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Processo nº 32/2024(I)
(Autos de recurso civil e laboral) (Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 18.04.2024 proferiu o relator dos presentes Autos de Recurso Civil e Laboral a seguinte decisão:

“O recurso apresenta-se como o próprio, tempestivo e legitimamente interposto, nada parecendo obstar ao seu conhecimento.
Ponderando no teor da “decisão recorrida”, e no que pela ora recorrente vem alegado, passa-se a decidir sumariamente o presente recurso; (cfr., art. 621°, n.° 2 e 652° do C.P.C.M., podendo-se também ver, v.g., V. Lima in, “Manual de Direito Processual Civil”, 3ª ed., C.F.J.J., 2018, pág. 744).
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Relatório

1. Em sede dos Autos de Recurso Civil e Laboral n.° 476/2023 proferiu o Tribunal de Segunda Instância o seguinte veredicto datado de 08.11.2023:

“I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
veio deduzir embargos à execução contra si instaurada pela Exequente,
B, também, com os demais sinais dos autos.

Proferida sentença foi:
   1. julgado parcialmente procedentes os embargos levantados pela Embargante e declara-se extinto o processo principal de execução;
   2. a Embargada condenada à multa no montante de 30UC, pela litigância de má fé;
   3. a Embargada condenada no pagamento de MOP80.000,00 a favor da Embargante, a título de indemnização.

Não se conformando com a decisão proferida vem a Embargada e agora Recorrente interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões e pedidos:
A. O tribunal a quo proferiu a decisão final (doravante “decisão recorrida”) em 07/12/2022. Julgou procedentes os embargos levantadas pela recorrida. Decidiu em seguida extinguir o presente processo de execução e condenou a recorrente no pagamento de multa de 30 UC pela litigância de má fé, bem como pagar MOP$80.000,00 à recorrida, a título de indemnização.
B. A recorrente não está conformada com a decisão do tribunal a quo, nem sobre a matéria de facto, nem a de dar por extinto o processo de execução, nem sobre a litigância de má fé por parte da recorrente. Ao mesmo tempo, visto que subjaz aos factos dados por provados na decisão recorrida a decisão proferida sobre a matéria de facto, a recorrente, com o presente recurso, tal decisão sobre a matéria de facto.
C. Em primeiro lugar, a recorrente deve indicar que é de dar por não provados os factos por provar n.º 1, n.º 10 e n.º 11.
D. Ao proferir a decisão sobre a matéria de facto, o tribunal a quo indicava que a circunstância de a recorrente não ter providenciado qualquer prova sobre o seu arranjo da verba e a entrega do dinheiro à recorrida levava o tribunal a pensar que era provável que a recorrente não tivesse prestado o empréstimo à recorrida na sua integralidade.
E. Ao mesmo tempo, através da certidão do tribunal da acção executiva para pagamento de quantia certa n.º CV2-16-0140-CEO e das informações fornecidas pela DSAJ constantes dos autos a fls. 83 a 93, o tribunal a quo deu por assente, analogamente, que a recorrente não terá entregado a totalidade do empréstimo à recorrida.
F. No entanto, segundo demonstra a certidão da acção executiva para pagamento de quantia certa n.º CV2-16-0140-CEO apensa aos presentes autos, as partes naquela acção não eram qualquer uma das partes principais no presente processo. Além disso, lá a executada nunca invocou no processo qualquer discrepância entre o montante do empréstimo e o constante do título executivo através de embargos, muito menos aduziu qualquer prova para provar a circunstância para tal efeito.
G. Portanto, apesar de quanto dito pelo executado naquele processo C (cá testemunha) durante a audiência realizada no âmbito da presente acção, de que o montante do seu empréstimo não era o registado no título executivo envolvido na acção executiva acima mencionada, tendo em conta o facto de que a testemunha não aduziu o fundamento no processo de execução no qual ela própria estava envolvida, bem como a falta de depoimento de outras testemunhas capazes de apoiar a circunstância acima referida, por enquanto é verdadeiramente difícil dar-se por assente a circunstância referida pela testemunha na acção executiva para pagamento de quantia certa n.º CV2-16-0140-CEO.
H. Por isso, o tribunal a quo não devia ter anexado a certidão daquela acção executiva aos presentes autos, adoptando-a como princípio de prova para a suspeita de a recorrente não ter prestado o empréstimo à recorrida na sua integralidade.
I. Devido à falta por parte da recorrente de fornecer provas sobre a sua junção do capital e à falta de provas sobre a entrega do capital à recorrida, o tribunal a quo chegou à convicção de provavelmente a recorrente nunca ter entregado a totalidade do empréstimo à recorrida. Segundo a jurisprudência dominante, dado que a recorrente já entregou o contrato de empréstimo como o título executivo, não precisa de assumir o ónus da prova extra sobre o montante do empréstimo, incluindo provas sobre o arranjo do fundo e a entrega do dinheiro à recorrida.
J. Portanto, como a recorrente não submeteu as duas provas acima referidas, não se pode, com base nisto como princípio da prova, duvidar que a recorrente tenha entregado o empréstimo à recorrida na sua totalidade.
K. Além disso, no presente caso, não é verdadeiro que a recorrente não tenha submetido qualquer prova sobre a verba; através do contato de empréstimo e do recibo anexos aos autos, a recorrente já aduziu provas capazes de demonstrar que a totalidade do empréstimo já foi entregue à recorrida em numerário.
L. A recorrente já fez tudo ao seu alcance para providenciar ao juízo as provas sobre a recepção do dinheiro por parte da recorrida que assinou; objectivamente falando, a recorrente vê-se verdadeiramente incapaz de fornecer outras provas válidas para tal.
M. Ao mesmo tempo, apesar da incapacidade da recorrente de anexar ulteriores provas sobre o arranjo do capital, o que não se consegue provar é apenas a origem do capital da recorrente, mas não que a recorrente não tenha entregado a totalidade do empréstimo à recorrida.
N. Portanto, em observância da regra de ónus da prova acima mencionada, dado que a recorrente já entregou ao tribunal provas válidas sobre a entrega do dinheiro, a falta de provas sobre a junção do capital que a recorrente não conseguiu aduzir não constitui princípio da prova sobre a falta da entrega da totalidade do empréstimo à recorrida por parte da recorrente.
O. Além disso, segundo o tribunal a quo, as informações disponibilizadas pela DSAJ a fls. 83 a 93 dos autos, a recorrida emitiu procurações a vários indivíduos, o que igualmente constitui princípios da prova, capazes de levantar a suspeita de a recorrente não ter entregado a totalidade do empréstimo à recorrida.
P. Só que a recorrente deve frisar que quanto aos motivos por que a recorrida emitiu procurações aos indivíduos fora do presente processo, faltam provas nos autos sobre os motivos, muito menos se pode dizer que a emissão das procurações por parte da recorrida tenha a ver com a obrigação cá em discussão, e que baste tal para ser princípio da prova sobre a falta da entrega integral do empréstimo à recorrida por parte da recorrente.
Q. Isto exposto, a recorrente deve prosseguir a defender que o tribunal a quo não devia ter adoptado como meio de prova provas testemunhais no presente processo.
R. Segundo mostram as informações constantes dos autos, a recorrida nunca negou a autenticidade das assinaturas no contrato de empréstimo e no recibo, com o qual se pode dar por certo que foi a recorrida mesma que assinou ambos os documentos. Os dois documentos fazem prova plena em relação à recorrida.
S. Quanto à questão de se poder adoptar como meio de prova provas testemunhais com a disposição restritiva do art.º 387.º, n.º 2 do CC, o TSI da RAEM aponta no recurso em processo civil n.º 134/2022 que só na presença de documentos suspeitosos de que constem factos não correspondentes à verdade e de outras provas documentais corroborantes é que se pode adoptar provas testemunhais como meios de prova para abater a força probatória plena de documentos.
T. Ao formar o juízo sobre a matéria de facto, o tribunal a quo indicou que a recorrente não submeteu qualquer prova sobre a sua junção de capital ou sobre a entrega à recorrida, o que levou o tribunal a quo a pensar que provavelmente a recorrente não terá entregado a totalidade do empréstimo à recorrida.
U. Quanto à questão de se a falta por parte da recorrente de fornecer provas sobre a sua junção do capital pode constituir princípios de prova para colocar em dúvida a veridicidade do montante constante do título executivo, a discussão já está feita no presente articulado nos pontos 7 a 18. Indicamos sobretudo que na observância da norma sobre o ónus de prova referida pela jurisprudência dominante, dado que a recorrente já forneceu ao tribunal provas de entrega do capital válidas ao tribunal a quo, a falta por parte da recorrente de fornecer provas sobre a sua junção do capital não constitui princípios de prova para colocar em dúvida a veridicidade do montante constante do título executivo.
V. Quanto à questão de se a certidão do tribunal da acção executiva para pagamento de quantia certa n.º CV2-16-0140-CEO e as informações fornecidas pela DSAJ constantes dos autos a fls. 83 a 93 podem igualmente constituir princípios de prova para colocar em dúvida a veridicidade do montante constante do título executivo, a discussão já está feita no presente articulado nos pontos 3 a 6 e 19 a 21. Indicamos sobretudo que o que consta de ambos os documentos acima referidos não tem a ver com a obrigação em causa nem com o seu montante. Então, por maioria de razão, tais documentos não constituem princípios da prova para demonstrar que a recorrente não entregou a totalidade do montante emprestado à recorrida.
W. Com base no acima referido, no presente caso faltam documentos suspeitosos de que constem factos não correspondentes à verdade; nem estão presentes outras provas documentais corroborantes. Por outras palavras, cá falta o pressuposto de aplicabilidade da admissão de provas testemunhais como meios de prova para derrubar a força probatória plena.
X. Ao formar o juízo em torno aos factos, o tribunal a quo atendeu aos depoimentos das testemunhas C e D para argumentar sobre os factos, deu por assente, em seguida, a resposta ao facto por provar n.º 1.
Y. Dada a proibição de adoptar provas testemunhais como meios de prova para derrubar a força probatória plena de documentos, os depoimentos das testemunhas C e D não podem ser considerados como provas válidas e não deviam ter sido atendíveis pelo juízo na formação da convicção.
Z. Segue daqui que na falta de outras provas válidas, sobretudo visto que ambas as provas documentais referidas no presente articulado no art.º 32.º são incapazes de demonstrar directamente que a recorrida não tenha recebido a totalidade do empréstimo, a resposta ao facto por provar n.º 1 deve ser considerada como não provada.
AA. Na hipótese de o Mm.º Juiz discordar do acima referido, entendendo que cá se pode adoptar provas testemunhais como meios de prova para derrubar a força probatória plena dos documentos, suplicar-se-ia que o Mm.º Juiz atendesse ao seguinte: as testemunhas C e D não conheciam o teor nem as condições da dívida entre a recorrente e a recorrida. Muito menos se pode dizer se conheciam que a recorrida recebeu os HKD$ 2.500.000,00 a título de empréstimo.
BB. Portanto, os depoimentos das duas testemunhas acima referidas não conseguem provar que a recorrida não tenha recebido a totalidade do empréstimo. A resposta ao facto por provar n.º 1 deve ser, igualmente, dada por não provada.
CC. Acerca da questão de se o empréstimo em causa já foi liquidado, salvo os depoimentos prestados pelas testemunhas E e D, dentro do presente processo não há outras provas capazes de demonstrar que a recorrida já tenha reembolsado, sobretudo visto que a recorrida não submeteu qualquer recibo como registo de reembolso, ou ainda registo de pagamento de uma conta bancária.
DD. Além disso, nenhuma das duas testemunhas conseguiu indicar o montante exacto do reembolso já efectuado. Segundo a lei de experiência comum, se a recorrida já reembolsou efectivamente a recorrente, não é possível que não tenha registado o montante do reembolso, sobretudo visto que devia apurar perante a recorrente o capital e os juros do empréstimo que devia devolver, é obviamente contra o senso comum que a recorrida não tenha tais registos e que não tenha declarado o montante exacto do reembolso durante a audiência de julgamento.
EE. Segundo demostra o contrato de empréstimo anexo e apresentado como documento n.º 1 da petição inicial de execução, de acordo com o que se lê, não se verifica qualquer nota sobre reembolso efectuado pela recorrida. Além disso, como é óbvio, a recorrente continua a estar em posse o contrato de empréstimo, que se serviu para instaurar a acção executiva contra a recorrida.
FF. Resulta dos vários indícios acima referidos que, na falta de outras provas válidas, é difícil dar por assente que a recorrida já tenha reembolsado a recorrente; não devendo ser considerada como provada a resposta aos factos por provar n.º 10 e n.º 11.
GG. Caso o Mm.º Juiz viesse a discordar do acima referido, entendendo que sempre se deve considerar como provadas as respostas aos factos por provar n.º 1, n.º 10 e n.º 11, então a recorrente indicaria que o tribunal a quo cometeu erro no conhecimento pela decisão de extinguir o presente processo de execução pela obrigação ilíquida.
HH. Dada a impossibilidade de apurar o montante preciso da dívida existente entre a recorrente e a recorrida, devida à obrigação ilíquida, o tribunal a quo julgou extinta a presente acção executiva.
II. Só que nos ensina o TUI no recurso em processo civil n.º 101/2021 que se a recorrida deseja indicar não ter recebido o empréstimo na sua totalidade da recorrente, então recai sobre ela igualmente o ónus da prova de demonstrar que se lhe entregou apenas uma parte do dinheiro (com o montante exacto).
JJ. Respeitando o parecer acima citado, o tribunal a quo cometeu erro de apreciação pela decisão, com base no facto de a obrigação estava ilíquida, de extinguir o presente processo de execução, sobretudo visto que no caso de obrigação ilíquida, não é preciso determinar o montante exacto da obrigação por meio da acção declarativa para poder depois proceder à acção executiva.
KK. Por fim, a recorrente vê-se obrigada a contestar a acusação de litigância de má fé. Deve faz notar, sobretudo, que o que a recorrente fez foi apenas exercer o seu direito processual de maneira legítima de acordo com os factos de seu conhecimento e conforme a qualificação jurídica, sem qualquer propósito de processar de modo injusto ou desonesto.
LL. Mesmo realizada a audiência de julgamento, o tribunal a quo deu por certos os factos alegados pela recorrida através da petição de embargos. No entanto, tal quer dizer apenas que os factos elencados pela recorrente através da petição inicial de execução não foram provados pela insuficiência de provas, não significando porém que a recorrente tenha processado de maneira injusta ou desonesta. Portanto, é de rejeitar a acusação de litigância de má fé feita pela recorrida contra a recorrente.

Nestes termos, pedia ao Mm.º Juiz do TSI admitir o presente recurso e conceder-lhe provimento, julgando da maneira seguinte:
1. Julgando procedente a impugnação levantada pela recorrente nos termos do art.º 599.º do CPC em torno da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, dar por não provados os factos por provar n.º 1, n.º 10 e n.º 11 (factos assentes n.º 3, n.º 10 e n.º 11);
2. Conforme o entendimento acima referido, revogar a sentença recorrida, julgando improcedentes os embargos levantados pela recorrida, mandando levar adiante o presente processo de execução;
3. Caso o Mm.º Juiz viesse a discordar do acima referido, sempre considerando como provados os factos por provar n.º 1, n.º 10 e n.º 11 (factos assentes n.º 3, n.º 10 e n.º 11), dado o erro no conhecimento pelo tribunal a quo pois julgou extinto o presente processo de execução pela obrigação ilíquida, revogar a sentença recorrida;
Além disso, pedia-se ao Mm.º Juiz rejeitar a acuação de litigância de má fé contra a recorrente, revogando a sentença recorrida e condenar antes a recorrida ao pagamento das custas judiciais.

Contra-Alegando veio a Embargante e agora Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
I) A Recorrente B não se conforma com a decisão proferida, impugnando a convicção formulada pelo Tribunal “a quo”, por erro na apreciação da prova que julgou provado os factos descritos nos quesitos 1.º, 10.º e 11.º da base instrutória (doravante designada por “BI”), equivalente aos pontos 3, 10 e 11 da Sentença ora recorrida;
II) Não se encontra conformada também com a condenação, por lítigância de má-fé, no pagamento de uma multa correspondente a 30 UC e, a título de indemnização, no valor de MOP$80.000,00 (oitocentas mil patacas) a pagar a favor da Recorrida;
III) Sempre com o devido respeito, a Recorrida A não considera as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente faziam algum sentido para que o presente recurso seja julgado procedente;
IV) De acordo com as quais, a Recorrente veio atacar a convicção formulada por se entender que (i) não devia acolher o depoimento da 2ª testemunha, por não sendo parte processual dos presentes autos, (ii) compete à Recorrida o ónus de provar que não tinha recebido da Recorrente uma quantia de HKD$2.500.000,00 e (iii) não devia admitir a prova testemunhal;
V) Sempre com o devido respeito, através da leitura das alegações do recurso facilmente se percebe que a Recorrida não tinha interpretado devidamente a convicção formulada pelo Tribunal “a quo” e as normas jurídicas invocadas;
VI) Não há dúvidas que, com base da certidão de fls. 5 a 7 dos autos do processo n.º CV2-16-0140-CEO e das fls. 83 a 93 dos presentes autos, não servia para provar, de forma directa, a Recorrida não tinha recebido da Recorrente a totalidade da quantia de HKD$2.500.000,00, por que nada daí resulta;
VII) Contudo, estes documentos serviam para o Tribunal “a quo” fazer um juízo sobre a credibilidade do depoimento das testemunhas, e através do qual formular da sua douta convicção (“...以上述證據為出發點, 本院認為證人的證言(尤其是與本案並無直接利害關係的丙及丁的證言, 前者正正是CV2-16-0140-CEO號卷宗的被執行人)與上述證據相互吻合而又相互印證, 足以說服法庭被異議人雖有借款予異議人, 但有關借款額並非港幣250萬元.”), portanto, considera sem razão nenhuma as alegações sobre este ponto da matéria apresentado;
VIII) Sobre a questão do ónus da prova, veio a Recorrente impugnar que não devia julgar provado os quesitos 1.º, 10 e 11 da Base Instrutória, mormente o 1.º quesito, pelo facto de não a ter conseguido apresentar a prova de angariação de fundos e a prova de entrega dos mesmos à Recorrente;
IX) Defendendo que o ónus da prova pertence à Recorrida, uma vez que os documentos subscritos eram suficientes para provar a entrega uma quantia de HKD$2.500.000,00;
X) Tendo a Recorrente citado, a título de referência, dois Acórdãos, uma do Tribunal de Segunda Instância, n.º 508/2018 de 25/10/2018, e outra do Tribunal de Última Instância, n.º 91/2021, de 01/07/2021, para suportar o seu aspecto jurídico;
XI) Sempre com o devido respeito e salvo das diversas melhores opiniões, consideramos que a Recorrente não tinha minimamente razão, uma vez que, por um lado, imputar à Recorrida a responsabilidade de provar não ter recebido, da Recorrente, a totalidade dos HKD$2.500.000,00, seria impossível, por não sendo possível fazer a prova de um acto negativo;
XII) Por outro lado, as declarações contidas nos aludidos documentos subscritos pela Recorrida dizem respeito a uma confissão qualificada e diz-se qualificada quando o reconhecimento do facto é acompanhado de modificações que alteram a essência ou natureza jurídica;
XIII) Por força do artigo 370.º, n.º 2, do CC, são considerados provados as declarações contidas nos referidos documentos, por sendo contrários aos interesses da Recorrida, e estas declarações são indivisíveis nos termos prescritos para a prova por confissão;
XIV) Tal como foi alegado anteriormente, a Recorrida confessou ter subscrito os aludidos documentos, contudo, sempre negou ter recebido da Recorrida os HKD$2.500.000,00;
XV) Como a Recorrente tinha aproveitado as declarações confessórías como prova plena teria de aceitar também como verdadeiro que a Recorrida nunca recebeu a totalidade dos HKD$2.500.000,00;
XVI) Se a Recorrente não se conformar com este facto, terá de provar a sua inexactidão, por força do artigo 353.º do CC;
XVII) Resumindo o que foi exposto, cabe a Recorrente fazer a prova de que tinha entregado a quantia total de HKD$2.500.000,00 à Recorrida, por força dos artigos 370.º n.º 2 e 353.º, ambos do CC;
XVIII) Posto isto, conclui que o Tribunal “a quo” tinha decidido correctamente sobre a questão em causa;
XIX) Sobre a questão da inadmissibilidade da prova testemunhal, importa desde logo salientar que em sede dos embargos, a Recorrida veio arguir que as declarações, respeitante à recepção da quantia de HKD$2.500.000,00, constantes nos documentos subscritos, não corresponde à realidade;
XX) Pois, havia uma divergência entre a declaração e a vontade, aquando os subscreveram;
XXI) Há de ter em consideração que a prova plena referida no artigo 370.º n.º 1 do CC diz respeito apenas às declarações constantes nos documentos subscritos pelos seus autores, todavia, não prova que tais declarações não estejam porventura afectados de algum vício susceptível de as invalidar;
XXII) Tal como VAZ SERRA explica: “(...) A eficácia probatória dos documentos diz respeito somente à materialidade das declarações neles feitas ou dos factos neles referidos, não aos efeitos jurídicos que essas declarações ou factos possam produzir. Ora, dispor que os factos se consideram exactos na medida em que forem contrários aos interesses do autor do documento (como faz o art.º 542.º), não é estatuir acerca da força probatória do documento, mas acerca da eficácia dos factos nele mencionados. Se as declarações vinculam o seu autor na medida em que forem contrárias ao seu interesse, não é porque o documento prove que o vinculam, mas por outra ordem de considerações: o documento prova apenas que as declarações foram feitas. (...) «A força probatória do documento não se estende aos factos que o documento não prova, v.g. à coincidência entre a vontade e a declaração ou à ausência de vícios da vontade. O documento prova apenas que o declarante fez as declarações constantes do documento: não prova que tais declarações não estejam porventura afectadas de algum vício susceptível de as invalidar. Estes vícios podem ser provados por qualquer meio probatório (código de Processo Civil, art.º 621.º»”;
XXIII) E a prova plena tratada no n.º 2 do artigo 387.º do CC, diz respeito à prova dos factos e não das declarações constantes nos documentos.
XXIV) Não deve deixar de ter em consideração que a Recorrida recorreu à prova testemunhal para provar que as declarações em causa não correspondem à realidade, logo seria, naturalmente, admissível a prova testemunhal, logo não tem a Recorrente razão;
XXV) Também, é de considerar sem razão nenhuma, as alegações respeitante à matéria da condenação por litigância de má-fé, defendida pela Recorrente e não pode ser atendido, por não tendo trazido nada de novo para efeitos de impugnação; e
XXVI) Com tudo o que foi exposto anteriormente, deve julgar improcedente o presente recurso.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Dos Factos
Vem a Recorrente impugnar a matéria de facto no que concerne às respostas dadas aos itens 1º, 10º e 11º da Base Instrutória porquanto a declaração de dívida e o recibo de ter recebido a quantia assinados pela Embargante/Recorrida, uma vez que não foi impugnada a assinatura dos mesmos fazem prova plena quanto às respectivas declarações, pelo que, cabia à Embargante/Recorrida através de outra prova que não a testemunhal demonstrar que o teor das suas declarações quanto ao empréstimo de HKD2.500.000,00 não era verdadeiro (quesito 1º), bem como, cabia-lhe ter demonstrado que valores pagou da dívida (quesitos 10º e 11º).
O quesito 1º da Base instrutória e a resposta que lhe foi dada têm o seguinte teor:
«1º
Nunca a embargante tinha recebido da embargada dois milhões e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$2.500.000,00)?
A embargante nunca recebeu da embagada a totalidade dos dois milhões e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$2.500.000,00), mencionados no título executivo referido na al. B) dos factos assentes.»
A convicção do tribunal “a quo” é a seguinte:
«O Tribunal deu assente a matéria de facto conforme as provas documentais constantes dos autos, em conjugação com os depoimentos das testemunhas (a prova plena pode ser contrariada havendo contudo que recorrer a outro meio de prova que não apenas a testemunhal face à limitação do n.º 2 do art.º 387.º do Código Civil – vide o acórdão n.º 38/2022 de 5 de Maio de 2022 do TSI).
Antes de mais, as assinaturas dos documentos constante da fls. 40 do presente apenso e das fls. 7 e 8 dos autos principais são apostas pela embargante sem dúvida. Ao abrigo do art.º 370.º n.º 1 do Código Civil, as declarações nos referidos documentos, que são desfavoráveis à embargante, em princípio, fazem prova plena, salvo que ela possa provar a falsidade do teor dos documentos.
Nos referidos documentos, a embargante declarou que pediu à embargada um empréstimo em quantia de HKD$2.500.000,00, mas o Tribunal entende que, no caso, há provas documentais suficientes para duvidar a veracidade desse empréstimo. De facto, comparando as provas documentais (vide a fls. 40 do presente apenso e fls. 7 e 8 dos autos principais) com as fls. 5 a 7 do proc. n.º CV2-16-0140-CEO (hoje a certidão foi juntada ao presente processo), a embargada não consegue oferecer qualquer prova de arrecadação de dinheiro e entrega da quantia à embargante (vide as fls. 119 e 142 dos presentes autos), os documentos fornecidos pela DSAJ, constantes das fls. 83 a 93 do presente apenso, demonstram que, em 31 de Dezembro de 2014, 18 de Maio de 2015 e 12 de Abril de 2016, a embargante celebrou procurações respectivamente com F, G e H, as quais podem servir de prova suficiente para gerar suspeita da entrega efectiva ou não da quantia de HKD$2.500.000,00 pela embargada à embargante, a finalidade de escrever no documento uma quantia superior ao valor do empréstimo real não passa de ser garantia dos juros vincendos.
A partir das provas acima aludidas, o Tribunal entende que os depoimentos das testemunhas (nomeadamente os de C e D, que não têm interesse directo no presente processo, o primeiro é exactamente o executado no proc. n.º CV2-16-0140-CEO) estão conformes às provas referidas e são mutuamente verificáveis, convencendo o Tribunal a aceitar a realidade de concessão dum empréstimo pela embargada à embargante, no entanto, não em quantia de HKD$2.500.000,00.
No tocante à identidade do devedor, foi possível que a embargada soubesse bem que concedia o empréstimo ao filho da embargante e a embargante só oferecesse o prédio como garantia e assinasse os documentos (nesta situação, a embargante assinou os documentos de empréstimo só para facilitar à embargada demandar o reembolso da embargante na qualidade de fiadora), mas também foi possível que a embargada gostava de conceder o empréstimo apenas à embargante própria, que possuía o prédio (nesta situação, a embargante concordou, recebeu o empréstimo, e depois deu o dinheiro ao filho E, o que constitui assunto pessoal entre eles). No caso, é real que a embargante tenha assinado na qualidade de devedor os documentos constantes da fls. 40 do presente apenso e fls. 7 e 8 dos autos principais, os documentos fornecidos pela DSAJ, constantes das fls. 83 a 93 do presente apenso, demonstram que não se trata da primeira vez de celebração de procuração pela embargante com o fim de pedir empréstimo, não há prova sólida da primeira hipótese acima descrita, nem da ignorância completa da embargante sobre as condições de empréstimo em discussão, mesmo que E tenha participado na negociação, prevalece o teor constante dos documentos, ou seja, a embargante é devedora. Isto é, não se pode dar assente que a credora (embargada) reconhecia que concedia o empréstimo ao filho da embargante, mas não à embargante própria (pelo que, não se verifica que o empréstimo foi concedido ao filho da embargante, como alega o art.º 4.º do factum probandum).»
No caso em apreço os títulos executivos são os documentos a fls. 7 e 8 dos autos de execução e a que se alude nas alíneas A e B dos factos assentes nestes autos de onde resulta o contrato de empréstimo e ter declarado a Embargante ter recibo a quantia de HKD2.500.000,00.
Tal como se reconhece na decisão recorrida a assinatura da Executada/Embargante nos títulos executivos não foi impugnada pelo que, nos termos do artº 368º do C.Civ. se tem a mesma por verdadeira.
Face ao disposto no artº 370º do C.Civ. os títulos executivos fazem, assim, prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, neste caso a Embargante/Executada.
Estando o reconhecimento de dívida, o compromisso de pagamento e a declaração de ter recibo o montante mutuado feitos pela Embargante/Executada plenamente provado por documento, nos termos do nº 2 do artº 387º do C.Civ. não é admitida prova testemunhal para demonstrar o contrário ou que tenha por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, salvo se houver princípio de prova escrita que permita concluir em sentido contrário.
É aqui que divergimos da decisão recorrida.
Ali entende-se que há princípio de prova escrita que complementada com os depoimentos testemunhais permita concluir que, apesar das declarações da Embargante/Executada esta não recebeu os HKD2.500.000,00.
Os documentos que se entende ser princípio de prova de escrita são a certidão extraída do processo CV2-16-0140-CEO em que são Exequente I e Executado uma das aqui testemunhas C e que consistem no contrato de empréstimo entre aqueles celebrados, o recibo de recebimento da quantia mutuada e a livrança, todos assinados pelo ali executado e aqui testemunha, o qual segundo se diz também sustenta que não recebeu a totalidade da quantia que consta do mútuo.
Ora, para além da semelhança quanto ao conteúdo entre aqueles documentos e os de fls. 7 e 8 dos autos de execução de que estes são apensos e fls. 40 destes autos, da junção daqueles documentos nada mais resulta que possa ser princípio de prova de coisa alguma.
Nem o ali Credor/Exequente, nem o ali Devedor/Executado são os mesmos destes autos.
O que parece também haver de semelhante entre um processo e outro segundo se diz, é que o ali Executado vindo a ser testemunha nestes autos veio dizer que também ele não recebeu a totalidade da quantia que declarou ter recibo.
Contudo, em momento algum temos alguma prova documental que indicie minimamente que o valor entregue pela Exequente à Executada não é aquele que esta declarou receber, isto é, HKD2.500.000,00.
No entanto, na decisão recorrida também se diz que dos documentos de fls. 83 a 93 resulta que a Embargante/Executada assinou três procurações de onde se suspeita que não haja recibo a quantia de HKD2.500.000,00.
Ora destas procurações o que resulta é que em Dezembro de 2014, em Maio de 2015 (esta provavelmente a destes autos dado haver alguma discrepância quanto ao nome do mandatário) e em Abril de 2016 a Embargante/Executada assinou procurações a favor de três pessoas para poderem vender a sua – mesma – fracção autónoma, donde resulta que ao contrário do que parece resultar da p.i. dos embargos a Embargante/Executada, seja para si ou para o filho, já estava habituada a outorgar procurações para vender a sua fracção autónoma em garantia do pagamento de dívidas que contraía, não sendo a pessoa pouco esclarecida que se apresenta e nada sabe, qual mãe preocupada que apenas quer ajudar o filho a pagar dívidas.
Os documentos de fls. 119 a 142, na parte em que não são actas da audiência de discussão e julgamento, são uma ordem de Caixa emitida a favor da Embargante/Executada mas que não sabemos por ordem de quem e a certidão do registo predial da fracção autónoma a que se alude nos autos e relativamente à qual a Embargante/Executada havia outorgado as indicadas procurações, de onde resulta que em Março de 2012 e Abril e Novembro de 2014 constituiu três hipotecas sobre a mesma para garantia do pagamento de empréstimos que contraiu no montante global de HKD2.780.000,00, vindo a vendê-la em Outubro de 2016 por MOP3.300.800,00 – cf. fls. 136 a 139 -.
Ora bem, três procurações para autorizar a venda da fracção autónoma que tinha, três hipotecas (nenhuma delas relacionada com a compra da fracção que ocorreu em 1991) para garantia do pagamento de empréstimos, pelo que, o que nós temos é um comportamento que segundo as regras da experiência revela um endividamento descontrolado e sem razão aparente.
Esta prova não é princípio de prova escrita que permita contrariar a prova plena que resulta dos documentos assinados pela Executada/Embargante.
Por princípio de prova escrita entende-se prova documental que permita concluir pela existência de acordos ou declarações em sentido diverso daquele que consta dos documentos que fazem prova plena.
Concluindo, os indícios que resultam da prova produzida é que a Embargante eventualmente contraiu mais empréstimos para além daquele a que respeitam os autos e não há princípio de prova algum para que se possa com base na prova testemunhal concluir que a quantia de HKD2.500.000,00 não foi entregue pela Exequente/Embargada à Executada/Embargante, havendo que se responder ao quesito 1º da Base Instrutória como não provado.
Quanto à matéria dos quesitos 10º e respectiva resposta temos que o teor é o seguinte:
«10º
Em 18 de Agosto de 2016, em sequência da revogação da procuração pela embargada, a embargante alienou a sua fracção autónoma por três milhões e duzentas mil dólares de Hong Kong (HKD$3.200.000,00), para ajudar o seu filho pagar a dívida, incluindo os respectivos juros, a favor da embargada e do I (壬), e consoante este último pagamento, jamais existe dívidas para com a embargada?
Em 18 de Agosto de 2016, na sequência da revogação da procuração emitida a favor da embargada, a embargante alienou a sua fracção autónoma “10/C” por três milhões e duzentas mil dólares de Hong Kong (HKD$3.200.000,00), depois do que pelo menos uma parte da dívida foi liquidada.».
O quesito 11º e respectiva resposta têm a seguinte redacção:
«11º
No total, o filho da embargante pagou à embargada e/ou I (壬), a quantia de HKD$960.000,00?
Para a liquidação da dívida, foram pagas à embargada quantias num valor não concretamente apurado nos presentes autos.».
A convicção do tribunal para as respostas dadas a estes quesitos é a seguinte:
«Quanto ao dinheiro já restituído pela embargante, segundo os documentos constantes das fls. 121 a 141 do presente apenso (em conjugação com o depoimento de E), mostra-se suficientemente que a embargante vendeu o respectivo bem imóvel em 2016 e recebeu uma quantia remanescente após ter liquidado o crédito hipotecário, ponderando que de 2016 a 2020 a embargada não intentou acção contra a embargante (se a dívida não fosse quitada em grande proporção, seria irrazoável que a embargante não demandasse a restituição), o Tribunal acredita que a maioria da dívida em apreço já foi reembolsada. Entretanto, mesmo que a testemunha E insista na alegação de já ter reembolsado a dívida integralmente e a testemunha D deponha que o acompanhou para ir realizar o pagamento, as provas no caso não podem apoiar firmemente tal afirmação.»
Dos documentos a fls. 91, 92 e 139 resulta que a Embargante depois de em 10.08.2016 ter revogado a procuração emitida eventualmente a favor da Embargada1 em 18.10.2016 vendeu a sua fracção autónoma designada por “10/C” por três milhões, trezentos mil e oitocentas Patacas.
Não há na fundamentação do tribunal qualquer prova que evidencie os pagamentos que hajam sido efectuados por conta da dívida, o que aliás até impediu de apurar o valor.

O ónus da prova do pagamento da dívida cabia à Embargante nos termos do nº 2 do artº 335º do C.Civ. por ser um facto modificativo ou extintivo do direito invocado.
Não demonstrando a Embargante/Executada quanto pagou, face aos fundamentos invocados na decisão recorrida apenas se pode concluir que não foi feita prova do pagamento, pelo que a resposta ao quesito 11º terá de ser não provado e ao quesito 10º há-de ser a seguinte: «A Embargante depois de em 10.08.2016 ter revogado a procuração emitida a favor da embargada em 18.10.2016 vendeu a sua fracção autónoma designada por “10/C” por três milhões, trezentos mil e oitocentas Patacas.».

Assim sendo em face da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e o que se havia dado por assente, apurou-se a seguinte factualidade:
1. Em 07/12/2020, a embargada, tendo como título executivo o “contrato de empréstimo” a fls. 7 dos autos de execução, instaurou o processo de execução. (facto provado A)
2. No mesmo dia em que assinou o “contrato de empréstimo”, a embargante emitiu à embargada a livrança de HKD$ 2.500.000,00 a fls. 40 dos autos e assinou o “recibo” a fls. 8 dos autos do processo principal (cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui), bem como uma procuração com que se conferiu a competência à embargada de vender a fracção sita no 10.º andar “C”, [Endereço(1)], Macau. (facto provado B)
– Factos provados através da audiência: (para os fundamentos com que se deu por assentes os factos, vd. os autos a fls. 143 a 146v)
3. A embargante nunca chegou a negociar com a embargada sobre o empréstimo. (resposta ao quesito 2.º)
4. As negociações sobre o empréstimo foram feitas entre o filho da embargante e com o amigo da embargada de nome I. (resposta ao quesito 3.º)
5. Para garantir a restituição do dinheiro emprestado bem como os juros, foi exigido à embargante que outorgasse uma procuração, com poderes de alienação de um imóvel pertencente à embargante. (resposta ao quesito 5.º)
6. A embargante outorgou, no dia 18 de Maio de 2015, uma procuração com poderes de alienação da sua fracção autónoma sita em Macau na [Endereço(1)], 10/C, a favor da embargada. (resposta ao quesito 7.º)
7. Além da outorga da dita procuração, foi ainda exigido à embargante que subscrevesse os documentos constantes a fls. 7 e 8 dos autos principais e a fls. 40 dos presentes autos. (resposta ao quesito 8.º)
8. A concessão do empréstimo teve lugar após de a embargante ter respeitado todas as exigências solicitadas mormente a subscrição da procuração e dos documentos acima referidos. (resposta ao quesito 9.º)
9. A Embargante depois de em 10.08.2016 ter revogado a procuração emitida a favor da embargada em 18.10.2016 vendeu a sua fracção autónoma designada por “10/C” por três milhões, trezentos mil e oitocentas Patacas. (resposta ao quesito 10.º)

b) Do Direito
Alegava em síntese a Embargante que:
- A Embargante nunca recebeu os HKD2.500.000,00, como defendia a embargada;
- O único motivo por que a Embargante assinou a procuração era para ajudar seu filho liquidar a dívida então existente, sem conhecimento do montante real da dívida nem das condições de empréstimo;
- A Embargante nunca interveio nas negociações sobre o empréstimo em causa;
- O filho da Embargante já devolveu HKD960.000,00 à Embargada;
- A Embargada sabia perfeitamente que a Embargante não tinha recebido os HKD2.500.000,00 que se mencionava; exige cá, contudo, a devolução à Embargante, o que ofende o art.º 385.º, n.º 2, alínea b) do CPC, devendo-se considerar a Embargada como litigante de má fé.
Da factualidade apurada não logrou a Embargante/Executada demonstrar não ter recibo a quantia exequenda.
Igualmente não demonstrou ter efectuado pagamento algum da dívida exequenda.
Destarte, fazendo as declarações da Executada constantes dos títulos executivos prova plena quanto ao seu conteúdo – artº 368º nº 1 e 370º nº 2 ambos do C.Civ. - resultando delas ter contraído o empréstimo e ter recebido o montante mutuado, beneficiando o credor da presunção resultante do artº 452º do C.Civ. e não se tendo feito prova em contrário, tem-se por demonstrada a existência do crédito da Embargada/Exequente sobre a Embargante/Executada, impondo-se julgar os embargos improcedentes, ordenando-se o prosseguimento da execução, sem, contudo, deixar antes uma nota.
Julgavam-se os embargos parcialmente improcedentes julgando-se extinta a execução. Ora, tal nunca poderia ser. Face à procedência parcial dos embargos daí resultaria que a execução na parte em que os embargos improcederam haveria de prosseguir, o que no caso da decisão proferida levaria a que em sede de liquidação se apurasse do montante devido e que ainda não havia sido pago daquele que houvesse sido entregue.

Da condenação como litigante de má-fé da Exequente/Embargada.
Em face da alteração da matéria de facto dada por assente, alteraram-se os pressupostos em que assentava aquela condenação, pelo que, sem necessidade de outras considerações impõe-se revogar o decidido nessa parte.

III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento ao recurso revoga-se a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos, ordenando o prosseguimento da execução e absolvendo a Embargada dos demais pedidos.
Custas a cargo da Recorrida/Embargante em ambas as instâncias.
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 332 a 347-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada com o assim decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, vem a embargante, (executada), A (甲), recorrer, apresentando as seguintes conclusões:

“i. Por decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância, no dia 8 de Novembro de 2023, no âmbito do Processo n.° 476/2023, foi concedido provimento do recurso da embargada B, revogando a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos, ordenando o prosseguimento da execução e absolvendo a mesma dos demais pedidos, por tendo considerado como não provado os quesitos 1.°, 10.° e 11.° da Base Instrutória (adiante designado por BI);
ii. Não se conforma, a Recorrente, com a douta decisão, por ter julgado como não provado os factos descritos nos quesitos 1.°, 10.° e 11.° da BI;
iii. Por outras palavras, a Recorrente não considerou que o Tribunal “a quo” fez uma correcta interpretação aos artigos 368.°, 370.° e 387.°, todos do Código Civil (doravante designado por “CC”);
iv. Sobre os quesitos 1.°, 10.° e 11.° da BI, o Colectivo do Tribunal Judicial de Base (adiante designado por “CTJB”), tinha respondido, respectivamente, o seguinte: 1) “a Recorrente nunca recebeu da embargada a totalidade dos HKD$2.500.000,00, mencionado no título executivo referido na al. B) dos factos assentes”; 2) “em 18 de Agosto de 2016, na sequência da revogação da procuração emitida a favor da embargada, a embargante alienou a sua fracção autónoma “10/C” por HKD$3.200.000,00, depois do que pelo menos uma parte da dívida foi liquidada”; e 3) “para a liquidação da dívida, foram pagas à embargada quantias num valor não concretamente apurado nos presentes autos”;
v. Para efeitos de formulação desta convicção, o CTJB tinha recorrido às provas documentais e testemunhais, e através das quais conseguiram fazer-lhe acreditar que a concessão do empréstimo pela embargada à ora Recorrente não foi na quantia de dois milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD$2.500.000,00) e que a maioria da dívida em já foi reembolsada, em virtude da alienação do imóvel;
vi. Contudo, o Tribunal “a quo” não concordou com as respostas dos quesitos 1.°, 10.°e 11.° da BI dadas pelo CTJB, por tendo considerado, no presente caso, inadmissível a prova testemunhal, porque os títulos executivos em causa fizeram prova plena às declarações atribuídas pela Recorrente e uma vez estando os factos plenamente provados por documentos, ao abrigo do disposto do n.° 2 do artigo 387.° do CC, não é admitida a prova por testemunha;
vii. De facto, sem a prova testemunhal, os documentos constantes no presentes autos por si sós nunca seriam suficientes para responder aos quesitos 1.°, 10.° e 11.° tal como foi respondido pelo CTJB;
viii. Sempre com o devido respeito, não podemos concordar a posição jurídica do Tribunal “a quo”, no sentido de excluir a admissibilidade da prova testemunhal;
ix. a questão pertinente é de saber se, uma vez não tendo impugnado a assinatura aposta no documento particular e não tendo arguido e provado a falsidade deste, a prova plena referida no artigo 370.° n.° 1 abrange também à prova da vontade das declarações atribuídas pelo seu autor, constantes no documento?;
x. Salvo das diversas melhores opiniões, para a Recorrente a resposta seria negativa;
xi. A Recorrente considera que o n.° 1 do artigo 370.° do CC, apenas se faz a prova que o declarante fez as declarações constantes no documento, todavia, não se faz a prova que tais declarações não estejam porventura aferida de alguns vícios susceptíveis de invalidar;
xii. A doutrina explica-nos que: “(...) A eficácia probatória dos documentos diz respeito somente à materialidade das declarações neles feitas ou dos factos neles referidos, não aos efeitos jurídicos que essas declarações ou factos possam produzir. Ora, dispor que os factos se consideram exactos na medida em que forem contrários aos interesses do autor do documento (como faz o art.° 542.°), não é estatuir acerca da força probatória do documento, mas acerca da eficácia dos factos nele mencionados. Se as declarações vinculam o seu autor na medida em que forem contrárias ao seu interesse, não é porque o documento prove que o vinculam, mas por outra ordem de considerações: o documento prova apenas que as declarações foram feitas. (...) A força probatória do documento não se estende aos factos que o documento não prova, v.g. à coincidência entre a vontade e a declaração ou à ausência de vícios da vontade. O documento prova apenas que o declarante fez as declarações constantes do documento: não prova que tais declarações não estejam porventura afectadas de algum vício susceptível de as invalidar. Estes vícios podem ser provados por qualquer meio probatório (código de Processo Civil, art.° 621.°)»” (negro sublinhado nosso) - VAZ SERRA, Provas (Direito Probatório Material), BMJ n.° 112, Págs. 281-282 (art. 25°, n°s 1 e 3), citada pelo JOÃO GIL DE OLIVEIRA e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Jurisprudência, Livro I, Parte Geral, Volume V, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2018, págs 436 e 437;
xiii. Não deve deixar de ter em consideração que as testemunhas arroladas pela Recorrente serviam, precisamente, para fazer a prova de que as declarações constantes nos títulos executivos em causa, não correspondiam à realidade; ou melhor dizendo, a Recorrente teve o intuito de através da prova testemunhal fazer a prova da existência de vício de vontade nas declarações atribuídas por ela nos títulos executivos referidos nas alíneas A) e B) da matéria dos factos assentes;
xiv. Vício este que diz respeito, precisamente, à reserva mental, prevista no artigo 237.° do CC;
xv. Importa reiterar que a força probatória do documento referida no n.° 1 do artigo 370.° do CC diz respeito apenas que o declarante (no nosso caso a embargante Recorrente) fez as declarações constantes do documento, contudo, já não prova que as mesmas não estejam afectadas de algum vício susceptível de as invalidar;
xvi. Como não se faz essa prova, a Recorrente pode recorrer qualquer meio probatório, neste caso a prova testemunhal, para provar a existência do vício de vontade nas declarações constantes dos títulos executivos em causa;
xvii. Quando a Recorrente defendia, nos seus embargos, que nunca tinha recebido da embargada dois milhões e quinhentos dólares de Hong Kong, estava mesmo a dizer que as declarações atribuídas nos títulos executivos não corresponderiam a sua vontade real;
xviii. E para provar a existência desta divergência entre a declaração e a vontade, a Recorrente, não haveria outro meio probatório melhor, senão recorrer à prova testemunhal;
xix. Portanto, não podemos concordar com a inadmissibilidade da prova testemunhal, tal como foi entendido pelo Tribunal “a quo”, pelo facto de a Recorrente não ter impugnada a assinatura, não ter arguida e provada a falsidade dos títulos executivos, mormente o título referido na alínea B) dos factos assentes;
xx. Sempre com o devido respeito, a Recorrente considera que não tinha na fundamentação do Tribunal “a quo” qualquer razão para julgar como não provado o quesito 1.° da BI, pois, a existência do vício de vontade pode ser provado por qualquer meio probatório, inclusivamente, neste caso, a prova testemunhal;
xxi. A Recorrente considera que o Tribunal “a quo” não tinha razão de não admitir a prova testemunhal e julgar como não provado o quesito 1.° do BI;
xxii. Relativamente aos quesito 10.° e 11.° da BI, tendo o douto CTJB dado as respostas seguintes: “em 18 de Agosto de 2016, na sequência da revogação da procuração emitida a favou da embargada, a embargante alienou a sua fracção autónoma “10/C” por três milhões e duzentas mil dólares de Hong Kong (HKD$3.200.000,00), depois do que pelo menos uma parte da dívida foi liquidada” (resposta do quesito 10.° da BI) e “para a liquidação da dívida, foram pagas à embargada quantias num valor não concretamente apurado nos presentes autos” (resposta do quesito 11.° da BI);
xxiii. Para responder aos quesitos 10.° e 11.° da BI, o CTJB recorreu à prova documental (documentos constantes das fls. 121 a 141 dos presentes apensos) e em conjugação com a prova testemunhal, os depoimentos das testemunhas E (sendo este o filho da Recorrente), e D (sendo a pessoa que acompanhou a testemunha E realizar o pagamento), e tendo concluído que a grande parte da dívida exequenda tinha sido reembolsada;
xxiv. Contudo, o Tribunal “a quo” não deu razão e entendeu que não há na fundamentação do CTJB qualquer prova que evidencie os pagamentos que hajam sido efectuados por conta da dívida exequenda, e concluiu que não foi feita a prova do pagamento, por não tendo conseguido apurar a quantia paga;
xxv. Importa salientar que os factos descritos nos quesitos 10.° e 11.° da BI não resultam por documentos, pelo que, a prova do cumprimento da obrigação exequenda (seja total ou parcial), realizado por parte do filho da Recorrente a favor da embargada, seria admissível por prova de testemunha;
xxvi. Sempre com o devido respeito, a Recorrente não pode concordar com a ponderação feita pelo Tribunal “a quo”, uma vez que, sem ter dado em conta os depoimentos das testemunhas, seria impossível, com base da prova documental constante nos presentes autos, apurar que os pagamentos se destinavam à liquidação da dívida exequenda;
xxvii. para efeitos de tal prova, os depoimentos das testemunhas seriam indispensáveis, e foi por esta razão tinha o CTJB recorrido à prova testemunhal para efeitos de formulação da sua convicção;
xxviii. De acordo com o depoimento do filho da Recorrente (a testemunha E), demonstra que este realizou o pagamento da dívida exequenda a favor da embargada, mediante a quantia remanescente da alienação da fracção autónoma da Recorrente, e que na data do pagamento da dívida exequenda, o filho da Recorrente estava acompanhado pela testemunha D;
xxix. Tendo também o Tribunal “a quo” concluído que não foi feita a prova do pagamento, por não tendo conseguido apurar a quantia paga a favor da embargada;
xxx. Sobre a questão da falta da prova de pagamento, importa salientar que foi apurada a prática do acto de pagamento, embora não foi conseguido provar a quantia paga, todavia, em termos de bom senso, não se significa que não houve realização do pagamento da dívida exequenda;
xxxi. Sempre com o devido respeito, a Recorrente considera o Tribunal “a quo” violou manifestamente o princípio da prova e do princípio da livre apreciação das provas do CTJB ao dizer que não há na fundamentação do CTJB qualquer prova que evidencie os pagamentos que hajam sido efectuados por conta da dívida e concluir que não foi feita a prova do pagamento, por não tendo demonstrado a Recorrente quanto pagou;
xxxii. Como é do conhecimento em geral, o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, conforme dispõe o artigo 558.° do CPC;
xxxiii. Com o devido respeito, a Recorrente não considera que a convicção formulada pelo CTJB encontrava em desconformidade com as regras de experiência;
xxxiv. O Tribunal “a quo” ao formular a sua douta convicção não deveria ignorar a prova testemunhal a qual foi produzida em sede de audiência e de julgamento do CTJB, por sendo admissível e pertinente para a busca da verdade real; e
xxxv. Pelos fundamentos expostos, deve concluir que, para o presente caso, a prova testemunhal é admissível, por sendo pertinente para descoberta da verdade, assim, deve julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida e manter a decisão proferida pelo CTJB, no dia 7 de Dezembro de 2022”; (cfr., fls. 358 a 371-v).

*

Respondendo, pugna a exequente (e embargada), B (乙), pela total confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 376 a 389).

*

Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. O presente recurso tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 08.11.2023, (que se deixou integralmente transcrito), com o qual se decidiu revogar a decisão pela Mma Juiz do Tribunal Judicial de Base proferida, julgando-se improcedentes os embargos pela ora recorrente A deduzidos em oposição à execução que lhe foi movida pela ora recorrida B.

E, em nossa opinião, cremos que a decisão recorrida não merece a mais pequena censura, mostrando-se-nos perfeitamente clara e acertada na sua fundamentação e solução a que chegou.

Passa-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

Pois bem, como resulta do que se deixou relatado, a dita solução ínsita no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido deveu-se à decisão que recaiu sobre a “questão” pela ora recorrida então colocada no seu (anterior) recurso que, impugnando a decisão da matéria de facto, pediu a reapreciação da “matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base dada como “provada” em resposta aos “quesitos 1°, 10° e 11° da Base Instrutória”, e que, o Tribunal de Segunda Instância, relativamente aos quesitos 1° e 11°, declarou “não provados”, e restringindo a resposta dada ao “quesito 10°”, acabou por afastar os motivos de facto em que assentava a decisão do Tribunal Judicial de Base que, na procedência dos deduzidos embargos, tinha julgado extinta a aludida execução.

Nesta conformidade, e como se nos apresenta claro, importa desde já não perder de vista que, em boa verdade, em causa está a decisão pelas Instâncias recorridas proferida sobre a “matéria de facto”, valendo assim a pena recordar os “poderes de cognição” deste Tribunal relativamente a tal “matéria”, pois que nos termos do art. 649° do C.P.C.M.:

“1. Aos factos materiais que o tribunal recorrido considerou provados, o Tribunal de Última Instância aplica definitivamente o regime que julgue adequado em face do direito vigente.
2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Ora, sendo também “questão” que já foi tratada em anteriores recursos, importa então ter presente que pronunciando-se sobre o assim preceituado no transcrito comando legal, (e especialmente, sobre os ditos “poderes de cognição deste Tribunal de Última Instância em sede de recurso da matéria de facto”), já tivemos oportunidade de considerar, nomeadamente, que:

“Ao Tribunal de Última Instância apenas compete conhecer da “matéria de direito”, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”; (cfr., v.g., entre outros, os Acs. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019; de 19.02.2020, Proc. n.° 83/2018; de 03.04.2020, Proc. n.° 19/2019; de 10.06.2020, Proc. n.° 48/2020; de 10.11.2021, Proc. n.° 131/2021; de 12.01.2022, Procs. n°s 50/2020 e 76/2020; de 19.01.2022, Proc. n.° 121/2020, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020 e, mais recentemente, a Decisão Sumária de 11.03.2024, Proc. n.° 14/2024).

In casu, está precisamente em causa uma questão relacionada com a “força probatória de determinado meio de prova”, ou seja, dos “documentos” – n°s 1 e 2 – pela exequente, (embargada), e ora recorrida, apresentados como “título executivo” na execução que moveu contra a ora recorrente, (e que constam de fls. 7 e 8 dos autos de execução ordinária aos quais os presentes correm por apenso).

Porém, convém desde já deixar esclarecido um aspecto.

Tal questão (da “força probatória”), e, como em nossa opinião, de forma clara resulta da decisão recorrida, apenas diz respeito à matéria da resposta ao “quesito 1°”, pois que os restantes dois – os “quesitos 10° e 11°” – em nada se relacionam com a mesma, pois que foram objecto de decisão com base no poder de – livre – “(re)apreciação da prova” que ao Tribunal de Segunda Instância cabe, e que, deste modo, em causa não estando a situação a que se refere o n.° 2 do transcrito art. 649° do C.P.C.M., constitui “decisão” que, na parte em questão, escapa à possibilidade de ser sindicada e conhecida em sede de recurso para esta Instância.

Nesta conformidade, (e visto estando assim que se impõe manter o decidido relativamente aos “quesitos 10° e 11°”), vejamos o que dizer sobre “quesito 1°”.

Ora bem, como já se referiu, censura não merece o decidido, pois que o equívoco reside no apelo que o Tribunal Judicial de Base efectuou à “prova testemunhal” para, em resposta ao dito quesito 1°, decidir como decidiu, (quando, no caso, não o podia fazer).

Vejamos.

Em tradução por nós (livremente) efectuada, tem, em síntese, os atrás referidos “documentos n°s 1 e 2”, (pela ora recorrida dados como “título executivo”), o teor seguinte:

doc. 1
Contrato de empréstimo
Primeiro Outorgante: B, titular do B.I.R.M. n.° 5086695(3)
Segundo Outorgante: A, titular do B.I.R.M. n.° 7389903(1)

Ambas as partes concordam com o seguinte:
1. O Primeiro Outorgante empresta ao Segundo Outorgante a quantia de HKD$2.500.000,00, à taxa de juros anual de 28%.
2. O Segundo Outorgante compromete-se a restituir ao Primeiro Outorgante o montante acima referido, acompanhado dos respectivos juros até ao dia 17 de Dezembro de 2015.
3. No acto da assinatura do presente contrato, o Segundo Outorgante declara ter recebido do Primeiro Outorgante a quantia de HKD$2.500.000,00.

Primeiro Outorgante: B (assinatura)
Segundo Outorgante: A (assinatura)

Macau, 18 de Maio de 2015

doc. 2
Recibo
Recebi de B a quantia de HKD$2.500.000,00.

Assinatura de A
Data, 18 de Maio de 2015

Sucedendo que em sede dos seus embargos alegou a ora recorrente que “nunca tinha recebido da ora recorrida, (exequente), a referida quantia de HKD$2.500.000,00”, (ou “qualquer outro dinheiro”; cfr., art. 2° e 3°, alegando, também que “nada negociou”, “nada sabendo do empréstimo”), entendeu o Tribunal Judicial de Base levar à Base Instrutória, o quesito 1° com o seguinte teor: “Nunca a embargante tinha recebido da embargada dois milhões e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$2.500.000,00)?”.

E, após julgamento, em “resposta”, consignou que “A embargante nunca recebeu da embagada a totalidade dos dois milhões e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$2.500.000,00), mencionados no título executivo referido na al. B) dos factos assentes”, justificando-a, com a existência de “provas documentais suficientes para duvidar do aludido empréstimo pela embargada efectuado à embargante”, e, servindo-se então da “prova testemunhal” produzida sobre tal matéria, chegou à convicção que levou à referida “resposta”.

Porém, como já se deixou referido, (e o Acórdão recorrido é totalmente claro sobre a solução que tal decisão mereceu), há equívoco, e, em nossa opinião, não custa esclarecer.

Pois bem, como cremos ser sabido, nos termos do disposto nos art°s 368° e 370° do C.C.M., o documento particular que não haja sido impugnado pela parte contra quem tenha sido apresentado faz “prova plena” quanto às declarações nele constantes e atribuídas ao seu autor.

Por sua vez, nos termos do art. 340° do mesmo C.C.M., a “prova plena” pode ser contrariada, havendo contudo que recorrer a outro meio de prova que não – apenas – a testemunhal, face à limitação do n.° 2 do art. 387° do dito Código.

Ou seja, não sendo impugnada a assinatura aposta em documento particular no qual se reconhece uma dívida e se assume o respectivo pagamento, o mesmo faz “prova plena” das declarações atribuídas ao seu autor, não podendo o que dele consta ser infirmado através de prova testemunhal; (cfr., art°s 368°, n.° 1, 370°, n.° 1, 387°, n°s 1 e 2, e 388° do C.C.M.).

Ora, no caso, com os atrás referidos “documentos n°s 1 e 2”, reconheceu a ora recorrente, (embargante), “uma dívida de HKD$2.500.000,00 para a com a embargada”, (ora recorrida), assumindo o seu pagamento, (com juros até 17.12.2015).

E, não tendo a embargante impugnado a “assinatura” ou “veracidade” dos ditos documentos, os mesmos fazem “prova plena” das declarações aí constantes, não podendo as mesmas ser infirmadas com prova testemunhal.

Com efeito, não se pode pois olvidar que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada”, (cfr., art. 386° do C.C.M.), mas que, por outro lado, “Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”; (cfr., art. 387°, n.° 2 do C.C.M.).

Ou seja, assente estando que determinadas confissões de dívida têm força probatória plena, não há lugar à interpretação dos contextos dos documentos, sendo, por isso, inadmissível a prova por testemunhas.

Daí, ter o Tribunal Judicial de Base justificado a sua decisão começando por invocar a existência de “documentos” que, na sua opinião, eram suficientes para ficar com “dúvidas do empréstimo”, e, recorrendo (então) à aludida “prova testemunhal” produzida em julgamento, respondeu ao “quesito 1°” da forma que já se fez constar.

Porém, e como se viu, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que a dita “prova documental”, inversamente ao que considerou o Tribunal Judicial de Base, não possuía a considerada capacidade para “suscitar dúvidas”, pois que tanto a invocada “certidão extraída do Proc. n.° CV2-16-0140-CEO”, como os “documentos de fls. 83 a 93 e 119 a 142” não contrariavam a “prova plena” resultante dos aludidos “documentos n°s 1 e 2” apresentados como título executivo.

E, assim, como cremos que se deixou explicitado, fora de hipótese estava o recurso a “depoimentos” para, em relação ao “quesito 1°”, se responder da referida forma, acertada sendo a decisão do Tribunal de Segunda Instância em decidir pela sua alteração dando o aí quesitado como “não provado”.

Com tal “alteração”, (associada às respostas dadas aos quesitos 10° e 11°), deixou a sentença do Tribunal Judicial de Base de ter qualquer fundamento de facto para a decisão aí proferida no sentido da procedência dos embargos e consequente extinção da execução, nenhum motivo existindo assim para se censurar a decisão do Tribunal de Segunda Instância em julgar procedente o recurso da exequente e embargada, devendo pois a execução que à ora recorrente instaurou prosseguir os seus normais termos.

*

Uma derradeira nota adicional se apresenta adequada.

É, a seguinte.

Não se ignora o que alega a ora recorrente no seu recurso para esta Instância.

Porém, o certo é que não se pode acolher.

Desde já, cabe referir que entra em – manifesta – contradição, pois que alega, em simultâneo, que “nada recebeu”, que de “nada sabe” e que a “dívida não existe”, mas, (por outro lado), que, pelo menos, em parte, “liquidou dívida”…

Por sua vez, alega, agora, supostos “vícios de vontade” (e “reserva mental”), e o direito a fazer prova – testemunhal – sobre os mesmos, contudo, (e para além do demais), importa dizer que tal matéria é “nova” que não pode ser objecto de conhecimento no presente recurso, (pois que, não corresponde à “versão” antes apresentada e atrás já referida de “não existir empréstimo” ou de o “ter pago”), notando-se também que não deixa de valer o que atrás se consignou.

Por fim, sendo a recorrente nascida em 1958, (cfr., fls. 21 dos Autos de Execução), provado não estando que padece de qualquer incapacidade, tendo assinado e não impugnado os “documentos n°s 1 e 2” já referidos, (assim como a “livrança” de fls. 40 dos presentes autos), e, conforme se viu, não conseguindo provar o “pagamento do empréstimo”, resta dizer que nenhuma justificação se alcança quanto ao esforço que faz com tudo o que alega sobre a “situação” que o presente litígio demonstra.

Dest’arte, em face do que se deixou exposto, resta decidir como segue.

Decisão

3. Nos termos do expendido, decide-se negar provimento ao presente recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.

Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 413 a 430 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Notificada da decisão que se deixou (integralmente) transcrita, da mesma veio a recorrente reclamar; (cfr., fls. 435 a 444).

*

Oportunamente, após adequada tramitação processual, foram os autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, (nada vindo de novo), inscritos em tabela para apreciação da referida reclamação em conferência.

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

II. Como resulta do que até aqui se deixou relatado, vem a recorrente reclamar da “decisão” pelo ora relator proferida.

E, após análise e reflexão sobre tudo o que em sede do recurso, como da presente reclamação apresentada, vem dito, evidente se nos apresenta que não se pode reconhecer razão à ora reclamante.

Na verdade, como cremos que – sem esforço – se retira do teor da decisão agora reclamada (e atrás transcrita na sua íntegra), na mesma efectuou-se uma correcta identificação e exposição da questão e matéria (relevante) sobre a qual se impunha uma pronúncia, tendo-se adoptado, de forma fundamentada, clara e adequada solução em face dos relevantes preceitos legais que sobre a mesma questão e matéria incidiam.

Vem, porém, a ora reclamante insistir nos mesmos argumentos que, em sua opinião, deviam justificar outra decisão, pedindo a inversão do decidido com a confirmação da solução a que se chegou no Tribunal Judicial de Base.

Contudo, e sem prejuízo do muito respeito pelo esforço argumentativo, (assim como por diversa opinião), cabe apenas dizer que as considerações pela ora reclamante tecidas, não constituem motivo nem fundamento legal (bastante) para se desconsiderar o que na decisão reclamada se consignou e deixou exposto, e que não se mostra de alterar; (sobre a questão e matéria, pode-se v.g., cfr., o Ac. deste T.U.I. de 26.06.2019, Proc. n.° 6/2015, assim como a título de direito comparado, os Acs. de Rel. de Coimbra de 17.12.2014 e 09.01.2018, Procs. n°s 98/11 e 8470/15, respectivamente).

Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.

Na presente reclamação, e insistindo no seu ponto de vista, volta a recorrente a afirmar que:

“xiii. Não deve deixar de ter em consideração que as testemunhas arroladas pela Recorrente serviam, precisamente, para fazer a prova de que as declarações constantes nos títulos executivos em causa, não correspondiam à realidade; ou melhor dizendo, a Recorrente teve o intuito de através da prova testemunhal fazer a prova da existência de vício de vontade nas declarações atribuídas por ela nos títulos executivos referidos nas alíneas A) e B) da matéria dos factos assentes;
xiv. Vício este que diz respeito, precisamente, à reserva mental, prevista no artigo 237.° do CC;
xv. Importa reiterar que a força probatória do documento referida no n.° 1 do artigo 370.° do CC diz respeito apenas que o declarante (no nosso caso a embargante Recorrente) fez as declarações constantes do documento, contudo, já não prova que as mesmas não estejam afectadas de algum vício susceptível de as invalidar;
xvi. Como não se faz essa prova, a Recorrente pode recorrer qualquer meio probatório, neste caso a prova testemunhal, para provar a existência do vício de vontade nas declarações constantes dos títulos executivos em causa;
xvii. Quando a Recorrente defendia, nos seus embargos, que nunca tinha recebido da embargada dois milhões e quinhentos dólares de Hong Kong, estava mesmo a dizer que as declarações atribuídas nos títulos executivos não corresponderiam a sua vontade real;
xviii. E para provar a existência desta divergência entre a declaração e a vontade, a Recorrente, não haveria outro meio probatório melhor, senão recorrer à prova testemunhal”; (cfr., fls. 441 a 441-v).

Ora, como cremos que se alcança, a recorrente, ora reclamante, labora em (manifesto) equívoco.

Com efeito, alegar que “nada sabe”, que “nada recebeu”, que a “dívida não existe”, e que, em parte, já está, ou foi “liquidada”, (para além de contraditório, pois que se nada recebeu, nada tinha de pagar), em nada equivale a um suposto “vício da vontade”, ou melhor, à alegada “reserva mental” por existência de “divergência entre a declaração e a vontade” – pois que, nos termos do art. 237°, n.° 1 do C.C.M., é esta definida como a “declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário” – e que, de todo o modo, e como igualmente também já se referiu, foi “matéria” pela ora recorrente apenas trazida em sede de resposta ao recurso pela ora recorrida apresentado da decisão do Tribunal Judicial de Base, sendo, assim, para além do demais, de considerar, (como se fez), “matéria nova”; (cfr., v.g., sobre o tema, os Acs. de 01.06.2022, Proc. n.° 13/2022 e de 17.11.2022, Proc. n.° 57/2022).

Nesta conformidade, crendo nós que esclarecido tendo ficado o equívoco em que assenta o entendimento da ora reclamante, e apresentando-se-nos que na dita decisão ora reclamada se adoptou adequada solução para as pretensões em confronto nos presentes autos e recurso, (pois que não padece a mesma de qualquer “vício” ou “irregularidade” que justifique uma sua alteração), mais não é preciso dizer para se decidir pelo total indeferimento da apresentada reclamação.

Decisão

III. Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordam indeferir a apresentada reclamação.

Custas pela reclamante com taxa de justiça de 12 UCs.

Notifique.

Macau, aos 19 de Junho de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Há uma discrepância quanto ao nome da Embargada.
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Proc. 32/2024-I Pág. 10

Proc. 32/2024-I Pág. 11