Processo nº 30/2024
(Autos de recurso jurisdicional)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em sede dos Autos de Recurso Jurisdicional registado com o n.° 630/2022, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o seguinte Acórdão que se passa a transcrever na sua íntegra:
“I. RELATÓRIO
A aqui representada pelo sua legal representante B, com os demais sinais dos autos,
vem interpor recurso contencioso do indeferimento tácito do Recurso Hierárquico interposto para o Senhor Secretário para a Economia e Finanças do despacho que indeferiu o pedido de renovação de autorização de residência, formulando as seguintes conclusões:
58. Em 23 de Abril de 2008, e de acordo com o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 – Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, foi concedida à recorrente a autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de imóveis, e depois, em 22 de Abril de 2015, foi-lhe emitido o bilhete de identidade de residente permanente de Macau, sendo assim adquirido o direito de residência em Macau.
59. Ao abrigo dos dispostos no art.º 5.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a referida autorização de residência temporária foi estendida à filha da recorrente A em 18 de Junho de 2012, que era renovável até 17 de Janeiro de 2019.
60. Em 10 de Agosto de 2018, a recorrente prometeu vender a terceiro o imóvel que fundamentou o seu pedido de autorização de residência temporária – fracção sita na [Endereço(1)] (adiante designada por “fracção de [ENDEREÇO(1)]”).
61. Para cumprir o dever de comunicação consagrado no n.º 3 do art.º 18.º do aludido Regulamento Administrativo, e para que a autorização de residência temporária da sua filha (nascida em 14 de Setembro de 2008, era menor aquando da apresentação do pedido) satisfizesse a condição de renovação, a recorrente apresentou, no dia 4 de Setembro de 2018, requerimento escrito ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (adiante designado por “IPIM”), pedindo para passar a ter como fundamento do pedido uma outra fracção autónoma – sita na [Endereço(2)] (adiante designada por “fracção de [ENDEREÇO(2)]”), bem como para manter a autorização de residência temporária concedida à sua filha A.
62. Em 21 de Setembro de 2018, a recorrente submeteu ao IPIM documentos complementares comprovativos de que a fracção de [ENDEREÇO(2)] era livre de qualquer encargo.
63. Através da carta n.º 00053/DJFR/2019 datada de 3 de Janeiro de 2019, o IPIM notificou a recorrente para apresentar o certificado mais recente de depósito a prazo nos bancos para a apreciação, sob pena de indeferimento do pedido de autorização de residência temporária da sua filha A. (vide o doc. 4)
64. A pedido do IPIM, a recorrente submeteu, em 23 de Janeiro de 2019, o original do certificado mais recente de depósito bancário no valor de HKD$500.000,00. (vide o doc. 5)
65. Em 15 de Março de 2019, foi a recorrente notificada de que o IPIM iria propor o cancelamento da autorização de residência temporária concedida à sua filha A, por entender que a recorrente não manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou o deferimento do pedido da autorização de residência temporária, pelo que, através da carta n.º 01158/DJFR/2019, notificou a recorrente para realização de audiência escrita. (vide o anexo 3 do doc. 1)
66. Em 2 de Abril de 2019, a recorrente pronunciou-se, por escrito, sobre a decisão desfavorável que o IPIM pretendeu tomar. (vide o anexo 4 do doc. 1)
67. A recorrente apresentou, respectivamente em 5 de Agosto de 2019 e 27 de Maio de 2021, requerimentos urgentes, pedindo ao IPIM para tomar decisão no procedimento de cancelamento da autorização de residência temporária concedida à sua filha A. (vide os anexos 5 e 6 do doc. 1)
68. Por despacho de 15 de Junho de 2021, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM declarou extinto o procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária da recorrente. (vide o anexo 7 do doc. 1)
69. Em 19 de Julho de 2021, a recorrente interpôs recurso hierárquico necessário do supracitado despacho. (vide o doc. 1)
70. A entidade recorrida indeferiu tacitamente o recurso hierárquico necessário da recorrente. (vide o doc. 2 e doc. 3)
71. Consta da notificação de audiência escrita enviada pelo IPIM à recorrente em 15 de Março de 2019 o seguinte: “…3. Após a consulta das respectivas informações do registo predial, verifica-se que V. Exª já vendeu o imóvel que fundamentou o pedido de autorização de residência temporária, o que conduziu à extinção e falta de manutenção da situação juridicamente relevante que fundamentou o deferimento desse pedido. Com base nisso, ao abrigo dos dispostos no art.º 18.º do RA n.º 3/2005, será proposto o cancelamento da autorização de residência temporária concedida à sua descendente.” (vide o anexo 3 do doc. 1)
72. O IPIM indicou, através do acto confirmado, que a autorização de residência temporária concedida à filha da recorrente foi declarada caduca por ter decorrido o respectivo prazo sem ocorrer a renovação, o que tornou inútil o objecto da decisão a tomar no anterior procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária, e em consequência, declarou extinto o procedimento administrativo. (vide o anexo 7 do doc. 1)
73. O IPIM decidiu declarar extinto o procedimento administrativo com fundamento na falta do requerimento de renovação, sem notificar a recorrente para realização da audiência.
74. Nos termos do art.º 93.º e segs. do CPA, concluída a instrução, a Administração realiza a audiência dos interessados antes de ser tomada a decisão final.
75. A recorrente não teve oportunidade de contradizer a decisão tomada pelo IPIM, o que violou, em absoluto, o direito de defesa da recorrente, causou e comprovou a existência do vício de forma por violar o diploma processual.
76. Por isso, ao abrigo dos dispostos nos art.sº 93.º e segs., e 124.º do CPA, e 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC, deve ser anulável o acto administrativo praticado pelo IPIM com base na falta de audiência.
77. O IPIM indicou, através do acto confirmado, que a autorização de residência temporária concedida à filha da recorrente foi declarada caduca por ter decorrido o respectivo prazo sem ocorrer a renovação, o que tornou inútil o objecto da decisão a tomar no anterior procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária, e em consequência, declarou extinto o procedimento administrativo.
78. No entendimento do IPIM, o procedimento administrativo instaurado em 4 de Setembro de 2018 pela recorrente não a impediu de requerer a renovação da autorização de residência temporária para sua filha A dentro do prazo legal.
79. Nos termos do art.º 19.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a renovação de autorização de residência temporária deve ser requerida ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau nos primeiros 60 dias dos 90 que antecedem o termo do respectivo prazo.
80. A autorização de residência temporária da filha da recorrente A foi válida até 17 de Janeiro de 2019, e conforme o art.º 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a recorrente deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
81. E como caso excepcional, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que, a autorização de residência da recorrente não é cancelada por extinção ou alteração da situação juridicamente relevante, quando se construir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo IPIM ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
82. Por outro lado, conjugando com os requisitos da renovação previstos no art.º 19.º, n.º 2, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
83. Constata-se que a renovação da autorização de residência não só exige a manutenção dos pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial, mas também exige que seja provado, pela pessoa a quem foi concedida a autorização de residência por aquisição de bens imóveis, que os direitos respectivos continuam na sua titularidade e que os imóveis e depósitos bancários continuam livres dos encargos vedados pelo art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
84. Em 4 de Setembro de 2018, e através de advogado constituído, a recorrente 1) comunicou ao IPIM a alteração da situação jurídica dela; 2) requereu a aceitação da nova situação jurídica constituída e atendível; e 3) pediu para manter a autorização de residência temporária concedida à sua filha A. (vide o anexo 7 do doc. 1)
85. No caso sub judice, a situação juridicamente relevante que fundamentou o deferimento do pedido inicial da recorrente é a detenção da “1/2 da fracção sita na [Endereço(1)]”, e a titularidade de fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo e livres de quaisquer encargos.
86. Porém, em 10 de Agosto de 2018, a recorrente prometeu vender o supracitado imóvel, e depois, no dia 4 de Setembro de 2018, a recorrente, ao abrigo dos dispostos no art.º 18.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e através de advogado constituído, 1) comunicou ao IPIM a alteração da situação jurídica dela; 2) requereu a aceitação da nova situação jurídica constituída e atendível; e 3) pediu para manter a autorização de residência temporária concedida à sua filha A. Importa salientar que em 22 de Abril de 2015, a recorrente obteve o bilhete de identidade de residente permanente e adquiriu o direito de residência em Macau, pelo que o respectivo pedido foi apresentado com o único propósito de obter a renovação de residência temporária da sua filha A.
87. Dito por outra palavra, se a recorrente pretendeu requerer ao IPIM a renovação da autorização de residência temporária da sua filha A, devia provar que: 1. os direitos dos respectivos bens continuam na sua titularidade, e 2. o imóvel e o depósito bancário continuam livres dos encargos vedados pelo art.º 4.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
88. De facto, em 18 de Setembro de 2018, a recorrente já registou a venda do imóvel que fundamentou o deferimento do pedido inicial – a fracção de [ENDEREÇO(1)], pelo que, na verdade, ocorreu a alteração que provocou a não satisfação das referidas condições formais de renovação.
89. Daí que, no dia 4 de Setembro de 2018, a recorrente apresentou requerimento escrito no qual pediu para passar a ter como fundamento do pedido uma outra fracção autónoma, com o objectivo de deixar o IPIM aceitar a alteração dessa situação jurídica, e mais importante, deixar a filha A obter os documentos comprovativos legalmente exigidos para requerer a renovação.
90. Tal como está previsto no art.º 19.º, n.º 2, al. 1) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, quando a autorização de residência foi concedida com fundamento em aquisição de bens imóveis, para requerer a renovação da autorização, deve a recorrente provar que os direitos respectivos continuam na sua titularidade, e o imóvel em causa tem que ser reconhecido pelo IPIM e susceptível de manter os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
91. In casu, em 4 de Setembro de 2018, a recorrente pediu, nos termos legais, para passar a ter como fundamento do pedido uma outra fracção, ou seja a fracção de [ENDEREÇO(2)], e no dia 21 de Setembro de 2018, submeteu documentos comprovativos de que tal fracção era livre de qualquer encargo;
92. Como atrás já se referiu, o respectivo requerimento foi apresentado com o único propósito de obter a renovação de residência temporária da filha da recorrente A.
93. O supracitado requerimento foi expresso e indubitável, e o IPIM também sabia da vontade real da recorrente, o que pode ser confirmado nos pontos 2 e 3 da notificação enviada pelo IPIM à recorrente no dia 3 de Janeiro de 2019: “2. Através de advogado constituído, V. Exª apresentou, respectivamente nos dias 4 e 21 de Setembro de 2018, as declarações escritas e os documentos comprovativos da venda do referido imóvel em 10 de Agosto de 2018, pedindo para passar a ter como fundamento do pedido uma outra fracção autónoma, bem como para manter a autorização de residência temporária concedida à sua descendente. 3. Para a posterior análise da respectiva situação de autorização de residência temporária, exige-se, nos termos do art.º 9.º, n.º 2 do RA n.º 3/2005, que V. Exª submeta os seguintes documentos no prazo de 15 dias a contar da recepção da presente notificação, para o efeito de apreciação, sob pena de indeferimento do pedido de autorização de residência temporária da sua descendente.” (vide o doc. 4). Pelo que, o IPIM, sabendo bem que o requerimento da recorrente visava obter a autorização de residência temporária da sua filha, instaurou o procedimento administrativo em causa e fez análise. E aqui é de mencionar que, o prazo de validade de residência temporária da filha da recorrente terminou no dia 17 de Janeiro de 2019, e se o IPIM não tivesse conhecimento do objectivo da recorrente, não teria emitido o respectivo ofício e o posterior ofício para realização de audiência escrita.
94. A pedido do IPIM, a recorrente submeteu, em 23 de Janeiro de 2019, o original do certificado mais recente de depósito a prazo no valor de HKD$500.000,00. (vide o doc. 5)
95. Assim, em 4 de Setembro de 2018, a recorrente apresentou ao IPIM o requerimento para instaurar procedimento administrativo, a fim de obter o reconhecimento, pelo IPIM, da alteração da situação, e ao mesmo tempo, tratar do pedido de residência temporária após o reconhecimento.
96. O IPIM também sabia bem disso, e como foi mencionado no supracitado ponto 63, consta da notificação enviada pelo IPIM que é solicitada à recorrente submissão de documentos complementares para efeitos de análise da situação de residência temporária da sua filha.
97. Posteriormente, em 15 de Março de 2019, o IPIM notificou a recorrente para realização de audiência escrita (vide o anexo 3 do doc. 1), e no dia 2 de Abril de 2019, a recorrente pronunciou-se sobre a decisão de cancelamento da autorização de residência temporária concedida à sua filha A (vide o anexo 4 do doc. 1).
98. Até antes de ser proferido o presente despacho, o IPIM não tomou decisão sobre o pedido de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária, apresentado pela recorrente, e ao mesmo tempo, a filha da recorrente, A, não podia requerer a renovação dessa autorização nos termos gerais, por não ter condições para provar que os direitos sobre o imóvel continuam na sua titularidade. Como se pretendeu no ponto 19, o imóvel em causa tem que ser reconhecido pelo IPIM e susceptível de manter os pressupostos que fundamentaram o deferimento do pedido inicial.
99. Com base nisso, a descendente da recorrente, A, não teve condições para requerer a renovação da autorização de residência temporária, e a falta do requerimento de renovação dentro do prazo fixado não se deveu à culpa própria dela. Por ser assim, em 4 de Setembro de 2018, a recorrente pediu ao IPIM para reconhecer a alteração da situação jurídica, bem como para manter e renovar a residência temporária da filha A, pelo que o IPIM aplicou erradamente e violou os art.ºs 19.º e 20.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e incorreu em erro nos pressupostos de facto quanto à autorização de residência temporária da sua filha, devendo ser anulado o acto ora recorrido.
100. Nos artigos 11.º e 8.º do CPA são previstos os princípios da decisão e da boa fé.
101. A recorrente comunicou ao IPIM a alteração da sua situação jurídica dentro do prazo legal, conforme o art.º 18.º, n.º 3 do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
102. No dia 3 de Janeiro de 2019, o IPIM enviou à recorrente a carta n.º 00053/DJFR/2019, e notificou a recorrente para submeter o certificado mais recente de depósito bancário a prazo para a apreciação, sob pena de indeferimento do pedido de autorização de residência temporária da sua filha, cabendo aqui notar de novo que, atenta a notificação do IPIM, não resta dúvida que o IPIM compreendeu absolutamente que o respectivo pedido da recorrente incluiu o requerimento e a renovação da autorização de residência temporária da sua filha, e a recorrente apresentou o respectivo documento ao IPIM no prazo fixado. (vide o doc. 4)
103. É de mencionar que, o IPIM deveria ter fixado um prazo para a recorrente constituir-se em nova situação jurídica atendível, bem como ter reconhecido e concedido a renovação da autorização de residência temporária da filha da recorrente, nos termos do art.º 18.º, n.º 2 do referido Regulamento Administrativo.
104. Mas o IPIM não deu a resposta, e só depois do decurso do prazo de validade da autorização de residência temporária da filha da recorrente é que notificou a recorrente para realização de audiência escrita, dizendo que iria propor o cancelamento da autorização de residência temporária concedida à sua filha com fundamento na alteração da situação juridicamente relevante.
105. Pelo exposto, a recorrente não teve condições para requerer a renovação da autorização de residência temporária da sua filha nos termos gerais.
106. Devido à ausência de decisão tomada pelo IPIM, a filha da recorrente não podia constituir-se em nova situação jurídica atendível quando a autorização de residência temporária dela terminou em Janeiro de 2019, razão pela qual não teve condições para requerer a renovação dessa autorização. Tal prática do IPIM violou, manifesta e grosseiramente, o princípio da boa fé.
107. A falta de pronúncia sobre o pedido da recorrente e a inércia do IPIM também violaram o dever legal de decisão previsto pelo art.º 11.º do CPA.
108. Com base nisso, o acto recorrido violou os princípios jurídicos aplicáveis, incluindo os da decisão e da boa fé, pelo que ao abrigo dos dispostos nos art.ºs 124.º do CPA e 21.º do CPAC, deve ser anulado o acto recorrido.
Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Economia e Finanças contestar apresentando as seguintes conclusões:
1. Em 15/06/2021, o Presidente da Comissão Administrativa do Instituto de Promoção do Comércio e de Investimento de Macau (adiante designado por “IPCIM”) declarou a extinção do procedimento administrativo face ao pedido de alteração da situação jurídica da autorização de residência temporária apresentado pelo Recorrente Contencioso.
2. Em primeiro lugar, o despacho supracitado não padece do vício formal de falta de audiência prévia.
3. No caso em apreço, declarou a extinção do procedimento administrativo face ao pedido de alteração da situação jurídica da autorização de residência temporária apresentado pelo Recorrente Contencioso trata-se de uma decisão declarativa, foi para confirmar um facto objectivo se estava ou não em conformidade com os pressupostos legais para obter decisão, em si não possui natureza punitiva, nem foi feita qualquer alteração da entidade de residente ou estado do descendente do Recorrente Contencioso.
4. Face a isto, se a entidade administrativa tiver confirmado o facto objectivo estava em conformidade com os pressupostos legais (caducidade por termo da validade da autorização de residência temporária estendida ao descendente do Recorrente Contencioso, bem como não apresentou renovação), então não necessita de realizar audiência à parte.
5. Além disso, o Recorrente Contencioso pensava que antes de obter a decisão da substituição do novo imóvel como fundamento para deferimento da autorização de residência, não podia através do procedimento normal requerer a renovação do pedido como fundamento, isto é injusto.
6. O Recorrente Contencioso não devia ter ignorado o prazo de validade da respectiva autorização de residência.
7. Nos termos do artº 19º, nº 3 em conjugação com o artº 17º, nº 1, al. (2) do RA nº 3/2005, o prazo de validade das autorizações de residência temporária concedidas com fundamento em aquisição de bens imóveis pode ir até 3 anos, cada vez que é autorizada a renovação menciona claramente na decisão aprovada o prazo de validade.
8. Tal prazo de validade é simples e exacto.
9. O pedido de renovação por termo da validade da autorização de residência temporária e o resultado do pedido para substituição do fundamento que serviu para deferimento da autorização, são duas coisas diferentes.
10. O requerente do pedido de autorização de residência devia ter apresentado atempadamente pedido à entidade administrativa.
11. Nos termos do artº 18º do RA nº 3/2005, o Recorrente Contencioso para manter a autorização da residência do seu descendente, era preciso manter o fundamento que serviu para deferimento da autorização da residência (manter o imóvel em causa), a lei não proíbe a pessoa que requereu a autorização de residência por investimento de imobiliário por vontade arbitrária apresente a substituição do fundamento que serviu para deferimento da autorização da sua residência.
12. Tendo assim entendido que necessitava de aguardar pelo resultado da substituição que por sua vez não pôde pedir a renovação, apresentando como justa causa de que não porque ele não pediu a renovação.
13. A entidade Administrativa não aplicou erradamente a lei.
14. Nos termos do artº 20º, (1) do RA nº 3/2005 e artº 23º, nº 3 do RA nº 5/2003, uma vez decorrido o prazo de validade implica a caducidade da autorização de residência e a perda do tempo continuado para efeitos de aquisição da qualidade de residente permanente.
15. O legislador estipula claramente os pressupostos e consequências dessa disposição, por outras palavras, nesta situação, a entidade administrativa está perante um acto administrativo restrito.
16. A entidade Administrativa confirmou de que o facto objectivo preenche os pressupostos legais, pelo que só pôde proceder de acordo com a lei, no qual não existe poder discricionário, portanto não violou o princípio da boa-fé.
17. O Recorrente Contencioso afirma que estava a aguardar decisão sobre o fundamento de substituição, mas de facto não foi assim.
18. Portanto o Recorrente Contencioso sabia perfeitamente que tal imóvel era o fundamento principal para manter a autorização da residência temporária estendida ao seu descendente, mas ele não esperou pelo resultado, ao invés, antes de findo a validade da autorização de residência temporária estendida ao seu descendente, já tinha vendido a terceiros o imóvel que serviu de fundamento para requerer a autorização de residência temporária.
19. Portanto, o Recorrente Contencioso alega que estava a aguardar o resultado que por sua vez não pôde tratar da renovação, isto é injusto.
20. O Recorrente Contencioso por sua própria confusão não apresentou pedido de renovação que por sua vez causou a caducidade da autorização e a decisão da entidade administrativa sobre o pedido de substituição do fundamento da autorização de residência são duas coisas diferentes.
As partes foram notificadas para apresentar alegações facultativas, tendo apenas o Senhor Secretário para a Economia e Finanças oferecido o merecimento dos autos.
Praticado em 10.02.2023 pelo Secretario para a Economia e Finanças acto expresso de indeferimento do recurso hierárquico interposto, veio a Recorrente pedir que o recurso prossiga tendo por objecto o acto expresso praticado, mantendo os fundamentos de facto e de direito alegados na motivação do recurso – cf. 222 a 228 (traduzidos a fls. 240 a 254) -.
Notificada a Entidade Recorrida a mesma silenciou.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer, pugnando pela procedência do recurso com a consequente anulação do acto recorrido.
Foram colhidos os vistos.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir.
III. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Destes autos e do processo administrativo apenso foi apurada a seguinte factualidade:
a) A B foi concedida a autorização de residência em Macau com fundamento na aquisição de imóveis, autorização essa que passou a ser permanente em 22.04.2015 – cf. fls. 156 do PA -;
b) Em 20.07.2012 foi concedida a A, filha de B, autorização de residência a qual foi sucessivamente renovada com prazo de validade até 17.01.2019 – cf. fls. 146 e 161 do PA -;
c) Em 04.09.2018 B apresentou ao IPIM pedido de alteração do fundamento com base no qual havia sido concedida a autorização de residência, uma vez que havia prometido vender a fracção autónoma que fundamentou o seu pedido de residência e adquiriu uma outra que identificou – cf. fls. 26 a 42 -;
d) Em 21.09.2018 B submeteu ao IPIM documentos complementares de que a fracção autónoma adquirida era livre de encargos – cf. fls. 43 a 59 -;
e) Em 03.01.2019 o IPIM notificou a B para apresentar o certificado mais recente do depósito a prazo no banco, sob pena de indeferimento do pedido de autorização de residência temporária da sua filha A – cf. fls. 79 e 80 -, certificado esse que submeteu em 23.01.2019 – cf. fls. 81 e 82 -;
f) Em 15.03.2019 B foi notificada pelo IPIM para se pronunciar sobre a proposta de cancelamento de autorização de residência de sua filha nos termos que consta do documento de fls. 60 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
g) Em 02.04.2019 B pronunciou-se nos termos que constam de fls. 61 e 62;
h) Em 05.08.2019 e 27.05.2021 B requereu ao IPIM que se pronunciasse sobre o pedido de autorização de residência de sua filha A – cf. fls. 63 e 64 -;
i) Por despacho de 15.06.2021 do Presidente do IPIM foi declarado extinto o procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária da requerente e caduca a autorização de residência temporária de A por ter decorrido o prazo sem ocorrer renovação tudo conforme consta de documentos a fls. 65 a 68 (traduzidos a fls. 141 a 148) que aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
j) Em 19.07.2021 a Recorrente interpôs recurso hierárquico do despacho referido na alínea anterior, recurso hierárquico esse que veio a ser indeferido conforme consta do documento de fls. 259 a 263 (traduzidos a fls. 244 a 254) e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) Do Direito
Relativamente à matéria dos autos o Douto Parecer elaborado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público tem o seguinte teor:
«1.
A1, melhor identificada nos autos, veio instaurar o presente recurso contencioso na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que dirigiu ao Secretário para a Economia e Finanças do acto do proferido pelo Presidente do Conselho de administração do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) que declarou extinto o procedimento administrativo de alteração da situação jurídica apresentado pela Recorrente ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), pedindo a respectiva anulação.
A Entidade Recorrida, devidamente citada, apresentou contestação na qual pugnou pela improcedência do recurso contencioso.
2.
(i)
A Recorrente é residente permanente de Macau desde Abril de 2015, estatuto que obteve na sequência da concessão da autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de um imóvel nos termos do Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados previsto no Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
A filha da Recorrente, A, também obteve a concessão da autorização de residência em Macau, no dia 18 de Junho de 2012, tendo essa autorização sido sucessivamente renovada até Janeiro de 2019.
No dia 4 de Setembro de 2018, a Recorrente por considerar estar obrigada a proceder à comunicação prevista no n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, submeteu ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) um requerimento dando conta de que havia adquirido uma outra fracção autónoma e pedindo que fosse mantida a autorização de residência temporária concedida à sua filha, A.
Depois de algumas vicissitudes procedimentais que neste momento não cumpre especificar, o IPIM, em 15 de Março de 2019, notificou a Recorrente de que iria propor o cancelamento da autorização de residência temporária concedida à sua filha, por entender que a Recorrente não manteve a situação juridicamente relevante que fundamentou o deferimento do pedido de residência temporária.
A Recorrente pronunciou-se sobre a projectada decisão em sede de audiência prévia.
Em 15 de Junho de 2021, o Presidente do Conselho de Administração do IPIM decidiu declarar extinto o procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência em virtude de a autorização de residência ter caducado pelo decurso do tempo uma vez que não foi pedida a respectiva renovação.
Este acto foi confirmado em sede de recurso hierárquico pela Entidade Recorrida, primeiro pelo silêncio e, mais tarde, através do acto expresso contra o qual a Recorrente agora se insurge.
(ii)
Salvo o devido respeito, estamos em crer que a Administração fez assentar a sua decisão de extinção do procedimento em pressupostos que são errados e deve, por isso, ser anulada.
Em síntese, pelo seguinte.
(ii.1)
O requerimento apresentado pela Recorrente em 4 de Setembro de 2018 teve por finalidade dar cumprimento ao dever de comunicação que resulta do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. De acordo com o que aí se preceitua, a autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo IPIM ou a alteração for aceite pelo órgão competente, devendo o interessado comunicar ao IPIM a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
A finalidade do dito «requerimento», foi, portanto, essencialmente, informativa, foi a de dar a conhecer ao IPIM uma alteração da situação anterior para permitir àquele Instituto fazer a avaliação da nova situação e, em função dessa avaliação, aceitar essa alteração ou cancelar a autorização de residência.
A verdade, porém, é que, no caso, não existia o dever de comunicação referido no n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, uma vez que., como parece evidente, o mesmo apenas enquanto a residência for temporária. Ora, como acima vimos, a Recorrente, desde Abril de 2015, é residente permanente e, portanto, como qualquer residente permanente pode fazer as transacções imobiliárias que bem entender, sem ter que reportar ou dar conhecimento dessas transacções ao IPIM, nomeadamente para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Certo que, a filha da Recorrente, no momento da alienação e da aquisição das fracções autónomas aqui em causa por parte da Recorrente, ainda não era residente permanente. Todavia, isso em nada mexe com a nossa anterior conclusão relativamente à inexistência de dever de comunicação por parte da Recorrente. Por uma razão simples. É que a autorização de residência da filha da Recorrente não se fundou em qualquer investimento imobiliário ou outro que a mesma tenha feito, nas, antes, teve por base os laços familiares entre ambas, à luz do disposto na alínea 5) do artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Foi esse o pressuposto da autorização de residência da filha da Recorrente e, como tal, só ele terá se manter, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º daquele Regulamento, isto sem prejuízo da também necessária manutenção da residência habitual em Macau.
Neste conspecto, é seguro, pois, afirmar que a comunicação feita ao IPIM pela Recorrente em 4 de Setembro de 2018, sendo absolutamente inócua na perspectiva em que efectivamente foi apresentada, nos termos que julgamos ter demonstrado, não deixava, no entanto, de ter um sentido ou alcance úteis e, como tal, aproveitáveis em sede procedimental, uma vez que nesse mesmo requerimento, a Recorrente manifestou expressa e inequivocamente que pretendia a manutenção da autorização da residência temporária concedida à sua filha.
Daqui resultavam, em nosso modesto entender, duas consequências relativamente à actuação procedimentalmente exigível por parte da Administração.
(ii.2.)
A primeira, era a de que, uma vez recebido o «requerimento» de 4 de Setembro de 2018, a Administração, de imediato, devia ter informado a Recorrente da sua desnecessidade, dado o seu estatuto de residente permanente. Se tal tivesse ocorrido, com toda a certeza, que a Recorrente, no momento próprio teria requerido, como antes fez, a renovação da autorização de residência da sua filha.
A segunda consequência, mais relevante no presente contexto, era a de que a Administração, quando foi confrontada com a questão da eventual extinção do procedimento por impossibilidade superveniente com fundamento na caducidade da autorização de residência pelo decurso do tempo por não ter sido requerida a respectiva renovação, estava, segundo cremos, legalmente obrigada a uma diferente actuação.
Com efeito, por imposição do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares que entre nós se encontra consagrado no artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) - «Os órgãos da Administração Pública e os particulares devem actuar em estreita cooperação recíproca (…)» - e que encontra dois muito relevantes afloramentos na norma do artigo 78.º, n.º 2 do CPA - «Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem os órgão e agentes administrativos procurar suprir as deficiências dos requerimentos de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos» - , e bem assim, na norma do artigo 60.º do mesmo diploma legal que consagra o específico dever para os órgãos administrativos no sentido de que na condução do procedimento, devem os mesmos ordenar e promover «tudo o que for necessário ao seguimento do procedimento e à justa e oportuna decisão» e, finalmente, do princípio da boa fé a que se refere o n.º 1 do artigo 8.º do CPA, que, ao menos num dos seus vectores fundamentais, reclama uma actuação leal da Administração no seu relacionamento com os particulares em todas as formas e fases do exercício da actividade administrativa (veja-se neste sentido, JOÃO PACHECO AMORIM, Direito Administrativo Geral I, Introdução e Direito da Organização Administrativa, policopiado, Ano Letivo 2021-2022, p. 126) parece-nos que a Administração estava concretamente vinculada a notificar a Recorrente no sentido de a mesma, face à claríssima e inequívoca vontade que havia manifestado no «requerimento» de 4 de Setembro de 2018, de que pretendia manter a autorização de residência temporária concedida à sua filha, aproveitar, querendo, esse «requerimento» como pedido de renovação da autorização de residência da sua filha ou, até, vamos mais longe, a convolar oficiosamente aquele Requerimento dando-lhe um sentido procedimentalmente útil que, no caso, era o de constituir um requerimento de renovação de autorização de residência.
Aquilo que a Administração estava manifestamente impedida de fazer, no exercício da sua discricionariedade procedimental, submetida que estava, nesse exercício, aos limites decorrentes dos apontados princípios gerais da actividade administrativa, era avançar para a declaração da extinção do procedimento com fundamento em impossibilidade superveniente em razão de uma alegada inércia na iniciativa procedimental substantivamente, não ocorreu, ou, pelo menos, não ocorreu com o carácter irremediável que a Administração considerou existir.
Esta violação da lei ou do bloco de legalidade relevante por parte da Administração no exercício dos seus poderes discricionários em matéria de gestão procedimental, se assim podemos dizer, a qual se traduziu na indevida omissão da actuação no procedimento que juridicamente se impunha, fez, portanto, com que a mesma fizesse assentar o acto recorrido no pressuposto também errado (qual seja e como acima dissemos, o de que se verificava uma irremediável inércia procedimental da Recorrente conducente à caducidade pelo decurso do tempo da autorização de residência temporária da sua filha). Daí que, em nosso modesto entender, não possa a mesma deixar de se projectar de forma invalidante no acto que constitui objecto do presente recurso contencioso, o qual, com este fundamento, deve, pois, merecer o acolhimento do Tribunal.
3.
Face ao exposto, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente com a consequente anulação do acto recorrido.
É este, salvo melhor opinião, o nosso parecer.».
O vício de violação de lei «é o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis» - Cit. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4ª Ed., Vol. II, pág. 350.
«O vício de violação de lei, assim definido, configura uma ilegalidade de natureza material: neste caso, é a própria substância do ato administrativo, é a decisão em que o ato consiste, que contraria a lei. A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objecto do ato.
Não há, pois, correspondência entre a situação abstratamente delineada na norma e os pressupostos de facto e de direito que integram a situação concreta sobre a qual a Administração age, ou coincidência entre a decisão tomada ou os efeitos de direito determinados pela Administração e o que a norma ordena.
(…)
A violação de lei, assim definida, comporta várias modalidades:
a) A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo;
b) O erro de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação das normas jurídicas;
c) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do ato administrativo;
d) A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do objeto do ato administrativo;
e) A inexistência ou ilegalidade dos pressupostos, de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo:
f) A ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela Administração no conteúdo do ato – designadamente, condição, termo ou modo -, se essa ilegalidade for relevante, nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
g) Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício. Este último aspeto significa que o vício de violação de lei tem um carácter residual, abrangendo todas as ilegalidades que não caibam especificamente em nenhum dos outros vícios.» - Diogo Freitas do Amaral, Ob. Cit. pág. 351 a 353 -.
Concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público, supra reproduzido, à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado enferma do vício de violação de lei impondo-se a sua anulação nos termos do artº 124º do CPA, sendo, consequentemente, de conceder provimento ao recurso contencioso.
No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso anula-se o acto recorrido.
Sem custas por delas estar isenta a Entidade Recorrida.
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 318 a 333-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformada com o assim decidido, traz agora a entidade administrativa – SECRETÁRIO PARA A ECONOMIA E FINANÇAS – o presente recurso jurisdicional; (cfr., fls. 344 a 348-v).
*
Após resposta pugnando-se pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 350 a 356-v), nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer mantendo o antes opinado no sentido procedência do anterior “recurso contencioso”, considerando-se dever agora decidir pela confirmação da decisão de anulação do acto administrativo objecto do recurso para o Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 369 a 369-v).
*
Cumpre apreciar.
Fundamentação
2. Vem a entidade administrativa recorrer do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que julgando procedente o anterior recurso contencioso, anulou a decisão administrativa tácita que em sede de recurso hierárquico confirmou o despacho do Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau de 15.06.2021 que “declarou extinto o procedimento” de renovação de autorização da residência temporária na R.A.E.M. de A.
Da análise e reflexão que sobre a “situação” que os presentes autos – e, especialmente, a “matéria de facto provada” – nos evidencia, cremos que não se pode reconhecer razão à entidade administrativa ora recorrente, havendo que se confirmar a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância proferida no sentido da anulação do referido acto administrativo praticado.
Vejamos.
Desde já, cabe salientar que o dito “acto administrativo” (apenas) diz respeito à menor A, nascida em 14.09.2008, filha de B, que nos presentes autos a representa, e que, ainda antes do seu nascimento em 23.04.2008, tinha já obtido autorização de residência temporária em Macau por motivos de “investimento” – “aquisição de um imóvel”, e que, em 22.04.2015, ganhou o estatuto de “residente permanente”, (relativamente à mesma já não se colocando assim qualquer questão de “renovação” ou de “autorização de residência”) – e que tendo pedido a extensão da sua então concedida autorização de residência temporária para a sua filha, (a dita A), foi a mesma (inicialmente) concedida em 18.06.2012, e, após duas sucessivas renovações, em 28.10.2014 e 08.01.2016, com a validade até 17.01.2019, viu este o “procedimento administrativo” tendente à sua (nova) renovação “declarado extinto”, (por alegada falta de pedido legal neste sentido oportunamente apresentado).
E, como se deixou referido, e sem prejuízo do muito respeito por melhor entendimento, cremos que censura não merece o Acórdão agora recorrido, afigurando-se-nos que incorre a entidade administrativa em manifesto equívoco; (aliás, e como se colhe do que se deixou retratado, a “conduta” pelos serviços competentes em questão desenvolvida nos presentes autos é, até, com a sequência dos actos administrativos praticados, pouco coerente, afigurando-se-nos apresentar alguma falta de conexão e lógica).
Com efeito – em síntese – demonstram os autos que com o expediente pela mãe de A apresentado em 04.09.2018, relatando que tinha adquirido uma nova fracção (em Macau) em 28.03.2012, e que em 10.08.2018 tinha celebrado um contrato-promessa de compra e venda da fracção (da Taipa) que constituiu o seu “investimento” para efeitos da sua (então) concedida autorização de residência temporária em Macau – e considerando, assim, manter a “situação jurídica relevante” que a fundamentou, tal como a extensão daquela para a sua filha – pediu a mesma a “renovação da autorização de residência” de A.
Em resposta, por expediente datado de 03.01.2019, foi-lhe pedido o “certificado do mais recente depósito bancário” com base no qual (também) havia sido concedida a sua autorização de residência, e, depois de apresentado, (mas como se o não tivesse feito), em 15.03.2019, foi notificada para se pronunciar sobre a “proposta de cancelamento” da autorização de residência da sua filha dado que se tinha alterado a referida “situação relevante”.
E, após nova exposição apresentada e datada de 02.04.2019, alegando que a “situação jurídica relevante” se mantinha com a “aquisição da nova fracção em Macau” – sendo até de notar que a 1ª fracção estava avaliada em HKD$2.100.000,00 e a 2ª em MOP$9.061.000,00 – fez-se novo pedido de concessão da renovação da autorização de A, o que ainda sucedeu por mais 2 vezes, em 05.08.2019 e 27.05.2021, vindo o Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a proferir, em 15.06.2021, a atrás referida decisão administrativa, consubstanciada num Despacho de “concordo”, exarado em informação com o seguinte Parecer:
“Concordo com a proposta, e tendo em conta que a autorização de residência temporária concedida à interessada A, com o prazo de validade até 17/01/2019, foi declarada caduca por ter decorrido o respectivo prazo sem ocorrer a renovação, tornando-se inútil o objecto da decisão a tomar no anterior procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária, proponho, assim, que o Presidente do Conselho de Administração do IPIM, usando a competência executiva para decidir sobre os requerimentos da renovação de autorização de residência temporária concedida por aquisição de bens imóveis, subdelegada pelo o despacho n.º 68/2020 do Secretário para a Economia e Finanças, declare extinto o procedimento administrativo de alteração da situação jurídica que fundamentou a autorização de residência temporária da requerente B, conforme a al. b) do n.º 2 do art.º 103.º do CPA”; (cfr., fls. 66 e 143 a 144).
Ora, sendo esta a “decisão” objecto do “indeferimento tácito” anulado pelo Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância, cremos que se nos mostra desde já de concluir que a descrita “conduta administrativa” se apresenta algo “desconexionada”, pois que depois de se pedir, (e de ver apresentado), o “comprovativo do depósito bancário”, invoca-se a “venda da casa” cuja compra constituiu o “investimento” que justificou a autorização de residência temporária (da mãe da A) para, em audiência prévia, se apresentar um projecto de decisão desfavorável, vindo-se, a final, a decidir nos descritos termos, alegando-se a “caducidade” da sua autorização de residência por falta de pedido legal tempestivamente apresentado com a consequente “extinção do procedimento”.
E, nesta conformidade, que dizer?
Pois bem, necessárias não se apresentam abundantes considerações.
Desde logo, e em face do que se deixou relatado, temos para nós que não existem razões para se considerar que houve ou ocorreu qualquer “falta de pedido” de renovação da autorização de residência de A que, aliás, como sem esforço se colhe do atrás retratado, foi, efectivamente, apresentado, (e por várias vezes).
Quanto à “venda da casa”, importa salientar o estatuído no art. 18° do Regulamento Administrativo n.° 3/2005, onde se prescreve que:
“1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
E, em face do que assente está, especialmente, da comprovada aquisição de uma nova casa, (a um preço bastante mais elevado), e sua oportuna comunicação ao I.P.C.I.M., acompanhada de adequado pedido de renovação, apresenta-se-nos pois de dizer que (também aqui) não se vislumbram as razões que levaram a considerar inverificada uma “nova situação jurídica atendível”, considerando-se, pelo contrário, verificada uma “alteração da situação jurídica relevante”, (ainda que sem uma consideração, apreciação e expressa tomada de posição sobre a questão).
Dest’arte, e mantendo-se também válidas as razões que levaram à prolação do Acórdão recorrido, vista está a solução para o presente recurso.
Decisão
3. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Sem tributação.
Registe e notifique.
Macau, aos 03 de Julho de 2024
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
1 Cf. fls. 315
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