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Processo nº 12/2024(I)
(Autos de recurso jurisdicional) (Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 01.03.2024, proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Jurisdicional a seguinte decisão sumária, (que se passa a transcrever na sua íntegra):

“Ponderando no teor da decisão recorrida, nas “questões” pelo ora recorrente colocadas, e considerando-se que a possibilidade pelo legislador conferida de se decidir sumariamente um recurso destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, entende-se que o presente recurso deve ser objecto de “decisão sumária”; (cfr., art. 149°, n.° 1 do C.P.A.C. e art. 621°, n.° 2 do C.P.C.M., podendo-se também, v.g., ver C. Pinho in “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 419, e as “decisões sumárias” proferidas nos autos de recursos jurisdicionais n°s 69/2020, 68/2020, 75/2020, 147/2020, 47/2021, 49/2021, 83/2021, 94/2021, 98/2021, 93/2021, 107/2021, 108/2021, 112/2021, 126/2021, 142/2021, 26/2022, 17/2022, 46/2022, 118/2022, 10/2023, 184/2020, 132/2022, 39/2023, 128/2022, 5/2023, 34/2023, 52/2023, 44/2022, 61/2023 e 13/2024).
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Nesta conformidade, passa-se a decidir do presente recurso.
*
Relatório

1. A (甲), com sinais nos autos, (titular da empresa denominada “B”), recorreu contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância do despacho do SECRETÁRIO PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA de 09.08.2022 que no âmbito do concurso público n.° 004/DZVJ/2022 adjudicou à sociedade “C”, (“丙”) a “Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais” na Zona A de Coloane.

A final da petição inicial que apresentou deduziu o seguinte pedido:

“a) ser anulado por vício de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação do artigo 59.º do CPA, mais devendo ser substituído por outro que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
b) ser anulado por vício de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação do artigo 60.º do CPA, mais devendo ser substituído por outro que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
c) ser anulado por vício de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação do n.º 2 do artigo 78.º do CPA, mais devendo ser substituído por outro que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
d) ser anulado por vicio de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação do artigo 86.º do CPA, mais devendo ser substituído por outro que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
e) ser anulado por vício de violação de lei, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação do n.º 1 do artigo 37º e do n.º 1 do artigo 39,º, ambos do Decreto-Lei n.º 63/85/M, de 6 de Julho, mais devendo ser substituído por outro, que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
f) ser anulado, por vício de violação de lei, na vertente de erro nos pressupostos de facto, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, mais devendo ser substituído por outro que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
subsidiariamente
g) ser anulado por vicio de violação de lei ou erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, nos termos previstos no artigo 124.º do CPA e na alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, por violação dos princípios da prossecução do interesse público, da justiça, da proporcionalidade, da colaboração e da desburocratização e eficiência, previstos, respectivamente, nos artigos 4.º, 7.º, 5.º, 9.º e 12.º; todos do CPA, mais devendo ser substituído por outro que adjudique à aqui Recorrente a prestação desses serviços;
(…)”; (cfr., fls. 2 a 38 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, por Acórdão de 19.10.2023, (Proc. n.° 692/2022), julgou-se procedente o recurso, anulando-se a decisão recorrida; (cfr., fls. 973 a 1000).

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Do assim decidido, traz agora a entidade administrativa então recorrida o presente recurso jurisdicional, alegando para, a final, afirmar (essencialmente) que:

“a) o acórdão recorrido viola o artº 230º, nº 1, al. e) e artº 413º, al. h) do CPC, "ex vi" do artº 1º do CPAC, por reconhecer erradamente a inexistência de falta de interesse processual. Caso assim não se entenda:
b) o acórdão recorrido aplicou incorrectamente os artºs 59º, 60º, 78º/nº 2 e 124º do CPA e os critérios de avaliação do programa do concurso público, padecendo, assim de erro na aplicação do Direito”; (cfr., fls. 1013 a 1031 e 4 a 35 do Apenso).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, considerando que o recurso interposto não merecia provimento e que se devia confirmar o Acórdão recorrido; (cfr., fls. 1044 a 1044-v).

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Nada obstando, passa-se a apreciar e decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Tribunal de Segunda Instância vem indicada como “provada” a seguinte matéria de facto:

“a) Por anúncio publicado no BO n.º 10, II Série, em 09.03.2022; foi aberto concurso público para a «Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais», ao qual foi atribuído o n.º 004/DZVJ/2022, cujo programa de concurso e caderno de encargos consta de fls. 95 a 118 dos autos, traduzido a fls. 410 a 482 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
b) A Recorrente em 28 de Março de 2022, apresentou proposta para os serviços a serem prestados nas zonas A e B de Coloane, conforme documentos que constam de fls. 834 a 912 do PA e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
c) Em 1 de Abril de 2022, A Comissão de Selecção das Propostas atribuiu à proposta da Recorrente, relativamente à zona A, a classificação global de “95.00” pontos;
d) Relativamente à zona B e também em 1 de Abril de 2022, a Comissão de Selecção das Propostas atribuiu à proposta da Recorrente a classificação global de “93.95” pontos;
e) Na mesma reunião realizada em 1 de Abril de 2022, a Comissão de Selecção das Prepostas propôs, por unanimidade, que a prestação dos serviços nas zonas A e B de Coloane fosse adjudicada à Recorrente;
f) Na tabela descritiva das propostas, anexa à acta dessa reunião da Comissão de Selecção das Propostas, de 1 de Abril de 2022, é referido, em nota de rodapé, que: “Nota 1: A B: Na declaração de experiência profissional apresentada a área indicada no Ponto 3 é de 20.000 m2, mas este projecto foi fiscalizado pela Divisão de conservação da Natureza e confirmou-se que a área deste serviço é de 5 hectares.”;
g) Em 12 de Maio de 2022, por se tratar das propostas com a melhor classificação para as zonas A e B de Coloane, o IAM enviou à Recorrente, na qualidade de concorrente cuja proposta havia sido preferida, a competente minuta do contrato de prestação de serviços, através da qual este instituto contratava os serviços da Recorrente para as mencionadas zonas A e B de Coloane;
h) No mesmo dia de 12 de Maio de 2022, a Recorrente aceitou os termos constantes da mencionada minuta, pelo que a carimbou e enviou ao IAM, via telecópia; - cf. doc. a fls. 258 a 264 (traduzidos a fls. 745 a 753) -.
i) Em 1 de Julho de 2022 a Comissão de Selecção das Propostas, após a comunicação interna recebida da Divisão Jurídica e de Notariado, reavaliou a classificação global da Recorrente, relativamente à zona A de Coloane, passando-a de “95.00” pontos para “84.00” pontos, colocando-a, assim, na 2.ª posição dentre todas as propostas avaliadas, atrás da sociedade denominada “C”; - cf. doc. a fls. 59 a 65 (traduzidos a fls. 333 a 349) -.
j) Em 1 de Agosto de 2022, a Recorrente submeteu reclamação junto do IAM, a qual não mereceu atendimento e, em 8 de Setembro de 2022, submeteu reclamação para o Exmo. Sr. Secretário para a Administração e Justiça, sobre o qual não obteve ainda resposta; - cf. doc. a fls. 280 a 289 -.
k) Pelo Senhor Secretário para a Administração e Justiça em 09.08.2022 foi homologada e exarado sob a proposta n.º 047/DCN/DZVJ/2022, de 06.07.2022, que adjudicou à sociedade “C” a «Prestação de Serviços de Recuperação de Àreas Florestais» na Zona A de Coloane, no âmbito do concurso público nº 004/DZVJ/2022, a qual consta de fls. 40 a 44 e traduzida a fls. 303 a 311 e com o seguinte teor:
Parecer jurídico, vide seguinte folha


PARECER:
Exmo. Sr. Secretário Cheong,
Eu concordo com a sugestão da presente proposta, à consideração de V. Exa..
O Presidente do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais
(Ass.-vide original)
D
29 de Julho de 2022
A deliberação do ponto 6 da reunião n.º 31/2022, de 15/7/2022, do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais:
A deliberação propõe-se que é aprovado o assunto de adjudicação constante na presente proposta e o qual é submetido ao Secretário para a Administração e Justiça para a aprovação.
Que esta deliberação seja aprovada de imediato.
(ass.-vide original)

Visto, concordo com o conteúdo desta proposta. À consideração superior.


Visto, concordo com o conteúdo da proposta. À consideração superior.


Visto, concordo com o conteúdo da proposta. À deliberação da reunião do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais.

O Chefe do Dept.º de Zona Verdes e Jardins
(ass.-vide original)
E
7/7/2022


O Membro do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais
(ass.- vide originais)
F
14/7/2022

O Vice-presidente do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais
(ass.- vide originais)
G
14/7/2022

DESPACHO:
O Conselho de Administração para os Assuntos Municipais toma conhecimento, em 12 de Agosto de 2022, da Sessão n.º 35/2022.
APROVAÇÃO
O SECRETÁRIO PARA A ADMINISTRAÇÃO E JUSTIÇA
(ass.-vide original)
CHEONG WENG CHON
9/8/2022
À Sessão para conhecimento.
(ass.-vide original)
O Presidente do CA
9/8/2022
Cópia ao VPN, ao DJN

Assunto: Adjudicação - “4.ª Fase da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais” (Concurso Público n.º 004/DZVJ/2022)
Número 047/DCN/DZVJ/2022
DATA 6/7/2022
Proposta
Se o Conselho de Administração para os Assuntos Municipais concordar com esta proposta e com as sugestões da Comissão de Selecção das propostas, pode, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, al. b) e no artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, republicado pela Lei n.º 5/2021, propor que sejam adjudicados os serviços referentes à zona de Macau e à zona A de Coloane à “C”, e a zona B de Coloane à “B”, conforme consta da proposta.
Uma vez que o montante de adjudicação excede MOP$3.000.000,00, a referida deliberação juntamente com a minuta de contrato será submetida ao Secretário para a Administração e Justiça em conformidade com o n.º 1.º, al. e) do Despacho do Chefe de Executivo n.º 271/2018 e os n.ºs 1, 2, al. 3) e n.º 4, al. 2) da Ordem Executiva n.º 180/2019, alterada pela Ordem Executiva n.º 84/2021 para a aprovação.
Embora os encargos que tenham reflexo em ano que não seja o da sua realização, não é necessário obter a aprovação do Chefe do Executivo, em conformidade com o artigo 35.º, n.º 4, al. 5) da Lei n.º 15/2017 e o artigo 10.º da Lei n.º 21/2021, os encargos que nos anos económicos seguintes ao da sua contracção não excedam o limite que venha a ser fixado na proposta de orçamento.
Em conformidade com o artigo 12.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 122/84/M, deve ser celebrado um contrato escrito.
À consideração superior.
A técnica superior da
Divisão Jurídica e de Notariado
(ass.-vide original)
H
8 de Julho de 2022

1. Através da proposta n.º 025/DCN/DZVJ/2022 (ver Anexo 3 para detalhes), sugere-se a realização da adjudicação da 4.ª Fase da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais (Concurso Público n.º 004/DZVJ/2022), sugestão a qual foi aprovada, em 6 de Maio de 2022, pela deliberação do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais, e submetida ao Secretário para a Administração e Justiça para aprovação. O Secretário para a Administração e Justiça fez um despacho, em 27 de Maio de 2022, para devolvê-la ao Instituto para os Assuntos Municipais para modificação.
2. A Comissão de Selecção das Propostas apreciou de novo a “Declaração de Experiência Profissional na Prestação de Trabalhos Similares dos Concorrentes para os anos de 2016 a 2021” apresentada por todos os concorrentes e recomendou que o concorrente com a pontuação mais alta fosse adjudicado, os serviços da zona de Macau e da zona A de Coloane foram adjudicados à C e os serviços da zona B de Coloane foram adjudicados à “B”. (Consulte o Anexo 2 para mais detalhes).
3. O orçamento para o Concurso Público n.º 004/DZVJ/2022 e os contrastes de adjudicação de sugestões após a Comissão de Selecção das Propostas ter reexaminado são os seguintes:
Os montantes orçamental / de adjudicação referente à Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais
Zona de Macau

O montante orçamental de MOP$3.142.000,00
O montante de adjudicação de MOP$3.200.000,00

Zona A de Coloane

O montante orçamental de MOP$3.214.000,00
O montante de adjudicação de MOP$2.900.000,00

Zona B de Coloane

O montante orçamental de MOP$6.215.000,00
O montante de adjudicação de MOP$4.990.000,00

A totalidade do montante orçamental de MOP$12.571.000,00
A totalidade do montante de adjudicação de MOP$11.090.000,00
4. Analise-se a proposta de preço da presente 4.ª Fase da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais em seguinte:
․Zona de Macau: Como as medidas exigidas pela zona de Macau para lidar com a doença da podridão das raízes do local são tecnicamente mais altas na zona do que a zona A de Coloane e a zona B de Coloane, o montante de adjudicação excede o montante orçamental em 1,85% e o montante de adjudicação está dentro de um intervalo razoável;
․Zona A de Coloane: O montante de adjudicação é inferior ao montante orçamental e o montante de adjudicação está dentro de um intervalo razoável;
․Zona B de Coloane: O montante de adjudicação é inferior ao montante orçamental e o montante de adjudicação está dentro de um intervalo razoável;
․Em conclusão, o montante total da adjudicação (MOP$11.090.000,00) é aproximadamente 11,78% (MOP$1.481.000,00) inferior ao orçamento total (MOP$12.571.000,00), o que é um intervalo razoável.
5. Em conformidade com o artigo 5.º, n.º 2 e o artigo 7.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, republicado pela Lei n.º 5/2021, propõe-se que, na 4.ª Fase da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais, a zona de Macau e a zona A de Coloane sejam adjudicadas à “C” e a zona B de Coloane seja adjudicada à “B”. As despesas acima referidas serão pagas pelo plano de trabalho orçamental n.º 2022030503 para o ano de 2022 e pelo plano de trabalho orçamental n.º 32-02-99-00-00 “Outros - aquisição de serviços” de A900.01.03 para o ano de 2023, respectivamente (ver quadro abaixo para mais pormenores):
Conteúdo de serviços
Zona
Adjudicatário
Montante de pagamento
Montante total (MOP)



2022
2023

4.ª Fase da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais
Zona de Macau
C
3.200.000,00 (percentagem de pagamento:100%)


3.200.000,00

Zona A de Coloane
C
2.030.000,00 (percentagem de pagamento:70%)
870.000,00 (percentagem de pagamento:30%)
2.900.000,00

Zona B de Coloane
B
3.493.000,00 (percentagem de pagamento:70%)
1.497.000,00 (percentagem de pagamento:30%)
4.990.000,00
Em total:
8.723.000,00
2.367.000,00
11.090.000,00
6. Em conformidade com o disposto no artigo 12.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, republicado pela Lei n.º 5/2021, deve ser celebrado um contrato escrito, cuja minuta de contrato se encontra como Anexo 1.
7. As despesas acima mencionadas que são os encargos plurianuais, não requerem aprovação prévia do Chefe do Executivo após ouvir o parecer da Direcção dos Serviços de Finanças, em conformidade com o artigo 35.º, n.º 4, al. 5) da Lei n.º 15/2017 e o artigo 10.º da Lei n.º 21/2021.
8. Tendo em conta o montante total da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais é de MOP$11.090.000,00, de acordo com o n.º 1, al. 2) do despacho do Chefe do Executivo n.º 271/2018, visto que o montante da adjudicação do presente concurso público excedeu o montante máximo da competência do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais referente à aprovação da aquisição de serviços, e de acordo com os n.º 1, n.º 2, al. 3) e n.º 4, al. 2) da Ordem Executiva n.º 180/2019, com as alterações introduzidas pela Ordem Executiva n.º 84/2021, propõe-se que a seja submetida ao Secretário para a Administração e Justiça para aprovação depois de ter obtido aprovação através da deliberação do Conselho de Administração para os Assuntos Municipais.
À consideração superior.
Chefe da Divisão de Conservação da Natureza
(Ass. – vide original)
I
Anexos:
1. Minuta de contrato da “4.ª Fase da Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais”;
2. Acta 2 da Comissão de Selecção das propostas em relação ao concurso público n.º 004/DZVJ/2022;
3. Proposta n.º 025/DCN/DZVJ/2022.
l) Por ofício datado de 22 de Agosto de 2022, a Recorrente foi notificada que, por despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Administração e Justiça, de 9 de Agosto de 2022, a prestação dos serviços de recuperação de áreas florestais na zona A de Coloane foi adjudicada a outra entidade;
m) Em 23.09.2022 a Recorrente apresentou o presente recurso contencioso”; (cfr., fls. 990-v a 994-v).

Do direito

3. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que concedeu provimento ao recurso contencioso que a então recorrente, agora recorrida, A, aí interpôs do seu despacho datado de 09.08.2022, com o qual, no âmbito do concurso público n.° 004/DZVJ/2022, se decidiu adjudicar à sociedade “C” a “Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais” na Zona A de Coloane, cabendo recordar aqui que no dito Acórdão se entendeu que a decisão administrativa em questão padecia de “erro nos pressupostos de facto”, o que implicou a sua anulação; (sobre este tema, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 04.11.2022, Proc. 93/2022 e, mais recentemente, de 02.02.2023, Proc. n.° 80/2023).

Pois bem, para boa – cabal – compreensão das razões do pelo Tribunal de Segunda Instância decidido, vale a pena atentar no que no referido Acórdão agora recorrido se consignou, (acolhendo-se o pelo Ministério Público considerado no seu Parecer), e que, na parte que agora releva, tem o teor seguinte:

“(…)
«1.
A, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça, datado de 9 de Agosto de 2022 que adjudicou à Sociedade C, a «Prestação de Serviços de Recuperação de Áreas Florestais» na Zona A de Coloane, no âmbito do concurso público n.º 004/DZVJ/2022, pedindo a respectiva anulação.
Foram citados a Entidade Recorrida e a Contra-interessada, as quais apresentaram as respectivas contestações.
2.
(i)
A situação de facto a considerar pode resumir-se da seguinte forma.
Na sequência da abertura do concurso público acima referida, a Comissão de Selecção das Propostas, encarregada de proceder à graduação das propostas apresentadas pelos concorrentes, num primeiro momento, concretamente em 1 de Abril de 2022, atribuiu à proposta da Recorrente em relação à prestação de serviços na Zona A de Coloane, única a aqui em causa, a pontuação de 95 pontos, a qual fazia dela a melhor classificada.
Na sequência, o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) enviou à Recorrente a minuta do contrato, que esta aceitou de imediato, e de seguida foi a proposta de adjudicação enviada à Entidade Recorrida. Esta, no entanto, devolveu a proposta ao IAM, o qual, reapreciando a pontuação atribuída à proposta da Recorrente alterou-a para 84 pontos.
Esta redução na pontuação foi determinada por duas razões: uma referente à revisão e qualificação dos trabalhos realizados no Parque Natural da Taipa Grande (5 pontos) e outra referente ao facto de o projecto referido pela Recorrente na parte relativa à experiência profissional anterior, que a Comissão de Selecção de Propostas num primeiro momento considerou ter incidido sobre uma área florestal de 5 hectares e pontuado em conformidade e que, em sede de reapreciação, valorou de acordo com a área florestal que foi indicada pelo Recorrente e que foi de 2 hectares (6 pontos).
Em resultado desta modificação, a Recorrente passou a ficar graduada em segundo lugar, pelo que o contrato não lhe foi adjudicado, antes o tendo o tendo sido à Contra-interessada.
(ii.)
(ii.1)
Feita esta breve resenha da situação de facto relevante, importará agora e antes do mais, emitir pronúncia sobre as excepções dilatórias invocadas nas contestações.
Considera a Entidade Recorrida que a Recorrente carece de interesse processual uma vez que, segundo diz, não sujeitou os vícios que agora invoca à prévia reclamação que apresentou.
Salvo o devido respeito, parece-nos que deve improceder esta excepção.
O que aqui está em causa é a impugnação do acto de adjudicação do contrato à Contra-interessada e, tendo esse acto sido praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça, não está o mesmo sujeito a qualquer impugnação administrativa necessária.
Além disso, a reclamação apresentada pela Recorrente, na verdade desnecessária e impertinente, foi-o no âmbito e na sequência do envio que lhe foi feito da minuta do contrato relativamente à Zona B de Coloane o que nada tem a ver com o objecto do presente recurso.
A Contra-interessada, por seu turno, invocou a falta de legitimidade da Recorrente e a irrecorribilidade do acto.
Sem razão, todavia.
Em rigor, a excepção invocada não a da ilegitimidade, mas a da aceitação do acto e esta, como assinala a boa doutrina, é um pressuposto processual negativo autónomo do recurso contencioso cuja ocorrência impede o conhecimento pelo juiz do mérito da causa (assim, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Aceitação do Acto Administrativo, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 907 e, no mesmo sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Aceitação da nomeação versus aceitação do acto administrativo, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 37, Janeiro/Fevereiro 2003, p. 45. Em sentido não coincidente, reconduzindo a aceitação do acto ao pressuposto processual geral do interesse em agir, VASCO PEREIRA DA SILVA, Do Velho se Fez Novo: A Acção Administrativa Especial de Impugnação de Actos Administrativos, in Temas e Problemas de Processo Administrativo, e-book, 2.ª edição, 2011, p. 95).
A Recorrente não aceitou acto nenhum, nem expressa nem tacitamente, muito menos o único acto que releva que é acto de adjudicação que agora impugna e por isso não ocorre a invocada excepção dilatória.
Além disso, o acto impugnado é verticalmente definitivo e produz efeitos externos, pelo que a sua recorribilidade é igualmente manifesta.
Julgamos não carecer de explicação desenvolvida que a situação em apreço de nenhuma forma se não enquadra na previsão do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M.
Sem mais considerandos, parece-nos, pois, que devem ser julgadas improcedentes as excepções dilatórias invocadas nas contestações.
(ii.2.)
Quanto ao mérito do presente recurso, estamos em crer que o mesmo não pode deixar de proceder uma vez que acto recorrido sofre, em nosso modesto entendimento, do vício de erro nos pressupostos de facto.
Em termos muito breves, pelo seguinte.
(ii.2.1)
Como já dissemos, o acto recorrido é o acto que adjudicou à Contra-interessada o contrato de prestação de serviços de recuperação de áreas florestais. Essa adjudicação foi antecedida de uma prévia operação da Administração de escolha do co-contratante, do que a lei designa pelo «concorrente preferido» (cfr. artigo 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 63/85/M, de 6 de Julho). Nessa operação foram considerados diversos critérios, cada um deles valorado com uma certa pontuação quantitativa de cuja soma resultaram as posições relativas de cada uma das propostas apresentadas pelos concorrentes, sendo que, no que tange operação de valoração dos referidos critérios, a Administração autovinculou-se, através do programa do concurso, a proceder à mesma na observância de determinados parâmetros previamente determinados.
(ii.2.2.)
Um dos critérios a considerar na escolha do co-contratante era o da experiência profissional em trabalhos similares no período entre 2016 e 2021, distinguindo-se aqui três subcritérios, um relativo a serviços de plantação florestal prestados ao IAM, outro de serviços de conservação florestal prestados ao IAM e um último referente a serviços de conservação reordenamento e recuperação florestal prestados exterior.
No concernente ao primeiro dos referidos subcritérios, a pontuação seria atribuída do seguinte modo: se os serviços prestados respeitassem a uma área de florestal com dimensão inferior ou igual a 2 hectares a pontuação seria de 4%, caso a área florestal fosse superior a 2 hectares a pontuação seria de 10%.
No caso, a Comissão de Selecção de Propostas, na primeira operação de graduação das propostas que efectuou, atribuiu à Recorrente, neste subcritério, a pontuação de 10%, no pressuposto, por si assumido e que consta da acta da respectiva reunião, de que, apesar de a Recorrente ter indicado que a área florestal por si intervencionada era de 2 hectares, devia ser considerada a área florestal realmente objecto de intervenção e que era de 5 hectares.
Como é bom de ver, esta actuação oficiosa correctiva da Comissão não só não é merecedora de qualquer reparo como, mais do que isso, era aquela que procedimentalmente se impunha, em face nomeadamente, do disposto nos artigos 59.º («os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse púbico assim o exigir»), 60.º («os órgãos administrativos devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente ou dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que for necessário ao seguimento do procedimento e à justa e oportuna decisão») e 78.º, n.º 2 («sem prejuízo do disposto no número anterior, devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir as deficiências dos requerimentos de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos») do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que, como é evidente, se estava perante um erro de escrita manifesto da Recorrente que exigia a correcção que foi efectuada, a qual, aliás, encontrava apoio permissivo no artigo 244.º do Código Civil, sem que daí resultasse qualquer violação do princípio da intangibilidade das propostas, porquanto estava em causa a mera adequação de uma declaração da Recorrente à realidade (veja-se, neste mesmo sentido, na jurisprudência portuguesa, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29.11.2019, processo n.º 00873/19.3BELSB, disponível em linha. Sabemos que o Código dos Contratos Públicos português tem norma própria – o artigo 72.º, n.º 4 desse Código - a prever a possibilidade de rectificação oficiosa, mas estamos convictamente em crer que ela sempre resultaria dos princípios gerais do procedimento administrativo no que respeita à respectiva instrução).
A verdade, porém, é que a Administração, não obstante reconhecer que a área florestal que foi objecto de intervenção anterior pela Recorrente era de 5 hectares e, portanto, pontuável com 10% no subcritério aludido, acabou por pontuar apenas com 4% por considerar que, não obstante ser aquela a realidade, deveria, ainda assim, prevalecer a indicação feita pela Recorrente na sua proposta de que a área florestal em causa era de 20 hectares.
Como bem se compreende e salvo o devido respeito, não se pode acompanhar este entendimento da Administração.
(ii.2.3.)
A declaração constante da proposta da Recorrente em relação ao concreto ponto que se discute não vinculava de nenhuma forma a Administração. Para assim concluir, basta pensarmos na hipótese contrária, de a área florestal objecto de intervenção indicada pela Recorrente ter sido superior àquela que efectivamente foi, para logo vermos que, nessa situação, apercebendo-se a Administração da desconformidade, não poderia deixar de intervir para a corrigir, justamente no exercício dos poderes inquisitórios que a lei lhe confere.
O que significa, portanto, que a declaração em causa, por sua natureza, não era vinculativa. Pois que se não o é num sentido, também não o pode ser no outro. Daí que a Administração dispusesse de liberdade para, no confronto com essa declaração e suscitando-se-lhe dúvidas quanto à sua veracidade ou, até, como no caso, tendo a certeza da sua desconformidade com a realidade, actuar no sentido de convidar a Recorrente a esclarecer ou, como fez, corrigir oficiosamente a declaração.
Importa não perder de vista que está em causa um procedimento administrativo de natureza pré-contratual que, visando embora a escolha de um co-contratante particular para colaborar com a Administração na prossecução das respectivas atribuições, se rege por estritas exigências de satisfação do interesse público. Por isso, salvaguardados que estejam os princípios da imparcialidade, da igualdade entre os concorrentes e da intangibilidade das propostas, parece-nos claro que a Administração está legitimada a ter intervenções procedimentais como aquela que no caso teve quando considerou a área florestal real e não apenas a que, por erro, foi indicada pela Recorrente.
De tido isto resulta que a escolha da Contra-interessada como co-contratante se mostra inquinada pela consideração de um pressuposto de facto errado, qual seja o de que a área florestal da intervenção do Recorrente era de 2 hectares e não de 5 hectares, como na realidade foi, pelo que o próprio acto recorrido que assentou naquela escolha ficou também afectado pelo mesmo vício.
Com este fundamento, cuja procedência prejudica o conhecimento de todos os outros na medida em que é aquele que garante a melhor tutela dos direitos ou interesses do Recorrente, devem considerar-se prejudicados os demais vícios alegados (cfr. 74.º, n.º 5, do CPAC).
3.
O presente recurso contencioso deve, face ao exposto, ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».

O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
«O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
(…)
A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
Da factualidade apurada resulta que num primeiro momento, e bem, a Administração apercebendo-se do erro material na proposta da Concorrente, ora Recorrente, o corrigiu.
Veio posteriormente a Administração a entender que o erro no preenchimento da proposta haveria de ser imputável à concorrente considerando-se a área que havia sido declarada e não a real.
Dúvidas não subsistem que se a Administração detectasse que a área declarada era superior à real se lhe impunha o dever de proceder à correcção.
Pelo que, no âmbito do mesmo dever/poder de correcção, sendo o erro manifesto e resultando o conhecimento da administração de anteriores contratos que celebrou com a concorrente e sendo os critérios do concurso fixados apenas e somente tendo em atenção o interesse público, concordamos integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, concluindo-se que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, pelo que, nos termos do artº 124º do CPA é o mesmo anulável, sendo de proceder o recurso com a consequente anulação do mesmo, ficando prejudicada a apreciação dos demais vícios invocados.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004”; (cfr., fls. 994-v a 1000).

Aqui chegados, e expostas e ponderadas as razões da decisão recorrida que anulou o acto administrativo em questão, assim como dos motivos do presente recurso, cremos que nenhuma censura merece o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância objecto do presente recurso.

Vejamos.

Em apertada síntese que se nos mostra adequada, cremos que no presente recurso se suscitam (essencialmente) as seguintes duas questões que pela ora recorrente vem identificadas como: a da (1) “falta de interesse processual” da (então recorrente e) agora recorrida, e a da (2) “inexistência e irrelevância do erro de escrita” na proposta por esta apresentada ao concurso a que os autos se referem, (com a consequente não verificação do “erro nos pressupostos de facto” detectado no Acórdão recorrido).

Porém, não obstante o esforço encetado na argumentação quanto ao desacerto do pelo Tribunal de Segunda Instância decidido, somos de opinião – como já se deixou adiantado – que o presente recurso não merece provimento, (necessária não se afigurando uma longa ou abundante fundamentação).

–– Quanto à referida falta de “interesse processual”, apresenta-se-nos que tal consideração apenas se pode dever a uma deficiente compreensão do processado e da sua regulamentação legal.

Com efeito, o douto Parecer do Ministério Público incorporado no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido dá (já) completa, clara e esclarecida resposta a tal questão, e a insistência que da mesma agora se faz em sede do presente recurso, (repetindo-se o que antes já se tinha alegado), em nada altera o que sobre a mesma se entendeu e deixou consignado.

Aliás, como dizer-se que à então recorrente, e agora recorrida, não assiste “interesse processual”, se a sua pretensão se dirige, (ou melhor, dirigiu), a um “acto administrativo” que no âmbito de um concurso público adjudicou a uma (outra) sociedade concorrente uma prestação de serviços relativamente à qual (antes) tinha sido considerada vencedora, certo sendo ainda que a mesma, como se opinou no dito Parecer, “não aceitou acto nenhum, nem expressa nem tacitamente, muito menos o único acto que releva que é acto de adjudicação que agora impugna e por isso não ocorre a invocada excepção dilatória”, dúvidas não havendo também que é aquele mesmo acto “definitivo” e “lesivo dos seus interesses”?

Ora, (sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento), evidente se apresenta a resposta.

–– Quanto ao “erro de escrita”, vejamos.

Também aqui se nos afigura que não se terá captado (bem) os contornos e natureza da (verdadeira) “questão” suscitada nos autos, o seu “enquadramento jurídico-administrativo” que se tem como adequado, e a sua (decisiva) influência na “solução” que foi adoptada em sede do anterior recurso contencioso e que agora se mostra de confirmar.

Passa-se a tentar expor – ainda que abreviadamente – este nosso ponto de vista.

Como se viu, detectado que foi um “erro (de escrita)” na proposta pela ora recorrida apresentada ao referido concurso público, procedeu, (inicialmente), a Administração à sua oficiosa correcção em conformidade com a realidade dos factos, e, em resultado (objectivo) de tal alteração, à mesma foi atribuída a melhor classificação, saindo vencedora do concurso em questão.

Contudo, (quando já se estava em sede de “procedimentos para a celebração do respectivo contrato”), e, assumindo-se posição contrária à anterior, veio-se a entender que a ora recorrida não podia – devia – beneficiar da aludida rectificação oficiosamente efectuada do aludido “erro (de escrita)”, devendo, antes, acarretar as consequências da sua própria desatenção (no seu cometimento), e, apreciando-se a sua proposta nos termos em que tinha sido apresentada, (com o erro por rectificar), foi-lhe atribuída uma classificação inferior (à anterior), acabando desta forma por perder o (mesmo) concurso para outra concorrente.

Essencialmente, considerou-se pois que o aludido “erro” tão só à ora recorrida era imputável, que à entidade administrativa nada competia fazer relativamente ao mesmo, devendo-se limitar a apreciar o teor da proposta apresentada nos termos nela exactamente declarados, independentemente da sua conformidade com a (então já) conhecida realidade.

E, perante isto, (e independentemente do demais), mostra-se-nos de dizer que tal “procedimento”, na sequência do qual se veio a praticar o “acto administrativo” objecto do anterior recurso contencioso, não se apresenta, minimamente, compatível com o princípio fundamental e estruturante do Direito Administrativo “da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes”, que nos termos do prescrito no art. 4° do C.P.A. compete aos órgãos administrativos da R.A.E.M..

Com efeito, se a “proposta” da ora recorrida era – verdadeiramente – a que na situação – “concreta” e “real” – devia ser, (e foi), considerada a “melhor”, e, assim, a que de forma justa merecia ser a mais bem classificada, como fechar-se os olhos a tal realidade e valorar-se, de forma (conscientemente) “cega”, um (mero) “erro de escrita”, acabando por se considerar vencedor um outro concorrente que, desta forma, tão só fruto de tal (falsa) valoração (e ficção) acaba por obter a melhor classificação?

Será que com esta proposta deste concorrente, que em termos (concretos e reais) é “qualitativamente” inferior à da ora recorrida, se salvaguarda – da melhor maneira possível – o “interesse público e os direitos e interesses dos residentes”?

Ora, com todo o muito devido respeito, não se alcança “como”, “em que termos” e “em que medida”, crendo nós que óbvia é a resposta, e que com ela, evidenciada fica a “solução” que se deixou adiantada, notando-se ainda que nos termos do que se deixou exposto, se apresenta como a única que se nos mostra justa e adequada, irrelevantes se apresentando outras considerações sobre o que no presente recurso vem alegado, e que, como sem esforço se deve concluir, de forma alguma poderia implicar (ou justificar) qualquer alteração ao que pelo Tribunal de Segunda Instância foi decidido, e que, por isso, se impõe confirmar.

Importa pois ter presente, (e não perder de vista), que não corresponde à verdade que o aludido “erro” contido na proposta da ora recorrida não pudesse, (e devesse), ser oficiosamente rectificado, pois que nos termos do art. 59° do C.P.A., “Os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse púbico assim o exigir”, prescrevendo também o art. 60° que “Os órgãos administrativos devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente ou dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que for necessário ao seguimento do procedimento e à justa e oportuna decisão”, não sendo igualmente de olvidar que nos termos do art. 78°, n.° 1, “Se o requerimento inicial não satisfazer o disposto no artigo 76.º, o requerente é convidado a suprir as deficiências existentes que o órgão administrativo identificar como tal”, preceituando, por sua vez, e expressamente, o n.° 2 deste mesmo comando legal que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir as deficiências dos requerimentos de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos”.

E, em face do que até aqui se expôs, (e muito em especial, atento o prescrito no transcrito art. 76°, n.° 2 do C.P.A.), visto cremos estar que, perante o “erro” contido na apresentada proposta da ora recorrida, e do mesmo tendo a Administração conhecimento, mas agindo e decidindo como se o mesmo não existisse, acabou assim por incorrer efectivamente no vício de violação de lei por “erro nos pressupostos de facto”, (que deu lugar à decisão de anulação do acto administrativo proferida no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido).

Dest’arte, nenhum reparo merecendo a decisão proferida com o Acórdão recorrido, e necessárias não se apresentando mais alongadas considerações, imperativa é a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se negar provimento ao presente recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Sem tributação.

Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 1046 a 1058 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Notificada do assim decidido, veio a recorrente reclamar para a Conferência, alegando – em síntese – que a decisão proferida padecia de “erro de julgamento” por “errada aplicação da lei”, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 1064 a 1068).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

II. Vem a entidade administrativa recorrente nos presentes autos reclamar da “decisão sumária” pelo ora relator proferida e que atrás se deixou (integralmente) transcrita.

Atento o teor do expediente apresentado, colhe-se ser entendimento da ora reclamante que a decisão recorrida padece de “omissão de pronúncia” e de “erro na aplicação da Lei”.

Porém, sem embargo do muito respeito por opinião em sentido distinto, e ponderados os “motivos de facto” e de “direito” da dita “decisão”, assim como as “razões” apresentadas na reclamação agora em questão, muito não se mostra necessário consignar para se demonstrar que não se pode reconhecer qualquer mérito à pretensão deduzida.

Vejamos.

–– Quanto à assacada “omissão de pronúncia”.

Como sabido é, constitui doutrina unânime considerar que a sentença apenas padece do vício de “omissão de pronúncia” quando “(…) não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do artº 660º, nº 2 [em Macau, o artigo 563.º, n.º 2, do Código de Processo Civil]”, (cfr., v.g., Antunes Varela in, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 690), entendendo-se como “questões” “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes”; (cfr., v.g., Antunes Varela in, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122°, pág. 112).

Porém, cumpre também notar que “A obrigatoriedade de o juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não significa que o juiz tenha, necessariamente, de apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para fundamentarem a resolução de uma questão”, (cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 536), sendo também esse o entendimento deste Tribunal de Última Instância que repetidamente tem considerado que: “só a omissão de pronúncia sobre questões, e não sobre os fundamentos, considerações ou razões deduzidas pelas partes, que o juiz tem a obrigação de conhecer determina a nulidade da sentença”, pois que o vocábulo (legal) de “questão”, não pode ser entendido de forma a abranger todos os “argumentos” invocados pelas partes; (cfr., v.g., os Acs. de 20.02.2019, Proc. n.° 102/2018, de 31.07.2020, Proc. n.° 51/2020, de 09.09.2020, Procs. n°s 62/2020, 63/2020 e 147/2020, de 16.09.2020, Proc. n.° 65/2020, de 12.05.2021, Proc. n.° 39/2021, de 15.10.2021, Proc. n.° 111/2021, de 28.01.2022, Proc. n.° 137/2021, de 27.05.2022, Proc. n.° 41/2022, de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022, de 09.11.2022, Proc. n.° 98/2022, de 30.06.2023, Proc. n.° 138/2020, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020 e de 17.04.2024, Proc. n.° 28/2023).

Em face do que se deixou consignado, e nenhum motivo nos parecendo haver para se dar o mesmo como não adequado, ou não aplicável à situação dos presentes autos, visto cremos estar que razoável não é considerar que se incorreu na apontada “omissão de pronúncia”, pois que a decisão sumária ora reclamada deu clara e cabal resposta às “verdadeiras questões” que importava resolver, censura não merecendo por nela não se ter dado (eventual) resposta a eventuais argumentos (acessórios) pela ora reclamante (então) esgrimidos, mas que, com todo o respeito, apenas tinham como efeito embaçar aquelas, em nada contribuindo para a desejada justa composição e resolução do litígio que nos foi trazido em sede da presente lide recursória.

–– Quanto ao também assacado “erro na aplicação da Lei”.

Aqui, diz (essencialmente) a entidade reclamante que em causa estando um “concurso público”, sobre o mesmo incide um “regime e princípios próprios”, aplicáveis não sendo as disposições legais invocadas na decisão agora em questão, (e com os quais se fundamentou o dever da Administração rectificar, ainda que oficiosamente um erro – ou melhor, lapso – contido na proposta pela ora recorrida apresentada).

Pois bem, em nossa modesta opinião, cremos haver equívoco, pois que não se pode olvidar que, (nomeadamente), nos termos do art. 2°, n.° 4 do C.P.A.: “Os princípios gerais da actividade administrativa definidos no presente Código são aplicáveis a toda a actuação da Administração, ainda que meramente técnica ou de gestão privada”, sendo igualmente de notar também que preceitua o art. 168° do mesmo Código que “São aplicáveis à formação dos contratos administrativos, com as necessárias adaptações, as disposições deste Código relativas ao procedimento administrativo”, estatuindo, ainda, o seu art. 176° que “Em tudo quanto não estiver expressamente regulado no presente Código, são aplicáveis aos contratos administrativos os princípios gerais de direito administrativo e, com as necessárias adaptações, as disposições legais que regulam as despesas públicas e as normas que regulam formas específicas de contratação pública”.

E, como também nota a ora recorrida, em relação às normas invocadas, refere José Eduardo Figueiredo Dias que:

“Assim se compreende a norma contida no artigo 168.° do CPAM que manda aplicar à formação dos contratos administrativos as normas previstas no Código para o procedimento administrativo (em princípio, relativo aos actos administrativos). Daqui decorre que a celebração do contrato se opera, em regra, no âmbito de um procedimento administrativo, o que obriga a Administração a respeitar uma série de disposições vinculativas de natureza procedimental.
Neste âmbito deve relevar-se a aplicação dos princípios gerais de direito administrativo – tanto dos de natureza material como dos de cunho especificamente procedimental –, em especial na matéria dos concursos”; (in “Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau”, 2ª ed., C.F.J.J., 2020, pág. 427).

Aqui chegados, e tudo visto, imperativa é a deliberação que segue.

Decisão

III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a apresentada reclamação.

Sem tributação dada a isenção que beneficia.

Registe e notifique.

Macau, aos 08 de Maio de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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