Processo nº 18/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 20 de Fevereiro de 2025
ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Requisitos legais
SUMÁRIO:
- Só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
- É necessário verificar-se, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso. (nº 1 do artº 121º do CPAC).
- Se o Requerente precisar manter um contacto físico com o filho menor para reconstituir a relação de confiança pai-filho e com a execução do acto compromete irredutivelmente esta possibilidade, constitui-lhe um prejuízo de difícil reparação.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 18/2025
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 20 de Fevereiro de 2025
Requerente: A (Recorrente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, melhor identificado nos autos, vem requerer a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, de 8/11/2024, pelo qual se revogou o seu autorização de residência.
Por Acórdão de 19/12/2024, o Tribunal de Segunda Instância (TSI) indeferiu o pedido da suspensão da eficácia.
Inconformado, vem o ora Recorrente interpor o recurso jurisdicional para este Tribunal de Última Instância (TUI), alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho que revogou a autorização da fixação da residência em Macau anteriormente concedida ao ora Recorrente.
2. A decisão recorrida baseou-se no entendimento de que não se verifica preenchido in casu o requisito descrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º CPAC, posição com a qual o Recorrente não pode conformar-se.
3. O recurso contencioso de anulação de actos administrativos não tem efeito suspensivo e levará algum tempo a ser julgado definitivamente, pelo que, in casu, a execução imediata do acto prejudica irremediavelmente o Recorrente, pelo que a suspensão de eficácia requerida destina-se a acautelar o efeito útil do recurso contencioso, mantendo inalterada a situação preexistente até que seja decidido definitivamente o recurso interposto que o Recorrente interpôs daquela decisão.
4. Dado o carácter de urgência do pedido de suspensão de eficácia, como providência cautelar que é, não pode exigir-se uma prova stricto sensu que demonstre a veracidade dos factos articulados, mas tão só uma prova simples da situação jurídica alegada pelo Recorrente, sendo suficiente a existência aparente da situação alegada.
5. O Recorrente tem o seu centro de vida na RAEM, onde se encontra a viver e onde exerce funções de 3D Artist na firma [Limitada] (conforme documento n.º 4 junto com o requerimento de suspensão de eficácia).
6. As considerações do Digno Magistrado do MP, nas quais o Tribunal a quo fundou a sua decisão, referem que “[...] já se terminou a relação jurídica entre ele [o ora Recorrente] e a [Universidade]”, mas existe aqui um erro nos pressupostos de facto, já que o facto de ter terminado a sua relação laboral com a [Universidade] não afasta a existência de um vínculo laboral na RAEM (com a [Limitada]), o qual não foi devidamente considerado na decisão recorrida.
7. O Recorrente tem na Região o filho de 4 anos, onde o mesmo reside com a mãe, estando inscrito na [Escola(1)].
8. Destes factos resulta claro que o Recorrente tem o seu centro de vida estabilizado na RAEM.
9. O Recorrente aufere mensalmente a quantia de MOP$35,000.00 (trinta e cinco mil patacas), sendo esse o seu único meio de subsistência, e contribuindo também para o sustento do seu filho, pagando mensalmente uma pensão de alimentos no valor de MOP$3,000.00 (três mil patacas), pagamento esse que foi aliás fixado pelo Tribunal Judicial de Base da Região (conforme documento n.º 6 junto com o requerimento de suspensão de eficácia).
10. Caso não se suspensam os efeitos do acto de revogação da autorização de permanência, o Recorrente ficará, de repente, sem o seu meio de subsistência, sem possiblidade de continuar a pagar a pensão de alimentos ao seu filho, sem a sua actual ocupação profissional, e sem a possibilidade de conviver com o seu filho de apenas 4 anos de idade e de acompanhar o seu crescimento, situação que acarreta não só prejuízos patrimoniais mas, e mais importante, evidentes prejuízos emocionais, não só para o Recorrente mas também – e mais importante – para o seu filho, em prejuízo daquele que é o próprio superior interesse da criança.
11. Sobre a menção que o Digno Magistrado do Ministério Público fez, acolhida pelo Tribunal a quo, de que o filho do Recorrente e a sua ex-mulher estão a viver em Portugal, cumpre salientar que a ex-mulher do Recorrente era uma das docentes que aguardava pela emissão de licença especial por parte das Autoridades de Ensino de Portugal para poder regressar e reocupar na [Escola(2)] a posição de professora do ensino especial (art. 13.º do requerimento de suspensão de eficácia).
12. O ora Recorrente fez questão de sublinhar que esta era uma situação provisória, que o centro de vida do seu filho continuava a ser em Macau, e que estava mesmo matriculado numa escola em Macau (cfr. documento n.º 5 que se juntou com o requerimento de suspensão de eficácia), pelo que o Tribunal a quo, neste ponto, decidiu com base num manifesto erro sobre os pressupostos de facto.
13. Para além disso, é de referir um facto novo que entretanto se verificou: a ex-mulher do Recorrente e o seu filho regressaram, no passado dia 29 de Dezembro, a Macau conforme fotografia do Recorrente e do seu filho (que inclui data, hora e localização), que ora se junta como documento n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – DOC. 1.
14. Ainda sobre a importância da relação entre o Recorrente e o seu filho, é de referir que o Recorrente só veio viver para Macau dois anos depois de o filho nascer, dada uma situação de impossibilidade absoluta, já que na altura em que o filho nasceu, a RAEM impunha restrições à entrada de não residentes, no âmbio das políticas de contenção da pandemia COVID-19, pelo que o Recorrente ficou sem conhecer o seu filho até aos dois anos de idade, não por vontade sua, mas por restrições à circulação que não dependiam da sua vontade
15. A mudança do centro de vida do Recorrente para fora da RAEM implicará necessáriamente um afastamento do seu filho de 4 anos, circunstância que, por si só, seria suficiente para que ficasse preenchido o requisito a que se refere o artigo 121.º, n.º 1, al. a) do CPAC, já que o não acompanhamento de uma criança tem consequências psicológicas para o pai mas, principalmente, para a criança.
16. Para além disso, acresce ainda a perda dos meios de subsistência como seja prover pela sua alimentação, vestuário, saúde e habitação e impossibilidade de pagamento da pensão de alimentos ao seu filho.
17. A não suspensão dos efeitos ora requerida implicará pois uma situação financeira difícil para o Recorrente e para o seu filho, e um completo afastamento do Recorrente do seu filho de 4 anos.
18. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, ficou demonstrado que a não suspensão da decisão de revogação da autorização de residência do Recorrente causará um prejuízo de difícil reparação.
19. Vindo a ser proferida sentença favorável ao Recorrente (no recurso contencioso que interpôs), a mesma não terá qualquer utilidade prática se a sua relação laboral já se encontrar dissolvida e o mesmo tiver sido obrigado a sair da RAEM.
20. Por todo o exposto, entende o Recorrente que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido violou a lei, nomeadamente o disposto nos artigos 2.º e 121.º do CPAC, pelo que se impõe uma decisão diversa no sentido de que seja concedida a requerida suspensão de eficácia do acto recorrido até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.
21. Sobre os demais requisitos elencados no artigo 121.º, n.º 1 do CPAC (als. b) e c)), o Tribunal a quo não se pronunciou, mas parece-nos também inequívoco que estão os mesmos preenchidos.
22. Em relação ao requisito do artigo 121.º, al. b) do CPAC, não se vislumbra in casu qualquer interesse público relevante que possa ser afectado com a suspensão de eficácia ora requerida.
23. No limite, a suspensão de eficácia prolonga a autorização de residência do Recorrente até à decisão final que vier a ser proferida em sede de recurso contencioso, o que dificilmente poderá sequer provocar uma lesão leve nesse interesse.
24. Ao invés, os danos na esfera jurídica do Recorrente que irão resultar da recusa da providência são evidentes.
25. Mesmo que se entenda que existiria alguma lesão do interesse público – o que não se vislumbra – sempre seria absolutamente desproporcional o prejuízo irreparável do Recorrente, quando confrontado com uma eventual lesão do interesse público neste caso, que jamais poderia ser entendida como grave, e cuja avaliação sempre haveria que ser feita por recurso ao disposto no artigo 121.º, n.º 4 do CPA., sendo certo que o prejuízo causado ao Recorrente com a não suspensão da eficácia do acto sempre seria manifestamente e desproporcionalmente superior àquele que poderia eventualmente resultar para o interesse público.
26. Relativamente à existência do fumus boni iuris a que se refere o artigo 121.º, n.º 1, al. c) do CPAC, dispensa-se nesta sede de procedimento cautelar a convicção da probabilidade de acolhimento dos fundamentos vertidos no recurso contencioso, bastando um juízo negativo de que “não seja manifesta” a falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento do mérito.
27. O Recorrente está plenamente convicto da procedência daquele recurso contencioso, mas a este Venerando Tribunal nem se exige uma convicção sobre a procedência desse recurso, bastando uma simples aferição de que não é manifesta a falta de fundamento daquele recurso contencioso para que se dê como preenchido o requisito da alínea c), do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
28. Face ao exposto, entende o Recorrente que estão preenchidos todos os requisitos para a suspensão de eficácia da decisão de revogação da autorização de residência do Recorrente, previsos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPA, até decisão final do recurso contencioso de anulação que daquele acto foi interposto.
*
O Secretário para a Segurança, a Entidade Recorrida, respondeu nos termos constantes a fls. 133 a 135 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
O Mº Pº é de parecer pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II - FACTOS PROVADOS
Pelo TSI foi considerada como relevante e provada seguinte a matéria de facto:
«Foi feita a seguinte notificação dirigida ao Requerente que contém os elementos básicos da decisão:
NOTIFICAÇÃO Nº:2001325/SRDARPNT/2024P
Nesta data notifico o Sr.º A (titular do B.I.R. n.ºXXXXXXX(X)), de que por Despacho do Exmº. Senhor Secretário para a Segurança de 08 de Novembro de 2024 concordou nos termos e com os fundamentos do parecer constante da informação n.º 200026/SRDARPG/2024P, a revogação da autorização de residência do interessado nos termos da alínea 3), nº2 do Art.º 43º da Lei nº 16/2021 com efeitos retroactivos ao dia 21/SET/2023, por conseguinte o indeferimento do pedido de alteração do fundamento da autorização de residência nos termos do Art.º 38º da Lei nº 16/2021., conforme a seguir se transcreve na íntegra:
1. “O interessado, A, requereu em 25/Mar/2024 a alteração do fundamento da Autorização de Residência, para agora exercer funções como 3D Artist na firma [Limitada].
2. Por entender não haver fundamento bastante para a alteração do fundamento, neste caso,
- O interessado deixou de exercer funções na [Universidade] em 21/SET/2023, facto esse que implicou a revogação da autorização de residência nos termos da alínea 3), nº 2 do Art.º 43º da Lei nº 16/2021;
- Em 07/SET/2023 a 14/DEZ/2023 prestou serviços em regime de profissão liberal para a [Universidade] (facto esse que não foi comunicado aos nossos Serviços);
- Só em 11/MAR/2024 celebrou com a firma [Limitada] um contrato de trabalho para exercer funções como 3D Artist.
Assim foi o interessado notificado em audiência escrita nos termos do artºs 93º e 94º do CPA tendo-lhe sido concedido 15 dias para dizer o que se lhe oferecer.
3. Dentro do prazo concedido, o interessado, apresenta documento que contraria a proposta de revogação e expõe que:
- Primeiro porque o aqui interessado não deixou de prestar serviços na [Universidade] em Setembro de 2023, tendo prestado esses mesmos serviços até Dezembro de 2023, mais precisamente o dia 14 de Dezembro de 2023;
- Como se alegou supra, apenas se registou uma alteração de vinculo funcional, mas o interessado sempre se manteve a desenvolver a sua actividade para a mesma entidade patronal;
- Na verdade, o aqui interessado exerceu funções na [Universidade] até ao dia 11/01/2024 ... sendo que apenas atribui as notas ao seus alunos em Janeiro de 2024 ... e tendo emitido um recibo de profissional liberal, factos que realçam no ponto 5 da presente informação.
4. Atendendo que:
1- O interessado deixou de exercer funções na Universidade através do contrato de trabalho;
2- Foi alterado para prestação de serviços em cooperação (profissão liberal), mas sem estabilidade;
3- Foi alterado a natureza da “relação” e não foi comunicado o facto aos nossos Serviços;
4- Pelo que, tendo em conta que deixou de se verificar os pressupostos ou requisitos, assim, julgo ser de revogar a autorização de residência do interessado nos termos da alínea 3), nº2 do Art.º 43º da Lei nº 16/2021 com efeitos retroactivos ao dia 21/SET/2023, por conseguinte o indeferimento do pedido de alteração do fundamento da autorização de residência nos termos do Art.º 38º da Lei nº 16/2021.”
Mais notifico que poderá apresentar recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M., nos termos do Art.º 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Macau, aos 18 de Novembro de 2024»
Factualidade considerada provada por este TUI com base nos documentos juntos aos autos:
- O filho do ora Recorrente, nascido em XX/X/2020, é aluno da [Escola(1)] para o ano lectivo 2024/2025 (fls. 30 dos autos).
- Por sentença de 27/7/2023 do Juízo de Família e de Menores do TJB (fls. 31 a 38v dos autos), o exercício do poder paternal do filho menor fica confiado à mãe, tendo o pai, ora Recorrente, direito a visitas, podendo passar os fins de semana com o filho menor de forma alternada, uma semana das 09H00 às 18H00 de sábado, outra semana das 18H00 de sábado até 18H00 de domingo.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal a quo indeferiu o pedido da suspensão de eficácia por entender que não se verifica o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, segundo a qual “a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.
Discorda o ora Recorrente, da não verificação deste requisito.
É esta a questão a apreciar.
Segundo José Carlos Vieira de Andrade1,“a dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo de prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência (em execução) de uma eventual sentença de anulação”.
Por outro lado, é de entendimento unâmine deste TUI2 que «o dano susceptível de quantificação pecuniária pode ser considerado, em certas situações, de difícil reparação para o requerente, sendo de considerar ainda como tal os casos “em que a avaliação dos danos e a sua reparação, não sendo de todo em todo impossíveis, podiam tornar-se muito difíceis”, os prejuízos “decorrentes de actos que determinem a cessação do exercício da indústria, comércio ou actividades profissionais livres” bem como consistentes “na privação de rendimentos geradora de uma situação de carência quase absoluta e de impossibilidade de satisfação das necessidades básicas e elementares”.
“Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto.”»
E “cabe ao requerente o ónus de alegar e provar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, fazendo-o por forma concreta e especificada, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos, não bastando alegar a existência de prejuízos, não ficando tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente”.
No caso em apreço, alega o ora Recorrente que, se executar o acto, ficaria desempregado e sem qualquer meio de sustento, já que seria difícil arranjar outro emprego de um momento para o outro fora da RAEM, sendo a actividade profissional aqui desenvolvida a sua única fonte de rendimento, não possuindo nenhuma poupança nem algum bem imóvel de que podia dispor.
Além disso, ficaria também impedido de acompanhar o seu filho menor de 4 anos de idade, que estuda na [Escola(1)].
Quid iuris?
Antes de mais, o ora Recorrente não juntou qualquer prova de que a falta de rendimento de trabalho implicará a sua impossibilidade de sustento.
Não ignoramos a dificuldade de apresentar prova documental para factos negativos, uma vez que não é admissível prova testemunhal no procedimento cautelar da suspensão de eficácia3.
No entanto, a dificuldade não significa a impossibilidade absoluta, pois, o ora Recorrente pode, por exemplo, juntar o extracto da(s) sua(s) conta(s) bancária(s) a fim de demonstrar a sua situação económica concreta.
Por outro lado, considerando a idade do ora Recorrente (44 anos de idade) e os seus conhecimentos profissionais especializados (3D artista), não nos parece que ele terá grande dificuldade em encontrar novo trabalho, tanto liberal como por conta de outrém, fora da RAEM.
Não está comprovada, portanto, a alegada impossibilidade de sustento por falta de rendimento de trabalho.
Quanto à questão da impossibilidade do acompanhamento do filho menor, o ora Recorrente alegou na petição inicial que o filho menor vivia e estudava na RAEM, só se encontrando momentaneamente em Portugal, daí que o regresso do menor para RAEM no dia 29/12/2024 não é um facto absolutamente novo, antes uma concretização do já alegado do ora Recorrente.
No caso em apreço, o exercício do poder paternal do filho menor fica confiado à mãe, mas o pai, ora Recorrente, tem direito a visitas, podendo passar os fins de semana com o filho menor de forma alternada, uma semana das 09H00 às 18H00 de sábado, outra semana das 18H00 de sábado até 18H00 de domingo.
A execução do acto compromete irredutivelmente o regime de visitas fixado, já que o ora Recorrente terá de regressar para o seu país de origem e tendo em conta a longa distância e o elevado custo de transporte, é pouco viável para ele vir para RAEM visitar o filho menor de forma frequente.
Manter a presença à distância e manter a sua presença física são duas realidades distintas, especialmente para o caso sub justice, na medida em que a presença física do ora Recorrente é essencial para restabelecer a confiança do filho menor, uma vez que deixou de ser o auxiliar primário do filho menor por um longo tempo, precisando portanto manter um contacto físico com o filho menor por um período relativamente longo para reconstituir a relação de confiança pai-filho (cfr. Sentença do Juízo de Família e de Menores do TJB, pág. 13 e 14, fls. 37 e verso dos autos).
Nesta conformidade e salvo o devido respeito da posição contrária, entendemos que a impossibilidade do acompanhamento do filho menor no caso sub justice representa um prejuízo de difícil reparação para o ora Recorrente.
Verifica-se assim o requisito previsto na al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
No que respeita aos demais requisitos, os mesmos não foram conhecidos pelo acórdão recorrido.
Assim, é de atender ao art.º 159.º do CPAC para definir os poderes de cognição deste TUI:
“1. Quando o tribunal de recurso julgue que não procede o fundamento que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido e nenhum outro motivo obste à decisão sobre o mérito da causa, os autos baixam ao tribunal recorrido para esse efeito.
2. Quando a decisão impugnada seja nula, compete ao tribunal recorrido reformá-la em conformidade com o julgado.
3. No recurso de decisões proferidas em processos urgentes não se aplica o disposto nos números anteriores, devendo o tribunal de recurso decidir, quando possível, sobre o mérito da causa.”.
Por se tratar de processo urgente, vamos apreciar directamente os demais requisitos de acordo com o poder consagrado no n.º 3 do referido artigo.
A Entidade Recorrida não alegou na contestação que a suspensão de eficácia do acto causava grave lesão do interesse público e nos autos não há elementos que evidenciam de forma manifesta ou ostensiva a existência dessa grave lesão, pelo que ao abrigo do nº 1 do artº 129º do CPAC, é de considerar verificado o requisito previsto na al. b) do nº 1 do artº 121º do mesmo Código.
Também não resulta dos autos qualquer indício da ilegalidade do recurso contencioso, preenchendo assim o último requisito previsto na al. c) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
Ou seja, estão preenchidos todos os requisitos legais para o decretamento da suspensão de eficácia.
*
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar provido o recurso jurisdicional interposto, revogando o acórdão do Tribunal de Segunda Instância e, em consequência, deferir a suspensão de eficácia requerida.
*
Custas em ambas as instâncias pela Entidade Recorrida, que goza da isenção subjectiva.
Registe e notifique.
*
RAEM, aos 20 de Fevereiro de 2025.
Juízes : Ho Wai Neng
Song Man Lei
José Maria Dias Azedo
O Magistrado do Ministério Público presente na conferência:
Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 A Justiça Administrativa (Lições), 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 176.
2 Ac. do TUI, de 22/2/2023, Proc. n.º 9/2023.
3 Ac. do TUI, de 15/7/2015, Proc. nº 28/2015.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
3
18/2025