Processo n.º 591/2024
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 13 de Fevereiro de 2025
Assuntos:
- Candidato à profissão de auditor de contas nos termos de disposições transitórias da Lei n.º 20/2020, de 21 de Setembro
SUMÁRIO:
I – De acordo com o preceituado nos respectivos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 20/2020, de 21 de Setembro, nomeadamente através dos seus artigos 1º e 2º, estabelece o regime de qualificação e exercício da profissão de contabilista, aplicável às pessoas singulares que pretendam obter ou tenham obtido a qualificação profissional de contabilista e a qualificação para exercer a profissão de contabilista, bem como às pessoas colectivas que se pretendam inscrever ou se encontrem inscritas como sociedades de contabilistas habilitados a exercer a profissão. Decorre do n.º 1 do artigo 5.º da dita Lei que «salvo disposição legal em contrário, só os contabilistas habilitados e as sociedades de contabilistas habilitados podem exercer a profissão», sendo que essa habilitação para o exercício da profissão depende da prévia emissão de uma licença por parte da Comissão Profissional dos Contabilistas.
II – Face aos factos considerados assentes, é de entender que a situação da Autora é enquadrada conjuntamente na norma do n.º 1 do artigo 97.º e na norma do n.º 1 do artigo 100.º, todos da Lei n.º 20/2020, já que encontra-se numa situação transitória entre o regime antigo e o regime novo.
III - As disposições transitórias dos artigos 93.º a 102.º da Lei n.º 20/2020, tem em vista, entre o mais que agora não interessa e como é próprio de normas de direito transitório, acomodar ao novo regime jurídico da profissão de contabilista por ela introduzido as situações resultantes do direito pretérito, à luz do qual existiam duas profissões: a de contabilista, regulada pelo Estatuto dos Contabilistas Registados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/99/M, de 1 de Novembro, e a de auditor de contas, que encontrava a sua regulação nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro.
IV - A Recorrente pretende prevalecer do facto de, antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2020, ter sido candidata a auditora de contas, não pode, nos termos resultantes do nº 4 do artigo 100.º daquela lei, deixar de estar sujeita à de prestação provas e nelas ser aprovada (ou, então, ser dispensada dessa prestação pela Comissão), para que possa beneficiar da emissão da licença que a habilite para o exercício da profissão. A esta conclusão não obsta o facto de ela já ser contabilista inscrita na medida em que essa inscrição não obedeceu ao regime do artigo 11.º, em especial ao do disposto na alínea 3) do respectivo n.º 1, antes resultou do n.º 1 do artigo 97.º da Lei n.º 20/2020. Com esta fundamentação, nitidamente improcede a pretensão da Recorrente pelo que a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo não merece qualquer reparo e como tal deve ser confirmada.
O Relator,
______________
Fong Man Chong
Processo n.º 591/2024
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 13 de Fevereiro de 2025
Recorrente : (A)
Recorrida : Comissão Profissional dos Contabilistas (會計師專業委員會)
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
(A), devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 30/04/2024, veio, em 13/05/2024, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 108 a 110, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. 根據本案中所獲得證實的事實,並結合第20/2020號法律第100條第1款的規定,上訴人已符合了同法第15條第1款所要求的申請並獲發執業會計師的條件。
B. 換言之,應裁定上訴人的訴訟理由成立,並按訴訟請求命令被訴實體向上訴人發出有關執照。
C. 然而,原審法院因錯誤適用了《民法典》第8條第1款關於法律解釋的規定去解釋第20/2020號法律第100條第1款的規定,從而未能準確地理解該規定應有的意思,並作出正確的法律適用。
D. 在給予原審法院應有的尊重的前提下,上訴人不能認同原審法院對系爭法條的解釋及作為得出有關解釋的理據。
E. 簡而言之,被上訴裁判認為基於立法者訂定上述系爭規定時,在行文上存在不完善之處,故應對有關規定作出「限縮解釋」,特別是認為備取核數師在舊法下已獲認可的專業經驗在現行法下也要符合經驗及時性的要求,否則便會存在對欲獲取相同資格的其他人士存在不公以及會違反了澳門基本法第25條關於「平等原則」方面的規定。
F. 上訴人不認為有上述問題出現。
G. 誠然,「舊制」下的備取核數師與要直接適用「新制」申請執照的申請人本來就屬於不一樣的狀況,不能相提並論,這就是為什麼立法者需要制定過渡性規定讓「舊人」的銜接到「新制」。
H. 而對法律進行解釋峙,除依據《民法典》第8條第1款外(法律解釋不應僅限於法律之字面含義,尚應尤其考慮有關法制之整體性、制定法律時之情況及適用法律時之特定狀況,從有關文本得出立法思想。),也要符合同條第2款和第3款的規定(二、然而,解釋者僅得將在法律字面上有最起碼文字對應之含義,視為立法思想,即使該等文字表達不盡完善亦然。三、在確定法律之意義及涵蓋範圍時,解釋者須推定立法者所制定之解決方案為最正確,且立法者懂得以適當文字表達其思想。)
I. 事實上,從有關條文的行文中並不存在最起碼的文字以對應如原審法院所推斷般的立法思想。
J. 系爭規則本身是屬於第20/2020號法律中的一項「過渡規定」,針對舊制下的備取核數師,相信立法者已考慮了所有該考慮的情況,並通過新法的有關條文作出了所有合符憲制法律和沒有侵害基本權利的過渡性安排,其欲表達的立法思想,亦已通過讓人能明白的文字表達出來了,因此,上訴人看不到有所指的不完善之處。
K. 倘若立法者果真認為有此要求的必要(其實沒有),定必已清楚地表達在條文中,但立法者沒有這樣做。這並非立法不完美,而是實在沒有這樣的要求的想法。
L. 上訴人認為被上訴裁判中所指的「限縮解釋」,實際上是一種「擴張解釋」或「過度解釋」。在這種法律解釋下,原審法院對第20/2020號法律第100條第1款的理解及其適用已偏離了立法者的原意,從而得出錯誤地認為上訴人不符合法律所規定的前提的結論,出現了一種消極性「法律前提的錯誤」的瑕疵,導致錯誤地認為上訴人不符合法律所要求的申請成為執業會計師的資格及不應被獲發有關准照。
M. 相反,上訴人認為有關規定並沒有指出這種時間及時性的要求,即使運用《民法典》第8條的規定去解釋有關條文,亦不應得出不一樣的結論。
N. 檢察院方面的意見基本持相同觀點。
O. 所以,上訴人認為第20/2020號法律第100條第1款的規定(在本法律生效之日已根據十一月一日第71/99/M號法令核准的《核數師通則》的規定獲核數師暨會計師註冊委員會認可其實習時間的備取核數師,自本法律生效之日起三年內,視為符合第十五條第一款(四)項規定的條件。),所指實習時間並沒有時間及時性的要求。
P. 縱然直接適用現行制度的申請人按上述法律第15條第1款第4項的規定被要求至少一年的工作經驗須在提出申請之日前三年內在澳門特別行政區取得,而包括上訴人在內的舊制下的備取核數師根據同法第100條第1款的規定時沒有時間及時性的要求,也符合「等者等之,不等者不等之」的原則,不存在違反上述公平原則的問題。
Q. 故此,上訴人認為被上訴裁判因沾有《民事訴訟法典》第598條第2款a)及b)項所規定的瑕疵,應被撤銷,繼而裁定上訴理由成立,並依法命令被訴實體向上訴人發出所申請的執業會計師准照。
R. 故此,被上訴判決應被法庭依法撤銷,並應依法命令被訴實體向上訴人發出所申請的執業會計師准照。
綜上所述,懇請法官 閣下裁定:
一、本上訴得宜,撤銷原審法院作出的被上訴判決;
二、上訴人的訴訟理由成立,命令會計師專業委員向上訴人發出所申請的執業會計師准照。
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
1. A ora Requerente (A), residente permanente da RAEM, é contabilista registado na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, titular do Alvará n.º …, emitido em 10/4/2002 (conforme o doc. junto a fls. 39 dos autos).
2. A Requerente não é devedora ao Cofre do Tesouro da RAEM (conforme o doc. junto a fls. 14 do Processo Administrativo).
3. Por deliberação da Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, de 17/4/2015, foi deferido, nos termos regulados pelo Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo DL n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, o requerimento da Requerente, sendo ela admitida, contra o pagamento da taxa, ao estágio para o registo como auditor de contas, com o período de estágio a iniciar a partir de 17/4/2015 (conforme o doc. junto a fls. 41 e v dos autos).
4. Tendo a Requerente realizado o estágio com aproveitamento, foi-lhe notificada através do ofício n.º 2533/CRAC/2016 de 28/12/2016, da sua admissão por deliberação da Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, de 13/12/2016, à prestação de provas definida pela Comissão nos termos do artigo 18.º do referido Estatuto, com advertência de que a falta da participação na prestação de prova marcada conduziria à extinção do seu requerimento de registo (conforme o doc. junto a fls. 42 dos autos).
5. No entanto, a Requerente não chegou a concluir os exames escritos, marcados nos anos 2017 e 2018, pela referida Comissão.
6. Em 26/3/2021, a Requerente inscreveu-se, na qualidade do contabilista registado e da candidata a auditor de contas para os cursos especiais sobre auditoria, ministrados pela Entidade requerida Comissão Profissional dos Contabilistas e seguidamente, obteve aprovação nas correspondentes avaliações (conforme os docs. juntos a fls. 40 dos autos e fls. 6 do Processo Administrativo).
7. Em 23/7/2021, a Requerente requereu junto da Entidade requerida a emissão da licença para o exercício da profissão de contabilista, nos termos previstos na Lei n.º 20/2020 (conforme o doc. junto a fls. 29 e v dos autos).
8. O dito requerimento foi indeferido mediante a deliberação da Comissão de Acreditação e de Formação Contínua da Entidade requerida, de 18/8/2021, com fundamento em falta do preenchimento do requisito previsto no artigo 15.º, n.º 1, alínea 4) da Lei n.º 20/2020 (conforme o doc. junto a fls. 16 a 17v do Processo Administrativo).
9. Notificado da decisão do indeferimento, a Requerente interpôs o recurso, em 28/9/2021 para o plenário da Comissão, o qual mereceu provimento parcial, com fundamento na preterição da audiência prévia do interessado (conforme os docs. juntos a fls. 20 a 25 e 50 a 52v do Processo Administrativo).
10. Posteriormente, foi novamente indeferido, após o cumprimento da audiência prévia, o requerimento apresentado mediante a deliberação da Comissão de Acreditação e de Formação Contínua, de 19/11/2021 (conforme o doc. junto a fls. 78 a 83 do Processo Administrativo).
11. Desta deliberação, a Requerente recorreu para o plenário, em 29/12/2021, recurso esse não mereceu provimento pela deliberação datada de 26/1/2022 (conforme os docs. juntos a fls. 84 a 105 e fls. 116 a 118v do Processo Administrativo).
12. Em 28/2/2022, a ora Requerente intentou a presente acção.
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IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório
Requerente (A), melhor id. nos autos,
intentou a presente
Acção para Determinação da Prática de Actos Administrativos Legalmente Devidos
contra
Entidade requerida COMISSÃO PROFISSIONAL DOS CONTABILISTAS
com os fundamentos constantes da p.i. de fls. 23 a 28 dos autos,
concluiu pedindo a condenação da Requerida na prática do acto de emissão da licença para o exercício da profissão de contabilista habilitado.
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A Requerida contestou com os fundamentos de fls. 71 a 75v dos autos, pugnando-se pela improcedência da acção pela falta do preenchimento dos requisitos necessários à emissão da licença.
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A digna Magistrada do M.º P.º emitiu douto parecer no sentido de ser procedente a acção, cujo teor se transcreve no seguinte:
“原告(A)針對被告會計師專業委員會提起命令作出依法應作之行政行為之訴,請求勒令被告向原告發出所申請的執業會計師准照,簡言之,主張基於其適用第20/2020號法律第100條第1款規定下,符合第20/2020號法律第15條第1款規定的申請執業准照的要件,且該條款規定沒有賦予行政當局自由裁量權,故被告不應拒絕作出該受羈束的簽發准照的行為。
被告經適當傳喚後提交答辯,主張原告作為備取核數師的“身份”基於沒有於指定的考試期間內全部通過有關考試,隨著其註冊程序消滅而不再其有備取核數師的資格,故此不能適用上述法律第100條第1款的規定,因而原告在不符合同一法律第15條第1款(4)項規定的申請條件下而拒絕簽發有關准照。
根據第71/99/M號法令核准之《核數師通則》第4條第1及2款規定:“一、只接受成年居民或持有獲准在澳門地區逗留的任何有效憑證的人士註冊成為核數師。二、核數師的註冊條件為:a) 獲得本地區承認的經濟、管理、財務、會計或行政學士學位或專業,或CRAC認為是同等專業領域的學士學位或專業﹔b) 實習成績合格﹔c) 強制考試成績合格。”。可見,於舊法生效期間,取得核數師的註冊資格必須具有所要求的學士學位或專業,實習及強制考試成績合格。而該通則第13條至第18條規定了相應進行實習及強制考試的程序及條件:
“第十三條
(實習的義務性)
除CRAC另有決議外,備取核數師必須按本《通則》規定,履行實習的義務。
第十四條
(實習期)
一、實習期歷時十八個月,由CRAC批准參加實習這日起計。
二、對具有經濟和財政領域大專學歷或以上程度的備取核數師,或在本地區以外學府取得同等學歷的備取核數師,以及持普通和分析會計特別專業培訓課程資格的人士,CRAC可豁免這些人士履行實習的義務或縮減實習期。
三、如備取核數師是其他地區或國家專業團體的成員可申請按照上一款規定之 豁免或縮減。
第十五條
(贊助)
一、實習必須在核數公司或核數師事務所內進行。
二、實習必須在一名核數師指導下進行。
第十六條
(執行實習)
一、如中斷實習為期兩個月以上,贊助實體或備取核數師必須將全面情況通知 CRAC。
二、如獲知實習中斷消息, CRAC可決定將實習期延長。
第十七條
(實習評核)
一、實習期滿後,備取核數師提交一份詳細的工作報告,在報告中,特別說明 曾合作執行或獨力執行之會計和稅務工作。
二、在同一時間內,備取核數師的指導員向CRAC遞交一份有關其實習指導的詳細報告。
三、CRAC對上一條款提及的文件進行審議,並且議決是否接納備取核數師參加考核試。
第十八條
(考核試)
一、 由CRAC對考核試作出規範,如訂定考核試的有關時間表、考時和評核標準。
二、 首次註冊之筆試必須函括如下內容:
a) 一般會計及財務會計﹔
b) 成本會計﹔
c) 澳門地區之稅務知識﹔
d) 商法典﹔及
e) 會計準則。
三、 就重新批准核數師註冊之筆試,其內容只限於澳門地區之稅務知識、商法 典及會計準則。”
從上述規定可見,為符合上述第4條第2款b)及c)項的要件,申請人必須先在核數師指導下進行為期十八個月的實習期,期間屆滿後,申請人及指導的核數師須分別向前核數師及會計師註冊委員會(“CRAC”)提交有關報告,經委員會進行審議並議決是否接納備取核數師的強制考試。倘申請人獲得議決接納,則按照上述第18條規定進行委員會所規範的強制考試。
第20/2020號法律《會計師專業及執業資格制度》於2020年12月01日生效後,將原按第71/99/M號法令規範的註冊核數師及第72/99/M號法令規範的註冊會計師合併統稱為“會計師”,並區分專業資格及執業資格。新法第15條第1款規定了申請執業會計師的條件:
“第十五條
申請執業准照
一、申請人須以委員會指定的專用表格向委員會提出准照申請,並應同時符合下列條件:
(一)澳門特別行政區居民﹔
(二) 在委員會註冊的會計師﹔
(三) 擁有委員會認為必備的會計行業相關法例、稅務及審計的知識﹔為此,該委員會可要求申請人須在必要的考試中成績及格﹔
(四)擁有至少兩年的全職並主要涉及審計的工作經驗,該工作經驗須在會計師事務所或執業會計師的辦事處取得,而且至少一年的工作經驗須在提出申請 之日前三年內在澳門特別行政區取得﹔
(五)經財政局證明不是澳門特別行政區庫房的債務人﹔
(六)符合第十八條所指的關於不得兼任的條件。”
當中,上述規定包括有強制考試及將實習期更改為至少有兩年的全職涉及審計的工作經驗,然而,新法已沒有要求兩者條件的取得存在先後次序,亦不要求取得會計師專業委員會審核批准作為兩者之間的前提條件。質言之,新法已不存在所謂的“先實習、後考核”的程序,只要一併符合上述第15條第1款規範的各條件即具備成為執業會計師的資格。
作為過渡法,關於新法第15條第1款(4)項 ‐ 即本案討論原告是否符合專業經驗的要件,第20/2020號法律第100條第1至3款規定:
“第一百條
備取核數師及註冊會計師的過渡規定
一、在本法律生效之日已根據十一月一日第71/99/M號法令核准的《核數師通則》的規定獲核數師暨會計師註冊委員會認可其實習時間的備取核數師,自本法律生效之日起三年內,視為符合第十五條第一款(四)項規定的條件。
二、在本法律生效之日已根據十一月一日第71/99/M號法令核准的《核數師通則》的規定獲核數師暨會計師註冊委員會批准開始實習的備取核數師,如已完成實習並獲委員會認可其實習時間,自獲認可之日起三年內,視為符合第十五條第一款(四)項規定的條件。
三、在本法律生效之日已根據十一月一日第71/99/M號法令核准的《核數師通則》的規定獲核數師暨會計師註冊委員會豁免實習的備取核數師,自本法律生 效之日起一年內,視為符合第十五條第一款(四)項規定的條件。”
視為符合第15條第1款(4)項規定的情況為三:一為已按照舊法規定獲核數師暨會計師註冊委員會認可其實習時間,自新法生效之日起三年內﹔二為已按照舊法規定獲核數師暨會計師註冊委員會批准開始實習,隨後完成實習並獲會計師專業委員會認可其實習時間,自獲認可之日起三年內﹔三為按照舊法規定獲核數師暨會計師註冊委員會豁免實習,自新法生效之日起一年內。清楚可見,立法者將已按舊法規定完成且認可其實習期、正在處於實習期以及已獲豁免有關實習期的三種情況作出明確過渡規定,即均視為符合新法要求的專業經驗的要件。
誠然,與被告的主張相反,從上述第100條第1款規定的字面含義中,我們看不到按照舊法已認可的實習時間必須在何時,尤其相隔新法生效日的遠近要求,亦不允許對於舊法生效期間,某些較早期完成實習期的申請人與較後期完成實習期的申請人存在區別對待。
必須指出的是,上述《核數師通則》第13至18條並沒有規定獲認可的實習評核的有效期,更沒有規定倘不參加強制考試或強制考試不合格會導致實習評核結果失效。雖然被告指出於2016年原告獲通知其實習成績合格及接納參加核數師考核試,必須由2017年第一期註冊核數師考核試起計連續通過五個科目之考核試,然而,這只是原告為了取得註冊核數師資格而必須按照核數師暨會計師註冊委員會安排的時間下進行強制考試而己,不能等同於其已獲認可的實習評核或實習期因沒有如期參加考試或不獲通過而會被取消。
值得指出的是,被告所提交的關於核數師暨會計師註冊委員會首次註冊及重新註冊核數師的考核規章(“Comissão do Registo dos Auditores e dos Contabilistas Regulamento das provas para inscrição inicial e revalidação de registo como auditor de contas”),同樣沒有要求於獲認可實習期成績後必須於特定期間內註冊參加強制考試,更沒有規定倘不參加強制考試便會失去已取得的實習期成績。
關於所提及的“備取核數師”的身份或資格,按照舊法第5及6條、以及第13至18條規定,始於申請人申請成為註冊核數師且沒有基於第6條第1款規定拒絕註冊時,便成為備取核數師。然而,《核數師通則》並沒有規定申請人的“備取核數師”身份或資格的有效期,又或者因無法通過強制考試或沒有參加考試而被取消該身份或資格。必須指出的是,本案中沒有出現《行政程序法典》第99條及第103條規定,基於已有最終決定、又或者原告的書面申請撤回程序、捨棄請求或放棄法律保護之權益、歸責原告之理由而停止以及程序目嗣後無用或不能而消滅。
最後,被告曾援引第20/2020號法律第101條第1及2款規定以支持備取核數師身份或資格的持續必須取決於參加有關強制考試,然而,上述第101條第1及2款是針對強制考試要件上的過渡規定,即按照舊法取得有效的考試成績於新法生效之日仍在有效期的情況下予以保留而已,再者,強制考試成績存在有效期並不代表作為申請人備取核數師身份或資格亦具有時效性,更何況上述核數師暨會計師註冊委員會所制定的考試規章僅規範考試成績的有效期,並沒有規定仍有效或已過有效期的考試成績會對備取核數師身份或資格存在哪些影響。
綜上所述,我們意見認為被告錯誤解釋第20/2020號法律第100 條第1款及第15條第1款(4)項規定,建議裁定原告訴訟理由成立,命令被告向原告發出所申請的執業會計師准照。”
(vide fls. 85 a 89 dos autos).
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio e inexistem nulidades processuais.
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II. Fundamentação
1. Matéria de facto
Consideram-se assentes os seguintes factos que interessam à decisão da causa:
(...)
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A decisão sobre a matéria de facto baseou-se essencialmente na análise dos elementos documentais juntos nos autos e dos factos não impugnados pela Requerida na contestação.
*
2. Matéria de direito
Face ao enquadramento de facto supra, cumpre conhecer do objecto desta acção, o qual corresponde à posição subjectiva de conteúdo pretensivo de que a Requerente é titular, não sendo, como sucede no processo de impugnação de acto administrativo (ou recurso contencioso), delimitado por referência aos fundamentos em que se baseia o acto de indeferimento (veja-se Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, pp. 90 a 91).
A pretensão que a Requerente faz valer neste processo consiste em obter a condenação da Requerida na emissão da licença para o exercício da profissão de contabilista, ao abrigo da norma do artigo 15.º, n.º 1 da Lei n.º 20/2020 que define o Regime de qualificação e exercício da profissão de contabilista. Importa saber se ela logrou demonstrar o preenchimento dos pressupostos constitutivos do seu direito à prática do acto devido que invoca ao abrigo da referida norma legal.
Como é consabido, tal Lei n.º 20/2020 surgiu com o fim de proceder, em harmonização com a evolução da prática internacional, a uma nova definição legislativa da profissão contabilística de Macau que na altura se encontrava dividida em duas áreas, regulamentada nos diplomas legais distintos, uma de contabilista e de técnico de contas, regulada pelo Estatuto dos Auditores de Contas aprovado pelo DL n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, sendo contabilistas os técnicos “que planificam, organizam, executam ou assumem a responsabilidade pela execução da contabilidade de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas e, conjuntamente com tais pessoas, assinam as respectivas declarações fiscais.” – artigo 1.º, n.º 1 do referido Estatuto, outra de auditor de contas, regulada pelo Estatuto dos Contabilistas aprovado pelo DL n.º 72/99/M, de 1 de Novembro, que para além de abranger o exercício da actividade inerente ao contabilista, ainda permitia proceder “a revisão e certificação legal de contas” – artigo 1.º deste Estatuto.
Tal distinção deixou de ser pertinente com a entrada em vigor da nova lei, a qual passava a aglutinar as duas profissões diferenciadas numa única categoria sujeita à disciplina comum de contabilista, em que se distingue entre contabilista inscrito – os que só tenham obtido a qualificação profissional, e contabilista habilitado ou seja licenciado - os que tenham obtido a qualificação para o exercício da profissão, conforme se prevê no artigo 3.º, alíneas 2) e 3) da Lei n.º 20/2020 (conforme resulta da nota justificativa da proposta da lei – disponível mediante a consulta do site da Assembleia Legislativa – https://www.al.gov.mo/pt/law/2020/363). Concomitantemente, a entidade reguladora competente da profissão que era a Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas cujo funcionamento regulado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 2/2005, passava a ser a Comissão Profissional dos Contabilistas, ora Entidade requerida, que foi criada pela Lei n.º 20/2020, e funciona nos termos previstos no Regulamento Administrativo n.º 42/2020.
Na situação da ora Requerente de que aqui se ocupa, segundo os factos dados como provados acima, ela era contabilista registado na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, titular do Alvará n.º 0817, emitido em 10/4/2002, ao abrigo do Estatuto dos Contabilistas então vigente. Com a entrada em vigor da nova lei, passou a ser automaticamente inscrita como contabilista, sendo-lhe emitido a certificação de inscrição, conforme se prevê na norma transitória do artigo 97.º, n.º 1 desta Lei. Como já vimos, o que ela pretende agora é ser contabilista habilitado, e obter para tal efeito, a qualificação para o exercício de profissão mediante a condenação da prática do acto devido que é a emissão da licença.
Nos termos previstos da norma constitutiva do seu direito, a emissão da licença depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
– 1) Ser residente da RAEM;
– 2) Ser contabilista inscrito na Comissão;
– 3) Possuir o conhecimento tido por necessário pela Comissão sobre a legislação relacionada com o sector da contabilidade, fiscalidade e auditoria;
– 4) Possuir, pelo menos, dois anos de experiência profissional, principalmente, na área da auditoria, obtida em regime de tempo inteiro numa sociedade de contabilistas habilitados ou num escritório de contabilista habilitado, tendo pelo menos um ano daquela experiência profissional sido obtida na RAEM, nos três anos anteriores à data de apresentação do pedido;
– 5) Não ser devedor ao Cofre do Tesouro da RAEM, conforme comprovado pela DSF.
A ora Requerente é residente da RAEM, sendo contabilista registado na Comissão Profissional dos Contabilistas como se referiu, e não sendo devedora ao Cofre do Tesouro da RAEM. Consideram-se, desse modo, preenchidos os requisitos 1), 2) e 5). Além disso, mais de acordo com o que se provou, a Requerente inscreveu-se e concluiu, sob égide da lei nova, para os cursos especiais sobre auditoria, ministrados pela Comissão Profissional dos Contabilistas e obteve aprovação nas correspondentes avaliações. Deve-se ainda considerar, nesta conformidade que ela preenche o requisito 3), por força da equiparação que a norma do artigo 97.º, n.º 6 da referida Lei tenha importado, o que também nunca foi posto em causa pela Entidade requerida.
A discussão que surgiu no caso concreto respeita ao requisito 4) relativo à experiência profissional - na tese da Requerente, ela, além de ser contabilista inscrito, foi, já na vigência da lei antiga, candidata a auditores de contas, tendo concluído o estágio com aproveitamento, e sendo depois admitido pela então Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas à prestação de provas. Sendo assim, ela nessa qualidade, deve ser ainda beneficiária da equivalência dispensada pela norma transitória do artigo 100.º, n.º 1 da Lei, nos termos da qual “Os candidatos a auditor de contas cujo período de estágio já tenha sido reconhecido pela Comissão de Registo de Auditores e Contabilistas, nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, à data da entrada em vigor da presente lei, consideram-se reunir, no prazo de três anos, contado a partir da data da entrada em vigor da presente lei, a condição prevista na alínea 4) do n.º 1 do artigo 15.º ”.
Disso discorda a contestante, considerando que a invocada norma transitória não lhe é aplicável, uma vez que a Requerente há muito deixou de ser candidata a auditor de contas, pelo facto de nunca ter concluído a aprovação das provas depois de ter sido admitida para tal. Trata-se, aliás, da posição adoptada no acto de recusa.
Salvo melhor opinião, cremos que a tese da contestante carece de apoio legal.
Segundo o que se previu no disposto do artigo 4.º, n.º 2 do Estatuto dos Auditores de Contas, o registo na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas como auditor de contas residente de Macau depende do preenchimento dos requisitos autónomos, entre os quais se destaca a conclusão do estágio com aproveitamento a que se refere na alínea b), e a obtenção da aprovação nas provas obrigatórias conforme resulta da alínea c). Não obstante, são os requisitos cuja verificação, de carácter sucessivo, não ocorra ao momento da apresentação do pedido de registo ao abrigo do artigo 5.º do Estatuto, o qual devesse ser acompanhado dos documentos referidos no n.º 1, designadamente, o título comprovativo de residência ou de permanência, o certificado do registo criminal emitido, a declaração sobre a ausência de incompatibilidade, e a prova de habilitações ou certificação da sua equivalência.
Tendo o pedido sido recebido, na ausência de nenhum dos motivos previsto no artigo 6.º do Estatuto, justificativo da sua recusa, o requerente considerado como candidato a auditor de contas, era admitido a estágio com duração normal de 18 meses, a partir da data do deferimento da admissão, conforme o disposto nos artigos 13.º e 14.º, n.º 1. O estágio era realizado em sociedade de auditores de contas ou em escritório de auditor de contas, sob orientação de um auditor de contas, segundo o artigo 15.º. Findo o período de estágio, a Comissão procedeu à avaliação do estágio e deliberou sobre a admissão do candidato à prestação de prova, nos termos previstos no artigo 17.º. Com a aprovação nas provas realizadas, é que se encontrassem reunidas todas as condições de registo, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2.
Como se vê, se o candidato a auditor de contas que tivesse realizado o estágio com aproveitamento, não chegasse a concluir as provas agendadas de seguida, naturalmente jamais poderia ser registado como auditor, pela falta do último requisito de preenchimento sucessivo. Mas nada mais do que isso, o Estatuto não previu a consequência que se produz sobre o registo entretanto pendente, sobretudo para a situação da falta da conclusão da prova obrigatória por parte do requerente.
A mero título de exemplo, no caso de exercício da profissão de advocacia, prevê-se a inscrição como advogado estagiário na Associação dos Advogados de Macau, no artigo 20.º do Regulamento do Acesso à Advocacia. Tal inscrição é cancelada nos termos previstos no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, ex vi, o artigo 22.º, n.º 8 do Regulamento, e ainda no artigo 35.º, n.º 11, segundo o qual “A reprovação na avaliação final de estágio realizada após a suspensão da inscrição como advogado estagiário, nos termos do número anterior, implica o cancelamento da inscrição como advogado estagiário e a submissão às provas de admissão e a um novo curso de estágio, caso o deseje.” No entanto, inexiste o paralelismo entre a situação mencionada e a que temos aqui, uma vez que as normas reguladoras da profissão de auditor de contas não regulavam, de modo específico, nem a inscrição de auditor estagiário, nem o respectivo cancelamento.
O que mais importa é salientar que a Administração, apesar de pretender ver extinto o procedimento de registo da Requerente, nunca chegou a declarar a respectiva extinção, ou nem sequer fez qualquer prova da existência do acto. A este respeito, deve-se dizer que em princípio, é pela prática do acto administrativo que a Administração decida pôr termo ao procedimento, seja através da tomada da decisão final, conforme se prevê no artigo 99.º do CPA, seja mediante a declaração “constitutiva”, a que se refere no artigo 100.º, n.º 2 desse Código, através da qual “a Administração ajuíza sobre (a verificação de) uma situação de facto e sobre a sua qualificação jurídica como paralisação do procedimento por termo superior a seis meses, ou por imputável ao interessado. Juízo inteiramente sindicável, portanto” (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves – J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição, p. 504). Reitera-se ainda, relativamente a este último caso, que “não há, também aqui, um caso de extinção do procedimento que saia do âmbito de uma “decisão final” em sentido amplo, pelo menos”. Se assim é, estamos em crer, a extinção do procedimento não se deve operar pela simples inobservância da advertência imposta pelo ofício da notificação para a prestação da prova, como sucedeu no caso dos autos.
Temos de concluir nestes termos ditos que na ausência da norma que determine outra consequência que da impossibilidade de registar-se como auditor de contas para o caso da falta da conclusão da prova obrigatória na sequência da realização do estágio, não tendo havido lugar à prática do acto administrativo para o efeito, o procedimento de registo continuava pendente até à altura em que a Requerente formulou, dentro do prazo de 3 anos previsto no artigo 100.º, n.º 1 da Lei n.º 20/2020, o pedido de licença para o exercício da profissão, em substituição do de registo de auditor de contas.
Como tal, a Requerente permaneceu na qualidade de candidata a auditor de contas. Tendo ela sido admitida à prestação das provas pela então Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, deve-se considerar que o período de estágio foi reconhecido pela dita Comissão, com a avaliação procedida nos termos do artigo 17.º do Estatuto dos Auditores de Contas. Daí, numa leitura literal dos textos do referido artigo 100.º, n.º 1, a Requerente seria beneficiária da norma, por força da qual lhe é dispensada da verificação do requisito do artigo 15.º, n.º 1, alínea 4) da Lei.
A posição acima referida também é a do douto parecer do Ministério Público o qual acompanhamos até aqui. Porém, consideramos que não se deve deixar de conceder razão à entidade contestante, na parte em que se contende com a aplicação da norma transitória no alcance dado pela Requerente, conforme se alega nos artigos 37.º a 40.º da contestação. Uma correcta interpretação do referido normativo legal, parece-nos, permitiria chegar a uma conclusão diferente da da petição inicial.
Como acabamos de referir acima, o novo regime regulador da profissão de contabilista é caracterizado pela diferenciação dos dois graus, da “qualificação profissional de contabilista” e da “qualificação para o exercício da profissão de contabilista”, em abandono da anterior distinção entre “auditor de contas” e “contabilista”, o que implica quem tenha obtido a primeira por via de inscrição possa não ter obtido a segunda que esteja dependente da emissão da licença. O ponto essencial consiste em que a obtenção do grau superior de qualificação requer uma melhor preparação profissional em termos da experiência. E assim, nesta orientação, o requisito de experiência profissional exige-se, na lei nova, ao ponto de substituir-se ao requisito do estágio para auditor de contas contemplado na lei antiga (veja-se o teor do parecer da 3.ª Comissão Permanente, n.º 5/VI/2020, nos pontos 62.º a 65.º e 99.º a 102.º disponível mediante a consulta do site da Assembleia Legislativa – https://www.al.gov.mo/pt/law/2020/363).
Tal experiência profissional, recapitulando, encontra-se prevista no artigo 15.º, n.º 1, alínea 4) da Lei n.º 20/2020, nos termos do qual o requerente deve possuir pelo menos,
- dois anos de experiência profissional na área da auditoria, obtida em regime de tempo inteiro numa sociedade de contabilistas habilitados ou num escritório de contabilista habilitado, além do mais,
- um ano da supra-referida experiência profissional obtida na RAEM, nos três anos anteriores à data de apresentação do pedido.
Ao impor uma exigência acrescida no segundo ponto, a intenção do legislador foi expressa no sentido de que para o licenciamento do contabilista, não releva qualquer experiência profissional do interessado, deverá tratar-se antes de uma experiência “local” e “actual” – isto é, ter um ano da experiência obtida na RAEM e a experiência nesta parte estar sujeita ao limite temporal de três anos anteriores à apresentação do pedido.
Nesta linha, relativamente ao estágio de auditor de contas já concluído na vigência da lei antiga, tendo tal requisito sido eliminado na lei nova, substituído pelo de experiência profissional com que o legislador da lei nova estabelece os termos de equivalência, ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1 da Lei, não se vê motivo para que este se subtraia inteiramente aos novos limites estabelecidos: na verdade, considera-se, relativamente ao anterior requisito de estágio, satisfeito o limite geográfico, uma vez que o estágio foi realizado “em sociedade de auditores de contas ou em escritório de auditor de contas” da RAEM (conforme se prevê no artigo 15.º, n.º 1 do Estatuto dos Auditores de Contas), automaticamente inscritas “como sociedades de contabilistas habilitados”, por força do artigo 96.º, n.º 1.
Aquilo que permanece problemático é o requisito temporal, ou seja, a actualidade da experiência cuja aquisição deve ser, consideramos nós, presumida pelo facto da conclusão do estágio com aproveitamento segundo a lei antiga. Quanto a isto, se entendemos que o pedido de registo daqueles que tivessem concluído o estágio à entrada da nova lei não se extinguiu por mero decurso do tempo, já não é assim em relação à experiência profissional adquirida por causa desse estágio. Parece-nos que o requisito da actualidade não deva deixar de entrar em ponderação, aquando da interpretação da norma em causa, sob pena de estabelecer-se, em colisão com o princípio de igualdade consagrado no artigo 25.º da Lei Básica, uma diferenciação de tratamento entre os dois grupos de interessados em situação materialmente idêntica. À partida, é de sublinhar que não se trata, no caso aqui apreço, de sindicar o respeito pela parte da Administração dos limites jurídicos ao exercício de poder público, ou seja, do respeito do princípio de igualdade na dimensão da proibição de arbítrio como habitualmente se faz no recurso contencioso, mas sim procura-se fazer aplicação de uma norma legal com adopção da interpretação em termos compatíveis com o referido princípio constitucional.
Ora, conforme ensina o professor Jorge Reis Novais, a igualdade para além de ser identificada como proibição do arbítrio, aparece na sua nova formulação com uma exigência de uma adequação substancial do sentido e da medida da diferenciação produzida às razões que justificavam. Neste enquadramento, o controlo de igualdade surge intrinsecamente orientado à “indagação sobre a existência de uma justa medida entre a diferenciação produzida e as razões que fundamentavam, sendo variável em densidade e exigibilidade de justificação em função da gravidade da afectação que resulta da (in)diferenciação de tratamento”. Assim, concluiu o professor “há no controlo de igualdade uma ineliminável e intrínseca dimensão de relatividade, de proporcionalidade ou de equilíbrio associados àquela ideia de justa medida” (cfr. Princípios Estruturantes de Estado de Direito, pp. 82 a 83).
Nesta medida, surgiu na prática jurisprudencial portuguesa, a partir da ideia de associação do controlo de igualdade a ponderação e avaliação de caso concreto que tenha em conta a comparação e justa medida da diferenciação em função da justificação apresentada, um novo parâmetro de controlo designado por “igualdade proporcional”, invocado pelo Tribunal Constitucional português, pela primeira vez, no Acórdão n.º 353/2012, nestes termos:
“Mas, obviamente (…) a diferença de grau de sacrifício para aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites.
Na verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva”.
Mais tarde, no Acórdão n.º 187/2013, entendeu-se o seguinte:
“A desigualdade de tratamento deverá, quanto à medida em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o tratamento desigual – não poderá ser “excessiva, do ponto de vista do desígnio prosseguido -, quer à medida da diferença verificada existir entre o grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação.”
(disponível mediante a consulta do site https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/)
Na situação vertente, a interpretação literal da norma em causa, tal como seguida na petição inicial, leva a que os interessados que tivessem realizado o estágio em data longínqua face à do requerimento de licença, possam ser dispensados de demonstrarem a experiência profissional neste requerimento, ainda que a experiência considerada obtida com o estágio se apresentasse “anacrônica” diante da realidade da prática profissional actual, sem utilidade para o exercício da profissão. No entanto, em relação aos que nunca tivessem chegado a fazer o estágio ao abrigo da lei antiga, estariam estes sempre obrigados a demonstrar, em termos rigorosos, a existência da experiência mais “sincrónica”, isto é, obtida no período de três anos anteriores à apresentação do pedido.
Fácil é perceber que na verdade, o traço distintivo entre os interessados em dois grupos reside unicamente, diríamos, no facto de ter concluído ou não o estágio e que de resto, nenhum deles tem experiência profissional que se considera como actual. Desse modo, estamos perante os dois grupos que apesar da diferença entre si, se encontrem numa situação substancialmente idêntica. A diferença verificada, pela respectiva densidade, não justifica a diferenciação de tratamento nos termos manifestamente excessivos: os primeiros, apenas por causa da conclusão do estágio, passariam a entrar numa situação largamente mais vantajosa em comparação com os segundos. Não se verifica aqui, tal como postula a igualdade proporcional, uma justa medida entre a diferenciação produzida e as razões que fundamentavam, à luz do enquadramento doutrinário e jurisprudencial acima efectuado.
Além do mais, se é evidente o desiderato do legislador imanente ao teor da nova lei, como referimos, de estabelecer uma maior exigência da experiência para o exercício da profissão, em substituição, por equivalência, do antigo requisito de estágio, o ratio de actualidade deve também estar subjacente à norma transitória que estabeleça tal equivalência.
Tanto num como noutro sentido, consideramos que se justifica uma interpretação correctiva da norma em causa, de modo a dar-lhe um alcance conforme ao ratio legis, para além de se melhor compatibilizar com o princípio de igualdade.
De acordo com as directrizes de interpretação que emergem do n.º 1 do artigo 8.º do Código Civil de Macau, “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”.
Segundo o Professor Baptista Machado, procede-se à interpretação restritiva na situação em que “o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui, a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquele ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance).” (cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, p. 186).
No nosso caso, conforme entendemos, a norma do artigo 100.º, n.º 1 da Lei n.º 20/2020 não podia, sob pena de gerar uma desigualdade excessiva, ter alcance tal como ilustrado na letra, sobre a situação em que a falta da actualidade do estágio concluído é tão intensa ao ponto de implicar a perda da respectiva “validade”, e de colocar desse modo o respectivo interessado numa situação extremamente mais vantajosa que os atingidos pelo limite estabelecido pela norma do artigo 15.º, n.º 1, alínea 4), tendo em conta o escopo normativo que consiste em habilitar os contabilistas inscritos para o exercício da respectiva profissão.
Assim sendo, teríamos de concluir que o legislador se exprimiu de forma imperfeita na letra da norma em causa, por ter dito mais do aquilo que queria. Propugna-se, portanto, a interpretação restritiva da norma, restringindo o texto da norma, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei e ao princípio de igualdade, na medida em que a exigência normativa de ordem superior impõe o afastamento da aplicação dessa norma relativamente aos casos que não obstante terem sido abrangidos pela letra da lei, se afiguram incompatíveis com os princípios constitucionais, além de não serem abrangidos pelo espírito da norma, tal como a situação dos requerentes cujo estágio tivesse sido realizado numa data que até à da apresentação do pedido decorreu mais tempo que o de três anos conforme exigência comtemplada no artigo 15.º, n.º 1, alínea 4), ao ponto de gerar uma desigualdade excessiva entre os dois grupos em comparação.
Deve ser sob a norma com este alcance dado que veremos a situação concreta.
Conforme resulta da factualidade provada:
- A ora Requerente foi admitida a fazer o estágio de auditor de contas, por deliberação da Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas, de 17/4/2015, e iniciou, nessa data, o período de estágio.
- Tal estágio considerou-se concluído com a admissão da Requerente à prestação de prova por deliberação desta Comissão, de 13/12/2016, notificada por ofício de 28/12/2016.
- Em 23/7/2021, a Requerente requereu junto da Entidade requerida a emissão da licença para o exercício da profissão de contabilista, invocando para tal a qualidade do candidato a auditor de contas.
Interessa, para termos de comparação, o último ano do período de estágio que mediava entre 13/12/2015 e 13/12/2016. A experiência que se considerou entretanto adquirida pela Requerente em resultado da conclusão desse estágio foi nos cinco anos e sete meses anteriores à data da apresentação do pedido em 23/7/2021, em dois terços superior ao limite temporal de três anos que se impõe aos restantes candidatos. Estamos em crer que apesar da conclusão do estágio pela Requerente, tendo em conta o período em que este decorrera, a diferença que se verifica na data de 23/7/2021 entre ela e os outros na preparação profissional não justifica o seu tratamento largamente mais favorável em consequência da aplicação da equivalência concedida pela norma do artigo 100.º, n.º 1 da Lei n.º 20/2020. Uma palavra final para dizer que a situação da ora Requerente, ao que parece, deve ser excluída do âmbito da aplicação da norma.
Nestes termos ditos, não tendo a Requerente logrado demonstrar todos os pressupostos constitutivos do seu direito à prática do acto devido que invoca ao abrigo da norma, em especial, quanto à experiência profissional a que se refere no artigos 15.º, n.º 1, alínea 4) da Lei n.º 20/2020, deve a acção proposta ser julgada improcedente.
Resta decidir.
***
III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
- Julgar improcedente a acção, com a absolvição da Entidade requerida COMISSÃO PROFISSIONAL DOS CONTABILISTAS do pedido formulado pela Requerente (A).
*
Custas pela Requerente com taxa de justiça de 6 UC.
*
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
(A), melhor identificada nos presentes autos, instaurou acção para a determinação da prática de actos legalmente devidos contra a Comissão Profissional dos Contabilistas, pedindo a condenação da Ré na prática do acto de emissão de licença para o exercício da profissão de contabilista habilitado.
Por douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 90 a 99 dos presentes autos foi a acção julgada improcedente com a consequente absolvição da Ré do pedido.
Inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela revogação daquela decisão.
2.
(i)
(i.1)
Está em causa no presente recurso, como já vimos, a questão de saber se a douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que julgou improcedente a pretensão da Autora de obter a condenação da Ré na prática do acto de emissão de licença para o exercício da profissão de contabilista habilitado, fez ou não uma errada interpretação e aplicação da lei, tal como vem sustentado pela Recorrente.
A nosso modesto ver, aquela sentença não é merecedora de censura. Pelas razões seguintes.
(i.2)
A matéria controvertida encontra o seu regime jurídico, essencialmente, na Lei n.º 20/2020. É aí que, de acordo com o preceituado nos respectivos artigos 1.º e 2.º, se estabelece o regime de qualificação e exercício da profissão de contabilista, aplicável às pessoas singulares que pretendam obter ou tenham obtido a qualificação profissional de contabilista e a qualificação para exercer a profissão de contabilista, bem como às pessoas colectivas que se pretendam inscrever ou se encontrem inscritas como sociedades de contabilistas habilitados a exercer a profissão.
Decorre do n.º 1 do artigo 5.º da dita Lei que «salvo disposição legal em contrário, só os contabilistas habilitados e as sociedades de contabilistas habilitados podem exercer a profissão», sendo que essa habilitação para o exercício da profissão depende da prévia emissão de uma licença por parte da Comissão Profissional dos Contabilistas (doravante, Comissão).
Ora, foi justamente a emissão dessa licença que foi requerida pela Recorrente e indeferida pela Recorrida, tendo desse modo resultado o presente litígio.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 20/2020, em ordem à obtenção daquela licença para o exercício da profissão de contabilista, os requerentes devem reunir cumulativamente as seguintes condições:
1) Ser residente da RAEM;
2) Ser contabilista inscrito na Comissão;
3) Possuir o conhecimento tido por necessário pela Comissão sobre a legislação relacionada com o sector da contabilidade, fiscalidade e auditoria, sendo que, para o referido efeito, a Comissão pode exigir aos requerentes que obtenham aprovação nas provas necessárias;
4) Possuir, pelo menos, dois anos de experiência profissional, principalmente, na área da auditoria, obtida em regime de tempo inteiro numa sociedade de contabilistas habilitados ou num escritório de contabilista habilitado, tendo pelo menos um ano daquela experiência profissional sido obtida na RAEM, nos três anos anteriores à data de apresentação do pedido;
5) Não ser devedor ao Cofre do Tesouro da RAEM, conforme comprovado pela DSF;
6) Reunir as condições sobre incompatibilidades referidas no artigo 18.º.
A leitura da mencionada norma do artigo 15.º da Lei n.º 20/2020, revela, a nosso modesto ver, um aspecto que, sendo essencial para a decisão da acção e do presente recurso, salvo o devido respeito, não terá sido devidamente considerado pela Recorrente. Esse aspecto é o seguinte. De acordo com a alínea 2) do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 20/2020, a emissão da licença depende de o requerente ser contabilista inscrito na Comissão. Inscrito, diga-se, nos termos do artigo 11.º daquele diploma legal. Não pode ser de outra forma: o artigo 15.º tem de ser lido em conjugação com o artigo 11.º da Lei n.º 20/2020, de acordo com o qual, a inscrição como contabilista na Comissão depende do preenchimento cumulativo por parte do candidato das seguintes condições:
1) Ser maior;
2) Encontrar-se numa das seguintes situações:
(1) Ser detentor de licenciatura ou habilitação académica superior em Economia, Gestão, Finanças, Contabilidade, ou em área de especialidade considerada equivalente pela Comissão;
(2) Ser detentor de qualificação profissional reconhecida pela Comissão;
3) Ter obtido, nos cincos anos anteriores à apresentação do pedido de inscrição, aprovação nas provas para contabilista realizadas pela Comissão, ou das mesmas ter sido dispensado pela Comissão;
4) Possuir dois anos de experiência profissional relevante, obtida em regime de tempo inteiro e reconhecida enquanto tal pela Comissão.
Ora, não é disputado que a Autora não é uma contabilista inscrita na Comissão nos termos do artigo 11.º, ou, talvez mais rigorosamente, em virtude de, em relação a ela, estarem se verificarem as condições que nessa norma se exigem para a obtenção da inscrição, desde logo porque, como resulta da matéria de facto, a mesma não chegou a ser aprovada em provas para contabilista que tenha prestado ou que de tenha sido dispensada por parte da Comissão.
O que sucede é que, em virtude de, à data da entrada em vigor da Lei n.º 20/2020, a Autora já se encontrar registada na Comissão de Registo de Auditores e Contabilistas, nos termos do Estatuto dos Contabilistas Registados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/99/M, de 1 de Novembro, foi automaticamente inscrita como contabilista, sendo-lhe emitido um certificado de inscrição como contabilista, tudo nos termos previstos na disposição transitória do n.º 1 do artigo 97.º da Lei n.º 20/2020.
Todavia, parece-nos, com todo o respeito, que essa inscrição não é, de modo algum, equivalente à inscrição exigida pela norma do artigo 15.º como requisito para a emissão da licença que habilita para o exercício da profissão de contabilista. Na verdade, a inscrição automática ex vi do n.º 1 do artigo 97.º tem um alcance limitado. De acordo com o n.º 4 do mesmo artigo 97.º, os contabilistas registados referidos no n.º 1 podem, após a data da entrada em vigor da presente lei, ser registados na lista referida no n.º 1 do artigo 93.º, e continuar a prestar a clientes, a título individual, serviços de contabilidade, consultoria contabilística, entrega de declarações fiscais, consultoria fiscal e outros serviços relacionados. Mas não mais do que isso. Quer dizer, pois, que os contabilistas inscritos ao abrigo da norma transitória do n.º 1 do artigo 97.º não estão habilitados para prestar todos os serviços que os contabilistas habilitados à luz do artigo 15.º da Lei n.º 20/2020 podem prestar, nomeadamente, serviços de auditoria e serviços de credibilização. É por isso, aliás, que o n.º 6 do artigo 97.º da Lei n.º 20/2020 também previa que os contabilistas registados referidos no n.º 1 pudessem, no prazo de três anos, contado a partir da data da respectiva entrada em vigor, pudessem participar em cursos especiais sobre auditoria a organizar pela Comissão, sendo a conclusão dos mesmos e a aprovação obtida nas correspondentes avaliações consideradas equiparadas ao preenchimento da condição prevista na alínea 3) do n.º 1 do artigo 15.º.
Como se pode ver, a norma transitória do artigo 97.º da Lei n.º 20/2020, veio dar solução a uma questão específica que era a do enquadramento, à luz da nova lei, das pessoas, como a Recorrente, que, no âmbito do regime legal anterior, exerciam a actividade de contabilistas, não a actividade de auditores de contas, permitindo que estas continuem a exercer aquela actividade, considerando-se automaticamente inscritas como contabilistas na Comissão. Por isso, tal inscrição automática como contabilista resultante do n.º 1 do artigo 97.º esgota o seu alcance aí, enquanto habilitação para o exercício da actividade profissional de contabilista nos termos limitados que decorrem do n.º 4 do artigo 97.º. Não substitui, nem é equivalente, per se, à inscrição obtida nos termos do artigo 11.º da Lei n.º 20/2020, a qual, como dissemos, é a que releva para efeitos de aplicação da alínea 2) do n.º 1 do artigo 15.º daquele diploma.
(ii)
O que nos leva a um último e decisivo ponto. E que é este: a situação da Autora ou é enquadrada na norma do n.º 1 do artigo 97.º ou na norma do n.º 1 do artigo 100.º da Lei n.º 20/2020. Não, cumulativamente, em ambas as normas.
Não é difícil, parece-nos, justificar esta asserção.
As disposições transitórias dos artigos 93.º a 102.º da Lei n.º 20/2020, tiveram em vista, entre o mais que agora não interessa e como é próprio de normas de direito transitório, acomodar ao novo regime jurídico da profissão de contabilista por ela introduzido as situações resultantes do direito pretérito, à luz do qual existiam duas profissões: a de contabilista, regulada pelo Estatuto dos Contabilistas Registados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/99/M, de 1 de Novembro, e a de auditor de contas, que encontrava a sua regulação nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro.
Assim.
As normas dos artigos 94.º e 95.º da Lei n.º 20/2020 tratam do enquadramento da situação dos anteriores auditores de contas face à nova lei (do modo seguinte: os auditores de contas que, à data da entrada em vigor da presente lei, já se encontrem registados na Comissão de Registo de Auditores e Contabilistas, nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, são automaticamente inscritos como contabilistas, sendo-lhes emitidos um certificado de inscrição como contabilista, uma licença para o exercício da profissão e um cartão profissional).
As normas dos artigos 97.º e 98.º regem em relação ao tratamento da situação dos contabilistas do direito pretérito, nos termos que já vimos.
Por sua vez, a norma do artigo 100.º, invocado pela Autora para fundamentar a sua pretensão, contém as disposições transitórias relativas aos candidatos a auditor de contas e a contabilista registado do direito anterior, no pressuposto de que era essa, exclusivamente, a sua situação, a de candidatos, não sendo, portanto, nem auditores de contas nem contabilistas, porque, como dissemos, tais situações mereceram a regulação constante dos artigos anteriores.
É certo, todavia, que a Autora, na vigência do direito pretérito, além de contabilista também foi candidata a auditora de contas, mas isto não invalida o que vimos de dizer nem permite, portanto, suportar o acolhimento da sua pretensão. Por uma razão que é simples.
A aplicação conjugada e simultânea da antes referida norma do n.º 1 do artigo 97.º (com o alcance que já vimos ser de rejeitar que é o de considerar que ela é, para todos os efeitos, contabilista inscrita) e da norma do n.º 1 do artigo 100.º da Lei n.º 20/2020 (segundo a qual, «os candidatos a auditor de contas cujo período de estágio já tenha sido reconhecido pela Comissão de Registo de Auditores e Contabilistas, nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro, à data da entrada em vigor da presente lei, consideram-se reunir, no prazo de três anos, contado a partir da data da entrada em vigor da presente lei, a condição prevista na alínea 4) do n.º 1 do artigo 15.º), nos termos pretendidos pela Recorrente, conduziria a um resultado que é, explicitamente, rejeitado tanto pelo n.º 6 do artigo 97.º (que preceitua: «os contabilistas registados referidos no n.º 1 podem, no prazo de três anos, contado a partir da data da entrada em vigor da presente lei, participar em cursos especiais sobre auditoria a organizar pela Comissão, sendo a conclusão dos mesmos e a aprovação obtida nas correspondentes avaliações consideradas equiparadas ao preenchimento da condição prevista na alínea 3) do n.º 1 do artigo 15.º»), como pelos n.ºs 4 (segundo a qual: «os requisitos de admissão à prestação de provas para contabilista dos candidatos referidos nos números anteriores são os definidos na presente lei») e 5 (que estabelece: «os candidatos que, à data da entrada em vigor da presente lei, já tenham iniciado a prestação de provas para auditor de contas podem ser inscritos como contabilistas, sendo-lhes emitidos um certificado de inscrição como contabilista, uma licença para o exercício da profissão e um cartão profissional, caso obtenham aprovação, no prazo previsto no regime de prestação de provas vigente à data da entrada em vigor da presente lei, em todas as matérias equivalentes constantes do regime de prestação de provas referido no n.º 4 do artigo seguinte e preencham a condição prevista na alínea 1) do n.º 1 do artigo 15.º ) do artigo 100.º da Lei n.º 20/2020. Com efeito, aquela aplicação cumulativa das duas normas implicaria um resultado interpretativo inaceitável à luz delas próprias, dado que a Recorrente acabaria por ter direito à emissão de licença para o exercício da profissão de contabilista habilitado sem aprovação em provas organizadas pela Comissão (exigência resultante, como parece claro, do artigo 100.º, n.ºs 4 e 5), ou, ao menos, sem ter obtido a aprovação nos cursos especiais sobre auditoria a organizar pela Comissão (como resulta expressamente do artigo 97.º, n.º 6) e, portanto, sem preencher o requisito da alínea 3) do n.º 1 do artigo 15.º e da alínea 3) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 20/2020.
Deste modo, se, como parece, a Recorrente se quer prevalecer do facto de antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2020 ter sido candidata a auditora de contas, não pode, nos termos resultantes do nº 4 do artigo 100.º daquela lei, deixar de estar sujeita à de prestação provas e nelas ser aprovada (ou, então, ser dispensada dessa prestação pela Comissão), para que possa beneficiar da emissão da licença que a habilite para o exercício da profissão. A esta conclusão não obsta o facto de ela já ser contabilista inscrita na medida em que, como vimos, essa inscrição não obedeceu ao regime do artigo 11.º, em especial ao do disposto na alínea 3) do respectivo n.º 1, antes resultou do n.º 1 do artigo 97.º da Lei n.º 20/2020.
Com esta fundamentação, estamos em crer que a pretensão da Recorrente não pode deixar de improceder, pelo que a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que também assim concluiu, não se mostra passível, bem pelo contrário, de qualquer reparo, devendo merecer confirmação.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
Concordamos BASICAMENTE com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à excepção da parte indicada sob o nº (1.2) do parecer acima transcrito, em que se defende que a norma do artigo 97º da citada Lei tem um alcance limitado, porque esta interpretação constante do douto parecer poderia conduzir à existência de 2 tipos de cartas profissionais para os contabilistas, certo é que não é, salvo o melhor respeito, esta filosofia e objectivo da legislação em causa. Mas é de destacar que, independentemente da posição que se pretende alinhar, os argumentos decisivos para negar provimento ao recurso consistem nos seguintes aspectos:
1) – Tal como se alega e resulta também da factualidade assente, a Recorrente não chegou a realizar com aproveitamento todas as provas em tempo adequado, pois tal como alega a Entidade Recorrida:
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Em reforço do supra exposto, importa referir que apenas a suspensão e cancelamento voluntários ou automáticos tinham previsão legal de notificação, conforme disposto nos n.º 2 dos artigos 7.º, 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 71/99/M.
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Acresce que o espírito do legislador em momento e disposição alguma, quer do actual regime de qualificação e exercício da profissão de contabilista, quer do anterior "Estatuto dos Auditores de Contas" admitiu a possibilidade da "qualidade de candidato a auditor de contas" ultrapassar os prazos legal e regulamentarmente estabelecidos para o efeito, sob pena de cessão por extinção por "prescrição" ou "caducidade" decorridas as 4 épocas de exame, que ocorreram em 2017 e 2018.
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Neste sentido aponta claramente a norma transitória que Autora equivocamente alega em seu favor, designadamente no artigo 34.º da PI - o nº 1 do artigo 100º da Lei n.º 20/2020 salvaguarda, no prazo de três anos, a partir da entrada em vigor (1 de Dezembro de 2020), a situação jurídica dos candidatos a auditor de contas que, tendo já sido reconhecido pela CRAC o período de estágio, precisamente para delimitar transitoriamente de forma abrangente mas sem deixar eternizar o regime transitório. Relembrando que o estágio tinha a duração de 18 meses e a aprovação teria que ser conseguida no prazo de 4 épocas de exame.
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Sem conceder, a situação da Autora é muito anterior, tendo a mesma por deliberação da CRAC, de 13 de Dezembro de 2016 - cujo conteúdo foi notificado por oficio n.º 2533/CRAC/2016, foi apenas notificado à recorrente, que a CRAC procedeu, nos termos do n.º 3 ao artigo 17.º do Estatuto os Auditores de Contas, à avaliação do seu estágio, tendo deliberado, também, admitir a recorrente para prestar as provas, não constituindo a qualidade de candidato a auditor de contas objecto da deliberação, contrariamente ao entendido pela Autora.
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Acresce de forma decisiva da bondade deste entendimento, por interpretação sistemática da mens legis, e também da mens legislatoris, a norma constante do n.º 6 do artigo 100º, da Lei n.º 20/2020, que salvaguarda in toto as provas já realizadas pelos candidatos a auditores APENAS se obtiverem aprovação em todas dentro do prazo previsto no regime de prestação de provas vigente:
"6. Os candidatos que, à data da entrada em vigor da presente lei, já tenham iniciado a prestação de provas para contabilista registado podem ser inscritos como contabilistas e registados na lista referida no n.º 1 do artigo 93.º, bem como prestar a clientes, a título individual, serviços de contabilidade, consultoria contabilística, entrega de declarações fiscais, consultoria fiscal e outros serviços relacionados, sendo-lhes emitidos um certificado de inscrição como contabilista e o cartão comprovativo do registo referido no n.º 4 do artigo 93.º, caso obtenham aprovação, no prazo previsto no regime de prestação de provas vigente à data da entrada em vigor da presente lei, em todas as matérias equivalentes constantes do regime de prestação de provas referido no n.º 4 do artigo seguinte e preencham as condições previstas na alínea 1) do n.º 1 do artigo 15.º e no n.º 4 do artigo 97.º"
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Por último, e com importância para contrariar a pretensão da Autora, vem o disposto expresso inequivocamente no artigo 101.º:
Artigo 101.º
Disposições transitórias relativas às aprovações obtidas nas provas para auditor de contas e contabilista registado
1. As aprovações nas provas para auditor de contas e contabilista registado já obtidas à data da entrada em vigor da presente lei e que ainda se encontrem válidas, são consideradas aprovações nas matérias equivalentes que constituem objecto das provas previstas no n.º 4.
2. Por aprovações ainda válidas, referidas no número anterior, entendem-se as aprovações nas respectivas matérias que, nos termos do anterior regime de prestação de provas, ainda se encontram dentro do respectivo período de validade à data da entrada em vigor da presente lei.
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Sendo que havia 2 épocas de exame por ano, a validade dos exames retroagem rio máximo aos efectuados, com aprovação na segunda época de 2019. Ora a Autora autorizada em Dezembro de 2016, dispôs das 4 épocas, nas 2 de 2017 e 2 de 2018, para concluir validamente a aprovação em todas as provas, o que não sucedeu, tendo por isso perdido a validade todas, por prescrição ou caducidade, e cessado ope legis a sua "qualidade" de candidata a auditor de contas. Não podendo beneficiar dessa norma, como não podem, nos termos do artigo 101.º todos os demais, mais contemporâneos que obtiveram aprovações já na 1ª época de 2019, e que tinha caducado já na data de entrada em vigor.
2) – Um outro argumento decisivo resulta do facto de a Recorrente já ter deixado passar o tempo fixado no artigo 100º da citada Lei para poder aproveitar o prazo especialmente fixado para requerer a respectiva licença, reproduzindo aqui para todos os efeitos a argumentação tecida pelo TA constante da sentença recorrida.
3) – No demais, aderindo à argumentação tecida pelo Digno. Magistrado do MP junto deste TSI nos termos acima transcrito, sufragamos a solução adoptada na sentença ora posta em crise, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pela Recorrente, razão pela qual é de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.
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Síntese conclusiva
I – De acordo com o preceituado nos respectivos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 20/2020, de 21 de Setembro, nomeadamente através dos seus artigos 1º e 2º, estabelece o regime de qualificação e exercício da profissão de contabilista, aplicável às pessoas singulares que pretendam obter ou tenham obtido a qualificação profissional de contabilista e a qualificação para exercer a profissão de contabilista, bem como às pessoas colectivas que se pretendam inscrever ou se encontrem inscritas como sociedades de contabilistas habilitados a exercer a profissão. Decorre do n.º 1 do artigo 5.º da dita Lei que «salvo disposição legal em contrário, só os contabilistas habilitados e as sociedades de contabilistas habilitados podem exercer a profissão», sendo que essa habilitação para o exercício da profissão depende da prévia emissão de uma licença por parte da Comissão Profissional dos Contabilistas.
II – Face aos factos considerados assentes, é de entender que a situação da Autora é enquadrada conjuntamente na norma do n.º 1 do artigo 97.º e na norma do n.º 1 do artigo 100.º, todos da Lei n.º 20/2020, já que encontra-se numa situação transitória entre o regime antigo e o regime novo.
III - As disposições transitórias dos artigos 93.º a 102.º da Lei n.º 20/2020, tem em vista, entre o mais que agora não interessa e como é próprio de normas de direito transitório, acomodar ao novo regime jurídico da profissão de contabilista por ela introduzido as situações resultantes do direito pretérito, à luz do qual existiam duas profissões: a de contabilista, regulada pelo Estatuto dos Contabilistas Registados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/99/M, de 1 de Novembro, e a de auditor de contas, que encontrava a sua regulação nos termos do Estatuto dos Auditores de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de Novembro.
IV - A Recorrente pretende prevalecer do facto de, antes da entrada em vigor da Lei n.º 20/2020, ter sido candidata a auditora de contas, não pode, nos termos resultantes do nº 4 do artigo 100.º daquela lei, deixar de estar sujeita à de prestação provas e nelas ser aprovada (ou, então, ser dispensada dessa prestação pela Comissão), para que possa beneficiar da emissão da licença que a habilite para o exercício da profissão. A esta conclusão não obsta o facto de ela já ser contabilista inscrita na medida em que essa inscrição não obedeceu ao regime do artigo 11.º, em especial ao do disposto na alínea 3) do respectivo n.º 1, antes resultou do n.º 1 do artigo 97.º da Lei n.º 20/2020. Com esta fundamentação, nitidamente improcede a pretensão da Recorrente pelo que a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo não merece qualquer reparo e como tal deve ser confirmada.
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Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 13 de Fevereiro de 2025.
Fong Man Chong (Relator)
Tong Hio Fong (Primeiro Juiz-Adjunto)
Rui Pereira Ribeiro (Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng (Procurador-Adjunto do Ministério Público)
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