se tratar de uma mera teimosia ou capricho – cremos pois que ao mesmo se deve reconhecer “legitimidade” (e “interesse em agir”) para o recurso que, com base em entendimento contrário do Tribunal de Segunda Instância não foi admitido, havendo assim que se proceder à devolução dos autos para nova decisão, tendo-se em atenção o que neste aresto se deixou consignado, e notando-se que em face do decidido quanto à “redução” das penas dos 1ª e 2° arguidos, se deve desde já ter como inútil o dito recurso relativamente a tal matéria.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam:
- conceder parcial provimento aos recursos dos (1ª e 2°) arguidos A e B, ficando os mesmos condenados como co-autores de 1 crime de “homicídio qualificado (tentado)” nas penas parcelares de 7 anos e 6 meses e 8 anos e 8 meses de prisão, respectivamente, e nas penas únicas individuais de 9 anos e 6 meses de prisão e 11 anos e 8 meses de prisão; e,
- revogar a decisão de não admissão do recurso do assistente, decretando-se a devolução dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para nova decisão em conformidade.

Pelo seu decaimento pagarão os arguidos recorrentes a taxa de justiça individual de 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 28 de Novembro de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Fong Man Chong

1 Acórdão n.º 453/2023, proferido pelo Tribunal Colectivo do TSI, em 19 de Julho de 2023.
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Proc. 109/2024 Pág. 21