打印全文
Processo nº 567/2024
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 13 de Fevereiro de 2025

ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Conversão da pena de demissão


____________________
Rui Pereira Ribeiro













Processo nº 567/2024
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 13 de Fevereiro de 2025
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças de 03.05.2024 que deferindo o pedido de reabilitação do Recorrente indeferiu o pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, formulando as seguintes conclusões:
I. Tal como foi decidido pelo T.S.I. e se pode ler no sumário do seu acórdão de 7 DEZ 2016, proferido no processo n.º 836/2015 e relatado pelo Exm. Juiz JOÃO GIL DE OLIVEIRA: «(..) Se um funcionário a quem foi aplicada a pena disciplinar de demissão, vem pedir, decorrido o prazo previsto na lei, a sua reabilitação, invocando uma conduta posterior habilitante e merecedora dessa medida regeneratória, a Administração não pode limitar-se a repetir os argumentos relativos à gravidade passada e que conduziu à demissão, devendo pronunciar-se sobre aquela conduta posterior e sua relevância reparadora, só em função disso devendo apreciar o pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva concomitantemente formulado. (…)».
II. Basta percorrer a decisão a quo - mormente os pontos n.ºs 28 a 30 da Informação n.º 015607/DAF/STEV/2024 em que o despacho se louvou e sobre a qual recaiu - para facilmente se apreender que apenas se pretende como que novamente penalizar o recorrente uma segunda vez, em violação do princípio non bis in idem.
III. Com a sanção disciplinar de demissão que aplicou, a Administração conheceu, valorou e sinalizou já no ordenamento jurídico o desvalor da acção e o desvalor do resultado do agir do seu servidor - o aqui recorrente -, sendo esses comportamentos e actuações - tidos por ilícitos e censuráveis segundo o entendimento da Administração corporizado na determinação de uma pena de demissão - não poderão mais, seguidamente, sob outras vestes, para outros pretextos ou como subliminar fundamento para o que quer que seja, ser reaproveitados ou repristinados para quaisquer fins ou efeitos.
IV. A susceptibilidade de valoração e de apreciação de tais actos e omissões na base da sanção disciplinar ficou definitivamente afastada por esgotada e exaurida com a prolação do despacho que determinou a sanção disciplinar de demissão e, por conseguinte, aquando da apreciação de um pedido de reabilitação cumulado com um pedido para convolação da demissão em aposentação compulsiva, caso a Administração avalie que não pretende proceder a tal convolação, não poderá basear ou sustentar-se em fundamentos de facto e de direito nem em argumentos e considerações já expendidos e mobilizados precisamente para a fase da determinação e merecimento da sanção disciplinar que aplicou!
V. A “não convolação / não conversão” não é nem tem a natureza de uma sanção disciplinar, de uma sanção acessória ou de uma sanção ad hoc atípica que coubesse usar como resquício do ius puniendi já antes esgotantemente exercido em fase anterior!
VI. Tal como se pode ler na página 27 do mencionado acórdão do T.S.I. de 7 DEZ 2016: «(...) Só após a avaliação do comportamento que o infractor teve ao longo do período de prova se poderá conceder ao infractor, com comportamento merecedor, a reabilitação, apagando o rasto de consequências negativas deixado pela sanção disciplinar.
Daqui decorre que esse exercício sobre a conduta posterior não pode deixar de ser feito. Ora, o que se observa, no despacho recorrido, é que esse exercício não foi produzido, devendo tê-lo sido. Sobre o comportamento posterior nem uma palavra na decisão tomada e ora sob recurso. A entidade recorrida reforça as suas razões justificativas da demissão - que não estão aqui em causa -, face à gravidade da conduta e parte desse pressuposto para se eximir aquilo a que não se podia eximir: a avaliação da conduta posterior e concluir no sentido da verificação e integração dos pressupostos da reabilitação e concessão da aposentação compulsiva, reportada esta a outra base factual e temporal. (...)».
VII. A convertibilidade da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva não tem em vista - nem, aliás, é apta a - como que “modificar retroactivamente” a sanção anteriormente aplicada e inteiramente executada, cabendo destacar que pelos actos praticados pelo recorrente, foi o mesmo já em 2017 penalizado com a pena de demissão e, desde então, tem permanecido ano após ano sob o labéu e o estigma desta sanção disciplinar - a mais grave de todo o E.T.A.P.M.
VIII. Não está em causa fazer-se “tábua rasa” do passado ou como que “dar o dito por não dito” no que diz respeito à demissão determinada em 2017 e sofrida pelo recorrente desde então, ao longo destes 7 anos, estando, diferentemente, em causa proceder à reintegração de infractores disciplinares que, após a sanção e passado sobre esta o período legalmente estabelecido, ainda vejam subsistir nas suas esferas jurídicas incapacidades ou efeitos adversos resultantes da punição sofrida.
IX. Reintegração ou recuperação nas quais, não se apagando ou eliminando evidentemente o passado, se faculta ao ex-servidor a possibilidade de recuperação o mais plena quanto possível do seu estatuto social e económico a fim de arredar o mais possível o rasto de consequências negativas derivadas da punição disciplinar.
X. In casu, cabe também salientar que qualquer funcionário público contribui ele mesmo, a partir de determinada percentagem do seu salário, para formar e aforrar a sua carreira contributiva para efeitos de pensão (ou lump sum) aquando da sua aposentação, sendo que o dinheiro retido mês após mês a partir da remuneração do servidor irá formar o pecúlio a receber a final da relação de trabalho, seja sob a forma de prestação periódica, seja numa prestação global unitária.
XI. A não conversão da demissão em aposentação compulsiva fere igualmente o direito de propriedade do recorrente - que tem 18 anos, 2 meses e 26 dias de serviço -, equivalendo à expropriação ou confisco parcial do seu salário precisamente na parte em que serviu para formar a sua carreira contributiva para efeitos de aposentação ou, vistas as coisas do ângulo inverso, a não conversão da demissão em aposentação compulsiva valerá, da perspectiva da Administração, a um seu enriquecimento sem causa às custas do correlativo empobrecimento do recorrente.
XII. Ao assim não ter sido entendido, a decisão ora recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação do n.º 6 do artigo 349.º do E.T.A.P.M. e dos poderes discricionários nele ínsitos em total desrazoabilidade do seu exercício, apud art. 21.º, n.º 1, al. d), do C.P.A.C.
XIII. Consequentemente, a decisão a quo configura-se como um acto anulável, ex vi do art. 124.º do C.P.A., invalidade que aqui se invoca como fundamento específico para a sua revogação por V. Ex.ª, conforme o permitem, entre outros, o art. 20.º e o n.º 1 do art. 21.º do C.P.A.C.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar, apresentando a seguintes conclusões:
I. Provou-se no processo disciplinar que o recorrente pretendeu usar a infracção disciplinar da falta de assiduidade com a intenção de se aposentar precocemente, apesar de não reunir os requisitos legalmente fixados para tanto no art. 263, n.1, do ETAPM;
II. Sendo assim, o deferimento do seu requerimento de conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva, ao abrigo do art. 349, n. 6, do ETAPM, constituiria uma fraude à lei;
III. Isto é, esse deferimento constituiria uma decisão que, embora aparentemente legal, conduziria a um resultado ilícito;
IV. Foi precisamente para evitar esse resultado ilícito, em obediência ao princípio da legalidade, que a Administração se recusou a converter a pena de demissão em pena de aposentação compulsiva;
V. Ao indeferir a conversão da pena disciplinar, a Administração não incorreu em erro de direito ou desrazoabilidade – pelo contrário, tomou a única decisão que, no caso, era compatível com o princípio da legalidade.
  
  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambos silenciaram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
  Dos autos consta a seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa:
1. Por Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças datado de 03.05.2024 foi indeferido o pedido relativo à conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva;
2. Do Despacho referido no item anterior consta o seguinte:
Parecer:
Despacho:

De acordo com a análise e os fundamentos apresentados pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, defiro o pedido relativo à concessão da reabilitação do Requerente A, no entanto, indefiro o pedido relativo à conversão da sua pena de demissão em aposentação compulsiva.

O Secretário para a Economia e Finanças,
Assinatura (vide o original)
3 de Maio de 2024

Remeta ao DAF para o acompanhamento.
Assinatura (vide o original)
3/5/2024
Assunto: Relativo ao pedido de um ex-funcionário sobre a concessão da reabilitação e a conversão da demissão em aposentação compulsiva
Informação N.º 015607/DAF/STEV/2024
Data: 30/04/2024



Ex.mo Senhor Secretário para a Economia e Finanças:

O Ex.mo Senhor Doutor B, representante de A (doravante designado por Requerente), ex-assistente técnico administrativo especialista principal desta Direcção de Serviços, 3.º escalão, nomeação definitiva, dirigiu uma petição à Sua Excelência o Chefe do Executivo em 8 de Março de 2024 (anexo I), a fim de pedir a concessão da reabilitação relativa à pena de demissão aplicada pelo Ex.mo Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças ao Requerente, e pedindo que seja convertida a pena de demissão em aposentação compulsiva. Vem esta Direcção de Serviços informar a V. Ex.ª o seguinte:
I) Apresentação
1. A partir de 19 de Dezembro de 1997, o Requerente foi nomeado, provisoriamente, para o exercício de funções de técnico auxiliar de 2.ª classe na presente Direcção. (Anexo II)
2. A partir de 19 de Dezembro de 1999, o referido funcionário foi nomeado, definitivamente, para o exercício de funções de técnico auxiliar/assistente técnico administrativo. (Anexo II)
3. Entre 5 de Setembro de 2016 e 9 de Abril de 2017, o Requerente deu 217 dias de faltas seguidas e injustificadas ao serviço. (Anexo II)
4. Para efeitos da contagem de tempo de serviço para a aposentação, o Requerente perfez 18 anos, 2 meses e 26 dias de serviço. (Anexo III)
5. Em 23 de Março de 2017, o Ex.mo Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho na Informação da presente Direcção n.º 20/7-2016/PD-DSAL, que aplicou a pena de demissão ao Requerente, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 2 do art.º 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por ETAPM). (Anexo IV)
6. A supracitada decisão de aplicação da pena foi notificada ao Sr. Dr. B, representante do Requerente, em 10 de Abril de 2017.(Anexo IV)
7. Relativamente à decisão acima referida, o Requerente interpôs o recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) (Processo n.º 418/2017). O TSI proferiu a decisão em 21 de Junho de 2018, cujo o referido recurso contencioso foi julgado improcedente. (Anexo I)
8. Em 8 de Março de 2024, o representante do Requerente dirigiu uma petição à Sua Excelência o Chefe do Executivo para pedir a concessão da reabilitação relativa à pena de demissão aplicada pelo Ex.mo Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças ao Requerente, e pedindo que a pena de demissão seja convertida em aposentação compulsiva. (Anexo I)
9. O Requerente apresentou 11 documentos, incluindo um certificado de registo criminal. (Anexo I)
10. A fim de analisar se o pedido de concessão da reabilitação do Requerente preencha os requisitos legais de “boa conduta”, esta Direcção de Serviços notificou o Requerente em 27 de Março de 2024, solicitando-lhe complementar a apresentação da certidão de não devedor de imposto emitida pela Direcção dos Serviços de Finanças (DSF). (Anexo V)
11. No requerimento apresentado pelo Requerente arrolou duas testemunhas, no entanto, não indicou concretamente quais os factos a provar pelas respectivas testemunhas, pelo que, a presente Direcção solicitou a apresentação dos dados complementares na notificação acima referida. (Anexo V)
12. Em 16 de Abril de 2024, o Requerente apresentou a certidão de não devedor de imposto emitida pela DSF à presente Direcção e indicou os factos que pretende provar pelas testemunhas. O Requerente requereu que as duas testemunhas respondam os factos estipulados nos art.ºs 7.º a 19.º do requerimento, a fim de comprovar que o pedido de reabilitação do Requerente preencha os requisitos de “boa conduta”. (Anexo 6)
13. Dado que as alegações dos art.ºs 7.º a 19.º do requerimento se tratam principalmente, após a sua desvinculação do serviço, do estado de vida familiar do Requerente no Canadá, e tendo em conta que os dados apresentados pelo Requerente são suficientes para comprovar que o mesmo possui os requisitos de “boa conduta”, esta Direcção de Serviços não chegou a ouvir as declarações das testemunhas.
II) Relativamente ao pedido de reabilitação
14. Nos termos do art.° 349.º do “ETAPM”:
1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação.
2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena:
a) 1 ano, nos casos de repreensão escrita;
b) 2 anos, no caso de multa;
c) 3 anos, nos casos de suspensão;
d) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão.
4. A reabilitação faz cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente.
(…)
15. De acordo com o acima exposto, a concessão da reabilitação é necessária de preencher simultaneamente os dois pressupostos seguintes:
(1) Decorrido um determinado tempo: 5 anos a contar da aplicação da pena, no caso da demissão;
(2) Boa conduta.
16. Por despacho proferido pelo Ex. o Senhor ex-Secretário para a Economia e Finanças em 23 de Março de 2017, o Requerente foi aplicado a pena de demissão, e a aplicação da pena foi notificada ao Requerente em 10 de Abril de 2017.
17. O Requerente apresentou o pedido de concessão da reabilitação em 8 de Março de 2024, o qual está preenchido o requisito de “decorrido um determinado tempo”.
18. Quanto à “boa conduta”, consiste num conceito incerto. Nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 349.º do “ETAPM”, cabe o ónus de prova ao Requerente, podendo utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
19. Perante um conceito incerto sobre “boa conduta”, vem a jurisprudência apontar que1: A respectiva avaliação deve repousar sobre o que levou o arguido à censura e o esforço feito e conseguido para que igual comportamento não venha a repetir-se no futuro.
Para que a reabilitação possa proceder é indispensável que o arguido prove essa boa conduta, no sentido de ter havido, sem margem para dúvidas, uma inflexão segura no seu comportamento e conduta anteriores antifuncionais, que permitam ilaccionar, em função de critérios da avaliação do homem médio, que o sancionado retomou uma situação de comportamento normal dos seus deveres funcionais sem perigo de recidiva.
20. Pelo que, permite proceder à uma análise concreta, rigorosa e objectiva sobre o comportamento do Requerente desde a data da sua demissão até à data da apresentação do pedido de concessão da reabilitação.
21. Analisados os dados apresentados pelo Requerente, nomeadamente o facto de o Requerente não ter registo criminal e a certidão que comprova que não é devedor da RAEM, pode concluir-se que: o comportamento do Requerente ter alterado desde que foi demitido e ter havido uma inflexão segura no seu comportamento e conduta anteriores antifuncionais, que permita tirar a ilação, em função de critérios de avaliação do homem médio, que o Requerente tem uma “boa conduta” e não tem perigo de recidiva.
22. Pelo exposto, nos termos do disposto no n.º 1 a n.º 5 do art.º 349.º do “ETAPM”, propõe que seja deferida a concessão da reabilitação.
III) Relativmente ao pedido de conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva
23. Nos termos do n.º 6.º do art.º 349.º do “ETAPM”, se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º.
24. Nos termos do disposto no n.º 3.º do art.º 315.º do “ETAPM”, a pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir o período mínimo de 15 anos de serviço contados para efeitos de aposentação.
25. O Requerente começou a desempenhar as funções na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais em 19 de Dezembro de 1997 e, até à data da desvinculação do serviço, o tempo de serviço contado para efeitos de aposentação é de 18 anos, 2 meses e 26 dias, o que está preenchido o requisito de tempo para a aposentação obrigatória.
26. No entanto, nos termos do disposto no n.º 6.º do art.º 349.º do “ETAPM”, a reabilitação de um funcionário demitido não resulta consequente e directamente na conversão da demissão em aposentação compulsiva, ou mais preciso, a reabilitação torna a “conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva” é apenas uma possibilidade e a concretização dessa possibilidade compete à discricionariedade da autoridade administrativa.
27. No caso em apreço, em relação ao pedido do Requerente sobre a conversão da demissão em aposentação compulsiva, a presente Direcção considera que existem razões fortes e ponderosas para o indeferimento.
28. Entre 5 de Setembro de 2016 e 9 de Abril de 2017, o Requerente deu 217 dias de faltas seguidas e injustificadas ao serviço.
29. Durante o período de ausência, o Requerente nunca apresentou qualquer comprovativo ao serviço para a justificação das faltas.
30. Nos termos do disposto no n. 9 do artigo 279.º do “ETAPM”, comparecer regular e continuadamente ao serviço é um dever geral do trabalhador, o Requerente não cumpriu aquele dever, pelo que deve ser punido com pena de aposentação compulsiva ou pena de demissão, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 315.º do “ETAPM”.
31. O facto doloso das faltas injustificadas do Requerente foi provado, o Requerente pretende renunciar ao seu cargo para pôr em termo à sua ligação com o serviço.
32. É necessário de salientar alguns factos: até 8 de Setembro de 2016 (ou seja, o 4.º dia da falta injustificada do Requerente), a superior hierárquica do Requerente, C, recebeu uma mensagem de WHATSAPP do Requerente, com o conteúdo de que “o Requerente afirmou que ainda está no Canadá, a sua família expressou que não quer regressar a Macau e deseja que o Requerente fique no Canadá”; ao mesmo tempo, o Requerente pediu à sua superior hierárquica que informasse a situação acima referida ao Director e pediu solicitar ao Director que o despedisse e o permitisse receber a sua pensão de aposentação.
33. Assim resulta que o comportamento do Requerente não tinha qualquer interesse manifesto em manter a sua ligação à administração pública e que o objectivo final do seu comportamento era permitir-lhe receber a sua pensão de aposentação (aposentação).
34. Com apenas 18 anos, 2 meses e 26 dias de tempo de serviço contado para efeitos de aposentação, para atingir o objectivo de “aposentação”, o Requerente desrespeitou completamente a lei e os deveres que um funcionário público deve cumprir, faltando sem justificação, assim, se for deferida a conversão da sua demissão em aposentação compulsiva, será, sem dúvida, um prémio para o Requerente, fazendo com que as pessoas se sentirem que “os infractores é que são beneficiados”.
35. Um funcionário público que cumpre as regras e a lei tem de proceder à contribuição, para efeitos de aposentação, pelo menos 30 anos, sendo esta uma das condições para a aposentação, se permitir o Requerente, que infringiu dolosamente a lei e que desrespeitou a lei e os deveres da função pública, a aposentar-se com apenas 18 anos, 2 meses e 26 dias de antiguidade, implica inevitavelmente um grande prejuízo à dignidade e ao moral da administração pública.
36. Tal como referido no ponto n.º 26, a reabilitação de um funcionário demitido não resulta consequente e directamente na conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva e a conversão da pena de demissão em pena de aposentação compulsiva compete à discricionariedade da autoridade administrativa.
37. Face ao exposto, tendo em conta os factos acima referidos e o objectivo final da conduta repreensiva do Requerente, esta Direcção de Serviços é de entender que, com base em consideração do interesse público, não deve conceder a conversão da pena de demissão que lhe foi aplicada em pena de aposentação compulsiva.
IV) Conclusão
Relativamente ao pedido de concessão da reabilitação:
38. De acordo com os dados apresentados pelo Requerente, fica demonstrado que o mesmo preenche os requisitos de “boa conduta”, estabelecidos no art.º 349.º do “ETAPM”.
39. Decorrido 5 anos desde a sanção até à data da apresentação do pedido, está preenchido o requisito de “tempo” do mesmo articulado.
40. Pelo exposto, proponho que seja deferida a concessão da reabilitação.
Relativamente ao pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva:
41. A reabilitação de um funcionário demitido não resulta consequente e directamente na conversão da demissão em aposentação compulsiva.
42. A conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva compete à discricionariedade da autoridade administrativa.
43. Com base em consideração do interesse público, proponho que seja indeferido o pedido de conversão da demissão em aposentação compulsiva apresentado pelo Requerente.
A supracitada proposta é subida ao Ex.mo Senhor Secretário para a apreciação.
O Director da DSAL,
Assinatura (vide o original)
   XXX
- cf. fls. 17 a 20 -.

b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «1.
  A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso, pedindo a anulação do acto do Secretário para a Economia e Finanças, datado de 3 de Maio de 2024, que lhe indeferiu o pedido de conversão da pena disciplinar de demissão em pena disciplinar de aposentação compulsiva.
  Foi apresentada contestação no sentido da improcedência do recurso contencioso.
  2.
  (i)
  O Recorrente invoca, em bom rigor, um único fundamento para suportar a sua pretensão impugnatória, qual seja a da total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
  Estamos modestamente em crer que o presente recurso não merece ser provido. Em apertada síntese, pelo seguinte.
  De acordo com o disposto no artigo 349.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM) aprovado pelo Decreto-lei n.º 87/89/m, de 21 de Dezembro,
  «1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Chefe do Executivo conceder a reabilitação.
  2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.
  (…)
  6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 315.º».
  Como resulta da simples leitura da norma em apreço, a conversão da pena disciplinar de demissão em aposentação compulsiva pressupõe a reabilitação, sendo uma consequência desta. Não se trata, no entanto, de uma consequência automática, dependendo, ao invés, de uma decisão administrativa que tem natureza discricionária.
  No exercício desse poder discricionário, não vemos, contrariamente ao que vem alegado pelo Recorrente na sua douta petição inicial, que a Administração esteja impedida de considerar a natureza e a gravidade das infracções disciplinares praticadas pelo requerente da conversão, e se veja limitada à apreciação da boa conduta do mesmo no tempo posterior à aplicação da medida disciplinar. A boa conduta apenas constitui pressuposto da reabilitação, nos termos que resultam do n.º 2 do artigo 349.º do ETAPM e esta, por sua vez, é pressuposto da dita conversão, pelo que não faria sentido, estamos em crer, que o pressuposto da conversão só pudesse coincidir com o da reabilitação.
  Mais. Não é rigoroso dizer-se que a Administração esgotou a fundamentação do indeferimento agora sindicado em considerações atinentes à natureza da própria infracção. Pelo contrário, aliás. Bem interpretado o acto recorrido facilmente verificamos que o que foi decisivo para a sua prolação foi a consideração de que, em causa poderia estar uma tentativa do Recorrente de contornar as regras da aposentação. Com efeito, a experiência tem demonstrado que, não raras vezes, os trabalhadores da Administração Pública violam dolosamente o dever de assiduidade tendo em vista sofrer uma pena disciplinar de aposentação compulsiva ou, quando não, uma pena de demissão na expectativa de que, decorridos 5 anos, a mesma possa ser convertida em aposentação compulsiva, conseguindo lograr dessa forma ínvia uma aposentação voluntária antes do tempo legalmente previsto para o efeito. Ora, foi este tipo de consideração que a Entidade Recorrida teve essencialmente presente no momento de indeferir o requerimento de conversão apresentado pelo Recorrente.
  (ii)
  De resto, importa não perder de vista que, segundo entendimento jurisprudencial uniforme, quando a Administração exerce, como no caso presente, poderes discricionários, o papel reservado ao tribunal quando chamado a intervir é meramente fiscalizador e não, ao contrário daquilo que acontece quando a actividade administrativa é legalmente vinculada, de reexame. Por isso, para além do desvio de poder, do erro sobre os pressupostos de facto, do vício de forma da falta de fundamentação e, eventualmente, do vício de procedimento da falta de audiência prévia, só constitui fundamento de anulação o erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício daqueles poderes (artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Administrativo Contencioso), sendo que só em casos flagrantes de mau uso do poder discricionário e de evidentes e intoleráveis violações dos princípios gerais da actividade administrativa como o da proporcionalidade ou o da justiça, deve o acto contenciosamente atacado ser objecto de anulação judicial.
  Tendo isto em devida conta, estamos em crer que da fundamentação exarada na Informação n.º 015607/DAF/STEV/2024, de 30 de Abril de 2024, da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, de que o acto recorrido se apropriou resulta a manifesta razoabilidade deste. Na verdade, estando, como dali se extrai, fortemente indiciado que o Requerente abandonou o cargo para provocar o fim da sua ligação à Administração na expectativa de, mais tarde, vir a pedir e a obter a conversão da pena de demissão em aposentação compulsiva, nem sequer vemos como podia a Entidade Recorrida ter decidido de forma diferente. Daí que, a nosso modesto ver, seja destituída de sentido, com todo o respeito o dizemos, a invocação em sede contenciosa de uma manifesta desrazoabilidade no exercício do poder discricionário que a norma legal do n.º 6 do artigo 349.º do ETAPM atribui à Administração. Para usarmos a expressiva formulação de que o Tribunal de Segunda Instância se serviu no acórdão de 21.11.2019, tirado no processo n.º 143/2019, versando sobre situação idêntica àquela que constitui objecto do presente recurso contencioso, «não nos parece que o acto se tenha desviado, nem um milímetro sequer, do padrão de razoabilidade que em geral se espera da actuação administrativa, nem igualmente cremos que ele tenha incorrido em erro grosseiro, palmar e intolerável do exercício dos poderes discricionários».
  3.
  Pelo exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso contencioso.
  É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
  
  Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, entendemos que o acto impugnado não enferma do vício que lhe é imputado pelo Recorrente, impondo-se decidir em conformidade.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo do Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 13 de Fevereiro de 2025
  
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Seng Ioi Man
  (1º Adjunto)
  
  Fong Man Chong
  (2º Adjunto)
  
  Mai Man Ieng
  (Procurador-Adjunto)
1 Vide a decisão judicial n.º 33/2020 do Venerando Tribunal de Última Instância.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------


567/2024 REC CONT 1