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Processo n.º 36/2025
(Autos de recurso cível)

Data: 20/Fevereiro/2025

Assuntos:
- Registo de marca
- Sinal descritivo
- Marca sugestiva

SUMÁRIO
Não se apresentando a marca registanda “B” como um sinal meramente descritivo no respectivo ramo de comércio, antes sugere que o consumidor pense um pouco mais para relacionar a marca ao produto, essa marca não deixa de ser registável.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo n.º 36/2025
(Autos de recurso cível)

Data: 20/Fevereiro/2025


Recorrente:
- A

Recorrida:
- Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, sociedade comercial com sede nos Estados Unidos da América, melhor identificada nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs recurso junto ao Tribunal Judicial de Base da RAEM contra o despacho da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológica (doravante designada por “entidade recorrida”), publicado no Boletim Oficial em 2 de Maio de 2024, que recusou o registo da marca N/2XXX75, destinada a assinalar serviços ou produtos da classe 9.
Por sentença proferida em 24 de Setembro de 2024, o Tribunal Judicial de Base julgou improcedente o recurso, mantendo assim o despacho administrativo impugnado e confirmando a recusa do registo da marca.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “A. O Tribunal a quo manteve a decisão de recusa do registo da DESDT por entender que: i) “B” não goza de capacidade distintiva; e ii) a marca registanda é constituída por uma expressão que é usual na linguagem corrente do comércio, não permitindo a distinção dos seus produtos de outras empresas, pelo que o registo das marcas pela Recorrente iria causar uma situação de monopólio de mercado.
     B. Com o devido respeito, a Recorrente discorda do entendimento do Tribunal a quo e da DESDT.
     C. Em primeiro lugar, o artigo 3º do Código Processo Civil exige que o juiz observe e faça cumprir o princípio do contraditório para decidir questões de facto.
     D. Porém, a Recorrente não teve a possibilidade de se pronunciar sobre os factos trazidos à decisão pelo Tribunal a quo, nomeadamente aqueles que se transcrevem no artigo 13º das presentes alegações do recurso.
     E. Além disso, parece à Recorrente que o Tribunal a quo decidiu sobre o mérito da causa dando como assente que os factos constantes do artigo 13º são incontestáveis.
     F. Não obstante, o artigo 199º, n.º 1 do RJPI pretende afastar do domínio da marca os chamados sinais descritivos e usuais.
     G. Analisada a marca registanda, é óbvio que a marca registanda não corresponde ao nome originário dos produtos que a marca distingue, pelo que não pode ser considerada como a designação genérica de qualquer dos referidos produtos.
     H. Tomando apenas os dois primeiros produtos (“câmaras” e “monitores de visualização”) como exemplo, é óbvio que a palavra B não remete o consumidor para qualquer “câmara” ou “monitor de visualização”, pelo que não pode ser considerada como descritiva ou nome genérico de qualquer destes produtos. O mesmo racional se aplica aos restantes produtos.
     I. É igualmente óbvio que não é um sinal descritivo destes produtos, nem indica qualquer qualidade, característica ou função dos produtos.
     J. Ora, vários dicionários de inglês definem “B” como “capacidade de ver” (ability to see), e é intimamente relacionada com as pessoas e a visão humana (cfr. Doc. 1).
     K. Ou seja, não há qualquer indiciário de que a palavra “B” seja utilizada para descrever qualquer qualidade, característica ou função dos produtos que a marca registanda pretende assinalar.
     L. Tirando igualmente as “câmaras” como exemplo, a alegada “視野範圍” de uma câmara é descrita como “Focal length”, “View”, “Angle of View”, “Zoom”, “Frame”, “Lens” etc em inglês, mas nunca como “B”.
     M. Assim, e salvo devido respeito, o sinal “B” não é um termo usual para descrever o campo de visão de produtos que a marca registanda pretender assinalar.
     N. Além disso, é de notar que a Recorrente, isto é, A, uma das marcas tecnológicas mais famosas e conhecidas no mundo, é evidente que os consumidores terão mais atenção relativamente aos produtos adquiridos.
     O. Ou seja, com esta forte atenção é mais fácil para o consumidor identificar os sinais e marcas da Recorrente e associam-se aos seus produtos e serviços.
     P. Com tudo o supra exposto, a marca registanda é passível de cumprir a sua função de marca, gozando de capacidade distintiva inerente para identificar no mercado os produtos da Recorrente.
     Q. Por mero dever do patrocínio, na eventualidade de o tribunal ad quem entender faltar capacidade distintiva imediata à marca “B” para os produtos listados, deve dizer-se que, no mínimo, a marca registanda deve ser considerado como marca sugestiva.
     R. Ora, não podemos deixar de relembrar e reforçar que marcas “sugestivas” ou “alusivas” são registáveis.
     S. Entende Luís Couto Gonçalves que, “As marcas sugestivas, que tanto podem sugerir o nome do produto ou serviço como as respetivas características, são marcas perfeitamente válidas embora o regime de proteção seja mais ténue, especialmente no tocante ao juízo de confundibilidade”.
     T. O mesmo também é observado pela Associação Internacional de Marcas (“INTA”), quando reconhece que uma marca sugestiva pode ser registada como marca, embora tenha direito a uma protecção menos extensa que uma marca “inventada” ou uma marca “arbitrária”.
     U. Refira-se, aliás, que a própria DSEDT já no passado registou marcas apresentadas pela Recorrente que, se aplicada a mesma bitola propugnada nas decisões que antecedem o presente recurso, teriam sofrido o mesmo, e injusto, fim. Falamos, por exemplo, das marcas “RETINA HD”, e “SUPER RETINA” (registos n.ºs N/9XX13 e N/1XXX40), para a mesma classe e produtos.
     V. Ora, o significado da marca registanda pode, eventualmente, ser ambíguo, aberto a interpretação e apelar à imaginação do consumidor. Não descreve ao consumidor os produtos que assinala.
     W. Com efeito, a marca “B” não é, de modo algum, descritiva dos produtos que distingue, nem transmite qualquer informação sobre a função dos produtos da Recorrente para ser considerada descritiva.
     X. Mas sim, sugere ou evoca de uma maneira fantasiosa um produto (tal como AIRBUS e NETFLIX).
     Y. Como referido, quando muito a marca será considerada como sugestiva e, consequentemente, registável.
     Z. Por mera exaustão do patrocínio, caso se entenda que a marca registanda não pode ser registada para todos os produtos listados, deve a referida marca ser analisada sob a perspectiva do registo para alguns dos produtos – o mesmo é dizer, ser objecto de uma recusa parcial nos termos do art. 216º do RJPI.
     AA. Conforme a lista de registos da marca que se ora junta como Doc. 2, a marca registanda “B” foi registada em 86 jurisdições em todo o mundo.
     BB. A haver qualquer dúvida sobre a capacidade distintiva e registabilidade da marca registanda, esta não teria sido aprovada pelos examinadores naquelas jurisdições.
     CC. A manutenção da recusa da marca registanda deixaria a marca desprotegida em Macau, em contraste com a protecção obtida a nível internacional.
     DD. Deste modo, e tendo em consideração todo o exposto supra, a marca cujo registo ora se solicita é, no entendimento da Recorrente, inerentemente distintiva e deve ser registada em Macau, uma vez que não se verificam os alegados fundamentos de recusa previstos nos artigos 199º, n.º 1, al. b) e c) do RJPI.
     Nestes termos, e nos mais de Direito, deve ser considerado procedente o presente recurso e, em consequência, revogado o despacho de recusa da DSEDT, sendo substituído por outro que conceda a marca objecto do presente recurso;
     Ou, subsidiariamente, que seja considerado procedente o presente recurso e, em consequência, revogado o despacho de recursa da DSEDT, substituindo-o por outro que conceda a marca, mas apenas para assinalar produtos relativamente ao quais se considere que a marca possa ser registada. Como é de JUSTIÇA!”

Ao recurso respondeu a entidade recorrida, oferecendo o merecimento dos autos.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte matéria de facto pertinente para a decisão da causa:
2023年8月1日,上訴人向經濟及科技發展局遞交商標編號N/2XXX75的商標註冊申請書,指定註冊類別為第9類產品或服務:“Câmaras; monitores de video; monitores de visualização; aparelhos de visualização de video para fixação à cabeça; ecrãs de visualização viáveis; ecrãs electrónicos de visualização para computadores”。
商標式樣為﹕
2024年4月12日,經濟及科技發展局知識產權廳廳長同意第133/DPI/DRM/2024號報告書內容,並在報告書上作出拒絕第N/2XXX75號的商標註冊申請。
上述拒絕註冊的批示公佈於2024年5月2日第18期《澳門特別行政區公報》第二組內。
2024年6月4日,上訴人向本院提起本上訴。
*
A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se a marca nominativa constituída pela expressão “B” possui capacidade distintiva suficiente para merecer protecção.
Vejamos.
Enquanto sinal distintivo, a marca tem a função primordial de diferenciar produtos ou serviços.
Ao abrigo do artigo 197.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, “Só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
A marca é um sinal que serve para individualizar os produtos ou serviços, objecto do comércio do comerciante.1
Quanto à sua composição, a marca pode ser nominativa, figurativa ou mista, consoante seja constituída por palavras, ou tenha carácter plástico, tendo apresentação visual própria, ou composta por palavras e formas.2
Nestes termos, a marca está sujeita, na sua composição, ao princípio da liberdade, salvo as restrições e condicionalismos estabelecidos por lei.
Um desses condicionalismos exige que a marca possua eficácia ou capacidade distintiva suficiente, ou seja, deve ser apta a diferenciar-se de outros produtos idênticos ou semelhantes.
O legislador define situações mais frequentes em que a marca carece de capacidade distintiva.
Preceitua-se nos termos do artigo 199.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) que “não são susceptíveis de protecção os sinais constitutivos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto (al. a)); os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos (al. b)); os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (al. c)); as cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva (al. d))”.
Com isto pretende a lei afastar do domínio da marca os chamados sinais genéricos, descritivos, usuais e fracos.
Diz-se genérico quando o sinal, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente, a forma comum e ordinária do produto marcado.3
Sendo descritivo aquele sinal que indica, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço.4
E são usuais aqueles sinais verbais ou figurativos indicadores dos produtos ou serviços, ou sinais descritivos de um género ou de diferentes géneros de produtos ou serviços, ou ainda sinais usuais banais esvaziados de conteúdo diferenciador e descritivo pelo uso generalizado e indiscriminado em relação a qualquer tipo de produto ou serviço5.
Existe também o chamado sinal fraco, o qual, pela sua simplicidade e vulgaridade, não reveste qualquer possibilidade de, isoladamente, distinguir uma espécie de produtos ou serviços6.
Na análise da marca, é fundamental considerar sua imagem global, em vez de avaliar cada elemento isoladamente. O carácter distintivo ou a adequação da marca para identificar a origem comercial dos bens deve ser avaliado em sua totalidade.
Além disso, é crucial levar em conta o espaço territorial em que se opera a apreciação e concessão do pedido de registo da marca.
No presente caso, a marca nominativa em causa é composta unicamente pela expressão “B”, que em português significa “visão” ou “vista”.
Entende o juiz a quo que a marca registanda, destinada a assinalar os serviços na classe 9, não merece protecção uma vez que se trata de um sinal usual e genérico.
Conforme acima referido, não podem ser registadas como marcas aquelas designações que são formadas exclusivamente por indicações que, no comércio, servem para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou outras características do produto ou serviço.
Como observa Carlos Olavo7: “Tratando-se de expressões meramente descritivas da realidade a que se reportam, devem poder ser, enquanto sinais genéricos, utilizados por qualquer um.”
No presente caso, estamos perante uma marca nominativa composta exclusivamente pela palavra “B”. É verdade que a marca registanda queria referir-se a alguma função do seu produto.
Entretanto, como observa Luís Couto Gonçalves, uma marca só é efectivamente descritiva se for exclusiva e directamente descritiva. Por outras palavras, uma marca pode ser distintiva se não for exclusivamente descritiva, ou seja, se, sendo composta por elementos descritivos e não descritivos, a combinação oferecer um conjunto distintivo e, ainda, se não for directamente descritiva, ou seja, se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se, nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa.8
Opina Américo da Silva Carvalho que “as denominações sugestivas distinguem-se das descritivas (strictu sensu), por estas fornecerem elementos ou indicações sobre a composição dos produtos distinguidos por determinada marca directamente, enquanto aquelas fornecem somente indirectamente, indicação acerca das mesmas obrigando o consumidor a desenvolver actividade intelectual ou imaginativa e, portanto, aquelas não são registáveis, e estas são.”9
Analisada a marca no seu todo, somos a entender que ela não é directamente descritiva para indicar a produção, qualidade, quantidade, destino, valor, ou qualquer outra característica do produto ou serviço, antes configura-se como um sinal que sugere uma função do produto relacionada à visualização.
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no âmbito do Processo n.º 16/2023:“E, se certo se apresenta que uma “frase – puramente – descritiva”, eventualmente, com características “promocionais”, (que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços), não é passível de registo, o mesmo já não sucede com “frases”, (ou expressões), que contenham determinadas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, (dada a sua natureza, composição, referência, etc…), não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão, ou qualquer “esforço de interpretação” por parte do público consumidor.
Ora, ponderando na aludida “marca registanda” – composta pelas junção das expressões: “APP”, “CLIP” e “CODE” – somos de opinião que a mesma possui (a necessária) “capacidade distintiva”, pois que as expressões aí empregues, (e muito especialmente pela sua “junção” ou “associação”), não deixa de “instigar a reflexão”, desencadeando e sugerindo, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, sendo, por isso, passível de (mais fácil) “memorização”, o que a torna capaz de “distinguir” os produtos a que dizem respeito dos produtos de empresas concorrentes.”
Da mesma forma, no Processo n.º 51/2023, o TUI decidiu que a marca nominativa “SensorKit” é registável com fundamentos análogos.
Dado que a marca registanda visa assinalar produtos ou serviços da classe 9 (“câmaras, monitores de vídeo, monitores de visualização, aparelhos de visualização de vídeo para fixação à cabeça, ecrãs de visualização viáveis, ecrãs electrónicos de visualização para computadores”), a expressão “B” não se apresenta como um sinal meramente descritivo no respectivo ramo de comércio, antes sugere que o consumidor pense um pouco mais para relacionar a marca ao produto. Assim, na ausência de outros impedimentos legais, deve ser concedido o registo da referida marca.
Dest’arte, concede-se provimento ao recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e determina-se a concessão do pretendido registo da marca N/2XXX75.
Sem custas, em ambas as instâncias, por a entidade recorrida beneficiar de isenção subjectiva.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 20 de Fevereiro de 2025

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1o Juiz-Adjunto)

Seng Ioi Man
(2o Juiz-Adjunto)

1 Carlos Olavo, Manual D. Comercial, 1º, pág. 186
2 Prof. Oliveira Ascensão, Direito Comercial Vol. II
3 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, pág. 171
4 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
5 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 180
6 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 181
7 Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Volume I, 2.ª edição actualizada, pág. 85
8 Luís M. Couto Gonçalves, obra citada, pág. 173
9 Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, 2004, Coimbra Editora, pág. 87 e 88
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