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Processo nº 13/2023
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Os presentes autos tiveram início com a petição inicial em 05.11.2020 pelo A., A (甲), apresentada no Tribunal Administrativo, onde, como da mesma consta, se pedia a condenação dos:
- SERVIÇOS DE SAÚDE (衛生局);
- B (乙);
- C (丙);
- D (丁);
- E(戊); e
- F (己), (1°, 2°, 3°, 4°, 5ª e 6°) RR., todos devidamente identificados nos autos, no pagamento solidário de uma indemnização por alegados “danos patrimoniais” e “não patrimoniais”, (no valor de MOP$803.880,00 e MOP$4.000.000,00), no montante total de MOP$4.803.880,00; (cfr., fls. 2 a 7 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após indeferimento liminar do pedido no que toca aos 2° a 6° RR., proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo decisão julgando procedente a pelo (1°) R. na sua contestação invocada “excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização” pelo A. reclamado; (cfr., fls. 189 a 194).

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Inconformado, com ambas as aludidas decisões, das mesmas recorreu o A. para o Tribunal de Segunda Instância que, por Acórdão de 06.10.2022, (Proc. n.° 476/2022), confirmou a referida decisão quanto à declarada “prescrição”, julgando prejudicado o recurso interlocutório da parte respeitante ao indeferimento liminar do pedido quanto aos 2° a 6° RR.; (cfr., fls. 416 a 439).

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Do assim decidido, traz o mesmo A. o presente recurso, alegando para produzir as seguintes conclusões:

“I. Omissão de pronúncia – os 1.º a 6.º Réus abusam do direito como causa impeditiva da prescrição
1. Indica o douto acórdão a fls. 44 a 46: “Ora, em termos de factualidade, o Tribunal Administrativo considerou assentes, entre outros, os seguintes factos a este aspecto atinentes:
- O Autor nasceu em 18 de Janeiro de 1949.
- Em 2006, após ter sido submetido à tomografia computadorizada (TC) e à ressonância magnética (MRI) do cérebro no [Hospital(2)], foi constatado que sofreu malformação arteriovenosa (MAV), pelo que, a partir de 27 de Março de 2007, começou a receber tratamentos na consulta externa de neurologia dos Serviço de Saúde (vd. fls. 8 dos autos).
- Encaminhado pelo médico de neurologia, em 18 de Abril de 2007, o Autor recebeu um diagnóstico na consulta externa de neurocirurgia (vd. fls. 9 dos autos).
- Feito o diagnóstico na consulta externa de neurocirurgia, os Serviços de Saúde tinham grande suspeita de que o Autor sofria de malformação vascular cerebral, pelo que foi providenciada a sua hospitalização e marcada para dia 9 de Maio de 2007 a angiografia cerebral e embolização dos vasos sanguíneos anormais a realizar por médico de radiologia (idem).
- Antes da realização da supracitada operação médica, foi facultado ao Autor um documento de informação ao paciente (vd. fls. 12 e 13 dos autos).
- Logo após a cirurgia, o Autor ficou hemiplégico do lado direito do corpo e ao Autor foi-lhe diagnosticado uma lesão vascular no lobo temporal esquerdo (texto original: Diagnosis vascular lesion in left temporal lobe) (vd. fls. 15 dos autos).
- Após a cirurgia, no período compreendido entre 9 de Maio de 2007 e 20 de Junho de 2007, o Autor recebeu tratamento no Centro Hospitalar Conde de S. Januário (vd. fls. 17 a 37 e 37v dos autos).
- Após o acompanhamento e tratamento médico, a condição do Autor recuperou parcialmente, sendo a força muscular do membro superior direito de apenas 3/5 e a força muscular do membro inferior direito, de 4/5 (vd. fls. 16 dos autos).
- Em 14 de Agosto de 2008 e 26 de Fevereiro de 2009, respecivamente, o neurólogo do Centro Hospitalar Conde de S. Januário G emitiu relatórios confirmando que a taxa de deficiência sofrida pelo Autor atinge 70% da incapacidade prevista na parte II, capítulo II, art.º 68.º, al. t) do D.L n.º40/95/M (vd. fls. 9 e 16 dos autos).
- Neste aspecto, o ponto essencial consiste em saber quando é que o Autor sabia o seu direito, ou seja, podia exercer ainda o direito à indemnização?
- A propósito desta matéria, defende-se que, quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., 1989, pág. 596).”
- É de saber que o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém.
- Deste modo, o início da contagem do prazo de prescrição de 3 anos, começa a contar-se a partir da prática de um acto, independentemente de ter conhecimento do carácter ilícito e que dessa prática resultem danos ou, a partir do momento em que toma contacto com essa violação ilícita daquilo que é seu, o seu direito a ser indemnizado pelo prejuízo que está a sofrer, embora desconheça ainda designadamente a extensão integral do seu sofrimento (cfr. Ac. STJ, de 22/4/2004, Processo 04B4235, in www.dgsi.pt).
- No caso sub judice, a haver responsabilidade civil extracontratual do Recorrido, é bem patente que o recorrente tinha conhecimento, pelo menos, desde a data de 09 de Maio de 2007, data em que o recorrente foi sujeito ao exame e tratamento, de factos constitutivos do direito, ou na pior da hipótese, desde Fevereiro de 2009, o Autor/Recorrente tinha condições para exercer o seu direito. Mas não foi isso que aconteceu.
- O Autor alegou, para tentar justificar a sua tardia interposição da acção, que só em 2019 através dum amigo seu, que é medico, é que vinha a saber ele podia intentar uma acção para este efeito, ora, o que vale não é o que o seu amigo disse, mas sim os dados constantes dos relatórios clínicos!
- Há um chavão que já vinha do tempo romano: o Direito não protege o dorminte!
- O que é razão bastante para julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente/Autor.”
2. Em suma, tendo em consideração que o Recorrente já tinha condições para exercer o seu direito à indemnização, desde 9 de Maio de 2007 data em que foi sujeito ao exame e tratamento ou desde Fevereiro de 2009 quando teve conhecimento dos supracitados relatórios médicos, o Tribunal de Segunda Instância concluiu que o Direito não protege o dorminte e deu como provado o esgotamento do prazo prescricional de 3 anos.
3. É de salientar que quer em 9 de Maio de 2007 data em que o Recorrente começou a receber tratamento, quer em Fevereiro de 2009 quando teve conhecimento dos supracitados relatórios médicos, ambos não levaram o Recorrente a perceber qual a razão que lhe causou o sofrimento de dores actualmente.
4. O Recorrente não tinha nenhum conhecimento médico, todas as informações foram-lhe fornecidas pelos 2.º a 6.º Recorridos subordinados da Direcção dos Serviços de Saúde ora 1.º Recorrido, que neles confiou o recorrente.
5. Não tendo os 1.º a 6.º Recorridos prestado as informações correctas ao Recorrente, então como se vai saber se as lesões sofridas pelo Recorrente tinham ou não o nexo de causalidade com os referidos Recorridos.
6. Em 19 de Abril de 2022, nos fundamentos expostos nos pontos 1 a 55 da petição do recurso e nos pontos 1 a 51 da sua conclusão, interposto para o Tribunal de Segunda Instância, tendo o Recorrente já indicado claramente que a excepção peremptória da prescrição invocada pelos 1.º a 6.º Recorridos é um abuso de poder, uma vez que os 1.º a 6.º Recorridos não proporcionaram minuciosamente ao Recorrente, como paciente, uma avaliação e análise de riscos, antes da cirurgia, nem lhe indicaram claramente se a cirurgia foi um sucesso ou fracasso, após a cirurgia e, mais exigiram ao Recorrente que deduzisse tempestivamente o pedido de indemnização contra os 1.º a 6.º Recorrido por considerar ter em si próprio o direito à indemnização, sendo isso totalmente violação do princípio da boa fé (art.º 326.º do Código Civil)
7. Para os devidos efeitos jurídicos, aqui se dão por integralmente reproduzidos os fundamentos expostos nos pontos 1 a 55 da petição do recurso e nos pontos 1 a 51 da sua conclusão, interposto pelo Recorrente para o Tribunal de Segunda Instância em 19 de Abril de 2022.
8. Pelo que, deve ser considerado inexistente e nulo o direito de excepção peremptória de prescrição invocado pelo 1.º Recorrido (nos termos do art.º 326.º e 287.º do Código Civil).
9. Nos termos do art.º 296.º, n.º1 do Código Civil: “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante.”
10. Evidentemente, o Tribunal de Segunda Instância totalmente não pronunciou-se sobre as questões expostas nos pontos 2 a 9 da petição do recurso, nem os considerou como objecto de apreciação do presente caso, incorrendo em vício de nulidade por omissão de pronúncia (nos termos dos art.ºs 433.º e 571.º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art.º 1.º do Código do Processo Administrativo Contencioso)

II. Omissão de pronúncia – Só se inicia a contagem do prazo prescricional quando o direito puder ser exercido – data em que a pessoa assume efectivamente a responsabilidade
11. Face às lesões por si sofridas nos autos, o Recorrente não ficou adormecido nem deixou de fazer nada, mas sim o recorrente queixou-se de não ter conhecimentos médicos nem habilitações académicas, e só em 2019 através dum amigo seu, que é médico, vinha a saber que as dores por si sofridas da operação médica foram causadas pelos 1.º a 6.º Recorridos que tinham cometido erros médicos.
12. Indica o Tribunal de Segunda Instância da RAEM, em 6 de Dezembro de 2018 no processo n.º584/2018 que: “O prazo da prescrição começa a contagem apenas quando o direito puder ser exercido (art.º 299.º, n.º1, 1.ª parte, do CC). E, para este efeito, é exigível o conhecimento por parte do titular do direito (parte antagónica ao beneficiário da prescrição) de todos os pressupostos de que depende o seu exercício”
13. Em 19 de Abril de 2022, o Recorrente, sempre confiando nos 1.º a 6.º Recorridos, indicou claramente nos fundamentos expostos nos pontos 61 a 71 da petição do recurso e nos pontos 66 a 75 da sua conclusão, por si interposto para o Tribunal de Segunda Instância, que como não tinha nenhum conhecimento médico e experiência, antes de ter conhecimento da supracitada informação em 2019, fundamentalmente, não sabia se a cirurgia tem a ver com o risco de hemiplegia do lado direito do corpo, bem como se a perfuração, por erro, de um dos vasos sanguíneos cerebrais do Recorrente durante a cirurgia tem a ver com a hemiplegia, o seu direito à indemnização ainda não podia ser exercido (nos termos do art.º 6.º, n.º1 do D.L n.º28/91/M), uma vez que deve o Recorrente, pelo menos, ter certeza que a hemiplegia do lado direito do corpo e a perfuração por erro de vaso sanguíneo cerebral do Recorrente eram devido à cirurgia, então como podia o Recorrente exercer tal direito à indemnização e como pode começar a contagem do prazo prescricional do referido direito (nos termos do sentido contrário do art.º 299.º, n.1 do CC).
14. Para os devidos efeitos jurídicos, aqui se dão por integralmente reproduzidos os fundamentos expostos nos pontos 61 a 75 da petição do recurso e nos pontos 66 a 751 da sua conclusão, interposto pelo Recorrente para o Tribunal de Segunda Instância em 19 de Abril de 2022.
15. É de salientar que, uma das razões pela qual não podia o Recorrente exercer o seu direito à indemnização é que os 1.º a 6.º Recorridos violaram o dever de informação derivado do princípio boa fé que se deve prestar informação necessária ao Recorrente, antes e depois da cirurgia (incluindo o supracitado dever de esclarecimento), de modo a assegurar a aceitação ou não da cirurgia por parte do Recorrente e o conhecimento de todos os riscos sobre a cirurgia (nos termos do art.º 8.º n.º1 do Código do Procedimento Administrativo e do art.º 151.º do Código Penal de Macau).
16. Perante a situação em que o 1.º a 6.º Recorridos, por meio de omissão, não cumpriram o supracitado dever, então como podia o Recorrente saber todos os conteúdos, âmbitos e riscos potenciais da referida cirurgia, bem como, de maneira nenhuma, pode o Recorrente saber que foram os 2.º a 6.º Recorridos só quando tomou conhecimento da lista fornecida pelo 1.º Recorrido relativa ao pessoal responsável pela referida cirurgia, mas antes disso, como podia o Recorrente exercer o seu direito à indemnização (nos termos do art.º 2.º do D.L n.º28/91/M)!
17. Pelo que, a contagem do prazo prescricional do presente caso deve iniciar-se a partir da data em que o Recorrente, num certo dia de 2019, teve conhecimento de que foram devido ao nexo de causalidade da cirurgia a hemiplegia do direito lado do corpo e a perfuração por erro de vaso sanguíneo cerebral durante a cirurgia, ou a partir da data em que o Recorrente recebeu a supracitada lista do pessoal responsável pela referida cirurgia fornecido pelo 1.º Recorrido.
18. Assim sendo, o Tribunal de Segunda Instância totalmente não pronunciou-se sobre as questões expostas nos pontos 11 a 17 da petição do recurso, nem os considerou como objecto de apreciação do presente caso, incorrendo em vício de nulidade por omissão de pronúncia (nos termos dos art.ºs 433.º e 571.º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art.º 1.º do Código do Processo Administrativo Contencioso).

III. Omissão de pronúncia – Adoptada no acórdão recorrido a presunção de facto como meio de prova proibido – Não há prova testemunha e violação da regra de experiência
19. Em 19 de Abril de 2022, nos fundamentos expostos nos pontos 72 a 80 da petição do recurso e nos pontos 77 a 85 da sua conclusão, interposto para o Tribunal de Segunda Instância, tendo o Recorrente já indicado claramente que a sentença a quo adoptou o meio de prova proibido de presunção de facto para deduzir o conhecimento por parte do Recorrente do sofrimento de hemiplegia do lado direito do corpo devido à cirurgia, quando este recebeu os relatórios médicos, pois tal presunção violou as regras de experiências comum sem aceitar a prova testemunhal, violando o disposto no art.º 344.º do Código Civil, não se devendo aceitar tal presunção de facto para formar a supracitada dedução da sentença a quo!
20. Para os devidos efeitos jurídicos, aqui se dão por integralmente reproduzidos os fundamentos expostos nos pontos 72 a 80 da petição do recurso e nos pontos 77 a 85 da sua conclusão, interposto pelo Recorrente para o Tribunal de Segunda Instância em 19 de Abril de 2022.
21. É igualmente uso da prova proibida de presunção de facto o que o Tribunal de Segunda Instância deduziu no seu acórdão que o Recorrente já tinha condições para exercer o seu direito à indemnização, desde 9 de Maio de 2007 data em que foi sujeito ao exame e tratamento ou desde Fevereiro de 2009 quando teve conhecimento dos supracitados relatórios médicos.
22. Assim sendo, o Tribunal de Segunda Instância totalmente não se pronunciou sobre as questões expostas nos pontos 19 a 21 da petição do recurso, nem os considerou como objecto de apreciação do presente caso, incorrendo em vício de nulidade por omissão de pronúncia (nos termos dos art.ºs 433.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art.º 1.º do Código do Processo Administrativo Contencioso).

IV. Omissão de pronúncia – A sentença a quo incorreu em vício de existência de contradição entre a decisão e os fundamentos/ julgamento errado
23 Para os devidos efeitos jurídicos, aqui se dão por integralmente reproduzidos os fundamentos expostos nos pontos 81 a 86 da petição do recurso e nos pontos 86 a 91 da sua conclusão, interposto pelo Recorrente para o Tribunal de Segunda Instância em 19 de Abril de 2022.
24. Em 19 de Abril de 2022, nos fundamentos expostos nos pontos 81 a 86 da petição do recurso e nos pontos 86 a 91 da sua conclusão, interposto para o Tribunal de Segunda Instância, tendo o Recorrente já indicado claramente que o Tribunal a quo considerou que, em 14 de Agosto de 2008, data em que o Recorrente recebeu os relatórios, já podia confirmar inequivocamente que o sofrimento da hemiplegia do lado direito do corpo logo após a cirurgia, provavelmente foi causado pela cirurgia em causa (podemos chegar a tal conclusão, embora não haja qualquer relatório percial quanto a este aspecto), e ao mesmo tempo, se fosse informado inteiramente da existência do respectivos risco, o Recorrente não iria aceitar a realização da cirurgia, isto basta para evitar a ocorrência das respectivas lesões (vd. fls. 193 dos autos), bem como os relatórios médicos não indicam nada se a cirurgia podia causar ao Recorrente a hemiplegia do lado direito do corpo, mas sim só indicam que o Recorrente ficou hemiplégico do lado direito do corpo sem indicar a sua causa!
25. Assim sendo, existe uma contradição entre a supracitada dedução retirada pela sentença a quo e o texto do relatório médico como instrumento público em que se baseou a sentença, uma vez que se a hemiplegia do lado direito do corpo sofrida pelo Recorrente logo após a cirurgia não for causada pela referida cirurgia, como se pode dar como provado que a cirurgia causou ao Recorrente a hemiplegia do lado direito do corpo, então como podem tais relatórios levar o Recorrente a saber que a dita hemiplegia foi causada pela referida cirurgia;
26. Assim sendo, o Tribunal de Segunda Instância totalmente não considerou a sentença a quo como objecto de apreciação do presente caso, incorrendo em vício de nulidade por existência de contradição entre a decisão e os fundamentos, sendo nulo o acórdão (nos termos dos art.ºs 571.º, n.º1, al. c) do Código de Processo Civil) ou errado o julgamento por não se ter pronunciado sobre isso, incorrendo em vício de nulidade por omissão de pronúncia (nos termos do art.º 571.º, n.º1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 1.º do Código do Processo Administrativo Contencioso).

V. Reenvio dos autos ao TSI para novo julgamento
27. Ensinam o meritíssimo juiz aposentado do TUI da RAEM, Dr. Viriato Manuel Pinheiro de Lima e o meritíssimo Delegado Coordenador do MP da RAEM, Dr. Álvaro António Magas Abreu que:
“1. Em processo civil, a regra no recurso para o TSI é a de que este conhece do objecto do recurso, mesmo que a sentença proferida na primeira instância seja declarada nula ou contrária a jurisprudência obrigatória. E, ainda, que se o tribunal recorrido não tiver conhecido de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o TSI, se entender que o recurso procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários (art.º 630.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
O que o n.º1 do art.º 159.º diz é que esta regra não se aplica, no contencioso administrativo, quando a decisão recorrida não conheceu do mérito da causa, tendo decidido haver questão que a tal obstava e o tribunal de recurso revoga a decisão. Neste circunstancialismo, o tribunal de recurso não conhece do mérito e determina a abaixa do processo ao tribunal recorrido para que este conheça de mérito.
Só assim não acontece, se o tribunal de recurso, oficiosamente, conhecer de questão que obste ao conhecimento de mérito (cfr. acórdãos citados em anotação ao artigo anterior) e decida que a mesma procede.
Já se tiverem sido suscitadas outras questões que obstassem ao conhecimento de mérito, mas não conhecidas pelo tribunal recorrido, parecer que o processo deve baixar ao tribunal recorrido para delas conhecer.
2. Por identidade de razão com a regra do n.º1, se, o tribunal recorrido, no recurso contencioso, julgando procedente o recurso, mas em violação do disposto no art.º 74.º, n.º5, não tiver conhecido de todos os vícios do acto administrativo, e o tribunal de recurso revogar a decisão, os autos devem baixar ao tribunal recorrido para conhecer da restante matéria relativa ao mérito da causa. Na verdade, a ratio do n.º1 é a de, no tocante ao mérito, dever existir sempre o duplo grau de jurisdição. A ser assim, é irrelevante que o tribunal recorrido tenha conhecido pouco ou nada do mérito. Tem de conhecer de todas as questões.” (o negrito, o itálico e o sublinhado são nossos)
28. Segundo o sumário do acórdão proferido em 13 de Março de 2014 pelo TSI da RAEM no processo n.º 517/2013, “De acordo com a melhor interpretação, o art.º 159.º do CPA só impede ao tribunal de recurso jurisdicional (TSI) o exercício de poderes de substituição – logo, apenas terá poderes cassatórios – quando o tribunal recorrido (TA) não tiver conhecido do pedido, isto é, não tiver entrado na análise do mérito ou da substância da causa de pedir do recurso contencioso. É o que acontece, por exemplo, quando tiver sido lavrada decisão adjectiva-formal radicada na procedência de matéria exceptiva por falta de um pressuposto processual.” (o negrito, o itálico e o sublinhado são nossos)
29. Nos termos do art.º 159.º, n.º1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, “Quando o tribunal de recurso julgue que não procede o fundamente que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido e nenhum outro motivo obste à decisão sobre o mérito da causa, os autos baixam ao tribunal recorrido para esse efeito.” (o negrito, o itálico e o sublinhado são nossos)
30. Nas decisões do Tribunal a quo e do Tribunal de Segunda Instância só foi apreciada a excepção peremptória da prescrição de 3 anos, mas não foram apreciados os seguintes pedidos invocados pelo Recorrente, constantes de fls. 2 a 7 dos autos;
1. Julgar procedentes os factos e fundamentos expostos na petição inicial;
2. Condenar os 1.º a 6.º Réus a pagar solidariamente ao Autor a quantia de MOP4.803.880, da qual MOP4.000.000 a título de indemnização por dano não patrimonial e MOP803.880 a título de indemnização por dano patrimonial;
3. Condenar que devem as supracitadas quantias ser acrescidas de juros à taxa legal calculados desde a data de prolação da sentença do tribunal até seu integral pagamento.
31. Evidentemente nas decisões do Tribunal a quo e do Tribunal de Segunda Instância totalmente não foram apreciados os supracitados pedidos, mas sim nelas sempre foi exposto se se esgotou ou não o prazo prescricional de 3 anos, e consequentemente foi julgada procedente a prescrição invocada pelo 1.º Recorrido e foram rejeitados os pedidos do Recorrente.
32. As decisões do Tribunal a quo e de TSI reúnem a excepção da prescrição “não procede o fundamente que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido” prevista no art.º 159.º n.º1 do Código do Processo Administrativo Contencioso, pelo que deve o Tribunal de Última Instância anular o acórdão do TSI, reenviando os autos ao TSI para apreciar os pedidos acima indicados”; (cfr., fls. 452 a 467 e 104 a 140 do Apenso).

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Sem resposta dos RR., vieram os autos a esta Instância.

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Inconformado com o decidido pelo Mmo Juiz do Tribunal Administrativo que indeferiu liminarmente a petição relativamente aos 2° a 6° RR., assim como com a decisão que declarou verificada a “prescrição” do seu reclamado “direito de indemnização”, das mesmas recorreu o A. para o Tribunal de Segunda Instância que, como se viu, confirmou a decretada prescrição, considerando prejudicado o recurso interlocutório sobre o referido indeferimento liminar.

Recorre agora (novamente) o A. para este Tribunal de Última Instância, alegando e concluindo nos termos que atrás já se deixou integralmente reproduzido.

Merecendo o recurso conhecimento, vejamos se merece provimento.

Dos factos

2.1 Pelo Tribunal Administrativo foram dados como “provados” os factos seguintes:

“- O autor nasceu em 18/01/1949.
- Resultou malformação arteriovenosa (arteriovenous malformation, AVM) da tomografia computorizada (computed tomography, CT) e da ressonância magnética (magnetic Resonance Imaging, MRI) do autor realizadas em 2006 no [Hospital(2)]. Então em 27/03/2007 começou o seu tratamento na consulta externa neurológica dos Serviços de Saúde (SS) (vd. os autos a fls. 8).
- Mais tarde, por referência do neurologista, em 18/04/2007 o autor começou a ser tratado na consulta externa neurocirúrgica dos SS (vd. os autos a fls. 9).
- A diagnose pela consulta externa neurocirúrgica apontava para uma forte suspeita de malformação vascular cerebral. Então o autor foi internado para ser tratado. Ao mesmo tempo, fixaram-se ao autor para 09/05/2007 exame radiográfico de vasos sanguíneos cerebrais e embolização terapêutica dos vasos sanguíneos malformados (ibidem).
- Antes da cirurgia acima referida, entregaram ao autor uma nota ao paciente sobre a angiografia (vd. os autos a fls. 12 a 13).
- Depois da cirurgia, o autor ficou paralisado no lado direito do corpo e foi-lhe diagnosticada lesão vascular no lobo temporal esquerdo (vd. os autos a fls. 15).
- De 09/05/2007, i.e., depois da cirurgia, até 20/06/2007, o autor foi tratado no Centro Hospitalar Conde de São Januário (vd. os autos a fls. 17 a 37 e o verso).
- Depois do tratamento de acompanhamento, o autor conseguiu recuperar-se parcialmente. Mas a potência muscular do membro superior do lado direito ficou apenas de 3/5 e a do inferior do lado direito de 4/5 (vd. os autos a fls. 16).
- O neurocirurgião G do Centro Hospitalar Conde de São Januário emitiu dois relatórios médicos, respetivamente em 14/08/2008 e em 26/02/2009 e deu o parecer de que a taxa de deficiência do autor era de 70% da incapacidade prevista pelo Decreto-Lei n.º 40/95/M no art.º 68.º, alínea t), parte II, Capítulo II (vd. os autos a fls. 9 e 16)”; (cfr., fls. 431-v a 432 e 86 a 87 do Apenso).

Do direito

2.2 Em face da pelo Tribunal Administrativo declarada prescrição do “direito de indemnização” do A., e apreciando o seu recurso assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“(…)
Quid Juris?
Antes de mais, importa tomar decisão sobre os documentos que o Autor/Recorrente apresentou a este TSI por si só, a fim de tentar esclarecer que exercia o seu direito ainda dentro do prazo legalmente fixado.
Ora, sobre a possibilidade de apresentar documentos com o recurso, o regime encontra-se prescrito no artigo 616º do CPC. Examinando o teor dos documentos, principalmente a carta escrita pelo Autor/Recorrente, não nos parece que se trata de documentos pertinentes ou com valor para a descoberta da verdade material, muito menos são documentos supervenientes, razão pela qual não se admite a junção de documentos em causa, indeferindo o pedido e ordenando a sua devolução ao seu apresentante oportunamente.
Custas incidentais pelo apresentante que se fixam em 1/2 UC, sem prejuízo de apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Prosseguindo,
A primeira questão que importa resolver é a de saber prescreveu ou não o direito de indemnização que o Autor/Recorrente pretende exercer. Esta matéria encontra-se regulada no artigo 6º do DL nº 28/91/M, de 22 de Abril, que estipula:
(Prescrição do direito de indemnização)
1. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, dos titulares dos seus órgãos e dos agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do artigo 491.º do Código Civil. (de Macau)
2. Se o direito de indemnização resultar da prática de acto recorrido contenciosamente, a prescrição que, nos termos do n.º 1, devesse ocorrer em data anterior não terá lugar antes de decorridos 6 meses sobre o trânsito em julgado da respectiva decisão.
Por seu turno, o artigo 491º do CCM (que corresponde ao artigo 498º do CC de 1966) manda:
(Prescrição)
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.
4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.
Ora, em termos de factualidade, o Tribunal Administrativo considerou assentes, entre outros, os seguintes factos a este aspecto atinentes:
– O autor nasceu em 18/01/1949.
– Resultou malformação arteriovenosa (arteriovenous malformation, AVM) da tomografia computorizada (computed tomography, CT) e da ressonância magnética (magnetic Resonance Imaging, MRI) do autor realizadas em 2006 no [Hospital(2)]. Então em 27/03/2007 começou o seu tratamento na consulta externa neurológica dos Serviços de Saúde (SS) (vd. os autos a fls. 8).
– Mais tarde, por referência do neurologista, em 18/04/2007 o autor começou a ser tratado na consulta externa neurocirúrgica dos SS (vd. os autos a fls. 9).
– A diagnose pela consulta externa neurocirúrgica apontava para uma forte suspeita de malformação vascular cerebral. Então o autor foi internado para ser tratado. Ao mesmo tempo, fixaram-se ao autor para 09/05/2007 exame radiográfico de vasos sanguíneos cerebrais e embolização terapêutica dos vasos sanguíneos malformados (ibidem).
– Antes da cirurgia acima referida, entregaram ao autor uma nota ao paciente sobre a angiografia (vd. os autos a fls. 12 a 13).
– Depois da cirurgia, o autor ficou paralisado no lado direito do corpo e foi-lhe diagnosticada lesão vascular no lobo temporal esquerdo (vd. os autos a fls. 15).
– De 09/05/2007, i.e., depois da cirurgia, até 20/06/2007, o autor foi tratado no Centro Hospitalar Conde de São Januário (vd. os autos a fls. 17 a 37 e o verso).
– Depois do tratamento de acompanhamento, o autor conseguiu recuperar-se parcialmente. Mas a potência muscular do membro superior do lado direito ficou apenas de 3/5 e a do inferior do lado direito de 4/5 (vd. os autos a fls. 16).
– O neurocirurgião G do Centro Hospitalar Conde de São Januário emitiu dois relatórios médicos, respetivamente em 14/08/2008 e em 26/02/2009 e deu o parecer de que a taxa de deficiência do autor era de 70% da incapacidade prevista pelo Decreto-Lei n.º 40/95/M no art.º 68.º, alínea t), parte II, Capítulo II (vd. os autos a fls. 9 e 16).
Neste aspecto, o ponto essencial consiste em saber quando é que o Autor sabia o seu direito, ou seja, podia exercer ainda o direito à indemnização?
A propósito desta matéria, defende-se que, quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., 1989, pág. 596).”
É de saber que o início da contagem do prazo de prescrição não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, que saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém.
Deste modo, o início da contagem do prazo de prescrição de 3 anos, começa a contar-se a partir da prática de um acto, independentemente de ter conhecimento do carácter ilícito e que dessa prática resultem danos ou, a partir do momento em que toma contacto com essa violação ilícita daquilo que é seu, o seu direito a ser indemnizado pelo prejuízo que está a sofrer, embora desconheça ainda designadamente a extensão integral do seu sofrimento (cfr. Ac. STJ, de 22/4/2004, Processo 04B4235, in www.dgsi.pt).
No caso sub judice, a haver responsabilidade civil extracontratual do Recorrido, é bem patente que o recorrente tinha conhecimento, pelo menos, desde a data de 09 de Maio de 2007, data em que o recorrente foi sujeito ao exame e tratamento, de factos constitutivos do direito, ou na pior da hipótese, desde Fevereiro de 2009, o Autor/Recorrente tinha condições para exercer o seu direito. Mas não foi isso que aconteceu.
O Autor alegou, para tentar justificar a sua tardia interposição da acção, que só em 2019 através dum amigo seu, que é medico, é que vinha a saber ele podia intentar uma acção para este efeito, ora, o que vale não é o que o seu amigo disse, mas sim os dados constantes dos relatórios clínicos!
Há um chavão que já vinha do tempo romano: o Direito não protege o dorminte!
O que é razão bastante para julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente/Autor.
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Com o decidido, fica prejudicado o conhecimento do recurso interlocutório (contra a decisão que julgou partes ilegítimas os médicos da 1ª Ré, DSS) e das restantes questões suscitadas pelo Recorrente neste recurso.
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Síntese conclusiva:
Para efeitos do artigo 6º do DL nº 28/91/M, de 22 de Abril, que institui a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e o prazo de prescrição do respectivo direito de indemnização, o início da contagem do prazo de prescrição de 3 anos começa a contar-se a partir da prática de um acto ou da omissão, ou do conhecimento do direito que ao lesado compete e da pessoa do responsável, embora desconheça ainda, designadamente, a extensão integral do seu sofrimento e das causas todas da lesão verificada.
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Tudo visto, resta decidir.
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V – DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância negar provimento ao recurso interposto pelo Autor, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
(…)”; (cfr., fls. 436 a 439).

Aqui chegados, e em face do pelo Tribunal de Segunda Instância decidido e que se deixou transcrito, que dizer?

Pois bem, desde logo, que as alegações e conclusões do ora recorrente não se mostram muito felizes nem primam pela clareza, apresentando-se algo ambíguas e confusas…

Seja como for, e como se mostra de concluir, importa é saber se verificada estava a (declarada) “prescrição” do pelo A. reclamado “direito de indemnização” quando o mesmo o reivindicou junto do Tribunal Administrativo por petição inicial apresentada em 05.11.2020.

E, assim, vejamos.

Pois bem, como se colhe do que se deixou relatado, em causa está um reclamado “direito de indemnização” alegadamente assente em actos (supostamente) praticados no âmbito da prestação de cuidados de saúde ao aludido A., ora recorrente, e, pelos quais, entende este serem os RR. os responsáveis.

Pronunciando-se, (exactamente), sobre esta matéria, e em sede do Recurso para uniformização de jurisprudência em matéria administrativa n.° 23/2005, teve já este Tribunal de Última Instância oportunidade de considerar e fixar jurisprudência no sentido de que:

“A responsabilidade civil por actos ou omissões na prestação de cuidados de saúde em estabelecimentos públicos aos utentes referidos no n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 24/86/M, de 15 de Março, tem natureza extracontratual”, consignado, ainda, em sede de “Sumário” que:
“I – São actos de gestão pública os praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção e independentemente das regras técnicas ou de outra natureza que na prática dos actos devam ser observadas.
II – A actividade médica da Administração constitui gestão pública, para os efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
III – Pode ser imputada responsabilidade civil à Administração hospitalar, a título de culpa funcional ou culpa do serviço, em situações em que o facto ilícito não se revela susceptível de ser apontado como emergente da conduta ético-juridicamente censurável de um agente determinado, mas resulta de um deficiente funcionamento dos serviços”.

Por sua vez, e como igualmente já se considerou, o referido Decreto-Lei n.° 28/91/M, colmatou uma lacuna no direito positivo que ocorreu com a publicação do então vigente Código Civil Português de 1966, o qual, tão só regulou a matéria da responsabilidade civil extracontratual da Administração e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos praticados no exercício de actividade de “gestão privada”, (cfr., art. 494° do C.C.M.), apresentando-se de ter desde já como unânime que são pressupostos da responsabilidade civil, a “ilicitude”, a “culpa”, o “dano” e o “nexo de causalidade entre o dano e o facto ilícito (e culposo)”, sendo a verificação destes pressupostos “cumulativa”, (ou seja, bastando que um deles se não verifique, para que não exista responsabilidade); (cfr., v.g., e entre outros, F. Pessoa Jorge in, “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 532 e segs., e M. Trigo in, “Lições de Direito das Obrigações”, pág. 249 e segs., podendo-se também ver os Acs. deste T.U.I. de 04.05.2022, Proc. n.° 101/2020, de 13.05.2022, Proc. n.° 116/2020, de 08.06.2022, Proc. n.° 115/2020 e de 17.06.2022, Proc. n.° 118/2020).

Com efeito, e como pronunciando-se sobre o aludido tema e diploma português igualmente já teve o S.T.A. (de Portugal) oportunidade de considerar:

“O legislador faz depender a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, da verificação dos seguintes pressupostos:
a) o facto voluntário, que se traduz numa acção ou omissão da Administração praticada no exercício das funções que lhe foram cometidas pelo legislador e por causa delas;
b) a ilicitude, traduzida na violação por esse facto, do bloco de legalidade;
c) a culpa, como nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, a título de dolo ou negligência;
d) o dano, lesão ou prejuízo de valor patrimonial, produzido na esfera de terceiros;
e) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada, consagrado no artigo 563.º do CC”; (cfr., Ac. de 27.11.2014, Proc. n.° 1506/13, aqui citado a título de “jurisprudência comparada”).

Na verdade, e como se mostra bastante evidente, adequado é pois considerar que no domínio da “responsabilidade civil extracontratual”, a formação da obrigação de indemnizar, pressupõe, em princípio, a existência de um “facto voluntário ilícito” – isto é, controlável pela vontade do agente e que infrinja algum preceito legal, um direito ou interesse de outrem legalmente protegido – “censurável” àquele do ponto de vista ético-jurídico – ou seja, que lhe seja imputável a título de dolo ou culpa – de um “dano” ou “prejuízo reparável”, e, ainda, de um “nexo de causalidade” adequada entre este dano e aquele facto, (cfr., art°s 477°, n.° 1, 480°, n° 2, 556°, 557° e 558°, n.° 1, do C.C.M.), o que, em face do estatuído no art. 2° do referido Decreto-Lei n.° 28/91/M, se apresenta também adequado para o caso da “Responsabilidade da Administração e demais pessoas colectiva públicas”.

Ora, em face do que se deixou consignado, desde já se impõe uma conclusão no sentido de que a “matéria de facto dada como provada” e atrás retratada não se mostra suficiente ou bastante para daí se constatar ou, retirar, qualquer (tipo de) “facto voluntário”, “ilícito” e “culposo”, pois que a mesma nada diz ou esclarece sobre as “causas” ou “circunstâncias” em que ocorreu ou se veio a verificar a “deficiência” de que sofre o A., o que, não pode deixar de acarretar, necessariamente, a total inexistência de qualquer responsabilidade de quem quer que seja, e, desta forma, o natural insucesso do reclamado “direito de indemnização”.

Todavia, (ainda que assim seja, e independentemente do demais), não se deixa de dizer o que segue sobre a declarada “prescrição”.

Ora, cremos que bem andaram as Instâncias recorridas.

Com efeito, e como este Tribunal de Última Instância também já teve oportunidade de considerar:

“A “prescrição” é a forma de extinção de direitos subjectivos que opera quando os mesmos não sejam exercidos durante determinado lapso de tempo fixado na Lei.
Há assim “prescrição” quando alguém se pode opor ao exercício de um direito pelo simples facto de este não ter sido exercido durante determinado prazo fixado na Lei, (sendo assim de se considerar como seus requisitos, que se trate de um direito não indisponível, que possa ser exercido, e que não o tenha sido por certo lapso de tempo estabelecido na Lei).
Atento o estatuído no art. 6°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 28/91/M, e em conformidade com o preceituado no art. 491°, n.° 1 do C.C.M., o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública prescreve no prazo de “3 anos”, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, e ainda que com desconhecimento da extensão integral dos danos.
Quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer o preceito em causa significar (apenas) que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da “consciência da possibilidade legal do ressarcimento”.
O lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, não estando o início da contagem do prazo (especial de 3 anos) dependente do “conhecimento jurídico” pelo lesado do respectivo direito, supondo, antes, e apenas, que o lesado conheça os “factos constitutivos” desse direito, (ou seja, que saiba que o acto foi praticado, ou omitido, por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e que dessa prática, ou omissão, resultaram, para si, danos)”; (cfr., Ac. de 29.09.2021, Proc. n.° 183/2020).

E, adequadas e válidas se nos apresentando as transcritas considerações, vista está a solução.

Com efeito, em conformidade com a “matéria de facto provada”, a “cirurgia” após a qual ficou o A. “paralisado” ocorreu em “2007”, sendo pois este o “facto” a ter em conta como essencial para efeitos do seu reclamado “direito de indemnização”, devendo também ser esta a “data” a ter como relevante para o aludido “prazo prescricional”, já que o que posteriormente sucedeu, nada alterou, acrescentou ou trouxe de novo.

Dest’arte, sabendo-se que a petição inicial apenas deu entrada no Tribunal Administrativo em 05.11.2020, imperativa é a decisão de confirmação da declarada “prescrição”, com a improcedência do recurso trazido a esta Instância.

Decisão

3. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo A. recorrente, (notando-se que beneficia de “apoio judiciário”).

Registe e notifique.

Oportunamente, nada vindo de novo aos autos, remetam-se os mesmos ao Tribunal Administrativo com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 19 de Junho de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

Proc. 13/2023 Pág. 2

Proc. 13/2023 Pág. 1