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Processo nº 33/2021
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), propôs acção ordinária contra,
- (1ª) B (乙);
- (2ª) C (丙);
- (3ª) D (丁);
- (4ª) E (戊);
- (5ª) F (己);
- (6ª) G (庚);
- (7ª) H (辛);
- (8ª) “I”, (“壬”); e,
- (9ª) “J”, (“癸”), todos com os demais sinais dos autos, e, a final, pediu que fossem as RR. solidariamente condenadas a restituir à A. a quantia de HKD$58.000.000,00, equivalente a MOP$59.856.000,00, acrescida de juros de mora vencidos à taxa anual de 9,75%, entre os dias 28.01.2013 e 17.04.2015, no valor de MOP$72.791.045,59, bem como os que se forem vencendo até ao efectivo e integral cumprimento, à mesma taxa anual; (cfr., fls. 73 a 81 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após contestação das 1ª a 5ª e 7ª a 9ª RR., (e encontrando-se a 6ª R. representada pelo Ministério Público), julgou-se a acção parcialmente procedente, decidindo-se:

“1. Absolver a 8ª Ré, I (壬), e 9ª Ré, J (癸), dos pedidos formulados pela Autora, A (甲);
2. Condenar solidariamente a 1ª Ré, B (乙), e a 6ª Ré, G (庚), a restituir à Autora a quantia de HK$20.000.000,00, acrescida de juros calculados à taxa de 9,75% ao ano, desde 28 de Janeiro de 2013 até integral e efectivo pagamento;
3. Condenar solidariamente a 2ª, C (丙), e a 6ª Ré a restituir à Autora a quantia de HK$1.000.000,00, acrescida de juros calculados à taxa de 9,75% ao ano, desde 28 de Janeiro de 2013 até integral e efectivo pagamento;
4. Condenar solidariamente a 4ª, E (戊), e a 6ª Ré a restituir à Autora a quantia de HK$3.000.000,00, acrescida de juros calculados à taxa de 9,75% ao ano, desde 28 de Janeiro de 2013 até integral e efectivo pagamento;
5. Condenar solidariamente a 3ª, D (丁), a 5ª Ré, F (己), a 6ª Ré e a 7ª Ré, H (辛), a restituir à Autora a quantia de HK$15.000.000,00, acrescida de juros calculados à taxa de 9,75% ao ano, desde 28 de Janeiro de 2013 até integral e efectivo pagamento;
6. Condenar a 6ª Ré a restituir à Autora a quantia de HK$10.000.000,00, acrescida de juros calculados à taxa de 9,75% ao ano, desde 28 de Janeiro de 2013 até integral e efectivo pagamento”; (cfr., fls. 1154 a 1167-v).

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Inconformadas com a dita sentença, da mesma recorreram a A. e as 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª RR.; (cfr., fls. 1255 a 1280, 1230 a 1241, 1243 a 1253, 1216 a 1229 e 1300 a 1312).

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Por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.10.2020, (Proc. n.° 419/2020), decidiu-se:

“- Negar provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório de fls. 755;
- Conceder provimento parcial ao recurso da Autora e em consequência alterar as respostas dadas aos quesitos 5º e 40º da base instrutória as quais passam a ser as seguintes:
Quesito 5º:
«Provado apenas que 8ª Ré exerce a sua actividade de promoção de jogos numa sala VIP, sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de “I” ou “壬貴賓廳”.».
Quesito 40º:
«Provado apenas que foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7ª Ré, estando ao serviço numa das salas V.I.P. da 8ª Ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro.»;
- Negar provimento ao recurso da Autora na parte restante;
- Negar provimento aos recursos interpostos pelas 1ª a 5ª e 7ª Rés.
Custas a cargo da Autora Recorrente quanto ao recurso interlocutório e na proporção de 4/5 quanto ao recurso por si interposto da decisão final dado que em parte obteve vencimento, e a cargo das 1ª a 5ª e 7ª Rés quanto aos recursos por si interpostos.
Registe e Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 1675 a 1710).

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Ainda não conformadas, vieram a A. e as 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª RR. recorrer para este Tribunal de Última Instância.

A A. – “A”, (“甲”) – apresentou as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente considera que foram incorrectamente julgados os factos mencionados nos quesitos 5.° da Base instrutória, por um lado, por ter ocorrido contradição entre os factos provados e não provados no quesito 5.°;
2. Considera a ora Recorrente que existem contradições entre os factos provados e a parte final (não provada) do quesito 40.° e os quesitos 2.°,9.°,10.°,16.°,17.° 19.° e 21.° da Base instrutória;
3. Considera-se incorrecto que tenham sido julgados não provados na totalidade os quesitos 5.° e 41.° da Base instrutória, pois estes factos foram expressamente confessados na contestação das 7.ª e 8.ª Rés, mostrando-se, por isso, violados os artigos 349.°, n.° 1, 351.°, n.° 1 do Código Civil e o artigo 80.° do Código de Processo Civil;
4. Determina o artigo 639.° do Código de Processo Civil que o recurso para o Tribunal de Última Instância pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo, bem como a nulidade do acórdão recorrido;
5. A ora Recorrente entende que o douto Acórdão recorrido violou o n.° 1 do artigo 349.°, o n.° 1 do artigo 351.° ambos do Código Civil, o artigo 80.° do Código de Processo Civil, os artigos 2.°, n.° 1, al. 6); 23.°; 29.°, n.° 5 da Lei 16/2001 e os artigos 1.°; 17.°, n.° 2; 23.°, n.° 1; 24.°, n.os 1 e 2; 26.°; 27.°, n.° 1; 28.°; 29.°; 30.° e 32.°, al. 6) do Regulamento Administrativo n.° 6/2002;
6. Acrescenta o 649.°, n.° 2 do Código de Processo Civil que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova;
7. O artigo 650.°, n.° 1 do Código de Processo Civil prevê que se entender que a matéria de facto pode e deve ser ampliada para fundamentar a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão de facto que inviabilizam a decisão de direito, o Tribunal de Última Instância manda julgar novamente a causa no Tribunal de Segunda Instância;
8. O Tribunal de Segunda Instância mantém a decisão do Tribunal Judicial de Base sobre a restante matéria de facto, por ter julgado não provadas a parte que refere que a actividade de promoção de jogos da 8.ª Ré foi exercida "em benefício da 9.ª Ré ao abrigo de um acordo de promoção de jogo similar, tendo esta, para esses efeito, concedido à 8.ª Ré a operação de uma sala VIP." (quesito 5.° da base instrutória);
9. por ter julgado não provada a parte final do quesito 40.° da base instrutória, ou seja, que no âmbito da actividade de promoção de jogo que a 7.a Ré, estando ao serviço numa das salas VIP da 8.ª, sita no Casino J, recebeu fichas "da 6.ª Ré." ou "por instruções da 6.a Ré";
10. por ter julgado não provado o quesito 41.° da base Instrutória, que foi confessado pelas 7.ª e 8.ª Rés no artigo 19.° da sua contestação: "(…) que tais fichas e dinheiro seriam creditados para apostas para jogo a favor de uma terceira pessoa que iria reclamar e levantar na outra sala VIP da titularidade da 8.ª Ré sita no [Casino(2)], as referidas fichas e dinheiro.";
11. Como resulta dos factos provados nos quesitos 9.°, 10.°, 16.°, 19.° e 21.°, as 1.ª a 6.ª Rés, abusando da sua qualidade de empregadas da Recorrente, e em comunhão de esforços com a 7.ª Ré, empregada e gerente ao serviço da 8.ª Ré, levantaram, sem o conhecimento nem autorização da Autora, fichas de jogo desta para as depositarem na Sala VIP I operada pela 8.ª Ré dentro do Casino J em Macau;
12. Não restam dúvidas que a sala VIP operada pela 8.ª Ré, à qual foi dada a designação de "I" ou "壬貴賓廳" está localizada no interior do Casino J em Macau;
13. E como se vê nas filmagens recolhidas pelo sistema de vigilância da 9.ª Ré acima referidas, a sala VIP I fica junto a um corredor público do Casino J, o que permitia que as Rés entrassem e saíssem daquela sala sem qualquer limitação ao público, nomeadamente a quaisquer jogadores que se encontrassem no Casino;
14. Assim é notório que: a operação desta sala dentro do Casino J, em Macau, era de acesso livre ao público em geral; que, na sala VIP I, a 8.ª explorava jogos de fortuna ou azar, onde os clientes do Casino podiam jogar; que na sala VIP I, trabalham os croupiers, empregados da 9.ª Ré, e eram jogadas as fichas do Casino J; e que a sala VIP I era vigiada pelo sistema de vigilância CCTV da 9.ª Ré;
15. É completamente inaceitável e impossível que a 9.ª Ré desconhecesse a existência e o funcionamento da sala VIP I e a actividade de promoção de jogo exercida pela 8.ª Ré dentro do seu Casino, num espaço aberto ao público - pois não se tratava de uma sala VIP escondida secretamente num quarto do Hotel ou numa zona de acesso vedado ao público;
16. É claro que a actividade de promoção de jogos e o espaço onde a 8.ª Ré exercia essa actividade foram autorizados pela 9.ª Ré e que foi a 9.ª Ré que concedeu à 8.ª Ré a operação de uma sala VIP;
17. Não é possível que a 8.ª Ré exercesse a sua actividade de promoção de jogos numa sala VIP do Casino J, em Macau, em benefício de outra entidade que não a concessionária do Casino J, local onde a 8.ª Ré operava a dita sala de jogo VIP;
18. Se a 8.ª Ré exercia a sua actividade de promoção de jogos numa sala VIP, sita no Casino J, em Macau, a entidade beneficiária da actividade de promoção de jogos exercida pela 8.ª Ré não pode ser qualquer outra das concessionárias ou subconcessionárias da exploração de jogos de fortuna ou azar em Macau;
19. Segundo os factos provados, os preceitos das leis de jogo referidas e o raciocínio acima disposto, a única resposta a dar em relação à parte final do quesito 5.° da base instrutória é a de que a actividade de promoção de jogos exercida pela 8.ª Ré era em benefício da 9.ª Ré, J, a concessionária do Casino J;
20. As 7.ª e 8.ª Rés confessaram expressamente na sua contestação de fls. 289 e 292, nos artigos 1.°, 12.° a 15.° e 19.° que a 8.ª Ré exercia, na sala VIP I no Casino J Macau, uma actividade de jogo similar à dos promotores de jogo em benefício da 9.ª Ré ao abrigo de um contrato de promoção de jogo, similar ao da Autora, de modo autónomo e independentemente de quem quer seja; que foi no âmbito dessa actividade de jogo que 7.ª Ré, estando ao serviço numa das salas VIP da 8.ª Co-Ré, sita no Casino J, recebeu as fichas e que essas fichas eram destinadas a serem usadas em apostas para jogo na sala VIP da 8.ª Ré no [Casino(2)];
21. Com os factos mencionados deve ser dado como provado que a 8.ª Ré exercia a sua actividade de promoção de jogos em benefício da 9.ª Ré, tendo esta, para esses efeito, concedido à 8.ª Ré a operação de uma sala VIP sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de "I" ou "壬貴賓廳", eliminando-se, nestes termos, a contradição entre o quesito 5.° e os restantes factos provados da base instrutória;
22. Da mesma forma, que deve ser dado como provado o quesito 41.°, uma vez que o mesmo foi expressamente confessado pelas 7.ª e 8.ª Rés nos artigos 13.°, 14.°, 15.° e 19.° da sua contestação;
23. O Tribunal a quo, ignorou a confissão judicial das 7.ª e 8.ª Rés, ao não ter dado como integralmente provados os quesitos 5.° e 41.° da base instrutória, pois o n.° 1 do artigo 349.° do Código Civil estipula que a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo;
24. Acrescenta o n.° 1 do artigo 351.° do Código Civil, que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o(s) confitente(s);
25. Resulta dos artigos 2.°, n.° 1, al. 6); 23.°; 29.°, n.° 5 da Lei 16/2001 e dos artigos 1.°; 17.°, n.° 2; 23.°, n.° 1; 24.°, n.os 1 e 2; 26.°; 27.°, n.° 1; 28.°; 29.°; 30.° e 32.°, al. 6) do Regulamento Administrativo n.° 6/2002, que as entidades que exercem actividade de promoção de jogo o fazem em benefício da concessionária onde exercem essa actividade;
26. Uma actividade de promoção de jogos exercida num casino de uma concessionária é necessariamente, para todos os efeitos, incluindo efeitos fiscais, considerada como tendo sido realizada em benefício da concessionária onde essa actividade foi exercida;
27. Quanto ao quesito 40.° da base instrutória, ainda que o Tribunal a quo não tenha considerado provado que, "foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7.ª Ré, estando ao serviço numa das salas VIP da 8.ª Ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro da 6.ª Ré.", ainda assim, deveria ter sido dado como provado que a entrega das fichas na sala de jogo VIP da 8.ª Ré foi ordenada pela 6.ª Ré;
28. o quesito 40.° da base instrutória, tal como consta da redacção determinada na decisão do Tribunal recorrido, exclui qual a origem das fichas depositadas na sala VIP da 8.ª Ré no Casino J, em Macau, circunstância que deve ser corrigida;
29. A maioria das fichas retiradas da tesouraria da Autora foram depositadas na conta da 7.ª Ré, na sala VIP da I no Casino J Macau, tal como resulta do registo de depósitos da sala VIP da I na conta da 7.ª Ré, também conhecida como H1, a fls. 407 dos autos;
30. Como Tribunal a quo entendeu e bem que, na pág. 69 da decisão recorrida quando negou provimento ao recurso interposto pela 7.ª Ré: Dever esse acrescido pela responsabilidade de ser uma pessoa com uma posição de responsabilidade numa sala VIP e que tem consciência das normas e das regras de segurança quanto às obrigações para evitar fraudes e lavagem de dinheiro;
31. Foi precisamente essa qualidade de gerente da 7.ª Ré e no âmbito da sua actividade de promoção de jogo, que permitiu que as fichas retiradas ilicitamente da caixa da Autora fossem depositadas na caixa da 8.ª Ré, sem terem sido emitidos os correspondentes recibos e as declarações de proveniência dos valores depositados;
32. Acresce que, algumas fichas foram também depositadas numa conta aberta em nome de 皇冠壬 (Crown I) na sala VIP I (cfr. factos provados no quesito 19.° e 21.° da base instrutória), o que demonstra que os depósitos das fichas de jogo da Autora não foram recebidos na sala de jogo da 8.ª Ré no interesse exclusivo da 7.ª Ré, mas sim no âmbito da sua actividade de promoção de jogo, pois as fichas de jogo foram depositadas numa conta aberta em nome de 皇冠壬 (Crown I) e não da 7.ª Ré;
33. Facto que também deve ser ponderado para ser dado como integralmente provado o quesito 41.° da base instrutória, que refere as fichas foram transferidas para outra sala de jogo VIP da 8.a Ré sita no [Casino(2)] (anteriormente designado Crown, "皇冠") ;
34. Não restam dúvidas que todos os depósitos feitos na sala VIP I da 8.ª Ré, foram recebidos pela 7.ª Ré no âmbito da actividade de promoção de jogo da 8.ª Ré como consta no ponto 11 do recurso da 7.ª Ré de fls. 1298 a 1314, onde volta a confessar que a abertura de uma conta em seu nome na sala VIP I estava ligada as suas funções de gerente;
35. deve considerar-se provado que "Foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7.ª Ré, estando ao serviço numa das salas VIP da 8.ª Ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro, incluindo os da 6.a Ré." ou "por instruções da 6.ª Ré.";
36. De facto, todas as fichas ilicitamente retiradas da tesouraria da Recorrente foram depositadas na tesouraria da 8.ª Ré, de acordo com um plano executado em comunhão de esforço das 1.ª a 7.ª Rés;
37. Deve considerar-se que foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7.ª Ré, estando ao serviço na sala VIP da 8.ª Ré, sita no Casino J, recebeu fichas ilicitamente retiradas da sala de jogo da Autora;
38. Esses factos ilícitos e os prejuízos verificados na esfera patrimonial da Autora só se verificaram porque a 9.ª Ré permitiu, no seu Casino, a actividade de operação de jogos pela 8.ª Ré na sala VIP denominada "I";
39. Note-se que a 9.ª Ré, comunicou ao Tribunal a quo, a fls. 530 dos autos, já depois da fase dos articulados, que a J não tem qualquer contrato de promoção de jogos com a sociedade I (8.ª Ré nos autos), nem possui quaisquer documentos relativos à escrita comercial da 8.ª Ré;
40. que foi inicialmente indicado pela 9.a Ré, no início das investigações policiais sobre os referidos levantamentos das fichas de jogo da Autora e dos depósitos nas salas de jogo da 8.ª Ré, que a promotora da sala VIP denominada "I" era a 8.ª Ré, facto que foi confessado pelas 7.ª e 8.ª Rés na sua contestação e que a 9.ª Ré optou por só contrariar após a fase dos articulados;
41. Contudo, apesar de não ter sido emitida licença para uma actividade de jogo, é incontestável que a 8.ª Ré estava a operar uma sala VIP de jogo, denominada I dentro do Casino da J, com o consentimento e em benefício da 9.ª Ré;
42. Situação que configura uma clara violação do disposto nos artigos 2.°, n.° 1, al. 6); 23.°; 29.°, n.° 5 da Lei 16/2001 e nos artigos 1.°; 17.°, n.° 2; 23.°, n.° 1; 24.°, n.os 1 e 2; 26.°; 27.°, n.° 1; 28.°; 29.°; 30.° e 32.°, al. 6) do Regulamento Administrativo n.° 6/2002;
43. Quanto à relação que a 8.ª Ré mantém com a 9.ª Ré, importa salientar que a confissão prestada pela 8.ª Ré, na sua contestação, demonstra que esta operava a sala de jogo I sita no Casino J, como é corroborado pela junção dos documentos de fls. 407 a 474 pela 8.ª Ré, que demonstram que se tratava de uma actividade de jogo desenvolvida pela 8.ª Ré no Casino J da 9.ª Ré;
44. A actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino como está definida no artigo 2.° do Regulamento Administrativo, é aquela que visa promover jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino, junto de jogadores, através da atribuição de facilidades, nomeadamente de transporte, alojamento, alimentação e entretenimento em contrapartida de uma comissão ou outra remuneração paga por uma concessionária;
45. Para apurar a responsabilidade das 7.ª, 8.ª e 9.ª Rés, não é crucial saber se foi através da celebração um contrato (formal) de promoção de jogo, ou de outro tipo de acordo ou contrato, entre a 8.ª Ré e a 9.ª Ré, que esta concedeu à 8.ª Ré a operação de uma Sala VIP, sita no Casino J em Macau;
46. Saber se a 8.ª Ré era uma promotora de jogo licenciada, ou não, nos termos dos artigos 6.° e ss. do Regulamento Administrativo n.° 6/2002 (tal como foi inicialmente indicado à Autora e foi também confessado pelas 7.ª e 8.ª Rés) é apenas relevante para certificar a ilegalidade de uma actividade de jogo numa sala de jogo sita no Casino J de Macau com o mesmo nome da 8.ª Ré, ao arrepio das normas legais;
47. Mesmo que a 8.ª não esteja licenciada para exercer uma actividade de jogo, nada impede que a natureza jurídica dessa actividade na sala de jogo sita no Casino J seja qualificada como actividade de jogo, nos termos do artigo 2.° do Regulamento Administrativo;
48. De resto, se a concessionária de exploração de jogos é responsável pelas actividades exercidas pelos promotores de jogos nos seus casinos - tal como tem sido entendimento deste Tribunal, vg. Acórdão n.° 840/2017, proferido em 11 de Julho de 2019 - também tem de ser responsável pelas actividades exercidas nos seus casinos por entidades não licenciadas mas, ainda assim, autorizadas pelas concessionárias;
49. A actividade dos promotores de jogo e dos colaboradores está preceituada no artigo 17.°, sendo que o artigo 31.° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002, refere que as sociedades promotoras de jogos de fortuna ou azar, como era o caso da 8.ª Ré, mesmo que não licenciada, são solidariamente responsáveis com os seus empregados e colaboradores pelas actividades desenvolvidas por estes nos casinos;
50. Por outro lado, a 9.ª Ré beneficiou dos depósitos realizados na sala de jogo VIP da I e, para isso, a 8.ª Ré fornecia informação ao Casino J sobre todos os depósitos de fichas e numerário, tal como foi confessado por aquela;
51. A 8.ª Ré desenvolveu a sua actividade sem um contrato formal de promoção de jogos com a 9.ª Ré, e o facto de a 8.ª operar a Sala VIP de jogo I sita neste casino, teve reflexo directo e concreto na actividade da exploração de jogo da 9.ª Ré como concessionária, nomeadamente, para efeito da divisão das receitas de jogo naquela sala VIP;
52. Nos termos previstos na Lei n.° 16/2001 e no Regulamento Administrativo n.° 6/2002, designadamente os artigos 30.° e 32.° deste último diploma, impende sobre a 9.ª Ré a obrigação legal de fiscalizar e supervisionar a actividade de jogo da 8.ª Ré no seu Casino;
53. Nos termos do artigo 29.° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002, as Concessionárias, como é o caso da 9.ª Ré, são solidariamente responsáveis pelas actividades desenvolvidas nos casinos pelas promotoras de jogo, seus administradores e colaboradores (note-se que, mesmo que a 8.ª Ré não seja uma promotora de jogo licenciada, desenvolvia essa actividade em benefício da 9.ª Ré e no limite tem de ser considerada como colaboradora dessa actividade de promoção);
54. No que toca à responsabilidade estipula o artigo 493.°, n.° 1 do Código Civil, que o comitente responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaía também a obrigação de indemnizar;
55. Pelo que a 8.ª e 9.ª Rés são solidariamente responsáveis, com as restantes Rés, pela restituição à Autora das fichas de jogo ou do seu valor monetário equivalente a HKD$25.000.000,00, acrescidos dos juros de mora, quantia correspondente ao total do valor das fichas de jogo que foram retiradas da sala de jogo VIP que opera no Casino da 9.ª Ré, nos termos de todos os diplomas normativos acima mencionados;
56. O Tribunal a quo, na sua decisão em crise, proferida em 15 de Outubro de 2020, violou o n.° 1 do artigo 349.°, o n.° 1 do artigo 351.° ambos do Código Civil, o artigo 80.° do Código de Processo Civil, os artigos 2.°, n.° 1, al. 6); 23.°; 29.°, n.° 5 da Lei 16/2001 e os artigos 1.°; 17.°, n.° 2; 23.°, n.° 1; 24.°, n.os 1 e 2; 26.°; 27.°, n.° 1; 28.°; 29.°; 30.° e 32.°, al. 6) do Regulamento Administrativo n.° 6/2002”; (cfr., fls. 1765 a 1800).

As 2ª, 3ª e 4ª RR., C (丙), D (丁), e E (戊), produziram, por sua vez, as conclusões seguintes:

“1. Inconformadas com o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, dele vieram recorrer as Recorrentes para esse Tribunal;
Erro na interpretação e aplicação do art.º 477º do Código Civil
Da culpa
2. Salvo o devido respeito, as Recorrentes não se conformam com a tese exposta na página 63 do acórdão recorrido;
3. No entendimento das três Recorrentes, existe erro na conclusão tirada dos factos provados nos autos pelo Tribunal recorrido, que defende a existência da culpa das Recorrentes. De acordo com o ponto 2 do sumário do acórdão proferido por esse Tribunal no processo n.º 20/2012, compete a esse Tribunal julgar a matéria sobre a existência ou não da culpa das Recorrentes;
4. In casu, com efeito, foram parcialmente provados os 31º-35º factos da base instrutória e não foram provados os 38º e 39º factos no despacho saneador, porém isto não significa que os factos provados sejam suficientes para a conclusão da existência da culpa das Recorrentes;
5. O 27º facto da base instrutória demonstra que, em 22 e 28 de Janeiro de 2013, a 6ª Ré era gerente da tesouraria da sala VIP da Recorrida;
6. Os 31º e 33º factos da base instrutória demonstram que a categoria da 6ª Ré era mais alta que a das 2ª e 4ª Recorrentes, no momento em que trabalhavam para a Recorrida;
7. Ademais, conforme os contratos de trabalho constantes dos Doc. 5 a Doc. 7 e Doc. 9 da petição inicial, as três Recorrentes exerciam funções de trabalhadores da tesouraria da Recorrida; e, na ocorrência dos factos, as 2ª e 4ª Recorrentes eram subchefes da tesouraria, a 3ª Recorrente era trabalhadora da tesouraria e a 6ª Ré era gerente da tesouraria;
8. Daí se vislumbra que as três Recorrentes e a 6ª Ré trabalhavam na tesouraria da Recorrida, a categoria da 6ª Ré era mais alta que a das Recorrentes, sendo superior das mesmas, a par disso, a categoria da 3ª Recorrente era mais baixa, sendo mera trabalhadora da tesouraria;
9. O 34º facto da base instrutória demonstra que no registo de transferência de fichas nas contas dos clientes da Autora, K (甲甲) e L (甲乙), (designado vulgarmente por “Grande caderno (大簿)”) está escrito o seguinte: “Só o mano M, G podem mexer”;
10. No registo de transferência de fichas nas contas dos clientes da Recorrida, K (甲甲) e L (甲乙), (designado vulgarmente por “Grande caderno (大簿)”), constante do Doc. 10 da petição inicial, está escrito o seguinte: “Só o mano M, G podem mexer”; e, conforme a certidão do registo comercial constante do Doc. 1 da petição inicial, M (甲丙) é sócio e administrador da Recorrida;
11. Daí se vislumbra que, com base na expressão – “Só o mano M, G podem mexer” – escrita no “Grande caderno (大簿)” e demonstrada pelo 34º facto da base instrutória, G é a 6ª Ré G (庚), enquanto mano M é o sócio e administrador da Recorrida, M (甲丙);
12. Como acima mencionado, a 6ª Ré exercia funções de gerente da tesouraria da Autora e, conforme o estatuto da Recorrida e a descrição deixada no “Grande caderno (大簿)”, M (甲丙), sendo sócio e administrador da Recorrida, pode, juntamente com a gerente da tesouraria (ora 6ª Ré), usar as fichas dos clientes registados no “Grande caderno (大簿)” em causa;
13. Ou seja, nos termos da alínea a) do n.º 6 do art.º 6º do estatuto da Recorrida referido na certidão do registo comercial constante do Doc. 1 da petição inicial, à 6ª Ré, sendo gerente da tesouraria, é conferido o poder de usar directamente as fichas dos clientes registados no “Grande caderno (大簿)” em causa;
14. Além disso, a palavra “só” da expressão – “Só o mano M, G podem mexer” – descrita no “Grande caderno (大簿)” mostra evidentemente que só M (甲丙) e a 6ª Ré podem usar as fichas dos clientes registados no aludido “Grande caderno (大簿)”, e outras pessoas não têm o poder de usar as fichas dos clientes registados no “Grande caderno (大簿)”;
15. Daí se vislumbra que a 6ª Ré, sendo superior das três Recorrentes, tem o poder funcional de lhes ordenar a tratar das fichas dos clientes registados no “Grande caderno (大簿)”;
16. Nos termos do art.º 11º, n.º 1, al. 4), e n.º 2 da Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho) e segundo as experiências quotidianas, a 6ª Ré, sendo superior das três Recorrentes, pode dar-lhes instruções de trabalho e, por seu turno, as Recorrentes têm de cumprir as instruções de trabalho dadas pela 6ª Ré. Geralmente, um “trabalhador simples” não contraria as instruções de trabalho dadas pelo superior nem pergunta ao superior sobre a finalidade das instruções, apenas trabalha consoante as instruções do superior;
17. Os 6º a 8º, 14º a 18º, 21º e 23º factos da base instrutória demonstram que a 6ª Ré deu instruções às três Recorrentes para levantarem as fichas da sala VIP da Recorrida;
18. Daí se vislumbra que os factos da base instrutória demonstram meramente que as três Recorrentes praticaram o acto em questão em conformidade com as instruções dadas pela 6ª Ré, isto é, como a 6ª Ré era superior das Recorrentes e era gerente da tesouraria da Recorrida, as Recorrentes apenas praticaram o acto em causa consoante as instruções dadas pela 6ª Ré;
19. Por outro lado, tanto os factos provados como os factos da base instrutória não indicam quais benefícios tenham sido obtidos pelas Recorrentes pela prática do acto em causa, ou seja, não indicam que as fichas em causa tenham sido apropriadas pelas Recorrentes. O valor das fichas em causa é consideravelmente elevado, por isso, é impossível que as Recorrentes não sejam beneficiadas se o acto em causa não for praticado pelas mesmas em mero cumprimento das instruções dadas pela 6ª Ré, mas sim praticado intencionalmente pelas mesmas em cooperação com a 6ª Ré;
20. À luz do padrão de culpa abstracto, se se encaixar uma pessoa qualquer na situação das três Recorrentes, constata-se que um “trabalhador simples” não contraria as instruções de trabalho dadas pelo superior nem pergunta ao superior sobre a finalidade das instruções, apenas trabalha consoante as instruções do superior;
21. Ora, da análise lógica realizada com base nos factos provados não se tira a conclusão da existência da culpa das Recorrentes;
22. Por outro lado, dos factos provados, apenas a resposta ao 23º facto da base instrutória toca no assunto relativo à 3ª Recorrente, na qual se indica que a 6ª Ré deu instruções à 3ª Recorrente para praticar o acto em causa em colaboração com ela. Como acima mencionado, a categoria da 3ª Recorrente era a mais baixa entre outras recorrentes, sendo a mera trabalhadora da tesouraria, e, segundo as experiências quotidianas, um trabalhador de categoria mais baixa apenas é capaz de cumprir as instruções do superior, pelo que não se verifica nenhuma culpa da 3ª Recorrente;
23. Nesta conformidade, evidentemente, o Tribunal recorrido não efectuou a análise lógica com base nos factos provados e nas provas documentais constantes dos autos, e, em consequência, concluiu erradamente que existia culpa das três Recorrentes (mormente da 3ª Recorrente), verificando-se o erro na interpretação e aplicação do art.º 480º do Código Civil cometido pelo acórdão recorrido.

Do dano
24. Salvo o devido respeito, as Recorrentes não se conformam com a tese exposta na página 64 do acórdão recorrido;
25. Na verdade, as Recorrentes invocaram na contestação que, de acordo com o contexto da petição inicial, as fichas em causa tinham sido levantadas das contas dos clientes da sala VIP da Recorrida, pelo que o acto em questão causou dano aos clientes da sala VIP da Recorrida e não à Recorrida;
26. Face a isto, o Tribunal a quo proferiu o despacho de fls. 344 dos autos. As Recorrentes concordam perfeitamente com a opinião do Tribunal a quo. Segundo as experiências quotidianas, há dois meios de obtenção de fichas na sala VIP: 1. O jogador adquire pessoalmente fichas na sala VIP para jogar; 2. O jogador cria uma conta na sala VIP e nela deposita fichas, e basta levantar as fichas da sua conta quando for necessário;
27. A diferença entre estes dois meios é o seguinte: No primeiro caso, se as 1ª a 6ª Rés falsificarem o registo de aquisição de fichas na sala VIP pelos clientes e tirarem as fichas da mesma sala, a sala VIP (ora Recorrida) será a danificada verdadeira e directa;
28. No segundo caso, se 1ª a 6ª Rés falsificarem o registo de levantamento de fichas pelos clientes das suas contas abertas na sala VIP e tirarem as fichas das contas dos clientes, os clientes serão os danificados verdadeiros e directos, visto que os clientes abriram contas na sala VIP e nelas depositaram fichas, sendo proprietários das aludidas fichas, a par disso, o levantamento das fichas não depende do consentimento da sala VIP, mas sim exclusivamente do consentimento dos clientes. O levantamento das fichas da conta dos clientes sem o consentimento dos mesmos ofende evidentemente o direito de propriedade dos clientes sobre as fichas e não o direito da sala VIP (ora Recorrida). O eventual dano que vier a ser sofrido pela Recorrida é apenas o dano resultante da indemnização paga aos clientes devido ao assunto;
29. Por outras palavras, só no primeiro caso é que a Recorrida tem legitimidade substantiva para propor a presente acção;
30. No segundo caso, os clientes têm legitimidade substantiva para propor a presente acção, excepto quando a Recorrida tenha indemnizado os clientes, ficando sub-rogada no crédito, esta passa a ter legitimidade substantiva para propor a presente acção.
31. Face ao despacho de fls. 344 dos autos, a Recorrida formulou a resposta de fls. 347 a 348, sanando os 28º e 31º factos descritos na petição inicial;
32. Tais factos foram seleccionados para se tornarem 22º, 24º e 25º factos da base instrutória do despacho saneador, contudo, não foram dados como provados após a audiência de julgamento;
33. Ora, não foram provados os factos relativos à alteração do registo do levantamento das fichas das contas dos clientes da Recorrida feita pelas 1ª a 6ª Rés;
34. Com efeito, os 6º a 8º, 14º a 18º, 21º e 23º factos da base instrutória apenas demonstram que a 6ª Ré deu instruções às três Recorrentes para levantarem fichas da sala VIP da Recorrida;
35. Como acima mencionado, as Recorrentes deduziram a respectiva excepção na contestação e, por despacho de fls. 344 dos autos, o Tribunal a quo procedeu à interpretação, pedindo a sanação. Daí se vislumbra que isto não é uma inferência das Recorrentes, mas sim um facto relevante para o caso. Como os 28º e 31º factos da petição inicial sanados pela Recorrida não foram, enfim, dados como provados, os factos provados não revelam claramente se no caso se trata dum levantamento das fichas pertencentes à Recorrida feito directamente na sala VIP da Recorrida ou dum levantamento das fichas pertencentes aos clientes feito nas contas abertas pelos clientes da Recorrida na sala VIP;
36. Ou seja, os factos provados não mostram claramente se as fichas pertenciam à Recorrida ou aos clientes da Recorrida;
37. Como acima mencionado, há diferença entre esses dois casos, se se tratar dum levantamento das fichas pertencentes aos clientes feito nas contas dos mesmos, os danificados verdadeiros serão os clientes e não será a Recorrida, assim, a legitimidade substantiva caberá aos clientes e não à Recorrida. Nenhum dos factos provados indica que a Recorrida tenha indemnizado os clientes, ou os clientes tenham procedido, por qualquer meio, à cobrança de indemnização à Recorrida;
38. Deste modo, não se deve concluir meramente de acordo com a tese do Tribunal recorrido que defende que os factos provados demonstram que a Recorrida foi danificada por as fichas em causa terem sido tiradas da sala VIP da Recorrida;
39. Evidentemente, o Tribunal recorrido não efectuou a análise lógica com base nos factos provados, e, em consequência, concluiu erradamente que a Recorrida era danificada;
40. Pelo exposto, por não se verificarem os elementos constitutivos da culpa e dano na responsabilidade civil extracontratual, o acórdão recorrido cometeu manifestamente erro na interpretação e aplicação do art.º 477º, n.º 1 do Código Civil.

A discordância com isto
Implica o desrespeito ao processo de uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 do Tribunal de Última Instância
41. Salvo o devido respeito, as Recorrentes não se conformam com a tese exposta nas páginas 65 a 66 do acórdão recorrido;
42. Sam margem de dúvidas, no caso sub judice, a Recorrida pediu, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual (por factos ilícitos), às Recorrentes que assumissem a respectiva responsabilidade pela indemnização;
43. É indispensável prestar atenção a que, na petição inicial, a Recorrida pediu que fossem condenadas as Recorrentes pagassem solidariamente e juntamente com as demais Rés o montante de HKD58.000.000,00;
44. Finda a audiência de julgamento, o Tribunal a quo apenas julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora, o que se revela que a decisão final do Tribunal a quo é distinta da quantia solicitada pela Autora na petição inicial;
45. Por outras palavras, existe controvérsia na quantia em causa, ou seja, a quantia ainda não está liquidada e só será determinada a quantia a pagar pelas Recorrentes aquando da decisão do Tribunal a quo;
46. Por outro lado, conforme os casos penais relativos aos crimes de abuso de confiança/de furto julgados pelos Tribunais, nas decisões sobre a indemnização por factos ilícitos proferidas nos processos penais com enxerto cível, os juros de mora foram calculados a partir da prolação da decisão e não da prática do facto ilícito;
47. Deste modo, a condenação das Recorrentes feita no acórdão recorrido em relação aos juros de mora desrespeitou manifestamente o processo de uniformização de jurisprudência n.º 69/2010 do Tribunal de Última Instância”; (cfr., fls. 1725 a 1733-v e 4 a 15 do Apenso).

A 5ª R., F (己), alegou e concluiu nos seguintes termos:

“1. In casu, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Recorrente;
2. Assim sendo, o acórdão recorrido manteve a decisão do Tribunal Judicial de Base que condenou a Recorrente, a 3ª, a 6ª e a 7ª Rés a restituírem solidariamente à Autora o montante de HKD15.000.000,00, acrescido de juros, à taxa anual de 9,75%, contados a partir de 28 de Janeiro de 2013 até integral e efectivo pagamento;
3. O presente recurso fundamenta-se em: Verifica-se contradição no acórdão recorrido por ter apreciado incorrectamente a matéria de facto seguinte, inviabilizando a decisão de direito:
- Concorda com o facto dado como provado pelo TJB no que diz respeito ao abuso, por parte da Recorrente, de qualificações empregadas pela da Autora;
- Concorda com o facto dado como provado pelo TJB no que diz respeito a que as competências conferidas à 6ª Ré não abrangem a emissão da ordem à Recorrente para tratar das fichas da tesouraria da Autora e movimentar o dinheiro existente nas contas dos clientes;
4. Por um lado, como foi dado como provado no acórdão do TJB, o acórdão recorrido entendeu que os poderes conferidos pela Autora à 6ª Ré não eram ilimitados, mas, em conjugação com os depoimentos das testemunhas citados, admitiu que um dos poderes conferidos pela Autora à 6ª Ré consistia em que, com a observância de determinados processos e trâmites, os trabalhadores da tesouraria podiam, conforme as instruções e ordens dadas pela 6ª Ré, levar as fichas da tesouraria da Autora para fora da tesouraria;
5. Por outro lado, como foi dado como provado no acórdão do TJB, o acórdão recorrido, por fim, entendeu que a Autora, ao recrutar a 6ª Ré, não lhe tinha conferido o poder de ordenar à 5ª Ré para tratar das fichas da tesouraria da Autora e movimentar o dinheiro existente nas contas dos clientes, bem como concluiu que as primeiras seis Rés tinham praticado o abuso de qualificações empregadas pela Autora;
6. Outrossim, como foi dado como provado no acórdão do TJB, com base no vídeo onde se revela que as Rés, usando folhas de papel, envelopes ou envelopes kraft para efeitos de dissimulação, trataram das fichas nas gavetas e levaram-nas para fora da tesouraria da Autora, o acórdão recorrido invocou os supracitados fundamentos e formou a convicção que concluiu que as Rés tinham a intenção de evitar serem capturadas pela câmara de vídeo;
7. Como o acórdão recorrido concordou com o acórdão do TJB, face ao acto de tratamento das fichas praticado pela Recorrente, os actos praticados pela mesma foram, mera e geralmente, classificados como actos com o fim de evitar ser capturada pela câmara de vídeo e, em consequência, concluiu-se que havia abuso, por parte da Recorrente, de qualificações empregadas pela da Autora;
8. Na verdade, os actos praticados pela Recorrente não deviam nem podiam revelar a intenção de evitar ser capturada pela câmara de vídeo, mas o acórdão recorrido não deu uma explicação quanto a isto.
9. Por conseguinte, como o acórdão do TJB, o acórdão recorrido ignorou o assunto em apreço;
10. Por acórdão recorrido ter ignorado o aludido assunto, verificam-se inevitavelmente deficiência e contradição no conteúdo do acórdão em causa;
11. Sem margem de dúvidas, se o acórdão recorrido não tiver essa ignorância, não se verificarão inexactidões (deficiência e contradição) no conteúdo do acórdão, bem como não será dado como provado o facto de que à 6ª Ré não competia a emissão da ordem à Recorrente para tratar das fichas, concluindo-se consequentemente que existia o abuso, por parte da Recorrente, de qualificações empregadas pela da Autora, a par disso, não será negado ao provimento do recurso ordinário interposto pela Recorrente.
12. Evidentemente, o acórdão recorrido padece do vício de inviabilização da decisão de direito por contradição na decisão de facto.
13. Ocorrida no acórdão recorrido a situação prevista na parte final do n.º 1 do art.º 650º do Código de Processo Civil, por existir contradição na decisão de facto, requer-se aos Venerandos Juízes do Tribunal de Última Instância que, nos termos legais, mandem ao Tribunal de Segunda Instância para julgar novamente a parte impugnada do acórdão e determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, a fim de excluir a contradição existente”; (cfr., fls. 1736 a 1746 e 16 a 19 do Apenso).

A 7ª R., H (辛), produziu as seguintes conclusões:

“I - Como fundamento para corroborar o entendimento adoptado pelo T.J.B., veio referir o T.S.I. no seu acórdão de 15 OUT 2020 que «(…) se as fichas são depositadas na conta da 7ª ré, se não há qualquer outra justificação para o efeito, a única conclusão possível é aquela que o tribunal "a quo" retirou de que esta estaria envolvida e conluiada com as Rés que fizeram os depósitos (…)» - cfr. página 69 do acórdão a quo.
II - Ou seja, disse ainda o T.S.I. que a «(…) conclusão que o tribunal recorrido retira de que a actuação destas Rés foi em comunhão de esforços é a única possível face à receptação na sua conta (da 7ª Ré) dos valores que as outras Rés se apropriaram, sem, reitera-se, qualquer justificação minimamente plausível (…)» - cfr. página 70 do acórdão a quo.
III - Ao ter assim decidido, o T.S.I. fez errada interpretação e aplicação das normas que estabelecem a cargo do autor da acção o respectivo ónus de alegação e de prova, designadamente os artigos 7.°, n.° 2, in fine, e 335.°, n.° 1, ambos do Código Civil e os artigos 3.°, n.° 1, 5.°, 101.°,437.°,563.°, n.° 3, e 567.°, todos do C.P.C.
IV - E, bem assim, ao ter decidido como decidiu, o T.S.I. fez também errada interpretação e aplicação das normas que regem quanto à inversão do ónus da prova e quanto à admissibilidade da prova por presunção, designadamente os artigos 337.° e 342.° a 344.°, todos do C.P.C.
V - Pois que, ressalvado todo o devido respeito, só com um erróneo manejamento dessas referidas normas jurídicas é que poderia o T.S.I. ter decidido como decidiu uma vez que não existem nem foi produzida nos autos qualquer prova ou sequer indiciação de conluio ou de conspiração por parte da recorrente face a quaisquer das demais co-rés, designadamente face às 3.ª, 5.ª e 6.ª rés, a fim de enganar, defraudar e causar qualquer prejuízo à recorrida.
VI - Com base em simples e naturais factos não se pode - nem o T.J.B. nem o T.S.I. - como que saltar para a formulação de um juízo de convicção judicial quanto à existência de uma actuação concertada e fraudulenta por parte da aqui recorrente com uma ou mais das co-rés com o animus de prejudicar a recorrida.
VII - Estão apenas em causa - tanto pelo T.J.B. como pelo T.S.I. - simples juízos conclusivos e insubstanciados que se reduzem a nada mais que à enunciação das duas seguintes expressões: "envolvida"; e "comunhão de esforços".
VIII - Nada se alegou e, pois, nada se provou quanto a conseguir saber-se que concretos e específicos actos ou omissões teriam sido planeados e colocados em prática entre a recorrente e qualquer uma das demais co-rés com o fim de causar um prejuízo patrimonial à recorrida, nada se podendo apreender ou depreender da matéria levada à base instrutória nem das respostas dadas aos quesitos acerca de quais teriam sido os factos ou omissões em que se baseia ou sustenta esse juízo meramente conclusivo de "comunhão de esforços", pelo que a resposta dada pelo T.J.B. ao quesito 26.° - coonestada pelo T.S.I. - encerrou, com efeito, um flagrante e ostensivo juízo conclusivo, meramente concludente e sem qualquer substanciação.
IX - Para mais quando se atenda a que nas respostas dadas aos demais quesitos meramente se deu por provado que certas quantias teriam sido depositadas na conta da gerente da sala VIP I - ou seja, depósitos numa sala gerida pela recorrente - sendo e permanecendo inescrutinável em que termos é que tal factualidade poderia caracterizar e dar corpo a uma actuação conspiratória entre a recorrente e as demais co-rés a fim de defraudar e prejudicar patrimonialmente a recorrida.
X - Em nenhum artigo da base instrutória ficou quesitado que a recorrente porventura soubesse que as quantias depositadas nessa conta aberta na sala por si gerida teriam ou não origem ilícita e desonesta.
XI - Nada se perguntou, nada se provou.
XII - Mais, também em nenhum artigo da base instrutória ficou quesitado que a conta aberta em nome da recorrente na sala VIP em que era COMPROVADAMENTE gerente servia ou se destinava à prática pela recorrente de quaisquer seus fins pessoais ou particulares - designadamente, fins ilícitos ou desonestos - nem também que, in concretum, tal conta profissional teria servido ou se teria destinado afinal, nos casos aludidos na decisão recorrida, a qualquer fim ilegal ou desonesto, designadamente os de defraudar e prejudicar patrimonialmente a recorrida.
XIII - Nada se perguntou, nada se provou, urna vez mais.
XIV - Não pode é forçar-se a mão fazendo derivar o que seria um "envolvimento" - seja isso o que isso concretamente possa ser - para um grave e sério juízo de imputação de urna "comunhão de esforços" - seja isso o que concretamente possa ser.
XV - Por outro lado, segundo a análise e ponderação elaboradas pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária ao longo de 6 anos, nunca surgiu relativamente à aqui recorrente a «(…) fundada suspeita de crime por ela cometido (…)» pois, a não ser assim, teria a mesma sido de imediato sido constituída arguida, tal qual se dispõe no n.° 1 do art. 48.° do C.P.P.
XVI - A livre apreciação das provas não significa a ausência de regras e critérios, as quais, pois, serão as regras da vida e da experiência, as regras comuns da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos que já entraram no conhecimento comum.
XVII - O T.S.I. deveria ter expurgado da resposta dada pelo T.J.B. ao quesito 26 os dois segmentos em que se refere "em comunhão de esforços com a 7.ª ré".
XVIII - Ao não ter adoptado a ora pro pugnada interpretação e aplicação dos artigos 7.°, n.° 2, in fine, e 335.°, n.° 1, ambos do Código Civil e os artigos 3.°, n.° 1, 5.°, 101.°, 437.°, 563.°, n.° 3, 567.°, 337.° e 342.° a 344.°, todos do C.P.C., o T.S.I. procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.° 2 do art. 598.° do C.P.C., o que implica uma decisão material diversa da adoptada pelo T.S.I. e que deve agora ser adoptada pelo T.U.I. ou, porventura, em caso de um eventual juízo quanto à insuficiência da matéria de facto, deverá levar à remessa dos autos ao T.S.I. nos termos e para os efeitos do n.° 2 do art. 650.° do C.P.C.”; (cfr., fls. 1747 a 1762).

*

Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 21.12.2023 foram estes autos redistribuídos ao ora relator nos termos do art. 14° e 14°-C da “Lei de Bases da Organização Judiciária”; (Lei n.° 9/1999).

*

Nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Quatro são os recursos trazidos a este Tribunal de Última Instância.

O primeiro, pela A. “A”.

O segundo, pelas (2ª, 3ª e 4ª) RR., C, D e E.

O terceiro, pela (5ª) R., F.

E o quarto, pela (7ª) R., H.

2.1 Comecemos por atentar na matéria de facto dada como provada:

“Da Matéria de Facto Assente:
- A Autora é uma sociedade comercial sob a forma unipessoal promotora de jogos de fortuna ou azar em Casino na Região Administrativa Especial de Macau (alínea A) dos factos assentes).
- A 8.ª Ré, I, é, tal como a Autora, uma sociedade comercial promotora de jogos de fortuna ou azar em Casino exercendo a sua actividade na Região Administrativa Especial de Macau (alínea B) dos factos assentes).
- A 9.ª Ré, J, é uma sociedade comercial anónima e uma das concessionárias autorizadas a explorar Jogos de Fortuna e Azar e Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau (alínea C) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- Entre 22 e 28 de Janeiro de 2013, as 1ª a 6ª Rés trabalhavam para a Autora (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- A 7ª, também conhecida por “H1姐” era, à data, a gerente da Sala VIP I operada pela 8ª Ré dentro do Casino J em Macau (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- A Autora desenvolveu a sua actividade nos termos que acordou com 9ª Ré (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Ao abrigo do acordo de promoção de jogo com a 9ª Ré, celebrado em 28 de Agosto de 2006 e sucessivamente renovado, a Autora comprometeu-se a exercer a actividade de promoção de jogos, tendo-lhe sido concedida pela 9ª Ré para a sua actividade a operação de uma sala VIP, sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de “[Sala VIP(2)]” (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Em 22 de Janeiro de 2013, por volta das 3H59 da manhã, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 2ª Ré para retirar da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$2.000.000,00 (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- De seguida, a 2ª Ré entregou essas fichas à 6ª Ré G num dos corredores do Hotel J (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Em 22 de Janeiro de 2013, por volta das 5H44 da manhã do dia 22 de Janeiro de 2013, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 2ª Ré para retirar da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$8.000.000,00 para, de seguida, as entregar à 6ª Ré (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- Em 22 de Janeiro de 2013, por volta das 8H22 da manhã, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 5ª Ré para retirar da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$5.000.000,00 para, de seguida, as depositar numa conta aberta em nome da 7.ª Ré na sala VIP I (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- Em 22 de Janeiro de 2013, por volta das 9h36 da manhã, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 5ª Ré para retirar da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 para, de seguida, as depositar na conta aberta em nome da 7.ª Ré na sala VIP I (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- Em 23 de Janeiro de 2013, cerca da 00H04 da madrugada, em colaboração com a 4ª Ré nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 4ª Ré para retirar da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$13.000.000,00 e para, de seguida, as entregar à 6ª Ré (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- Em 23 de Janeiro de 2013, por volta das 18H06, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 1ª Ré para retirar fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 da sala VIP da Autora e para, de seguida, as entregar à 6ª Ré (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- No dia 24 de Janeiro de 2013, por volta da 0H27 da madrugada, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré entregou fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 à 2.ª Ré para que esta, de seguida, as colocasse na Sala VIP da Autora (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- Em 23 de Janeiro de 2013, por volta das 2H26, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 2ª Ré para retirar da sala VIP da Autora ficha ou fichas de jogo de valor não concretamente apurado mas não inferior a HK$1.000.000,00 e entregou-a ou entregou-as à 6ª Ré (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
- No dia 24 de Janeiro de 2013, por volta de 7H16 em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré entregou à 2.ª Ré fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 para que esta, de seguida, as colocasse na sala VIP da Autora (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- No dia 25 de Janeiro de 2013, por volta da 0H41 da madrugada, em colaboração Ré nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 2ª Ré para retirar da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 para, de seguida, as depositar na conta aberta em nome da 7.ª Ré na sala VIP I (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
- No dia 25 de Janeiro de 2013, cerca das 4H13, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 2ª para levantar fichas no valor de HK$10.000.000,00 da conta aberta em nome da 7ª Ré na sala VIP I para, de seguida, as colocar na sala VIP da Autora (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- No dia 25 de Janeiro de 2013, por volta das 16H40, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré entregou fichas de jogo de valor não superior a HK$10.000.000,00 à 4.ª Ré para que esta, de seguida, as colocasse na Sala VIP da Autora (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Em 26 de Janeiro de 2013, pelas 23H23, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 1ª Ré para retirar fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 da sala VIP da Autora para, de seguida, as depositar numa conta aberta em nome de 皇冠壬 na sala VIP I (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- No dia 27 de Janeiro de 2013, pelas 18H30, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré retirou da sala VIP da Autora fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
- Em 28 de Janeiro de 2013, por volta das 01H35 da madrugada, em colaboração nos termos referidos na resposta ao quesito 23º, a 6ª Ré deu instruções à 2ª Ré para retirar fichas de jogo no valor de HK$10.000.000,00 da sala VIP da Autora para, de seguida, as depositar numa conta aberta em nome de皇冠壬 na sala VIP I (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
- Entre 22 de Janeiro de 2013 e 28 de Janeiro de 2013 a 6ª Ré, em colaboração com (resposta ao quesito 23º da base instrutória):
․as 2ª e 4ª Rés, deu instruções para que fossem praticados os actos referidos nas respostas aos quesitos 6º a 8º;
․as 3ª e 5ª Rés, deu instruções para que fossem praticados os actos referidos nas respostas aos quesitos 9º, 10º tendo a 3ª Ré prestado auxílio à 5ª Ré quando as fichas aí referidas foram retiradas da sala VIP da Autora;
․a 1ª Ré, deu instruções para que fossem praticados os actos referidos nas respostas aos quesitos 12º 19º 20º tendo a 1ª Ré prestado auxílio à 6ª Ré quando as fichas referidas na resposta ao quesito 20º foram retiradas da sala VIP da Autora;
․a 2ª Ré, deu instruções para que fossem praticados os actos referidos nas respostas aos quesitos 13º 14º 15º e 16º 17º 21º;
․a 4ª Ré, deu instruções para que fossem praticados os actos referidos nas respostas aos quesitos 11º e 18º,
fazendo com que, no total, fichas correspondentes a valor não inferior a HK$89.000.000,00 tivessem sido retiradas da sala VIP da Autora das quais fichas no valor de HK$25.000.000,00 tivessem sido depositadas na conta aberta em nome da 7ª Ré na Sala de VIP I.
- As 1ª a 6ª Rés, abusando da sua qualidade de empregadas da Autora, praticaram os actos referidos nas respostas aos quesitos 6º a 21º e 23º, tendo as 3ª, 5ª e 6ª Rés, em comunhão de esforços com a 7ª Ré, feitos os depósitos referidos as respostas aos quesitos 9º e 10º na conta aberta em nome da 7ª Ré na Sala de VIP I e as 2ª e 6ª Rés, em comunhão de esforços com a 7ª Ré, feito o depósito referido na resposta ao quesito 16º (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
- Entre 22 e 28 de Janeiro de 2013, a 6ª Ré era gerente da tesouraria da sala VIP da Autora (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- A 6ª Ré era, enquanto trabalhadora da Autora, superior hierárquica da 1ª Ré (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
- O que consta das respostas aos quesitos 12º, 19º, 20º, 23º e 26º (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
- A 6ª Ré era, enquanto trabalhadora da Autora, superior hierárquica da 2ª Ré (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
- O que consta das respostas aos quesitos 6º, 7º, 8º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 21º, 23º e 26º (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
- A 6ª Ré era, enquanto trabalhadora da Autora, superior hierárquica da 4ª Ré (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
- Nas fichas de registo dos movimentos da conta do cliente da Autora, K (甲甲), e na conta do cliente da Autora, L (甲乙), (vulgarmente conhecido por “大簿”) consta expressamente a frase “movimentado apenas por M e G (resposta ao quesito 34º da base instrutória).
- O que consta das respostas aos quesitos 6º, 7º, 8º, 11º, 18º, 23º e 26º (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
- A 6ª Ré era, enquanto trabalhadora da Autora, superior hierárquico da 5.ª Ré (resposta ao quesito 36º da base instrutória).
- O que consta das respostas aos quesitos 9º, 10º, 23º e 26º (resposta ao quesito 37º da base instrutória).
- A 7ª Ré acedeu que fossem depositas fichas na sua conta aberta na Sala de VIP I nos termos referidos na resposta ao quesito 23º (resposta ao quesito 43º da base instrutória).”; (cfr., fls. 1155-v a 1158-v e 1698 a 1700-v).

Apreciando os anteriores recursos das agora também recorrentes assim considerou o Tribunal de Segunda Instância:

“1. Recurso interposto pela Autora da sentença proferida nos autos;
Nas conclusões de recurso vem a Autora impugnar a decisão sobre os quesitos 5º, 40º e 41º da Base Instrutória os quais na sua opinião deviam ter sido dado como provados.
Nas suas contra-alegações a este recurso a 9º Ré não se pronunciou sobre esta matéria.
É o seguinte o teor dos itens 5º, 40º e 41º da base instrutória:
«5º
Também a 8.ª Ré exerce a sua actividade de promoção de jogos em benefício da 9.ª Ré ao abrigo de um acordo de promoção de jogo similar, tendo esta, para esse efeito, concedido à 8.ª Ré a operação de uma sala VIP, sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de “I” ou “壬貴賓廳”?
40º
Foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7.ª ré, estando ao serviço numa das salas V.I.P. da 8.ª ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro da 6.ª ré?
41º
A 6.ª ré ao entregar tais fichas e dinheiro na sala V.I.P. da 8.ª ré no Casino J, disse à 7.ª ré que tais fichas e dinheiro seriam para ser creditados para apostas para jogo a favor de uma terceira pessoa que iria reclamar e levantar na outra sala V.I.P. da titularidade da 8.ª ré sita no [Casino(2)], as referidas fichas e dinheiro?»
Entre tudo quanto alega, invoca a Autora que a matéria do item 5º foi confessada pelas 7ª e 8ª Rés na sua contestação.
A matéria do quesito 5º é a reprodução integral do artº 8º da p.i. e, efectivamente, as 7ª e 8ª Rés confessaram esta matéria no artº 1º da sua contestação.
A matéria dos quesitos 40º e 41º é alegada nos 13º e 14º da contestação das 7ª e 8ª Rés.
Tal como já se dizia no despacho que decidiu a reclamação da base instrutória – cf. fls. 395 – havendo uma Ré que é revel face ao disposto no artº 406º al. b) do CPC impede o efeito comunitário dos factos invocados pela Autora.
Contudo, a impossibilidade do efeito cominatório não é impeditiva da confissão no que esta concerne à parte (sujeito) confessório.
Destarte, face ao disposto na 1ª parte do nº 1 do artº 349º do C.Civ., havia de se ter essa matéria – do artº 8º da p.i. e 13º e 14º da contestação - por confessada nos articulados na parte em que as 7ª e 8ª Rés o podiam fazer, isto é, na parte que apenas a si respeita1, mas nunca no que respeita às 6ª e 9ª Rés.
Aqui chegados cabe apreciar a resposta possível ao quesito 5º.
A 9ª Ré na sua contestação não faz qualquer referência à sua relação com a 8ª Ré, isto é, não confessa nem impugna.
A Autora nas suas alegações e conclusões de recurso invoca que a testemunha Andy Chang que trabalhou para a 9ª Ré entre 2005 e 2010 disse que a 8ª Ré operava uma das salas VIP do Casino.
Mas os factos são de Janeiro de 2013, data em que aquele já não desempenhava as mesmas funções para o Casino J.
Os documentos de fls. 407 a 474 são, também, emitidos apenas pela 8ª Ré.
Na decisão da matéria de facto a fls. 1105 último parágrafo e 1105v. primeiro parágrafo, justifica-se e bem a razão porque não pode a matéria do item 5º ser dada como provada no que concerne à 9ª Ré.
Assim sendo, a única resposta possível para o quesito 5º seria «Provado apenas que 8.ª Ré exerce a sua actividade de promoção de jogos numa sala VIP, sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de “I” ou “壬貴賓廳”».
Relativamente à matéria dos quesitos 40º e 41º limita-se a Autora nas suas alegações de recurso a invocar que foi confessado pelas 7ª e 8ª Rés.
Da decisão sobre a matéria destes quesitos consta que não foi feita prova – último parágrafo fls. 1107v. -.
Destarte, tal como o anterior apenas pode ser dado como provado aquilo que respeita às 7ª e 8ª Rés, porque confessado.
Deste modo a resposta possível para o quesito 40º seria «Provado apenas que foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7ª Ré, estando ao serviço numa das salas V.I.P. da 8ª ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro.». Quanto a ter sido da 6ª Ré à míngua de prova nada se pode dar como provado.
Relativamente ao quesito 41º a única resposta possível é a que foi dada uma vez que respeita à intenção da 6ª Ré e nessa parte a confissão das 7ª e 8ª Rés é irrelevante.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, no que concerne ao recurso da decisão sobre a matéria de facto quanto aos quesitos 5º, 40º e 41º, procede parcialmente, passando a resposta a dar aos quesitos 5º e 40º a ser seguinte:
Quesito 5º:
«Provado apenas que 8.ª Ré exerce a sua actividade de promoção de jogos numa sala VIP, sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de “I” ou “壬貴賓廳”.».
Quesito 40º:
Provado apenas que foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7.ª ré, estando ao serviço numa das salas V.I.P. da 8.ª ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro.».
Aqui chegados cabe apreciar do remanescente do recurso da Autora.
Pretende a Autora que a actuação da 7ª Ré quando recebeu as fichas das demais Rés, o foi enquanto gerente da sala VIP explorada pela 8ª Ré.
Porém não é o que resulta da matéria de facto.
A 8ª Ré tem conhecimento que a 7ª Ré tinha aberta uma conta na sua (da 8ª Ré) sala mas essa conta em nada se relaciona com as funções que a 7ª Ré ali desempenhava.
Quanto à relação entre a 8ª e a 9ª Ré nada se provou.
Não estando os depósitos feitos na conta da 7ª Ré conexos com as funções de gerente, por falta de factualidade adequada caem os fundamentos invocados que visam imputar responsabilidade à 8ª Ré.
Da mesma sorte caem os argumentos que visam responsabilizar a 9ª Ré.
Acompanhando-se nesta matéria a decisão recorrida nos seus precisos termos, não têm acolhimento as conclusões de Recurso da Autora uma vez que nada as sustenta, pelo que, para além da alteração a dar às respostas dos quesitos 5º e 40º da base instrutória em tudo mais é de negar provimento ao respectivo recurso.

2. Recurso interposto pela 1ª Ré;
Assenta este recurso essencialmente que as duas entregas de fichas no valor de HKD10.000.000,00 foram realizadas no local de trabalho da 1ª Ré, onde a 6ª Ré tinha o poder de dar ordens e instruções à 1ª Ré, sem que esta tenha retirado qualquer benefício, pelo que, se impõe concluir que o fez segundo as ordens e instruções da 6ª Ré sua superior hierárquica não envolvendo a actuação da 1ª Ré ilicitude alguma e consequentemente não gerando a obrigação de indemnizar.
Sobre esta matéria consta a pág. 16 da sentença sob recurso o seguinte:
«Dos factos provados acima elencados conclui-se que as 1ª a 6ª Rés, ao retirarem fichas de jogo pertencente à sala de jogo onde a Autora exerce a sua actividade, praticaram actos ilícitos contra o património da Autora.
Para afastar a culpa pelos actos praticados, as 1ª, 2ª, 4ª e 5ª Rés alegam os actos foram levados a cabo em mera obediência hierárquica às ordens e instruções dadas pela 6ª Ré, gerente da sala de jogo da Autora e sua superior hierárquica.
Consta da matéria assente que as 1ª a 6ª Rés eram trabalhadoras da Autora sendo a 6ª Ré gerente da tesouraria da sala de jogo da Autora e superior hierárquico das 1ª, 2ª, 4ª e 5ª Rés.
Não está, porém, demonstrado que as 1ª, 2ª, 4ª e 5ª Rés tenham praticados os actos em obediência a ordens e instruções dadas pela 6ª Ré, na qualidade de superior hierárquico.
Quanto aos motivos por que essa matéria não foi dada como provada, o tribunal colectivo deu a conhecer os respectivos fundamentos a fls 1107 dos autos.
Assim, estando demonstrado que tais actos foram efectuados abusando da sua qualidade de empregadas da Autora, as 1ª a 6ª Rés actuaram com culpa.».
Por sua vez no Acórdão sobre as respostas à base instrutória a fls. 1107 consta o seguinte:
«Quanto à razão por que as 1ª, 2ª, 4ª e 5ª Rés praticaram os actos acima elencados, das filmagens consegue ver-se que as mesmas agiram grande parte das vezes tentando camuflá-los evitando ser captadas pelas câmaras como foi já referido mais acima na página 13 do presente Acórdão. Por força dessa forma de actuação, não entendeu o tribunal que as mesmas actuaram por mera obediência hierárquica porque a 6ª Ré lhes deu ordens sem que as mesmas pudessem desobedecer. Por isso, grande parte dos factos alegados por essas Rés constantes dos quesitos 27º a 37º não foi dada como provada.
Relativamente à razão por que foram colocadas fichas de jogo na sala de joga da Autora, não afigurou ao tribunal demonstrado que o foi para dificultar a descoberta. É que, pareceu ao tribunal ser meros actos de reposição das fichas que foram retiradas temporariamente para serem usadas pelas 1ª a 6ª Rés em actos que poderia trazer-lhe qualquer proveito.».
Da decisão sobre as respostas dadas à base instrutória resulta suficiente e objectivamente fundamentado a razão porque não foi dada como provada a matéria do item 30º da base instrutória, o que no caso, se atendermos ao fundamento da razão da resposta não provado acabamos por concluir que não só não se provou como o contrário até resulta da prova produzida.
Destarte, vir agora aqui a 1ª Ré, com argumentos meramente teóricos tentar invocar que o tribunal por efeito da lógica havia de concluir o que não se provou, carece totalmente de fundamento.
Assim sendo, mais uma vez, porque a decisão sob recurso se encontra suficientemente fundamentada quanto às razões de onde emerge a responsabilidade da 1ª Ré, não se tendo provado a factualidade subjacente à argumentação da 1ª Ré agora recorrente, mantém-se a decisão recorrida negando-se provimento ao recurso.

3. Recurso interposto pelas 2ª, 3ª e 4ª Rés;
No seu recurso vêm as 2ª, 3ª e 4ª Rés impugnar a resposta dada pelo tribunal a quo à matéria dos quesitos 31º a 35º, 38º e 39º da base instrutória, entendendo que os mesmos haviam de ser dado como provados na totalidade.
No essencial as razões que se invocam no recurso destas Rés quanto à matéria de facto assente são idênticas ao recurso interposto pela 1ª Ré já antes analisado e reconduzem-se a que, segundo as 2ª, 3ª e 4ª Rés estas teriam actuado apenas de acordo com o dever de obediência para com a 6ª Ré sua superior hierárquica e no âmbito da relação laboral que tinham para com a Autora não lhe sendo autorizado que discutissem as ordens de um superior hierárquico.
Ora, vale aqui a argumentação usada supra.
Com base na parte já transcrita do Acórdão sobre as respostas à base instrutória a fls. 1107 o que se pode concluir é que não só não se provou que as 2ª, 3ª e 4ª Rés actuaram no âmbito do dever de obediência a um superior hierárquico, como, bem antes pelo contrário, com base na fundamentação constante da decisão sobre a base instrutória e reproduzida o que resulta é que se percebe que tinham perfeita consciência que estavam a lesar os interesses da Autora e actuar de forma que não lhes era permitida, tudo fazendo para ocultar os seus actos e a retirada de fichas dos registos das câmaras de segurança.
Tal como vem sendo entendimento deste Tribunal «para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal”, se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes» - Ac. do TSI de 09.05.2019, processo nº 240/2019 -.
Ora, no caso em apreço as Rés limitam-se a apresentar os seus argumentos, meramente teóricos, de que segundo a lógica e uma vez que a 6ª Ré era hierarquicamente superior das demais Rés, entendem que a conclusão do tribunal haveria de ser diferente, escamoteando e ignorando a forma como os actos foram praticados e que foi observada pelo tribunal “a quo” no visionamento das imagens, as quais por si só exigem conclusão diversa da das recorrentes, pois quem actua no simples cumprimento do seu dever funcional de trabalhador obedecendo a ordens de um superior hierárquico não precisa de o fazer de forma a ocultar-se das câmaras de vigilância e segurança, bem pelo contrário, por razões de segurança tudo deveria ter feito para que fosse visto e filmado, mas assim não foi.
Destarte, na parte em que impugna a decisão sobre a base instrutória carece o recurso destas Rés de fundamento, sendo de negar-lhe provimento.
Em sede de fundamentação de direito vêm estas Rés invocar que não estão verificados os requisitos do artº 477º do C.Civ. porquanto as Rés Recorrentes não actuaram como culpa, não está provado o direito e segundo a Jurisprudência do Acórdão do TUI nº 69/2010 os juros de mora são devidos apenas a contar da data da decisão.
Vejamos então.
No que concerne à alegação da ausência da culpa, toda a argumentação invocada perde fundamento quando se nega provimento ao recurso interposto sobre a decisão da base instrutória.
Não ficando demonstrado que as Rés actuaram enquanto funcionárias e em obediência a um superior hierárquico, mas sim em conjugação de esforços nos quais a 6ª Ré assumia uma posição de liderança mas que nada tinha a ver com as funções que todas desempenhavam na Autora, falece toda a argumentação da ausência de culpa.
Bem se andou na decisão recorrida em face da factualidade apurada em concluir que as 2ª, 3ª e 4ª Rés actuaram com culpa, pelo que, nesta parte é também de negar provimento ao recurso.
Quanto aos danos vêm estas Rés e Recorrentes invocar que ficou por apurar se o prejuízo foi da Autora se dos clientes de cujas contas foram retiradas as fichas.
Porém, mais uma vez, trata-se de argumentação meramente especulativa uma vez que o que se deu como provado foi que as fichas foram retiradas da sala VIP da Autora nada se dizendo que hajam sido levantadas por débito em contas de clientes.
Destarte, tendo as fichas sido retiradas e não tendo sido repostas está verificado o prejuízo, como, e bem, se aprecia na sentença recorrida.
Assim sendo, improcedem as conclusões de recurso no que concerne à erada interpretação e aplicação do nº 1 do artº 477º do C.Civ..
Quanto aos juros de mora, decidiu-se na sentença sob recurso que os mesmos eram devidos desde 28 de Janeiro de 2013 data em que foi praticado o último dos factos ilícitos.
As recorrentes invocam que resultando a condenação da prática de actos ilícitos a decisão recorrida viola o Acórdão de uniformização de Jurisprudência do TUI no processo nº 69/2010.
Salvo melhor opinião mas entendemos que as Recorrentes não têm razão.
A questão que está subjacente ao Acórdão de fixação de jurisprudência do TUI de 02.03.2011, proferido no processo nº 69/2010 é distinta daquela que nos ocupa no caso em apreço.
A questão subjacente àquele acórdão é uma situação em que a obrigação de indemnizar é ilíquida, vindo a ser fixada nos termos dos artigos 560º nº 5 e 794º nº 4, isto é, sendo determinada no momento mais recente possível.
Ou seja, o quanto indemnizatório só é apurado no momento da decisão.
Sendo apurado o “quanto” da indemnização nos termos das disposições legais citadas entra em aplicação o artº 795º do C.Civ. quanto aos juros.
A oposição de acórdão que motivou o Acórdão de fixação de jurisprudência tem a ver com o momento a partir do qual entra o devedor em mora quando até à decisão a obrigação era ilíquida, tendo-o definido na data em que esta – a decisão – é proferida e não no do seu trânsito em julgado.
Porém, no caso em apreço o quanto já era conhecido.
Pese embora a indemnização no caso em apreço seja emergente de facto ilícito, sempre foi uma obrigação pecuniária – restituir o valor monetário das fichas que foram retiradas da sala VIP da Autora – e liquida, não havendo que fixar o montante da indemnização.
A situação destes autos cabe na al. b) do nº 2 do artº 794º e 795º ambos do C.Civ..
Destarte os juros são devidos desde a prática do facto ilícito, isto é, desde o momento (data) em que as fichas foram retiradas da sala VIP, pelo que, tendo-se pedido juros a contar da data da prática do último facto bem andou a decisão recorrida ao fixar que os juros eram devidos a contar dessa data.
Termos em que, não sendo a indemnização destes autos fixada nos termos dos artº 560º nº 5 e 794º nº 4 do C.Civ. não tem aplicação no caso dos autos a jurisprudência fixada no invocado Acórdão, sendo, nesta parte, também, de negar provimento ao recurso.
Assim sendo, deve a final ser negado provimento ao recurso das 2ª, 3ª e 4ª Rés.

4. Recurso interposto pela 5ª Ré;
O recurso da 5ª Ré versa integralmente sobre matéria já apreciada nos recursos interpostos pela 1ª Ré e 2ª, 3ª e 4ª Rés, quanto a terem as 1ª a 5ª Rés actuado sob as ordens da 6ª Ré enquanto sua superior hierárquica e no âmbito das suas funções enquanto funcionárias da Autora não lhes sendo imputável qualquer responsabilidade porquanto se limitaram a cumprir ordens.
Torna-se desnecessário voltar aqui a transcrever tudo quanto já se disse supra no que concerne ao acerto da decisão recorrida no que respeita à decisão sobre a base instrutória e a falta de fundamento deste e daqueles recursos na parte em que impugnam a decisão da matéria de facto, limitando-se a querer convencer de uma realidade que manifesta e objectivamente não se provou mas que era conveniente à defesa desta e daquelas Rés.
Pelo que, dando aqui por reproduzido tudo quanto já se afirmou supra quando à correcção da decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, tal como os anteriores também a este recurso é de negar provimento, uma vez que, para além do desacordo quanto à matéria de facto nada mais se invoca.

5. Recurso interposto pela 7ª Ré.
No seu recurso vem a 7ª Ré insurgir-se contra a resposta dada pelo tribunal recorrido ao quesito 26º da Base instrutória no sentido de que não se podia dar como provado que o que ali se diz ocorreu em comunhão de esforços entre as 2ª, 3ª, 5ª, 6ª Rés e a 7ª Ré, uma vez que a “comunhão de esforços” com a 7ª Ré não se provou nem nada resulta dos autos nesse sentido.
Quanto a esta matéria o que consta da fundamentação do Acórdão sobre a base instrutória é o seguinte:
«Quanto à 7ª Ré, o tribunal teve em conta a confissão da própria 7ª Ré e as declarações da 1ª testemunha da Autora acerca do nome em inglês (H1) por que a 7ª Ré é também conhecida. Da confissão da 5ª Ré resulta que as fichas de jogo referidas nos quesitos 9º e 10º foram depositadas na conta aberta na sala de jogo I em nome da H1. Do documento junto a fls 407 e das filmagens vê-se que as fichas referidas nos quesitos 9º, 10º e 16º foram depositadas numa conta aberta na sala de jogo I em nome de H1. Da prova testemunhal conclui-se que a 7ª Ré era a gerente da sala I. A isso acresce que a 7ª Ré nunca impugnou negando que essa conta era sua. Articulando os factos acima elencados, o tribunal entendeu que a conta a que o documento junto a fls 407 se refere pertence à 7ª Ré.
Ora, tendo em conta que desse documento constam os depósitos referidos nas respostas aos quesitos 9º, 10º e 16º bem como o levantamento referido na resposta ao quesito 17º, ficou o tribunal convencido que a 7ª Ré estava envolvida nos casos e nos termos indicados nos quesitos 9º, 10º, 16º, 17º, 23º, 26º e 43º.».
Ao lermos as alegações de recurso da 7ª Ré somos quase tentados a pensar que tem razão.
Porém, o que resulta da fundamentação da decisão recorrida é que em 22.01.2013 e 25.01.2013 (quesitos 9º, 10º e 16º) foram depositados na conta da 7ª Ré HKD25.000.000,00, sem que haja alguma tentativa de explicar o porquê, como se fosse a coisa mais natural depositar uma quantia destas na conta de outrem, sem que o dono da conta ao menos se inteirasse da proveniência do dinheiro uma vez que os depositantes são também elas funcionárias de uma sala VIP vizinha.
Ora, se as fichas são depositadas na conta da 7ª Ré, se não há qualquer outra justificação para o efeito, a única conclusão possível é aquela que o tribunal “a quo” retirou de que esta estaria envolvida e conluiada com as Rés que fizeram os depósitos.
É exigível a um ser médio que ao aceitar que valores tão elevados sejam depositados na sua conta – ainda que se tratem de contas abertas em salas VIP em que se movimentam quantias elevadas – que saiba e indague no mínimo a proveniência dos mesmos. Dever esse acrescido pela responsabilidade de ser uma pessoa com uma posição de responsabilidade numa sala VIP e que tem consciência das normas e das regras de segurança quanto às obrigações para evitar fraudes e lavagem de dinheiro.
A conclusão que o tribunal recorrido retira de que a actuação destas Rés foi em comunhão de esforços é a única possível face à receptação na sua conta (da 7ª Ré) dos valores que as outras Rés se apropriaram, sem, reitera-se, qualquer justificação minimamente plausível.
Assim sendo, também, ao recurso da 7ª Ré quanto à resposta dada ao quesito 26º da base instrutória terá de ser negado provimento”; (cfr., fls. 1701 a 1709-v).

Aqui chegados, quid iuris?

Vejamos.

Comecemos por identificar as “questões” pelas várias recorrentes trazidas a esta Instância para decisão.

Pois bem, no seu recurso, aponta a A. os seguintes vícios à decisão recorrida:
- contradição entre os factos provados e não provados no quesito 5° da base instrutória;
- contradições entre os factos provados e a parte final (não provada) do quesito 40° e os quesitos 2°, 9°, 10°, 16°, 17°, 19° e 21° da base instrutória;
- violação dos art°s 349° e 351° do C.C.M. e do art. 80° do C.P.C.M.; e,
- violação dos art°s 2°, n.° 1, alínea 6), 23°, 29°, n.° 5 da Lei n.° 16/2001 e dos art°s 1°, 17°, 23°, 24°, 26°, 27°, 28°, 29°, 30° e 32°, alínea 6) do Regulamento Administrativo n.° 6/2002.

Pelas 2ª a 4ª RR. são imputados os seguintes vícios à decisão recorrida:
- errada interpretação e aplicação do art. 477° do C.C.M.;
- inexistência de dano (próprio) da A.; e,
- violação da interpretação sufragada pelo Tribunal de Última Instância no Proc. n.° 69/2010.

No seu recurso, entende a 5ª R. que o Acórdão recorrido padece de deficiências e contradições na matéria de facto que obstam à solução de direito.

Por sua vez, insurge-se a 7ª R. contra a decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância, alegando que a mesma se encontra viciada dado que o Tribunal de Segunda Instância deveria ter alterado a resposta ao quesito 26° da base instrutória, incorrendo assim em errada interpretação e aplicação dos art°s 7° e 335° do C.C.M. e dos art°s 3°, 5°, 101°, 437°, 563° e 567° do C.P.C.M..

3. Isto visto, comecemos pelo “recurso da A.”.

3.1 Da alegada “contradição na decisão de facto”.

Apoiando-se essencialmente no art. 650°, n.° 1 do C.P.C.M., defende a A. que foram incorrectamente julgados os factos mencionados no quesito 5° da base instrutória, tendo-se incorrido em contradição entre os factos aí provados e não provados.

Do mesmo modo, e em sua opinião, existem também contradições entre os factos provados e a parte final (não provada) do quesito 40° e os quesitos 2°, 9°, 10°, 16°, 17°, 19° e 21° da base instrutória.

Eis o que se nos mostra de consignar.

Constitui entendimento deste Tribunal de Última Instância que, considerar se as respostas a quesitos são deficientes, obscuras, contraditórias ou até ininteligíveis constitui uma “questão de facto” e não de “direito”, pois que em causa está a percepção pelo homem médio da realidade veiculada pelos factos constantes das respostas a quesitos e a sua comparação, o que não envolve qualquer “qualificação” ou “apreciação jurídica”.
Sendo assim uma “decisão sobre questão de facto”, visto está que é insindicável pelo Tribunal de Última Instância em via de recurso, salvo havendo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova; (cfr., v.g., os Acs. de 05.11.2008, Proc. n.° 27/2007 e de 10.12.2008, Proc. n.° 2/2008, e mais recentes, os Acs. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019; de 19.02.2020, Proc. n.° 83/2018; de 03.04.2020, Proc. n.° 19/2019; de 10.06.2020, Proc. n.° 48/2020; de 10.11.2021, Proc. n.° 131/2021; de 12.01.2022, Procs. n°s 50/2020 e 76/2020; de 19.01.2022, Proc. n.° 121/2020; de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020; de 25.04.2024, Proc. n.° 68/2023 e de 22.05.2024, Proc. n.° 27/2021).

Efectivamente, e como já explicitava Alberto dos Reis, “(…) por ser vedado ao Supremo o poder de anulação directa, não se segue que ele não possa exercer censura sobre o uso que a Relação faça do referido poder. São atribuições distintas.
Compreende-se, porém, que a censura tem de ser discreta e muito limitada. Conforme assinalaram os acórdãos do Sup. Trib. De Justi. (…) só em circunstâncias excepcionais, isto é, quando o exercício do poder, por parte da Relação, se não contenha dentro dos limites legais e haja, portanto, violação da lei, é que ao Supremo é dado intervir”; (in “C.P.C. Anotado”, Vol. IV, 1981, pág. 563).

Por isso, e salvo melhor opinião, não pode este Tribunal de Última Instância apreciar se o Tribunal de Segunda Instância andou mal ao considerar que inexistiam as pela A. apontdas “contradições na matéria de facto”, pois que se trata de uma “questão de facto” cujo conhecimento nos é vedado face ao disposto nos art°s 639° e 649° do C.P.C.M..

Contra isto, não se diga que o art. 650°, n.° 1, do C.P.C.M. dispõe que: “Se entender que a matéria de facto pode e deve ser ampliada para fundamentar a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão de facto que inviabilizam a decisão de direito, o Tribunal de Última Instância manda julgar novamente a causa no Tribunal de Segunda Instância”, donde decorreria a possibilidade deste Tribunal de Última Instância apreciar a existência tais alegadas contradições.

É que, como é bom de ver, (e como este Tribunal de Última Instância ainda recentemente teve oportunidade de afirmar no Ac. de 17.04.2023, proferido no Proc. n.° 28/2023), nessa norma está em causa a possibilidade de se “poder conhecer das contradições em matéria de facto, oficiosamente, quando houver recurso com outro fundamento”, ocorrendo, assim, uma “impossibilidade de aplicar a lei a uma factualidade que, por contraditória, não se entende qual seja (…)”; (cfr., v.g, Jacinto Rodrigues Bastos in, “Notas ao C.P.C.”, 3ª ed., pág. 287, e no mesmo sentido, Carlos Lopes do Rego in, “Comentários ao C.P.C.”, 1999, pág. 497).

No fundo, poder-se-á dizer que este Tribunal de Última Instância acaba “indirectamente” por ter de apurar da existência de obstáculos na matéria de facto recolhida pelas Instâncias.

Contudo, afigura-se-nos que nos está vedado fazer uma “apreciação directa” sobre o juízo que as Instâncias façam sobre questões de facto, (designadamente sobre o não uso pelo Tribunal de Segunda Instância da faculdade conferida ao abrigo do art. 629°, n.° 4 do C.P.C.M.).

Não estando agora em causa uma “apreciação indirecta”, não pode este Tribunal de Última Instância tomar conhecimento da existência, ou não, das alegadas contradições na matéria de facto.

E, nesta conformidade, visto está que o presente recurso quanto a esta questão deve ser julgado improcedente, (ao abrigo dos art°s 639° e 649° do C.P.C.M.).

3.2 Do incorrecto julgamento dos factos dos quesitos 5° e 41°, (e também o 40°).

Aqui, para a A., ora recorrente, o Tribunal de Segunda Instância cometeu um erro quando, em parte, julgou não provados os quesitos 5° e 41° da base instrutória, pois que estes factos teriam sido (expressamente) “confessados” na contestação das 7ª e 8ª RR., mostrando-se assim violados os art°s 349°, n.° 1, e 351°, n.° 1 do C.C.M. e o art. 80° do C.P.C.M..

Assim, e em sua opinião, bem não andou o Tribunal de Segunda Instância quando manteve a decisão do Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou “não provado” que a actividade de promoção de jogos da 8ª R. foi exercida “em benefício da 9.ª Ré ao abrigo de um acordo de promoção de jogo similar, tendo esta, para esse efeito, concedido à 8.ª Ré a operação de uma sala VIP”, (cfr., quesito 5°), o mesmo sucedendo com a parte final do quesito 40°, “ou seja, que no âmbito da actividade de promoção de jogo que a 7.ª Ré, estando ao serviço numa das salas VIP da 8.ª, sita no Casino J, recebeu fichas “da 6.ª Ré” ou “por instruções da 6.ª Ré””, e ainda no que concerne ao quesito 41°, por ter também julgado “não provado” o facto “que foi confessado pelas 7.ª e 8.ª Rés no artigo 19.º da sua contestação: “(…) que tais fichas e dinheiro seriam creditados para apostas para jogo a favor de uma terceira pessoa que iria reclamar e levantar na outra sala VIP da titularidade da 8.ª Ré sita no [Casino(2)], as referidas fichas e dinheiro”, (passando a A. a efectuar uma série de interpretações sobre os elementos probatórios recolhidos nos autos e quanto aos elementos de facto apurados, indicando até, se bem entendemos, que a matéria de facto incorrectamente julgada não provada nos quesitos 40° e 41° deveria estar demonstrada com base em normas jurídicas dos art°s 2°, 23° e 29° da Lei n.° 16/2001 e art°s 1°, 17°, 23°, 24°, 26°, 27°, 28°, 29°, 30° e 32° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002).

Ora, antes de mais, e como já se referiu, importa salientar que este Tribunal de Última Instância não tem poderes de cognição quanto à matéria de facto; (conforme resulta dos art°s 639° e 649° do C.P.C.M., salvo quando haja “(…) ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”; art. 649°, n.° 2 do C.P.C.M.).

E, em face do que se deixou dito, sem esforço se mostra desde já de concluir que não tem sentido supor que certa “matéria de facto”, constante dos quesitos 40° e 41° da base instrutória, deveria estar “provada” em face do a propósito referido em “normas jurídicas, gerais e abstractas”; (como é o caso dos art°s 2°, 23° e 29° da Lei n.° 16/2001 e dos art°s 1°, 17°, 23°, 24°, 26°, 27°, 28°, 29°, 30° e 32° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002).

É que, se é “matéria de facto”, não é “matéria de direito”.

E, se é “matéria de direito”, não é “matéria de facto”; (atente-se, aliás, no raciocínio exposto, e tenha-se também presente que aquelas “normas legais” não operam em sede de “matéria de facto”, pois que não exigem “certa espécie de prova, nem fixam a força de determinados elementos probatórios”, sendo, tão só, utilizadas com o intuito de tentar justificar os argumentos apresentados na impugnação da matéria de facto).

Assim, e como se nos apresenta óbvio, imperativo é consignar que se está perante “questão” que este Tribunal de Última Instância não pode conhecer por contender com apreciações e juízos de facto que estão para além dos seus poderes de cognição.

Nestes termos, a única questão que cai no âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal de Última Instância prende-se com a alegada “confissão” das 7ª e 8ª RR. nas suas contestações da matéria constante dos quesitos 5° e 41° da base instrutória, e que, ao não ter sido devidamente atendida, implicaria a violação dos art°s 349°, n.° 1, 351°, n.° 1 do C.C.M., assim como do art. 80° do C.P.C.M..

Ora, aqui, vale a pena (voltar a) recordar o teor da decisão tomada quanto a esta matéria.

Essencialmente, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“(…)
Contudo, a impossibilidade do efeito cominatório não é impeditiva da confissão no que esta concerne à parte (sujeito) confessório.
Destarte, face ao disposto na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 349.º do C.Civ., havia de se ter essa matéria – do art.º 8.º da pi e 13.º e 14.º da contestação – por confessada nos articulados na parte em que as 7.ª e 8.ª Rés o podiam fazer, isto é, na parte que apenas a si respeita, mas nunca no que respeita às 6.ª e 9.ª Rés.
Aqui chegados cabe apreciar a resposta possível ao quesito 5.º. (…)
Na decisão da matéria de facto a fls. 1105 último parágrafo e 1105v. primeiro parágrafo, justifica-se e bem a razão porque não pode a matéria do item 5.º ser dada como provada no que concerne à 9.ª Ré.
Assim sendo, a única resposta possível para o quesito 5.º seria «Provado apenas que a 8.ª Ré exerce a sua actividade de promoção de jogos numa sala VIP, sita no Casino J, em Macau, à qual foi dada a designação de “I” ou (…)».
Relativamente à matéria dos quesitos 40.º e 41.º limita-se a Autora nas suas alegações de recurso a invocar que foi confessado pelas 7.ª e 8.ª Rés.
Da decisão sobre a matéria destes quesitos consta que não foi feita prova – último parágrafo fls. 1107v. –.
Destarte, tal como o anterior apenas pode ser dado como provado aquilo que respeita às 7.ª e 8.ª Rés, porque confessado.
Deste modo a resposta possível para o quesito 40.º seria «Provado apenas que foi no âmbito da sua actividade de promoção de jogo que a 7.ª Ré, estando ao serviço numa das salas VIP da 8.ª Ré, sita no Casino J, recebeu fichas e dinheiro.». Quanto a ter sido da 6.ª Ré à míngua de prova nada se pode dar como provado.
Relativamente ao quesito 41.º a única resposta possível é a que foi dada uma vez que respeita à intenção da 6.ª Ré e nessa parte a confissão das 7.ª e 8.ª Rés é irrelevante”; (cfr., fls. 1701-v a 1702-v).

E, nesta conformidade, (e como é bom de ver), evidente se nos mostra que a solução adoptada pelo Tribunal de Segunda Instância está em perfeita e total consonância com aquilo que é determinado pelo art. 346°, n.° 2 do C.C.M. – que prescreve que “A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário” – pois que, como a esse respeito igualmente escreve José Lebre de Freitas: “Nos casos de contitularidade de situações jurídicas, activas ou passivas, cada um dos contitulares pode confessar isoladamente, sempre que o efeito do facto confessado possa ser cindido de modo a restringir-se ao interesse do confitente, como acontece nos casos que podem dar lugar a litisconsórcio voluntário: podendo dispor, sozinho, da sua situação jurídica (art. 288.º, n.º 1, CPC), o litisconsorte pode também fazer confissões de factos com efeito dispositivo prático idêntico”; (in “Código Civil Anotado”, Coordenação de Ana Prata, Vol. I, 2017, pág. 438).

Na verdade, e como o mesmo autor já havia referido, o n.° 2 do art. 346° do C.C.M. tem a sua fonte no art. “2733, III do C. C. italiano”, através do qual se tem entendido que “no caso de litisconsórcio voluntário, ainda que isso possa conduzir a diferentes – e contrárias – fundamentações fácticas da decisão, a confissão é eficaz contra o litisconsorte que a fizer e apenas contra ele.
Só que este preceito está incluído na regulamentação da confissão judicial e só esta prevê. Ao adoptá-lo como norma geral disciplinadora da confissão, judicial ou extrajudicial, a lei portuguesa, ao mesmo tempo que lhe conferiu um maior âmbito de previsão, permite que nele se veja uma mera aplicação da norma geral sobre legitimidade para confessar (…)”; (in “A Confissão no Direito Probatório”, pág. 79 e 80).

Sobre a mesma questão, também este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de ponderar que:

“(…) como é evidente, estando em causa um litisconsórcio, mesmo que apenas voluntário, a confissão (admissão dos factos nos articulados) das 1.ª e 2.ª rés não releva relativamente à 3.ª ré, nos termos do n.º 2 do artigo 346.º do Código Civil (a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário), pelo que o acórdão recorrido não poderia ter considerados provados os factos em causa com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 370.º do Código Civil.
Da mesma forma, a confissão ficta, por falta de contestação não releva quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar [alínea a) do artigo 406.º do Código de Processo Civil], independentemente de ser litisconsórcio voluntário ou necessário e a falta de impugnação de factos na contestação também não releva se não for admissível confissão sobre eles (n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Civil), como era o caso, tratando-se de litisconsórcio, nos termos já vistos”; (cfr., v.g., o Ac. de 24.04.2019, Proc. n.° 32/2019).

Nestes termos, (também aqui), censura não merece o Tribunal de Segunda Instância ao considerar que os confitentes não podiam exceder os seus interesses naquilo que confessam, não se podendo, (como, pelos vistos, procura a A. ao longo de todas as suas alegações de recurso), ignorar o disposto no art. 346° do C.C.M..

Aliás, e como já se deixou adiantado, este Tribunal de Última Instância não tem poderes de cognição para examinar os raciocínios lógicos sobre a matéria de facto sufragados pela A., (através dos quais pretende retirar outras conclusões quanto à matéria de facto), nem pode, igualmente, apreciar a existência, ou não, de qualquer contradição entre os factos provados e não provados que inviabilizem a decisão de direito, pois que, estão em causa “questões de facto” para as quais carece dos necessários poderes de cognição.

Assim, vista está a solução, havendo que se julgar improcedente tudo o que alegado vem quanto ao referido (incorrecto) julgamento dos factos não provados dos quesitos 5° e 41° (e 40°).

3.3 Da responsabilidade da 8.ª e 9.ª RR..

Por último, defende a A. que o Acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei, na medida em que as 8ª e 9ª RR. seriam “solidariamente responsáveis”, com as restantes RR. pela restituição à A. das fichas de jogo, ou do seu valor monetário, equivalente a HKD$25.000.000,00, acrescido dos devidos juros de mora, ao abrigo da Lei n.° 16/2001 e do Regulamento Administrativo n.° 6/2002.

Sobre esta “questão”, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“Pretende a Autora que a actuação da 7ª Ré quando recebeu as fichas das demais Rés, o foi enquanto gerente da sala VIP explorada pela 8ª Ré.
Porém não é o que resulta da matéria de facto.
A 8ª Ré tem conhecimento que a 7ª Ré tinha aberta uma conta na sua (da 8ª Ré) sala mas essa conta em nada se relaciona com as funções que a 7ª Ré ali desempenhava.
Quanto à relação entre a 8ª e a 9ª Ré nada se provou.
Não estando os depósitos feitos na conta da 7ª Ré conexos com as funções de gerente, por falta de factualidade adequada caem os fundamentos invocados que visam imputar responsabilidade à 8ª Ré.
Da mesma sorte caem os argumentos que visam responsabilizar a 9ª Ré.
Acompanhando-se nesta matéria a decisão recorrida nos seus precisos termos, não têm acolhimento as conclusões de Recurso da Autora uma vez que nada as sustenta, pelo que, para além da alteração a dar às respostas dos quesitos 5º e 40º da base instrutória em tudo mais é de negar provimento ao respectivo recurso”; (cfr., fls. 1703 a 1703-v).

Ora, do nosso ponto de vista, e salvo melhor opinião, a decisão recorrida fez uma correcta aplicação da Lei.

Com efeito, nos termos do invocado art. 29° do Regulamento Administrativo n.° 6/2002, “As concessionárias são responsáveis solidariamente com os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”, ao passo que o art. 31° do mesmo diploma estipulava que “Os promotores de jogo são responsáveis solidariamente com os seus empregados e com os seus colaboradores pela actividade desenvolvida nos casinos por estes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regulamentares aplicáveis”; (sobre esta matéria, cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 19.11.2021, Proc. n.° 45/2019).

Resulta assim claro que se tem em vista a responsabilização solidária das concessionárias e dos próprios promotores de jogos de fortuna ou azar pela “actividade desenvolvida”, no primeiro caso, pelos “promotores de jogos” e, no segundo, pelos “empregados e colaboradores”, estando por isso manifestamente em causa a prática de “actos típicos da actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar”, (e que, como é lógico, ou por princípio, são levados a cabo perante “jogadores”).

No fundo, e à imagem da responsabilidade do comitente, “A lei abrange unicamente os actos ligados ao serviço, actividade ou cargo, embora exista apenas um nexo instrumental, excluindo os praticados por ocasião da comissão com um fim ou interesse que lhe seja estranho. (…)”, (cfr., v.g., Mário Júlio de Almeida Costa in, “Direito das Obrigações”, 12ª ed., pág. 619), parecendo-nos, então, claro, que “a lei quis afastar (…) os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com a comissão”, abrangendo antes, (e tão só), “os actos compreendidos no quadro geral da competência ou dos poderes”, (cfr., v.g., João de Matos Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª ed., pág. 642 e 643), da actividade dos promotores de jogo.

In casu, e tanto quanto resulta da matéria de facto provado, o que ocorreu foi ter havido “levantamentos abusivos” de fichas depositadas na sala VIP operada pela A. e o seu posterior depósito numa outra conta aberta junto da sala VIP I, onde a 8ª R. exerce a sua actividade de promoção de jogos; (cfr., resposta ao quesito 5° da base instrutória).

E, como nos parece (bastante) evidente, nada disto representa a “prática de actos típicos da actividade de promoção de jogos de fortuna ou azar”, não obstante, à data dos factos, uns serem funcionários da A. e outro ser gerente da sala VIP I operada pela 8ª R.; (cfr., resposta ao quesito 2° da base instrutória).

Pelo que, e ressalvando sempre melhor opinião, afigura-se-nos que adequado não é afirmar ter aqui existido qualquer “relação” com a “actividade típica de promoção de jogos de fortuna ou azar em casino”, (sendo de notar ainda que, deste modo, sempre seria irrelevante a prova dos quesitos 5°, 40° e 41° nos termos pretendidos pela A., pois que continuar-se-ia, inapelavelmente, perante elementos factuais que não permitiriam a conclusão de que se estaria perante a referida “actividade típica de promoção de jogos de fortuna ou azar”), necessária se nos apresentando, assim, a total improcedência do recurso da A., ora recorrente.

4. Do recurso da 2ª a 4ª RR..

4.1 Da alegada errada interpretação e aplicação dos art°s 477° e 480° do C.C.M..

Para estas 2ª a 4ª RR., ora recorrentes, incorreu o Tribunal de Segunda Instância em erro na conclusão que tirou dos factos dados como provados alegando, ainda, que os factos provados constantes dos quesitos 31° a 35° da base instrutória não são “suficientes” para se concluir pela existência de qualquer “culpa” sua, e, assim, toda a sua actuação estaria justificada pelo “cumprimento de ordens” que receberam da 6ª R. como superior hierárquica, demonstrados também não estando sequer quais os benefícios que obtiveram.

E, nesta conformidade, entendem que o Tribunal de Segunda Instância não fez uma “análise lógica”, (com base nos factos provados e nas provas documentais constantes dos autos), concluindo, erradamente, pela sua culpa, incorrendo, desta forma, em erro na interpretação e aplicação do art. 480° do C.C.M..

Pois bem, se bem ajuizamos, retira-se que as 2ª a 4ª RR., ora recorrentes, são de opinião que o Tribunal de Segunda Instância retirou uma “ilação da matéria de facto”, (quanto à sua respectiva “actuação culposa”), que, na sua óptica, não tem qualquer correspondência com o desenvolvimento lógico assente nos factos dados como provados.

Ora, como se sabe, “O Tribunal de Última Instância, atentos os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito e, em regra, sem intervenção em matéria de facto, só pode censurar as conclusões ou desenvolvimentos feitos pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto fixada, se este infringir o seu limite, tirando conclusões que não correspondam ao seu desenvolvimento lógico”; (cfr., v.g., o Ac. de 16.05.2012, Proc. n.° 20/2012).

Na situação em causa, e a propósito de alegação similar feita em recurso para o Tribunal de Segunda Instância pelas ora recorrentes, consignou-se o que segue:

“Não ficando demonstrado que as RR. actuaram enquanto funcionárias e em obediência a um superior hierárquico, mas sim em conjugação de esforços nos quais a 6.ª Ré assumia uma posição de liderança mas que nada tinha a ver com as funções que todas desempenhavam na Autora, falece toda a argumentação da ausência de culpa.
Bem se andou na decisão recorrida em face da factualidade apurada em concluir que as 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés actuaram com culpa, pelo que, nesta parte é também de negar provimento ao recurso”; (cfr., fls. 1706).

Aliás, também o Tribunal Judicial de Base, (a propósito de idêntica argumentação pelas ora recorrentes), tinha já apontado que “Não está, porém, demonstrado que as 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª Rés tenham praticado os actos em obediência a ordens e instruções dadas pela 6.ª Ré, na qualidade de superior hierárquico.
Quanto aos motivos por que essa matéria não foi dada como provada, o tribunal colectivo deu a conhecer os respectivos fundamentos a fls. 1107 dos autos.
Assim, estando demonstrado que tais actos foram efectuados abusando da sua qualidade de empregadas da Autora, as 1.ª a 6.ª Rés actuaram com culpa”, (cfr., fls. 1161), valendo ainda a pena atentar no seguinte raciocínio de fls. 1107: “Quanto à razão por que as 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª Rés praticaram os actos acima elencados, das filmagens consegue ver-se que as mesmas agiram grande parte das vezes tentado camuflá-los evitando ser captadas pelas câmaras como foi já referido mais acima na página 13 do presente Acórdão. Por força dessa forma de actuação, não entendeu o tribunal que as mesmas actuaram por mera obediência hierárquica porque a 6.ª Ré lhes deu ordens sem que as mesmas pudessem desobedecer. Por isso, grande parte dos factos alegados por essas Rés constantes dos quesitos 27.º a 37.º não foi dada como provada”, e que ao apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita por estas 2ª a 4ª RR., consignou-se no Acórdão recorrido que: “Com base na parte já transcrita do Acórdão sobre as respostas à base instrutória a fls. 1107 o que se pode concluir é que não só não se provou que as 2.ª, 3.ª e 4.ª Rés actuaram no âmbito do dever de obediência a um superior hierárquico, como, bem antes pelo contrário, com base na fundamentação constante da decisão sobre a base instrutória e reproduzida o que resulta é que se percebe que tinham perfeita consciência que estavam a lesar os interesses da Autora e actuar de forma que não lhes era permitida, tudo fazendo para ocultar os seus actos e a retirada de fichas dos registos das câmaras de segurança”; (cfr., fls. 1705).

Tendo isto presente, cumpre apontar, (algo sinteticamente), que as “ilações” podem dividir-se em “presunções judiciais” e em “juízos de valor sobre a matéria de facto”, sendo que, estes últimos, tanto se podem apoiar em critérios “não normativos”, (critérios do “bom pai de família”, do “homem prudente” e em “regras de experiência”), ou em “critérios que dependem de valoração legal”.

In casu, será que o Tribunal de Segunda Instância retirou uma “ilação sobre a matéria de facto” para chegar à “conclusão de facto” e de “direito” a que chegou?

Ou seja, (por outras palavras), poder-se-á entender-se que o Tribunal de Segunda Instância, (depois de fixada a matéria de facto), fez a “sua interpretação”, extraindo “ilações” ou “conclusões” (indevidas)?

Ora, em nossa opinião, de sentido negativo é a resposta.

Com efeito, e como se retira dos trechos decisórios atrás referidos, a 2ª, 3ª e 4ª RR. não conseguiram provar que agiram no âmbito do seu alegado “dever de obediência”, estando por isso em causa matéria “não provada”.

Dest’arte, nenhum sentido faz supor-se que foram tiradas “ilações” quanto ao sentido da actuação destas 2ª a 4ª RR. a partir da matéria de facto dada como provada, quando, em bom rigor, o que sucedeu foi que as mesmas recorrentes – como era seu ónus – não conseguiram provar a matéria que haviam alegado para afastar a sua responsabilização, tendo tão só o Tribunal de Segunda Instância constatado o que, de forma natural, lógica e necessária, se retira da “decisão sobre a matéria de facto”.

Em todo o caso, (e seja como for), mesmo que fosse de admitir que o Tribunal de Segunda Instância efectuou um “juízo valorativo de facto”, (o que, como se viu, não foi o que sucedeu), importa também aqui referir que o mesmo não seria sindicável nesta sede, uma vez que o Tribunal de Última Instância “só pode censurar as conclusões ou desenvolvimentos feitos pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto fixada, se este infringir o seu limite, tirando conclusões que não correspondam ao seu desenvolvimento lógico”; (cfr., o Ac. deste T.U.I. de 28.05.2003, Proc. n.° 8/2003).

E, analisando a decisão recorrida, (nomeadamente os atrás transcritos excertos), sempre seria de considerar que não se extraíram conclusões que violem ou excedam qualquer (normal) desenvolvimento lógico da matéria de facto provada (ou dos elementos probatórios recolhidos nos autos), impondo-se, assim, a improcedência desta parte do recurso em questão.

Uma última nota sobre esta matéria se nos apresenta adequada.

É a seguinte.

Na pendência do presente recurso neste Tribunal de Última Instância, vieram as 2ª, 3ª e 4ª RR., ora recorrentes, juntar certidão do Acórdão pelo Colectivo do Tribunal Judicial de Base proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR5-21-0293-PCC, e invocando a sua “absolvição” aí decretada quanto à “matéria” da presente lide recursória, pedem sejam extraídas as devidas consequências em face do art. 579° do C.P.C.M. e do art. 477° do C.C.M.; (cfr., fls. 2004 e segs.).

Ora, independentemente do demais, muito não se mostra de dizer.

Vejamos.

Nos termos do art. 579° do C.P.C.M.:

“1. A decisão penal, transitada em julgado, que tenha absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.
2. A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil”.

E, preceitua o também invocado art. 477° do C.C.M. que:

“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Como tem a doutrina entendido: “Na generalidade dos casos, a prova da inexistência dum facto não altera a distribuição do ónus da prova: não provado o facto em processo penal, não se constitui a presunção do art. 674-A e o autor da acção civil continua onerado com a prova dos factos constitutivos do seu direito. Pode, porém, a absolvição basear-se na prova de factos impeditivos do efeito dos factos constitutivos que, de outro modo, levariam à condenação. Passa então a caber ao autor da acção civil o ónus de provar o contrário. Assim, por exemplo, nos casos em que o titular do direito à indemnização não tem de provar a culpa do devedor (…) a prova, no processo penal, de que o arguido actuou com a diligência devida onera o autor com a prova de que assim não foi e a actuação foi culposa. Isso mesmo revela o n.º 2, ao estabelecer que a presunção estabelecida pelo n.º 1 prevalece sobre outras “presunções” de culpa estabelecidas na lei civil. Não se trata, pois, da presunção da inexistência dum facto (como, com pouco rigor, se lê no preceito), mas da presunção da ocorrência do seu contrário. Por outro lado, a previsão do artigo em anotação não é integrada pela absolvição no processo penal por falta de prova dos factos imputados ao arguido, mas pela absolvição pela prova (positiva) de factos de que, na acção civil, ele teria de outro modo, o ónus”; (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in, “C.P.C. Anotado”, Vol. II, 2ª ed., pág. 728).

Assim, “a decisão penal que tiver absolvido o réu com fundamento em este não ter praticado os factos que lhe eram imputados constitui presunção legal ilidível da inexistência desses factos. Com este âmbito restrito é que funciona a presunção”; (cfr., v.g., Jacinto Rodrigues Bastos in, ob. cit., pág. 210).

Como também já decidiu este Tribunal de Última Instância, no seu Acórdão de 30.11.2007, Proc. n.° 10/2006:

“(…) a condenação penal serve como presunção da existência dos factos nela dados como provados, ao contrário do que se determinava a indiscutibilidade da decisão penal no antigo CPP.
Portanto, é de considerar aplicável o art.º 578.º do CPC nos presentes autos. Mas, mesmo assim, esta norma não tem virtualidade para alterar as conclusões referidas nos pontos anteriores”.

Aqui chegados, cabe voltar a referir que o Tribunal de Última Instância tem poderes de cognição bastante limitados em matéria de facto, sem prejuízo da possível junção de documentos supervenientes.

Com efeito, prescreve o art. 648° do C.P.C.M. que: “Com as alegações podem juntar-se apenas documentos supervenientes, sem prejuízo da inalterabilidade da matéria de facto”.

Estatuindo, também, o n.° 2 do art. 649° do C.P.C.M. que: “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Por sua vez, e como sabido é, “(…) o TUI, quando julgue em recurso, correspondente a 3.º grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito (n.º 2 do artigo 47.º, da LBOJ).
Este poder de cognição do TUI é semelhante aos poderes de cognição do STJ português, em matéria cível: compete-lhes apenas zelar pela boa aplicação do Direito, sendo menos importante a decisão do caso concreto. (…)
A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (n.º 2 do artigo 649.º).
O TUI no acórdão de 23 de Abril de 2003, Processo n.º 6/2003, decidiu que “Quando o Tribunal de Segunda Instância considere não provado um facto que esteja provado por meio de prova que constitua prova plena, pode o Tribunal de Última Instância alterar a decisão, nos termos do n.º 2 do artigo 649.º do Código de Processo Civil.
E no acórdão de 4 de Outubro de 2011, no Processo n.º 39/2011, entendeu que:
“Ainda que não conste como facto provado, do despacho dos factos assentes, nos termos do artigo 430.º e do julgamento da matéria de facto feito após a respectiva audiência, o juiz que profere a sentença deve considerar provado facto alegado por uma das partes e que esteja provado por meio de prova plena – por exemplo, por falta de impugnação nos articulados ou por confissão – podendo, também, ser considerado como tal pelo Tribunal de Segunda Instância, ainda que não haja recurso da matéria de facto pelo recorrente ou impugnação da matéria de facto pelo recorrido, a título subsidiário, ou pelo Tribunal de Última Instância””; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil”, 3ª ed., pág. 759 e 760).

A propósito de norma similar do anterior C.P.C. de Portugal, Jacinto Rodrigues Bastos refere que “O Supremo Tribunal de Justiça não julga a matéria de facto; só lhe cumpre decidir as questões de direito, e nesse sentido é que se diz que é um «tribunal de revista», embora tal característica seja igualmente aplicável ao julgamento, por ele, dos recursos de agravo que lhe cumpra conhecer. Esta regra resulta claramente do disposto no art. 729.º, em anotação ao qual alguns elementos se fornecem quanto a esse candente problema que é a distinção entre questões de facto e questões de direito. (…) O n.º 2 do preceito em anotação confirma esse mesmo princípio, abrindo-lhe, porém, duas excepções: a primeira, para a hipótese do tribunal recorrido ter dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; a segunda, quando se tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico. (…)”; (in ob. cit., pág. 277 e 278).

Ora, in casu, e como se viu, a decisão penal absolutória não vale mais do que como uma simples presunção da inexistência dum facto, (ou, com mais rigor, da ocorrência do facto contrário).

Isto é relevante porque, como indica José Alberto dos Reis a propósito de norma similar à do art. 648° do C.P.C.M., “De pouco podem servir os documentos juntos com as minutas ou antes delas. O artigo teve o cuidado de assinalar: sem prejuízo do disposto no § 2.º do art. 722.º e na 2.ª alínea do art. 729.º. Isto significa que, por se admitir a junção de documentos, não se segue que ao Supremo seja dado o poder de conhecer de matéria de facto ou de alterar a decisão da 2.ª instância quanto a tal matéria.
Mantém-se a índole do Supremo: é um tribunal de revista e não um tribunal de 3.ª instância; consequentemente, conhece somente de matéria de direito.
Sendo assim, há-de dizer-se que é puramente platónica a permissão de se juntarem documentos com as minutas. Para quê a junção, se o Supremo não pode tomá-los em conta, pois está vinculado ao julgamento de facto proferido pela 2.ª instância? (…)
Há um caso em que a junção de documento pode ser útil.
É o previsto na 1.ª excepção exarada no § 2.º do art. 722.º. A Relação deu como provado um acto ou um facto para que a lei exige determinada prova documental, sem que esta prova estivesse junta aos autos; recorreu-se de revista com o fundamento de violação da lei que exige a dita prova; o recorrido junta com a sua contra-minuta a prova documental, exigida pela lei, que não pudera oferecer na 2.ª instância. Neste caso o Supremo negará a revista, baseando-se no documento junto pelo recorrido.
Fora deste caso excepcional, os documentos podem servir para estabelecer ambiente favorável a quem os junta, podem contribuir para criar, no ânimo dos julgadores, determinada disposição ou inclinação, mas não podem autorizar o Supremo a revogar ou modificar o julgamento de facto emitido pelo tribunal de 2.ª instância”; (in “C.P.C. Anotado”, Vol. VI, pág. 70 e 71, entendimento que era também subscrito por Jacinto Rodrigues Bastos ao considerar, a propósito de norma similar à do art. 648° do C.P.C.M., que “esta disposição não alarga o poder cognitivo do Supremo relativamente à matéria de facto”; in ob. cit., pág. 282).

Também no recente Acórdão do S.T.J. de Portugal de 02.02.2023, Proc. n.° 9209/19, deixou-se dito o que segue:

“A pretendida junção verificou-se quando o processo já se encontrava neste Supremo Tribunal.
Por outro lado, importa ter em consideração a natureza dos documentos que podem ser juntos.
Vejamos o que, a propósito, diz Abrantes Geraldes, em anotação ao art. 680º, em Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 486:
«É mais restrita a possibilidade de apresentação de documentos no âmbito do recurso de revista, em comparação com o regime previsto para a apelação no art. 651.o para a apelação. Tal encontra justificação no facto de o Supremo ter intervenção privilegiada em questões de direito, só excecionalmente sendo admitido a pronunciar-se sobre questões de facto.
Neste contexto, uma vez que está praticamente vedado ao Supremo alterar a decisão da matéria de facto provada, a aplicabilidade do preceito está reservada para os casos em que as instâncias tenham considerado provado um facto para o qual a lei exigia prova documental (v.g. escritura pública ou certidão de registo), com violação do direito probatório material, sustentando-o apenas em prova testemunhal ou em confissão, situação que pode ser regularizada, sem prejudicar o resultado, mediante a junção de documento que seja superveníente.»
Salvo o devido respeito, aqui não está em jogo alguma dessas situações”.

Dest’arte, face ao que se deixa exposto, afigura-se que a junção da referida decisão penal não poderá ter qualquer efeito na matéria de facto fixada nos presentes autos.

4.2 Da alegada inexistência (de demonstração da existência) de danos sofridos pela A..

Na óptica das mesmas 2ª a 4ª RR., ora recorrentes, a matéria de facto não revela – claramente – se as fichas que foram levantadas pertencem “à A.” ou “aos seus clientes”, pelo que mal andou o Tribunal de Segunda Instância ao concluir que (os factos provados demonstravam que) a “A. teria sofrido prejuízos” por conta do levantamento das fichas da sua sala.

E, nesses termos, verificado (também) não estava o “elemento constitutivo do dano”, (exigido pela responsabilidade civil extracontratual), incorrendo o Acórdão recorrido em erro manifesto na interpretação e aplicação do art. 477°, n.° 1 do C.C.M..

Ora, (uma vez mais), procuram as ora recorrentes obscurecer a realidade com argumentos (enganosos) fruto de uma algo fértil imaginação.

Desde logo, importa atentar que, como – claramente – se apontou no Acórdão recorrido:

“(…) mais uma vez, trata-se de argumentação meramente especulativa uma vez que o que se deu como provado foi que as fichas foram retiradas da sala VIP da Autora nada se dizendo que hajam sido levantadas por débito em contas de clientes.
Destarte, tendo as fichas sido retiradas e não tendo sido repostas está verificado o prejuízo, como, e bem, se aprecia na sentença recorrida”; (cfr., fls. 1706-v).

Com efeito, (em sede dos presentes autos), está – mais que – demonstrado que a 2ª, a 3ª e a 4ª RR., enquanto funcionárias da A., se aproveitaram das suas funções e do acesso à tesouraria, (tudo como sem esforço se retira dos factos dados como provados nos quesitos 1°, 6°, 7°, 8°, 11°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 21°, 23° e 26° da base instrutória), para retirarem, (ou desviarem), fichas de jogo em montantes elevados da sala VIP operada pela A.; (cfr., resposta ao quesito 4° da base instrutória).

E, assim, qual o relevo em se saber se tais fichas estavam registadas nas “contas da Autora” ou “na conta dos seus clientes jogadores”?

A nosso ver, a resposta é manifestamente negativa, e só revela, no limite, uma errada compreensão da natureza e efeitos dos “contratos de depósito”, (que pudessem, eventualmente, estar em causa).

Na verdade, e como nos parece claro, a A., enquanto promotora de jogos de fortuna ou azar, celebrou “contratos de depósito (irregular)” de fichas, (coisas fungíveis), com os jogadores, e, naturalmente, estava obrigada a entregar fichas no mesmo valor a esses jogadores quando estes o requisitassem.

Ora, o “depósito irregular”, previsto no art. 1131° do C.C.M., é “aquele que tem por objecto coisas fungíveis, ou seja, aquelas que se determinam pelo seu género, quantidade e qualidade (…). O seu objecto não consiste por isso numa coisa certa mas antes uma quantidade de coisas não determinadas em espécie (uma quantia em dinheiro ou uma determinada quantidade de mercadorias), pressupondo as partes que a restituição corresponderá a outro tanto do mesmo género (tantundem iusdem generis)”, sendo que, “para haver depósito irregular, é necessário que as coisas depositadas sejam fungíveis (condição material), e que se pressuponha apenas a restituição do tantundem (condição psicológica)”; (cfr., v.g., Luís Menezes Leitão in, “Direito das Obrigações”, Vol. III, 4ª ed., pág. 493).

Dest’arte, e face ao disposto no seguinte art. 1132°, onde se prescreve que ao “depósito irregular” aplica-se o disposto no art. 1071° do mesmo Código, cabe pois concluir que as coisas fungíveis “tornam-se propriedade” do depositário “pelo facto da entrega”.

Com efeito, o depósito irregular é “um contrato real quoad effectum, o que implica que o risco das coisas depositadas se transfere para o depositário”; (cfr., v.g., Luís Menezes Leitão in, ob. cit., pág. 493).

Ou seja, por outras palavras, e ainda que se admitisse, por mera hipótese teórica, que as fichas se encontrassem registadas “nas contas dos clientes”, a verdade é que (sempre) se mostra de considerar a A. (como) a sua “proprietária”, (pois que as tinha “em seu poder” e “sob o seu domínio”), sendo, desta forma, (e finalmente), a mesma A. que acaba por sofrer as “consequências” (danosas) dos actos (ilícitos) praticados pelas 2ª, 3ª e 4ª RR., ora recorrentes.

No fundo, e o que se mostra de concluir, é que, em termos jurídicos, tais “fichas” vieram a ser “desviadas” do património da A., sendo esta a suportar o “dano”, (tudo, à imagem e semelhança, de resto, do que se passa no âmbito dos depósitos bancários, como se notou no Ac. do S.T.J. de Portugal de 14.01.2021, Proc. n.° 17878/16).

Nestes termos, qualquer outra “solução” seria cair na “confusão” em que as 2ª, 3ª e 4ª RR. procuram introduzir na situação dos autos, sendo pois irrelevante para o caso saber se as fichas foram levantadas de uma conta da A. ou das contas dos seus clientes.

4.3 Da alegada contradição com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Tribunal de Última Instância n.° 69/2010.

Por último, defendem ainda as ora recorrentes que havia “controvérsia” quanto ao valor em dívida até ao momento em que veio a ser proferida a decisão que liquidou a quantia a ser paga à A., o que impunha que a contagem dos juros só viesse a ser feita “após a decisão”, e não “a partir do momento da prática do acto ilícito”, solução esta que, na sua opinião, estaria em conformidade com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Tribunal de Última Instância de 02.03.2011, proferido no Proc. n.° 69/2010.

Como é bom de ver, está em causa saber se o crédito da A. era “líquido” ou “ilíquido”.

Como este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de salientar, (cfr., Ac. de 02.03.2022, Proc. n.° 94/2018), a “existência de controvérsia” quanto ao montante devido não se confunde com a “iliquidez da obrigação”, pois, “Se é certo que existe controvérsia sobre se são, ou não, devidas as quantias peticionadas, não pode tal facto beneficiar o devedor quando se conclui que efectivamente deve. De outro modo estaria encontrada a forma de livrar os devedores relapsos do pagamento de juros ...”; (cfr., também o Ac. do S.T.J. de 16.03.1999, Proc. n.° 142/99, C.J.S.T.J., Ano VII, Tomo I, 1999, pág. 167).

Assim, estamos perante aquilo que se pode designar por “iliquidez aparente”, que é aquela em que, “o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1ª parte do n° 3 do citado art. 805º”; (cfr., Ac. do S.T.J. de 18.01.2006, Proc. n.° 2840/05, C.J.S.T.J., n.° 189, Ano XIV, Tomo I, 2006, pág. 243).

Em face do exposto, claro está que as RR., ora recorrentes, pretendem apoiar-se numa “iliquidez meramente aparente” para defender a aplicabilidade do regime de contagem de juros consagrado no n.° 4 do art. 794° do C.C.M., quando essa norma pressupõe uma “iliquidez real”.

Nestes termos, os juros de mora deveriam ser, (e foram), contados ao abrigo do disposto no art. 794°, n.° 2, alínea b) do C.C.M., pelo que bem andou também aqui o Tribunal de Segunda Instância ao decidir pela improcedência deste fundamento de recurso, não estando em causa qualquer contradição com a decisão tomada por este Tribunal de Última Instância no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido no Proc. n.° 69/2010.

5. Do recurso da 5ª R..

Entende a ora recorrente que o Tribunal de Segunda Instância apreciou incorrectamente a matéria de facto e entrou em contradição, inviabilizando assim a decisão de direito.

Defende, ainda, que os actos por si praticados “não deviam nem podiam revelar a intenção de evitar ser capturada pela câmara de vídeo, mas o acórdão recorrido não deu uma explicação quanto a isto”, pelo que se verificariam deficiências e contradições no conteúdo do Acórdão.

Assim, considera verificada a situação “prevista na parte final do n.º 1 do artigo 650.º do Código de Processo Civil, por existir contradição na decisão de facto”, requerendo que o Tribunal de Última Instância ordene ao Tribunal de Segunda Instância que julgue novamente a parte impugnada do acórdão e determine a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade.

Ora, como já antes se apontou em relação ao recurso da A. sobre questão similar de alegada contradição na matéria de facto, o Tribunal de Última Instância não pode apreciar se o Tribunal de Segunda Instância andou mal ao considerar que inexistiam as contradições na matéria de facto, porque aí estamos perante uma “questão de facto” cujo conhecimento é vedado face ao disposto nos art°s 639° e 649° do C.P.C.M., já que em causa não está uma “apreciação indirecta” como aquela que é permitida pelo art. 650° do C.P.C.M., (visto que a ora recorrente como já o tinha feito perante a instância anterior, tão só pretende discutir o juízo de facto feito pelo Tribunal de Segunda Instância quanto à inexistência de contradições na matéria de facto).

Dest’arte, improcede o presente recurso.

6. Do recurso da 7ª R..

Para esta (7ª R.) ora recorrente, o Tribunal de Segunda Instância efectuou uma errada interpretação das normas jurídicas dos art.s 7°, n.° 2, in fine, e 335°, n.° 1 do C.C.M., e dos art°s 3°, 5°, 101°, 437°, 563° e 567° do C.P.C.M., as quais “impõem ao autor da acção o ónus de alegação e de prova”, pois que nada nos autos demonstra a existência de “conluio” ou do seu “envolvimento com as 3ª, 5ª e 6ª RR. para enganar, defraudar ou causar qualquer prejuízo à A.”, nada se tendo provado quanto aos actos ou omissões que foram planeados e colocados em prática por aquelas RR..

Defende, ainda, que a resposta dada ao quesito 26° da base instrutória configura um “flagrante e ostensivo juízo conclusivo” sem qualquer substanciação, pois que só se teria dado por provado que certas quantias teriam sido depositadas na conta da 7ª R. aberta junto da sala VIP I.

E, assim, dever-se-ia alterar a resposta dada ao quesito 26° da base instrutória, expurgando os segmentos em que se refere “em comunhão de esforços com a 7ª R.”, pois que o Tribunal recorrido violou as normas jurídicas apontadas, o que deve ser corrigido por este Tribunal de Última Instância, dando lugar à remessa dos autos ao Tribunal de Segunda Instância para efeitos do n.° 2 do art. 650° do C.P.C.M..

Feita esta síntese da alegação da ora recorrente, atente-se no trecho relevante da decisão recorrida:

“Ao lermos as alegações de recurso da 7ª Ré somos quase tentados a pensar que tem razão.
Porém, o que resulta da fundamentação da decisão recorrida é que em 22.01.2013 e 25.01.2013 (quesitos 9.º, 10.º e 16.º) foram depositados na conta da 7.ª Ré HKD25.000.000,00, sem que haja alguma tentativa de explicar o porquê, como se fosse a coisa mais natural depositar uma quantia destas na conta de outrem, sem que o dono da conta ao menos se inteirasse da proveniência do dinheiro uma vez que os depositantes são também elas funcionárias de uma sala VIP vizinha.
Ora, se as fichas são depositadas na conta da 7.ª Ré, se não há qualquer outra justificação para o efeito, a única conclusão possível é aquela que o tribunal “a quo” retirou de que esta estaria envolvida e conluiada com as Rés que fizeram os depósitos.
É exigível a um ser médio que ao aceitar que valores tão elevados sejam depositados na sua conta – ainda que se tratem de contas abertas em salas VIP em que se movimentam quantias elevadas – que saiba e indague no mínimo a proveniência dos mesmos. Dever esse acrescido pela responsabilidade de ser uma pessoa com uma posição de responsabilidade numa sala VIP e que tem consciência das normas e das regras de segurança quanto às obrigações para evitar fraudes e lavagem de dinheiro.
A conclusão que o tribunal recorrido retira de que a actuação destas Rés foi em comunhão de esforços é a única possível face à receptação na sua conta (da 7.ª Ré) dos valores que as outras Rés se apropriaram, sem, reitera-se, qualquer justificação minimamente plausível.
Assim sendo, também, ao recurso da 7.ª Ré quanto à resposta dada ao quesito 26.º da base instrutória terá de ser negado provimento”; (cfr., fls. 1708-v a 1709-v).

Como é bom de ver, não há aqui qualquer erro na interpretação e aplicação dos art.s 7°, n.° 2, in fine, e 335°, n.° 1 do C.C.M., e dos art°s 3°, 5°, 101°, 437°, 563° e 567° do C.P.C.M..

O que a 7ª R., ora recorrente, apenas tenta fazer, é recorrer a essas normas jurídicas para, encapotadamente, procurar colocar em causa o “juízo” que está na base da “decisão de facto”, ciente como está de que este Tribunal de Última Instância não tem os necessários poderes de cognição.

Admitindo-se, porém, que se pretende defender que foram retiradas “ilações” ou feitas “presunções inadmissíveis”, cabe então dizer que se apresenta como indiscutível que as Instâncias, no âmbito dos seus poderes de “livre apreciação da prova”, podem recorrer a presunções ou tirar ilações e efectuar juízos de facto a partir dos elementos probatórios recolhidos nos autos e daquilo que se considerou provado, sendo que, como já antes se disse, o Tribunal de Última Instância “só pode censurar as conclusões ou desenvolvimentos feitos pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto fixada, se este infringir o seu limite, tirando conclusões que não correspondam ao seu desenvolvimento lógico”; (cfr., o citado Ac. de 28.05.2003, Proc. n.° 8/2003).

E, uma vez mais, analisando o teor e raciocínio contido na decisão recorrida, (nomeadamente, a parte da transcrição relevante atrás efectuada), manifesto se nos apresenta que nada ofende o “desenvolvimento lógico” da matéria de facto provada ou dos elementos probatórios recolhidos nos autos.

Aliás, um espírito de “verdadeira cooperação para a descoberta da verdade”, (cfr., art. 8° do C.P.C.M.), devia antes impor à ora recorrente, que confrontada com os factos invocados pela A., se dispusesse a (tentar) esclarecer a “situação do depósito na sua conta”, e, eventualmente, cremos nós, a devolver as quantias ali depositadas, ao invés de procurar, através de impugnações e silêncios convenientes, (tentar) eximir-se a tal devolução com base numa alegada “insuficiência da matéria de facto”…

Dest’arte, e tudo visto, imperativo é também julgar improcedente o recurso apresentado pela (7ª R.) ora recorrente.

Decisão

7. Em face de tudo o que se deixou exposto, em conferência, acordam negar provimento aos recursos, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pelas recorrentes.

Registe e notifique.

Macau, aos 03 de Julho de 2024


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei

1 Quanto à validade da confissão feita nos articulados ainda que o mandatário não tenha poderes para o efeito veja-se em jurisprudência comparada Acórdão do STJ de 03.06.2004, Proc. 04B1849 citado por João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho em Código Civil de Macau Anotado e Comentado Vol. V, pág. 277.
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Proc. 33/2021 Pág. 24

Proc. 33/2021 Pág. 25