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Processo n.º 433/2024
(Autos de recurso contencioso)
     
Relator: Fong Man Chong
Data : 13 de Fevereiro de 2025

Assuntos:
    
- Incompetência absoluta e incompetência relativa para prática de acto administrativo
     
SUMÁRIO:

I – A falta de elementos essenciais dum acto administrativo refere-se àquelas situações em que se verifica a falta de um elemento estruturalmente fundamental dum acto que não permite a qualificação do acto como administrativo, podendo abranger factores cuja ausência é de tal modo grave que repugna à consciência jurídica a possibilidade da ilegalidade se sanar pelo decurso do tempo.

II - A incompetência consiste na ilegalidade resultante da prática por parte de um órgão duma pessoa colectiva de um acto que não cabe na sua esfera de competência, mas que pertence à competência de outro órgão ou pessoa colectiva. A incompetência pode revestir essencialmente duas modalidades: (1) incompetência absoluta - quando um órgão da Administração pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence; e (2) incompetência relativa, quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence a outro órgão da mesma pessoa.

III - No caso, a situação não é susceptível de consubstanciar uma situação de incompetência absoluta da Junta de Saúde, porquanto, como decorre da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do ETAPM, aquela Junta exerceu poderes que lhe estão legalmente cometidos. Com efeito é à Junta de Saúde que cabe pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, tratando-se, assim, de uma competência que lhe é deferida pela norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro. Pelo que não se verifica o vício alegado pelo Recorrente neste domínio.
     

O Relator,
     
_______________
Fong Man Chong









Processo n.º 433/2024
(Autos de recurso contencioso)

Data : 13 de Fevereiro de 2025

Recorrente : A

Entidade Recorrida : Secretário para a Segurança

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 21/09/2020, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, veio, em 06/06/2024, interpor o recurso contencioso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 4 a 27, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O recorrente Impugnou judicialmente a decisão de demissão constante do Despacho n.º 097/SS/2020, proferido pelo Exm.º Secretário para a Segurança em 21 SET 2020, perante o T.S.I. (Autos n.º 242/2022) e, seguidamente, perante o T.U.I. (Autos n.º 38/2023), não tendo sido acolhidos os fundamentos por si então judicialmente invocados, tudo conforme decisão por último proferida pelo T.U.I. em 13 MAR 2024.
2. Em 2 ABR 2024 o recorrente veio invocar perante o Exm.º Secretário para a Segurança um outro vício de nulidade detectado também no seu mesmo Despacho n.º 097/SS/2020 de 21 SET 2020, requerendo, assim, que fosse administrativamente declarada a sua nulidade com base em tal vício: consistente em, na base da sua fundamentação per relationem, ter estado uma intervenção da Junta de Saúde em flagrante violação do art. 104.º, n.º 1, al. a), do E.T.A.P.M.
3. A tal invocação de nulidade suscitada em 2 ABR 2024, o Exm.º Secretário para a Segurança veio responder por despacho 23 ABR 2024, auto-qualificando o seu Despacho n.º 097/SS/2020 como "acto secundário" relativamente ao qual seria, correlativamente, "acto primário" a "deliberação da Junta de Saúde", a qual não teria sido alvo de impugnação por banda do aqui recorrente, sendo que, em 7 MAI 2024 o recorrente solicitou ao Exm.º Secretário para a Segurança uma nova notificação contendo a menção a qual o órgão competente e o prazo para impugnação do acto e, bem assim, se deste cabe ou não imediato recurso contencioso, tudo conforme disposto nas als. c) e d) do art. 70.º do C.P.A. e do n.º 2 do art. 27.º do C.P.A.C.
4. Em 8 MAI 2024 o Exm.º Secretário para a Segurança, respondendo ao requerimento de 7 MAI 2024, veio auto-qualificar o seu despacho de 23 ABR 2024 como sendo "meramente confirmativo" de um seu anterior «(...) despacho de 15 de Março de 2022 (...)», afigurando-se ao aqui recorrente, ressalvado o devido respeito, de todo ininteligível esta específica menção a um "anterior despacho de 15 MAR 2022".
5. Em face do que antecede, pese embora suscitado apenas em 2 ABR 2024 o específico e concreto vício de nulidade de "um mínimo de 60 dias" que fere e já feria o Despacho n.º 097/SS/2020, é neste despacho que (evidentemente) se verifica tal nulidade e é, pois, este Despacho n.º 097/SS/2020 de 21 SET 2020 cuja nulidade se vem aqui judicialmente requerer que seja declarada.
6. Cabe salientar, face às anteriores decisões judiciais já transitadas em julgado, que a questão do "mínimo de 60 dias" não chegou a ser conhecida - e, por identidade ou mesmo maioria de razão, a ser decidida - quer pelo T.S.I. quer pelo T.U.I.
7. Ora, o art. 33.º, n.º 2, al. a), do DL 81/99/M não contém a totalidade nem, pois, esgota a disciplina jurídica das competências por lei cometidas à Junta de Saúde, sendo que essa remissão precisamente contida no art. 33.º, n.º 2, al. a), do DL 81/99/M - "nos termos da lei" - encontra-se sediada no regime contido nos artigos 100.º e seguintes do E.T.A.P.M.
8. Assim, a ausência por doença é justificada mediante apresentação de um dos seguintes documentos: a) Atestado medico passado por médico dos estabelecimentos hospitalares ou centros de saúde; b) Declarações de internamento hospitalar e convalescença; c) Declaração da Junta de Saúde - cfr artigos 100.º e 101.º do E.T.A.P.M.
9. Por outro lado, salvo nos casos de internamento em estabelecimento hospitalar, o trabalhador deve ser submetido à Junta de Saúde quando: a) Atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada nos termos dos artigos anteriores; b) A actuação do doente indicie um comportamento fraudulento, independentemente do número de dias de ausência ao serviço; c) O comportamento do trabalhador indicie perturbação física ou psíquica que comprometa o normal desempenho, das suas funções - cfr art. 104.º do E.T.A.P.M.
10. Por sua vez, para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 104.º do E.T.A.P.M., a Junta de Saúde deve pronunciar-se sobre: a) A aptidão do trabalhador em regressar ao serviço, no caso da alínea a); b) A existência da doença, no caso da alínea b); c) A impossibilidade de continuação em funções devido a perturbação física ou psíquica, no caso da alínea c).
11. A Junta de Saúde apenas emite uma pronúncia quanto à existência de doença ou quanto à não existência de doença - e, num caso ou noutro, hajam ou não hajam prévios e antecedentes atestados emitidos por médicos particulares - se estiver em causa um quadro de indiciamento de fraude por parte do funcionário - cfr. artigo 104.º, n.º 1, 1. b), e 105.º, n.º 1, b), ambos do E.T.A.P.M., e, bem assim, a Junta de Saúde também apenas emite uma pronúncia quanto à impossibilidade de continuação em funções devido a perturbação física ou psíquica - e, num caso ou noutro, hajam ou não hajam prévios e antecedentes atestados emitidos por médicos particulares - se estiver em causa um quadro de comprometimento do normal desempenho de funções por parte do funcionário - cfr. artigo 104.º, n.º 1, 1. c), e 105.º, n.º 1, c), ambos do E.T.A.P.M.
12. Tais situações - indiciamento de fraude ou comprometimento do normal desempenho de funções - não ocorreu jamais in casu, e, assim sendo, restam, pois, a al. a) do art. 104.º e a conexa al. a) do art. 105.º do E.T.A.P.M.
13. Ora, tendo o recorrente faltado de 17 MAI 2019 até 12 JUL 2019 - sempre ao abrigo de atestados emitidos por médicos particulares justificativos dessas faltas - o recorrente faltou por 57 (cinquenta e sete) dias, entre a sexta-feira, 17 MAI 2019, e a sexta-feira, 12 JUL 2019, assim faltando a verificação desse pressuposto inarredável e inultrapassável de falta por 60 ou mais dias e, logo, cabe perguntar qual o fundamento fáctico-normativo para que tenha sido desencadeada em termos legítimos a intervenção da Junta de Saúde de 12 JUL 2019 e o seu posterior acolhimento pelo Exm.º Secretário para a Segurança enquanto fundamento do seu despacho n.º 097/SS/2020 de 21 SET 2020!
14. É que é manifesto que tendo o recorrente faltado de 17 MAI 2019 até 12 JUL 2019 - sempre ao abrigo de atestados emitidos por médicos particulares justificativos dessas faltas - o recorrente faltou por 57 (cinquenta e sete) dias.
15. Ou seja, entre a sexta-feira, 17 MAI 2019, e a sexta-feira, 12 JUL 2019.
16. Pelo que faltou a verificação desse pressuposto inultrapassável e irredutível de falta por 60 ou mais dias.
17. Tal patamar de "60" dias é, pois, na perspectiva do recorrente e, julga-se, de acordo com uma interpretação objectiva e literal da norma, um dos requisitos sine qua non para a legitimação jurídica da actuação da Junta de Saúde.
18. Isto porque quando se não perfaçam ou completem "60 dias" não poderá a Junta legítima e validamente praticar quaisquer actos e operações materiais ou jurídicas.
19. Por esse motivo, o recorrente expressamente arguiu perante o Exm.º Secretário para a Segurança esse fundamento como denotador da falta de competência legal da Junta de Saúde para ter agido nos termos em que agiu in casu: não ter o recorrente faltado 60 dias, mas 57 (cinquenta e sete) dias, entre a sexta-feira, 17 MAI 2019, e a sexta-feira, 12 JUL 2019.
20. A questão dos "60 dias" reporta-se a um dos elementos da matéria de facto / causa de pedir integrante da fattispecie legal constante do art. 104.º, n.º 1, al. a), do E.T.A.P.M.
21. Elemento da matéria de facto / causa de pedir integrante da fattispecie legal que, consoante a sua ocorrência se tenha ou não verificado, directamente vai decisivamente condicionar positiva ou negativamente um dos pressupostos jurídicos para a validade ou legitimidade de actuação da Junta de Saúde.
22. Verificando-se faltas por 60 ou mais dias a intervenção da Junta de Saúde - desde que os demais requisitos se verifiquem - poderia em tese estar legitimada.
23. Diferentemente - tal qual ocorreu in casu -, não se verificando faltas por, pelo menos, 60 dias, então a intervenção da Junta de Saúde - mesmo que que os demais requisitos se verificassem - nunca poderá estar legitimada.
24. Numa primeira interpretação, esta questão dos "60" dias vale, pois como "elemento essencial do acto", isto é, como requisito material e estrutural de verificação indispensável para que o acto - mesmo que restrito ao seu núcleo central mais irredutível - possa sequer valer como tal em termos da sua validade e existência jurídica enquanto fundamentação do acto que o acolha ou homologue.
25. Ou, se assim se não entender, numa segunda interpretação, sempre a questão dos "60" dias vale como "pressuposto de facto e de direito do acto" produzido a partir da actuação da Junta: isto é, desrespeitados ou não observados tais pressupostos de actuação, o resultante da acção procedimental da Junta é um produto que extravasa as suas legais atribuições e, como tal, é nulo por incompetência absoluta.
26. Assim sendo, seja ex vi do corpo do n.º 1 do art. 122.º do C.P.A. - na "primeira interpretação" - ou por via da al. b) do n.º 2 do art. 122.º do C.P.A. - na "segunda interpretação" -, é nulo e de nenhum efeito o despacho de 21 SET 2020 determinativo da demissão, nulidade que, enquanto poder-dever, deverá ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão da Administração ou tribunal, corno flui do art. 123.º, n.º 2, do C.P.A.
27. Nulidade desse acto administrativo de 21 SET 2020 que se estende necessariamente quer às subsequentes operações materiais quer aos actos consequenciais que, à sua sombra, o pretendam efectivar no plano fáctico-prático.
28. Consequentemente, atento tudo o acima exposto, ex vi da al. b) do n.º 2 do art. 122.º do C.P.A., é nulo e de nenhum efeito o despacho determinativo da demissão, nulidade que, enquanto poder-dever, deverá ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão da Administração ou tribunal, como flui do art. 123.º, n.º 2, do C.P.A.
29. Consequentemente, a decisão a quo configura-se como um acto nulo, invalidade que aqui se invoca como fundamento específico para a sua invalidação judicial por V. Ex.as, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e a al. d) do n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
NESTES TERMOS,
deverá ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se a invalidação in totum do acto recorrido, atento o vício invocado gerador da sua nulidade.
*
Citada a Entidade Recorrida, o Senhor Secretário para a Segurança veio contestar o recurso com os fundamentos constantes de fls. 74 a 92, tendo alegado o seguinte:
      1. Nos presentes autos vem pedida a invalidação in totum do Despacho nº 097/SS/2020, proferido pelo Secretário para a Segurança, em 21.09.2020, através do qual foi aplicada ao Recorrente, por ausência ilegítima, a pena disciplinar de demissão.
      2. Para tanto vem o Recorrente alegar, após não terem sido acolhidos os fundamentos invocados nas acções judiciais (TSI-Proc. nº 242/2022 / TUI-Proc. nº 38/2023) onde já impugnou esse mesmo despacho, ter invocado em 02.04.2024 perante o Secretário para a Segurança um outro vício de nulidade, agora por, na base da fundamentação per relationem, ter estado a intervenção da Junta de Saúde de 12.07.2019, em flagrante violação do art.104º, nº 1., alínea a) do ETAPM, uma vez que não tendo o período de faltas atingido o patamar de 60 dias, mas de apenas 57 dias, tal intervenção nunca poderá estar legitimada.
      3. Em 23.04.2024 o Secretário para a Segurança respondeu à invocação dessa nulidade, tendo o ora Recorrente solicitado, em 07.05.2024, uma nova notificação contendo a menção do órgão competente e o prazo para impugnação do acto e se deste cabia ou não imediato recurso contencioso, conforme disposto nas alíneas c) e d) do art.70º do CPA e do nº2 do art.27º do CPAC, o que mereceu a resposta de dia 8 de Maio.
      4. O Recorrente argumenta, numa primeira interpretação, que "esta questão dos "60" dias vale, pois como "elemento essencial do acto", isto é como requisito material e estrutural de verificação indispensável para que o acto - mesmo que restrito ao seu núcleo central mais irredutível - possa valer como tal em termos da sua validade e existência jurídica enquanto fundamentação do acto que o acolha ou homologue", o que significa que o despacho de 21.09.2020 determinativo da demissão deverá ser declarado, ex vi do corpo do nº 1. do art.122º do CPA, nulo e de nenhum efeito por qualquer órgão da Administração ou tribunal, como flui do art.123º, nº 2 do CPA.
      5. Ou, se assim não se entender, numa segunda interpretação, "sempre a questão dos "60" dias vale como "pressuposto de facto e de direito do acto" produzido a partir da actuação da Junta: isto é, desrespeitados ou não observados tais pressupostos de actuação, o resultante da acção procedimental da Junta é um produto que extravasa as suas legais atribuições" e, como tal, o despacho de 21.09.2020 determinativo da demissão, por via da alínea b) do nº 2 do art.122º do CPA, é nulo por incompetência absoluta.
      6. Concluindo que tal nulidade se estende necessariamente quer as subsequentes operações materiais, quer aos actos consequenciais que, à sua sombra, o pretendam efectivar no plano fáctico-prático.
      - DOS FACTOS-
      7. No âmbito do processo disciplinar nº 209/2019-CPSP instaurado contra o Recorrente foi proferido, em 21.09.2020, pelo Secretário para a Segurança o seguinte despacho:
"DESPACHO Nº 097/SS/2020
      Processo Disciplinar nº 209/2019-CPSP
      Arguido: Guarda nº2XXX71, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública
      Nos presentes autos de processo disciplinar em que é arguido o Guarda nº2XXX71, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, vem, conforme consta da acusação, a qual, quanto à matéria de facto, aqui se dá por inteiramente reproduzida, abundantemente provado que:
      O arguido começou a faltar ao serviço no dia 17 de Maio de 2019, justificando as faltas por via de atestados médicos, assim se mantendo até ser presente à Junta de Saúde em 12 de Julho de 2019.
      A Junta de Saúde, em face de um relatório da especialidade que atribuiu ao arguido um grau de incapacidade para o trabalho de 5%, deliberou no sentido de que o mesmo deveria voltar ao trabalho.
      O arguido não se apresentou ao serviço, pese embora ter ficado ciente do dever de se apresentar porquanto prosseguiu com a apresentação de atestados médicos, até nova reunião da Junta de Saúde.
      O arguido foi de novo presente à Junta de Saúde em 20 de Setembro de 2019, mantendo a decisão anterior de não configuração da doença incapacitante e, consequentemente, considerando injustificadas as faltas ao serviço com fundamento nessa incapacidade, deliberação que lhe foi comunicada.
      O arguido faltou injustificadamente ao serviço, pelo menos, desde o dia 12 de Julho de 2019, data da primeira reunião da Junta de Saúde, até 20 de Setembro do mesmo ano, infringindo o dever de assiduidade previsto na a) do nº2 do artigo 13º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei nº66/94/M, de 30 de Dezembro e, por exceder os 5 dias consecutivos de faltas injustificadas, colocou-se na situação de ausência ilegítima, a que se refere a alínea i) do nº2 do seu artigo 238º, com referência ao disposto nos nºs 2 e 5, respectivamente dos artigos 90º e 105º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública.
      O arguido afrontou de forma deliberada e indesculpável uma decisão que se lhe impunha como obrigação a cumprir. O seu comportamento absentista demonstra não ter condições para a manutenção do vínculo funcional, nomeadamente por falta de identificação com os deveres de assiduidade e de disponibilidade para o exercício de funções, especialmente quando se comparam este tipo de condutas com a entrega ao serviço público protagonizada pela generalidade dos seus colegas, sendo, pois, de excluir a aplicação da pena expulsiva de aposentação compulsiva, não obstante contar mais de 15 anos de serviço, em face da atitude relapsa demonstrada, e cuja gravidade inculca um elevado grau de censura ético-jurídica, ao persistir num de grau incapacidade física não clinicamente comprovado.
      Nestes termos, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina, o Secretário para a Segurança, no uso dos poderes executivos que lhe advêm do nº 1 da Ordem Executiva nº 182/2019, com referência a competência disciplinar atribuída pelo Anexo G ao artigo 211º do EMFSM, ponderado que foi, também, o circunstancialismo atenuante constante da acusação, designadamente aquele a que se referem as alíneas b) e i) do nº2 do artigo 200º do citado EMFSM.
      Pune o arguido, Guarda nº2XXX71, A, do Corpo de Polícia de Segurança Publica, com a pena disciplinar de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 219º, alínea g) e 224º, 238º nº 2 al. i) e 240º al c), com os efeitos do artigo 228º, todos os normativos citados do EMFSM." - cfr. fls.218-219 do processo administrativo (doravante "PA").
      8. O Recorrente foi notificado desse despacho em 25.09.2020 - cfr. fls.220 do PA.
      9. O Recorrente recebeu o ofício, com a referência 1741/DSFSM-DA-DARH/OFI/2021, da Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau, de 10.09.2021, pelo qual lhe foi comunicada a ordem de reposição de salários no valor de MOP573.054,20 - cfr. Doc.1.
      10. Em 30.12.2021 foi publicado no jornal "Ponto Final", o anúncio da Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau, de 28.12.2021, com o seguinte teor:
"Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços das Forças de Segurança de Macau

Anúncio
      1. Nos termos do nº2 do artigo 72º do Código do Procedimento Administrativo, por meio de edital notificam-se os seguintes elementos:
      (1) Por despacho de 8 de Setembro de 2021 exarado pela Directora da DSFSM na Proposta nº1045/DARH/DA/2021D, o ex-guarda de primeira, B, do CPSP, deve repor o montante de MOP879424,60 à Administração, por efeito de cessação de funções.
      (2) Por despacho de 10 de Setembro de 2021 exarado pela Directora da DSFSM na Proposta nº1067/DARH/DA/2021D, o ex-guarda, A, do CPSP, deve repor o montante de MOP573054,20 à Administração, por efeito de cessação de funções.
      2. Os notificados supramencionados devem dirigir-se à Secção de Contabilidade (Tesouraria) da Divisão de Gestão Financeira e Orçamental desta DSFSM, sita na Calçada dos Quartéis, Macau, no prazo de 30 dias a contar da data da publicação do presente anuncio, para pagar a quantia supracitada. O incumprimento de reposição da quantia em causa dentro do respectivo prazo determina a cobrança coerciva do débito existente, nos termos do processo de execução fiscal.
      3. Os mesmos notificados podem interpor reclamação para a Directora desta DSFSM no prazo de quinze dias, e/ou recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança no prazo de trinta dias, ambos os prazos são contados da data da publicação do presente anuncio, ou nos termos dos artigos 149º e 155º do Código do Procedimento Administrativo.
28 de Dezembro de 2021
A Directora
C
Superintendente-geral
alfandegária" - cfr. fls. 234 do PA (negrito nosso).
      11. Em 28.01.2022, o Recorrente dirigiu ao Secretário para a Segurança, um requerimento solicitando que fosse declarada a nulidade, quer do referido despacho de 21.09.2020 que determinou a sua demissão, quer da ordem de reposição - cfr. DOC.2.
      12. Em resposta a tal requerimento o Secretário para a Segurança proferiu, em 15.03.2022, o seguinte despacho:
      "A, ex-guarda do Corpo de Polícia de Segurança Pública, portador do bilhete de identidade de residente da RAEM nº51XXXX6(9), vem, através do requerimento apresentado em 28.01.2022, solicitar a declaração de nulidade do Despacho nº097/SS/2020 de 21.09.2020, pelo qual lhe foi aplicada a pena de demissão, por ter acolhido, na sua fundamentação, a deliberação da Junta de Saúde, a qual, por sua vez, se encontra eivada do vício de incompetência absoluta.
      Em 31.01.2022 apresentou recurso hierárquico necessário do Despacho da Directora dos Serviços das Forças de Segurança de Macau (DSFSM), de 10.09.2021, que determinou a reposição do montante de MOP573.054,20, por efeito da sua cessação de funções, reivindicando que o mesmo também deve ser declarado nulo, uma vez que visa dar operatividade e tem por pressuposto o referido despacho de demissão que considera nulo e de nenhum efeito.
      No âmbito do processo disciplinar nº209/2019-CPCSP, instaurado em consequência do absentismo do Requerente ao serviço, foi-lhe aplicada, através do referido Despacho nº097/SS/2020, a pena disciplinar de demissão com efeitos a partir do dia 26.09.2020.
      Sucede que tal decisão consolidou-se na ordem jurídica, uma vez que não foi objecto de impugnação contenciosa por parte do Requerente nos termos e no prazo legal para o efeito.
      Pese embora venha, agora, reivindicar - escudando-se em duas decisões judiciais proferidas em situações alheias à sua, o que, por si só, é absurdo - a nulidade (derivada) do referido despacho punitivo advinda da nulidade (originária) da deliberação da Junta de Saúde (onde se determinou que o Requerente estava em condições de voltar ao trabalho) por, no seu entender, sofrer de incompetência absoluta, o certo é que tal tese está condenada ao insucesso, já que a competência para declarar a nulidade daquela deliberação pertence, em exclusivo, à entidade administrativa autora do acto ou, por via de interposição de recurso contencioso, ao tribunal.
      Sendo patente a falta de competência para aqui ser conhecida tal nulidade originária por, como vimos, se tratar de uma deliberação de outra autoridade administrativa, também o pedido de declaração de nulidade do despacho da Directora dos DSFSM, formulado no recurso hierárquico, não pode proceder, na medida em que, desde logo, não foi, até à presente data, declarada a ilegalidade da deliberação da Junta de Saúde, da qual derivaria, por sua vez, a nulidade do acto que determinou a reposição da quantia em causa.
      O Recorrente ao ter optado, aparentemente, por, na altura, não reagir contenciosamente contra a deliberação da Junta de Saúde, que considera nula e donde, segundo o próprio, deriva a nulidade quer do despacho punitivo, quer do despacho da Directora da DSFSM, fê-lo de forma voluntária e tem, agora, de arcar com as consequências da sua opção.
      Assim sendo, decido, por um lado, indeferir o pedido de declaração de nulidade do Despacho nº097/SS/2020 e, por outro, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 161º do CPA, confirmar o acto da Directora da DSFSM, de 10.09.2021, e negar provimento ao presente recurso hierárquico." - cfr. fls._ do PA-Vol.II.
      13. Em 02.04.2024, o Recorrente dirigiu ao Secretário para a Segurança, um novo requerimento solicitando que fosse administrativamente declarada a nulidade do referido despacho de 21.09.2020 que determinou a sua demissão por, na base da sua fundamentação per relationem, ter estado uma intervenção da Junta de Saúde em violcao do art.104º, nº1., a) do ETAPM - cfr. fls. _ do PA-Vol.ll.
      14. Tal requerimento mereceu a resposta constante do despacho do Secretário para a Segurança proferido, em 23.04.2024, com o seguinte teor:
      “A, de nacionalidade chinesa, portador do BIR nº51XXXX6(9), ex-guarda do CPSP, interpôs recurso contencioso do Despacho n º097/SS/2020, proferido pelo Secretário para a Segurança, em 21.09.2020, através do qual lhe foi aplicada, por ausência ilegítima, a pena disciplinar de demissão, o qual foi julgado improcedente, em 14.12.2022, por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância (Proc. 242/2022).
      Insatisfeito interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI) pugnando pela nulidade e inexistência de efeito do despacho punitivo, o qual, por decisão sumária, também não obteve provimento (Proc.38/2023).
      Dessa decisão foi apresentada reclamação para a conferência, a qual veio a ser indeferida por acórdão do TUI de 26.01.2024.
      Por fim, foi arguida uma nulidade deste último aresto, a qual foi indeferida por acórdão do TUI de 13.03.2024.
      Inconformado com o resultado das referidas decisões judiciais, o Requerente vem, agora, requerer, nos termos do nº1 e da alínea b) do nº2 do art.112º do CPA e do art.25º, nº1 do CPAC, a declaração administrativa de nulidade do referido Despacho nº097/SS/2020, por ter acolhido como fundamento a declaração da Junta de Saúde, que reclama ser nula, por vício de incompetência absoluta por exorbitar os poderes que a lei confere àquele órgão e cuja intervenção não está legitimada, uma vez que apenas faltou ao serviço 57 dias não atingindo o "patamar" de 60 dias ou mais referido na alínea a) do nº1 do art.104º do ETPAM.
      Sucede que o Despacho nº097/SS/2020 consubstancia um acto consequente e como tal a sua legalidade só pode ser questionada por vícios próprios ou autónomos e não por vícios que se prendam com o acto primário em que se escora.
      No que concerne ao modo de eliminação dos actos consequentes o legislador consagrou na alínea i) do nº2 do art.122º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) a eliminação "ope legis", isto é, por força da lei, dos actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados.
      A eliminação "ope legis" passa pela não imperatividade da impugnação contenciosa dos actos consequentes fazendo radicar "ipso iure" a invalidação do acto consequente na anulação do acto antecedente.
      Por conseguinte, nunca poderia ser declarada a nulidade do acto de demissão (acto consequente), na medida em que a referida Deliberação da Junta de Saúde (acto-base ou antecedente) não foi anulada, já que o Requerente não accionou, como se impunha, mecanismos legais próprios com vista à anulação daquela Deliberação.
      Assim, inexiste qualquer fundamento legal para que o despacho de demissão (acto consequente) seja declarado nulo." - cfr. fls._ do PA-Vol.ll.
      15. Em 07.05.2024, o Recorrente, notificado daquele despacho por ofício do CPSP, solicitou ao Secretário para a Segurança uma nova notificação contendo a menção de qual o órgão competente e o prazo para impugnação do acto e se deste cabia ou não imediato recurso contencioso, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e d) do art.70º do CPA e do nº2 do art.27º do CPAC - cfr. fls. _ do PA-Vol.ll.
      16. Em resposta a esse pedido, o Secretário para a Segurança proferiu em 08.05.2024 o seguinte despacho:
      "Remeta-se o presente expediente ao CPSP a fim de regularizar a notificação já efectuada, mencionando especificamente, para efeitos das alíneas c) e d) do art.70º do CPA, que verifica-se que o meu despacho de 23 de Abril 2024 se limita a manter a posição anterior adoptada no despacho de 15 Março de 2022 não produzindo efeitos jurídicos inovatórios, motivo porque ele somente poderá ser qualificado como um acto meramente confirmativo, consequentemente insusceptível de recurso contencioso." - cfr. fls. _ do PA-Vol.ll.
      - DO DIREITO -
      17. O acto em causa nos presentes autos é o Despacho nº097/SS/2020, proferido pelo Secretário para a Segurança, em 21.09.2020, através do qual foi aplicada ao Recorrente, por ausência ilegítima, a pena disciplinar de demissão.
      - DA ALEGADA NULIDADE -
      18. O Recorrente reclama a invalidação in totum do acto sindicado por, no seu entender, estar ferido de nulidade uma vez que, na base da fundamentação per relationem, esteve a intervenção não legitimada, em 12.07.2019, da Junta de Saúde, na medida em que o período de faltas foi de apenas 57 dias não tendo sido atingido o patamar de 60 dias, portanto, em flagrante violação do art.104º, nº 1, alínea a) do ETAPM.
      19. Argumenta, numa primeira interpretação, que "esta questão dos "60" dias vale, pois como "elemento essencial do acto", isto é, como requisito material e estrutural de verificação indispensável para que o acto - mesmo que restrito ao seu núcleo central mais irredutível - possa valer como tal em termos da sua validade e existência jurídica enquanto fundamentação do acto que o acolha ou homologue", o que significa que o despacho de 21.09.2020 determinativo da demissão deverá ser declarado, ex vi do corpo do nº1 do art.122º do CPA, nulo e de nenhum efeito por qualquer órgão da Administração ou tribunal, como flui do art.123º, nº2 do CPA.
      20. Ou, se assim não se entender, numa segunda interpretação, "sempre a questão dos "60" dias vale como "pressuposto de facto e de direito do acto" produzido a partir da actuação da Junta: isto é, desrespeitados ou não observados tais pressupostos de actuação, o resultante da acção procedimental da Junta é um produto que extravasa as suas legais atribuições" e, como tal, o despacho de 21.09.2020 determinativo da demissão, por via da alínea b) do nº2 do art.122º do CPA, é nulo por incompetência absoluta.
      21. Considera também que o despacho em crise incorporou nele aquele vício tornando-o nulo e de nenhum efeito, nulidade que se estende necessariamente às subsequentes operações materiais e actos que, à sua sombra, o pretendam efectivar no plano fáctico-prático.
      Vejamos.
      22. O Recorrente, através do presente recurso contencioso, pretende a obtenção da declaração jurisdicional da nulidade do Despacho nº097/SS/2020, proferido pelo Secretário para a Segurança, em 21.09.2020, através do qual lhe foi aplicada, por ausência ilegítima, a pena disciplinar de demissão.
      23. Segundo a tese (agora) defendida pelo Recorrente tal nulidade advém exclusivamente do facto daquele despacho se fundamentar na Deliberação da Junta de Saúde de 12.07.2019 - pela qual não foi configurada como incapacitante a doença que lhe foi atribuída e, em consequência, considerou injustificadas as faltas ao serviço e que deveria apresentar-se ao serviço - que reclama ser nula, por violação do art.104º, nº1, alínea a) do ETAPM.
      24. Inconformado com o resultado das decisões judiciais proferidas quer pelo Tribunal de Segunda Instância (Proc.242/2022), quer pelo Tribunal de Última Instância Proc.38/2023), o Recorrente vem actualmente reivindicar a declaração de nulidade do Despacho nº097/SS/2020, por ter acolhido como fundamento a declaração da Junta de Saúde, que reclama ser nula, uma vez que apenas faltou ao serviço 57 dias não atingindo o "patamar" de 60 dias ou mais referido na alínea a) do nº1 do art.104º do ETPAM.
      25. Como é bom de ver, estamos diante de um litígio judicial onde o Recorrente tem em vista a obtenção da declaração jurisdicional da nulidade de um acto consequente.
      26. Um acto consequente é aquele que é praticado ou dotado de certo conteúdo, em virtude da prática de outro anterior que o causa e lhe serve de fundamento.
      27. Sendo assim, perante os contornos desse conceito e seguindo o entendimento apresentado pelo Recorrente, o Despacho nº097/SS/2020 do Secretário para a Segurança de 21.09.2020 teria aquela natureza e consubstanciaria um acto consequente.
      28. Sucede que a legalidade dos actos consequentes só pode ser questionada por vícios próprios ou autónomos e não por vícios que se prendam com o acto primário em que se escora.
      29. O que significa que apenas é recorrível na parte em que for inovatório, o que, adiante-se, in casu, não sucede.
      30. Embora a não subsistência do acto antecedente se reflicta e afecte o acto consequente, não pode no recurso contencioso deste último acto conhecer-se dos vícios do acto antecedente - neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.01.1995 (Proc.036924).
      31. Com efeito, o que pode determinar a invalidade do acto consequente não são os vícios de que enferme o acto-base, mas a sua anulação - a decretar em processo próprio - por força do princípio de que são nulos todos o actos consequentes de acto anulado - vd. o referido aresto do STA.
      32. No que concerne ao modo de eliminação dos actos consequentes a solução da eliminação "ope legis" foi a acolhida na alínea i) do nº2 do art.122º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
      33. Foi esse, aliás, o modelo proposto, em especial, por M. Caetano, in "Manual de Direito Administrativo", 9ª Edição, Vol. II, a págs. 1216 e por Freitas do Amaral, in "A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos" a páqs.103.
      34. A eliminação "ope legis" passa pela não imperatividade da impugnação contenciosa dos actos consequentes fazendo radicar "ipso iure" a invalidação do acto consequente na anulação do acto antecedente.
      35. Em suma, o legislador consagrou na alínea i) do nº2 do art.122º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) a eliminação ope legis, isto é, por força da lei, dos actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados.
      36. Por outro lado, no caso sub judice, não se encontra demonstrado que o acto de demissão do Recorrente só existiu e foi praticado com aquele conteúdo porque antes existiu a Deliberação da Junta de Saúde não considerando como incapacitante a doença que lhe foi atribuída e determinando que deveria apresentar-se ao serviço.
      37. Acresce que, mesmo que tal estivesse demonstrado, o certo é que nunca poderia ser declarada a nulidade do acto de demissão (acto consequente), na medida em que a referida Deliberação da Junta de Saúde (acto-base ou antecedente) não foi anulada.
      38. Na verdade, o Recorrente (ao que tudo indica) não accionou, como se impunha, os mecanismos legais próprios com vista à anulação daquela Deliberação da Junta de Saúde (acto-base).
      39. Donde, continua por ser decretada, até à presente data, em processo próprio, a anulação do acto-base.
      40. Não podendo, como vimos, no presente recurso contencioso de anulação do despacho de demissão (acto consequente) ser conhecido o vício de violação do art.104º, nº1, alínea a) do ETAPM apontado à Deliberação da Junta de Saúde (acto-base).
      41. Na verdade, o que pode determinar a invalidade do acto consequente não são os vícios de que enferme o acto-base, mas a sua anulação, a decretar em processo próprio, o que, in casu, não se verifica.
      42. Nesta medida, a eventual ilegalidade daquela Deliberação da Junta de Saúde não pode ser causa de pedir do presente recurso contencioso interposto do despacho proferido pelo Secretário para a Segurança e consubstanciado em aplicar a demissão ao Recorrente.
      43. Nos termos da alínea a) do nº1 do art.104º do ETAPM, salvo nos casos de internamento em estabelecimento hospitalar, o trabalhador quando atinja o limite de 60 dias de ausência ao serviço por motivo de doença justificada é submetido à Junta de Saúde, para esta pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador em regressar ao serviço (art.105º, nº1, a) do ETAPM).
      44. Por último, como vimos, o Recorrente imputa à Deliberação da Junta de Saúde de 12.07.2019, por não ter sido atingido esse limite de 60 dias, a violação dessa alínea a) do nº1. do art.104º, nº1, alínea a) do ETAPM, o que se reconduz ao vício de violação de lei.
      45. O vício de violação de lei ocorre, pois, quando é efetuada uma interpretação errónea da lei, aplicando-a à realidade a que não devia ser aplicada ou deixando-a de aplicar à realidade que devia ser aplicada.
      46. Sucede que, em caso de procedência da violação da alínea a) do nº1 do art.104º, nº1, alínea a) do ETAPM, tal situação apenas determinaria a anulação do acto, nos termos do art.124º do CPA e não a sua nulidade como defendido pelo Recorrente.
      47. De sublinhar ainda que, sendo o acto meramente anulável e dado que o Recorrente nunca procedeu à atempada impugnação judicial da apontada Deliberação emanada pela Junta de Saúde, o peremptório decurso desse prazo, implica que tal deliberação se tenha consolidado na ordem jurídica.
      48. É por este conjunto de razões que o acto aqui em apreço não merece qualquer censura restando concluir pela manifesta improcedência do vício apontado pelo Recorrente.
*
O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 113 a 115, pugnando pelo improvimento do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:

DESPACHO Nº 097/SS/2020
Processo Disciplinar nº 209/2019-CPSP
Arguido: Guarda nº2XXX71, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública
      
      Nos presentes autos de processo disciplinar em que é arguido o Guarda nº2XXX71, A, do Corpo de Polícia de Segurança Pública, vem, conforme consta da acusação, a qual, quanto à matéria de facto, aqui se dá por inteiramente reproduzida, abundantemente provado que:
      O arguido começou a faltar ao serviço no dia 17 de Maio de 2019, justificando as faltas por via de atestados médicos, assim se mantendo até ser presente à Junta de Saúde em 12 de Julho de 2019.
      A Junta de Saúde, em face de um relatório da especialidade que atribuiu ao arguido um grau de incapacidade para o trabalho de 5%, deliberou no sentido de que o mesmo deveria voltar ao trabalho.
      O arguido não se apresentou ao serviço, pese embora ter ficado ciente do dever de se apresentar porquanto prosseguiu com a apresentação de atestados médicos, até nova reunião da Junta de Saúde.
      O arguido foi de novo presente à Junta de Saúde em 20 de Setembro de 2019, mantendo a decisão anterior de não configuração da doença incapacitante e, consequentemente, considerando injustificadas as faltas ao serviço com fundamento nessa incapacidade, deliberação que lhe foi comunicada.
      O arguido faltou injustificadamente ao serviço, pelo menos, desde o dia 12 de Julho de 2019, data da primeira reunião da Junta de Saúde, até 20 de Setembro do mesmo ano, infringindo o dever de assiduidade previsto na a) do nº2 do artigo 13º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei nº66/94/M, de 30 de Dezembro e, por exceder os 5 dias consecutivos de faltas injustificadas, colocou-se na situação de ausência ilegítima, a que se refere a alínea i) do nº2 do seu artigo 238º, com referência ao disposto nos nºs 2 e 5, respectivamente dos artigos 90º e 105º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública.
      O arguido afrontou de forma deliberada e indesculpável uma decisão que se lhe impunha como obrigação a cumprir. O seu comportamento absentista demonstra não ter condições para a manutenção do vínculo funcional, nomeadamente por falta de identificação com os deveres de assiduidade e de disponibilidade para o exercício de funções, especialmente quando se comparam este tipo de condutas com a entrega ao serviço público protagonizada pela generalidade dos seus colegas, sendo, pois, de excluir a aplicação da pena expulsiva de aposentação compulsiva, não obstante contar mais de 15 anos de serviço, em face da atitude relapsa demonstrada, e cuja gravidade inculca um elevado grau de censura ético-jurídica, ao persistir num de grau incapacidade física não clinicamente comprovado.
      Nestes termos, ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina, o Secretário para a Segurança, no uso dos poderes executivos que lhe advêm do nº 1 da Ordem Executiva nº 182/2019, com referência a competência disciplinar atribuída pelo Anexo G ao artigo 211º do EMFSM, ponderado que foi, também, o circunstancialismo atenuante constante da acusação, designadamente aquele a que se referem as alíneas b) e i) do nº2 do artigo 200º do citado EMFSM.
      Pune o arguido, Guarda nº2XXX71, A, do Corpo de Polícia de Segurança Publica, com a pena disciplinar de DEMISSÃO, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 219º, alínea g) e 224º, 238º nº 2 al. i) e 240º al c), com os efeitos do artigo 228º, todos os normativos citados do EMFSM.
      Macau, aos 21 de Setembro de 2020
O Secretário para a Segurança
D
* * *
    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelo Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo da autoria do Secretário para a Segurança que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, datado de 21 de Setembro de 2020 (Despacho n.º 097/SS/2020), pedindo que se declare a respectiva nulidade.
A Entidade Recorrida, regularmente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
Parece-nos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que o Recorrente não tem razão. Pelo seguinte.
Se bem interpretamos a douta petição inicial, entende o Recorrente que o acto que agora volta a impugnar (com efeito, o Recorrente, invocando outros vícios, já anteriormente interpôs recurso contencioso do mesmo acto que correu termos no Tribunal de Segunda Instância com o n.º 242/2022, o qual foi julgado improcedente por decisão posteriormente confirmada pelo Tribunal de Última Instância no recurso jurisdicional com o n.º 38/2023), é nulo em virtude de o mesmo assentar num outro acto, praticado pela Junta de Saúde, que seria, ele próprio, também nulo, decorrendo a nulidade deste, do facto de a intervenção da referida Junta ter ocorrido sem que se verificasse o pressuposto legalmente previsto no artigo 104.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM) em virtude de o Recorrente ter faltado ao serviço por um período inferior a 60 dias, mais concretamente, 57 dias.
Vejamos.
(ii)
Na verdade, o acto recorrido, que determinou a aplicação da pena disciplinar de demissão ao Recorrente, assentou, efectivamente, no pressuposto de que a Junta de Saúde, no dia 12 de Julho de 2019, deliberou no sentido de que o Recorrente deveria voltar ao serviço, uma vez que, como resulta da fundamentação daquele acto, a Entidade Recorrida considerou que, a partir da mencionada data de 12 de Julho de 2019, o Recorrente faltou injustificadamente ao serviço por, digamos assim, não ter acatado aquela injunção da Junta de Saúde e, desse modo, ter infringido o dever de assiduidade previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro.
Neste sentido, parece que, sem o afirmar expressamente, o Recorrente enquadra o acto recorrido como um acto consequente ou conexo do acto praticado pela Junta de Saúde. Com efeito, existe conexão relevante sempre que se possa afirmar que entre os dois actos existe uma relação que seria susceptível de determinar necessariamente a invalidade do segundo, se acaso este tivesse sido praticado, nos termos em que efectivamente o foi, num momento em que já tivesse sido decretada a anulação do primeiro (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Coimbra, 2002, p. 318. No mesmo sentido, Ac. do STA de 30.01.2007, proc. n.º 040201A), sendo que, quando tal conexão ocorra, o acto consequente de acto anulado é, segundo o disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, nulo.
(iii)
Todavia, o acto da Junta de Saúde não só não foi anulado, como, além disso, e contrariamente ao que o Recorrente agora alega, também não é nulo.
Que o acto da Junta de saúde não foi anulado não é sequer objecto de controvérsia, pelo que sobre isso nada diremos.
Que esse acto não é nulo, justifica-se em poucas palavras. Diz o Recorrente que a nulidade resulta da alínea b) do n.º 2 do artigo 122.º por se tratar de um acto a que falta um elemento essencial (artigo 122.º, n.º 1 do CPA) ou, então, um acto ferido de incompetência absoluta [artigo 122.º, n.º 2, alínea b) do CPA]. Cremos, modestamente, que nem uma coisa nem outra.
(iii.1)
É evidente que ao acto não falta nenhum dos seus elementos, muito menos um elemento essencial. Sobre o que deva entender-se por elementos essenciais do acto cuja falta determina a chamada nulidade por natureza não existe, como se sabe, unanimidade na doutrina, havendo autores que adoptam um critério estrutural, enquanto outros utilizam um critério material de determinação do que sejam tais elementos essenciais (no primeiro sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA – ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, pp. 160-161; no segundo sentido, por exemplo, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA – PEDRO COSTA GONÇALVES – J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 645). Entre nós, o Tribunal de Última Instância, no seu acórdão de 5.11.2014, tirado no processo n.º 82/2014, já teve oportunidade de decidir que se consideram «elementos essenciais do acto aqueles cuja falta não permite a qualificação do acto como administrativo, podendo abranger factores cuja ausência é de tal modo grave que repugna à consciência jurídica a possibilidade da ilegalidade se sanar pelo decurso do tempo».
No caso, como é evidente, não falta ao acto praticado pela Junta de Saúde, que, no dizer do Recorrente, terá deliberado antes de tempo, qualquer elemento essencial.
(iii.2)
O acto praticado pela Junta de Saúde também não sofre de nulidade em virtude de incompetência absoluta do seu autor.
Como se sabe, a incompetência consiste na ilegalidade resultante da prática por parte de um órgão de uma pessoa colectiva de um acto que não cabe na sua esfera de competência, mas que pertence à competência de outro órgão ou pessoa colectiva. A incompetência pode revestir diversas modalidades. Fala-se de incompetência absoluta, quando um órgão da Administração pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence e de incompetência relativa, quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence a outro órgão da mesma pessoa. As consequências da verificação da incompetência são diferentes consoante se trate de incompetência absoluta ou de incompetência relativa. No primeiro caso, o acto ferido de incompetência é nulo, nos termos resultantes do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e no segundo, o acto é meramente anulável, tal como decorre do preceituado no artigo 124.º do mesmo diploma legal.
No caso, a situação não é, forma alguma, susceptível de consubstanciar uma situação de incompetência absoluta da Junta de Saúde, porquanto, como decorre da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do ETAPM, aquela Junta exerceu poderes que lhe estão legalmente cometidos. Com efeito é à Junta de Saúde que cabe pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, tratando-se, de resto, de uma competência que lhe é deferida pela norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro: «verificar ou confirmar, nos termos da lei, as situações de doença do pessoal dos serviços públicos, tendo em vista a justificação de faltas (…)». A Junta de Saúde não exorbitou, portanto, a sua esfera de competência, pelo que.

3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que o recurso contencioso deve ser julgado improcedente.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso e manter o acto recorrido.
*
Síntese conclusiva:
I – A falta de elementos essenciais dum acto administrativo refere-se àquelas situações em que se verifica a falta de um elemento estruturalmente fundamental dum acto que não permite a qualificação do acto como administrativo, podendo abranger factores cuja ausência é de tal modo grave que repugna à consciência jurídica a possibilidade da ilegalidade se sanar pelo decurso do tempo.
II - A incompetência consiste na ilegalidade resultante da prática por parte de um órgão duma pessoa colectiva de um acto que não cabe na sua esfera de competência, mas que pertence à competência de outro órgão ou pessoa colectiva. A incompetência pode revestir essencialmente duas modalidades: (1) incompetência absoluta - quando um órgão da Administração pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence; e (2) incompetência relativa, quando um órgão de uma pessoa colectiva pratica um acto que pertence a outro órgão da mesma pessoa.
III - No caso, a situação não é susceptível de consubstanciar uma situação de incompetência absoluta da Junta de Saúde, porquanto, como decorre da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º do ETAPM, aquela Junta exerceu poderes que lhe estão legalmente cometidos. Com efeito é à Junta de Saúde que cabe pronunciar-se sobre a aptidão do trabalhador para regressar ao serviço, tratando-se, assim, de uma competência que lhe é deferida pela norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 81/99/M, de 15 de Novembro. Pelo que não se verifica o vício alegado pelo Recorrente neste domínio.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pelo Recorrente que se fixam em 6 UCs.
*
Notifique e Registe.
*
RAEM, 13 de Fevereiro de 2025.

Fong Man Chong
(Relator)

Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)

23
2024-433-nulidade-2º-recurso