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Processo n.º 720/2024
(Autos de recurso cível)

Data: 27/Fevereiro/2025

Recorrente:
- Sociedade de Importação e Exportação A Limitada (ré)

Recorridos:
- B e C (autores)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de acção ordinária movida por B e C, devidamente identificados nos autos (doravante designados por “autores” ou “recorridos”), contra a Sociedade de Importação e Exportação A Limitada (doravante designada por “ré” ou “recorrente”), a acção foi julgada parcialmente procedente.
Inconformada, a ré interpôs recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
     “1ª Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD$3.862.200,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 9,75% ao ano, a contar desde a data da citação da Recorrente e até integral pagamento.
     2ª A qualificação do contrato trata-se de uma operação puramente jurídica que passa pela interpretação das suas cláusulas, tendo em conta as regras contidas nos artigos 228º (sentido normal da declaração), 229º (casos duvidosos) e 230º (negócios formais) do Código Civil (CC).
     3ª O que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
     4ª Mas mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que, por todo o exposto em sede de alegação do presente Recurso quanto à interpretação das declarações negociais, as quantias que a Recorrente recebeu configuram um cumprimento antecipado tendo em vista a satisfação de obrigação futura.
     5ª Para a interpretação das declarações negociais relevam todas as circunstâncias que acompanhem a conclusão do contrato e possam, objectivamente, inculcar num declaratário hipotético, razoável e cuidadoso, colocado na posição do declaratário real, um determinado sentido para a declaração (Teoria da Impressão do Declaratário).
     6ª Essas circunstâncias ou elementos são: a letra do negócio, os textos circundantes, os antecedentes, a prática negocial, o contexto e o fim tido em vista pelas partes.
     7ª A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
     8ª Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
     9ª Deste modo, estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
     10ª Como refere Menezes Cordeiro no Parecer Jurídico ora junto, essas prestações devem ser qualificadas como “reserva” e não como “sinal” (vd. págs. 67 e 68 do Parecer).
     11ª Por seu turno, a cláusula 22ª do mesmo contrato afasta, tacitamente, a possibilidade de a Recorrente poder fazer obras nas próprias fracções.
     12ª O que, salvo melhor opinião, significa que os poderes da Recorrente se circunscrevem à estrutura e à concepção estética do edifício e que, quanto às fracções autónomas transacionadas, os adquirentes são livres de as decorar e apetrechar conforme lhes aprouver, desde que não interfiram com a estrutura e estética do edifício.
     13ª A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro.
     14ª Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
     15ª É o artigo 418º do CC que indica que, em contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão.
     16ª É esta a solução legal pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
     17ª Finalmente, com a entrega da fracção construída, a Recorrente fica totalmente desligada das razões que estavam na base de tal cláusula, pelo que desaparece a sua aplicabilidade. Falece, assim, a dúvida suscitada nas págs. 36 e 37 da douta sentença recorrida.
     18ª Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, tal circunstância não serve para se qualificar o contrato em apreço como um contrato-promessa tipificado na lei.
     19ª Decorre da lei, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, a necessidade de celebração de um segundo contrato ou escritura.
     20ª A celebração de tal escritura é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial.
     21ª Conforme refere Menezes Cordeiro no Parecer Jurídico ora junto, há situações de dever de contratar de novo futuramente que não se reconduzem a contratos-promessa, como por exemplo o acordo de reserva, e todos os deveres postulados num contrato-promessa visam apenas a celebração do contrato definitivo (cfr. págs. 33 e 42).
     22ª Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
     23ª Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, a certidão predial da fracção em causa, os recibos de pagamento de fls. 61 a 66 e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo (fls. 59), apontam para uma perspectivação dos contraentes outra que não a de estarem a celebrar uma mera promessa.
     24ª Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
     25ª Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes ‘contratos-promessa’ têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
     26ª In casu, um imóvel a ser construído fica reservado a favor de uma das partes a qual, por ele, paga uma certa quantia.
     27ª Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma. É este o fim do negócio tido em mente pelas partes.
     28ª Mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que, por todo o exposto, que aqui se dá por reproduzido, as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil.
     29º Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
     30º Com efeito, provado está, que o prazo para a apreciação dos projectos constante da cláusula 5º, n.º 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n. º 160/SATOP/9 (60 dias), foi repetida e injustificadamente violado pelos Serviços da RAEM.
     31ª Resultou provado que a DSSOPT não cumpriu o supra referido prazo contratado tendo directamente causado a perda de mais de 4 anos do prazo de aproveitamento de que a Recorrente dispunha para concluir o empreendimento “XX Horizon”.
     32ª E que bastariam à Recorrente 3 anos para o concluir.
     33ª Pelo que, provado está que se não fosse aquele anormal consumo de tempo, a Recorrente teria podido dar pleno cumprimento às suas obrigações, nomeadamente, construir e prontamente entregar a fracção autónoma aos Recorridos.
     34ª Tanto basta para que se considere não ser imputável à Recorrente a referida impossibilidade de cumprimento do contrato em causa, uma vez que foram actos praticados não pela Recorrente mas por terceiro, que conduziram à impossibilidade.
     35ª Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
     36ª Após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “XX Horizon”, comunicada á Recorrente em 07/01/2011 (cfr. fls. 350 dos autos), qualquer promotor imobiliário em Macau colocaria as fracções autónomas em projecto (aprovado), a construir, no mercado.
     37ª Isto porque, naturalmente, se não for emitida em simultâneo a licença para se dar início à construção, é de prever que seja a mesma emitida quase em seguida, caso contrário, não se teria aprovado o projecto de arquitectura.
     38ª Não era previsível que a DSSOPT fizesse depender a emissão dessa licença da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA, como infelizmente o fez.
     39ª Essa falta de previsibilidade é evidente e resulta ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
     40ª Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3º do CPA), ao princípio da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4º do CPA) , ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8º e 9º do CPA) deve, em contrário, entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
     41ª E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
     42ª Com efeito, do mencionado Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 350, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
     43ª No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
     44ª Se já era imprevisível fazer depender a emissão da licença de construção da aprovação de um relatório de impacto ambiental já após a aprovação do projecto de arquitectura, muito mais era de esperar que a DSSOPT e a DSPA demorariam quase 3 anos num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
     45ª D’outro passo, a douta sentença recorrida refere que a actuação da DSSOPT e da DSPA não se revestia de autoridade pública, mas, com todo o respeito e salvo melhor opinião, ao assim entender desconsidera-a e não efectua uma correcta configuração dessa actuação.
     46ª A DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, sob as mesmas vestes que actuam relativamente a qualquer privado.
     47ª A actuação da RAEM sempre seria inultrapassável. Os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
     48ª A única forma de procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
     49ª E um recurso contencioso de anulação demora anos até ao trânsito em julgado. E após esse trânsito, sempre importaria aferir se os serviços da RAEM praticariam os actos necessários ao início da construção ou se, pelo contrário, ainda seria necessário avançar-se para a execução de sentença. O que, manifestamente, deixaria Recorridos e Recorrente na mesma situação em que estão hoje.
     50ª Ou seja, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
     51ª Está-se perante actuações de autoridade pública (cfr. PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Almedina, 1995, p. 135bv) que praticaram actos cujo efeito prático foi impedir que a construção tivesse início atempado e prosseguisse até final. E cuja relevância opera, precisamente, após o contrato que a Recorrente celebrou com os Recorridos.
     52ª Também não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco do contrato em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
     53ª Os Recorridos sabiam perfeitamente que haviam adquirido um bem que não existia à data do contrato que celebraram e que, no momento em que celebraram o contrato, a construção ainda não se tinha iniciado.
     54ª Ou seja, a Recorrente não ludibriou os Recorridos, não os induziu em erro (cfr. Ferreira de Almeida, Contratos I - Conceito, Fontes, Formação, 6ª Edição, Almedina, 2017, pp. 233-236) não os trouxe para dentro da sua esfera de risco, não lhes sonegou informação que devesse prestar e, muito menos, não estimava que o contrato não pudesse ser cumprido. Se tivesse previsto essa possibilidade, não teria celebrado o contrato.
     55ª Aliás, “Só poderá nascer um dever de informação na esfera jurídica da contraparte nas negociações quando a parte que poderia ser credora da prestação da informação cumpriu o seu ónus de auto-informação, ou seja, fez tudo o que se encontrava razoavelmente ao seu alcance para se auto-informar” (SÓNIA MOREIRA DA SILVA, Da responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação, Almedina, 2021).
     56ª Por outro lado, o bem objecto do contrato em causa trata-se da coisa absolutamente futura a que se refere o artigo 202º, n.º 2, do CC. Neste caso, a primeira obrigação da Recorrente é a de “exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato” (cfr. artigo 870º, n.º 1, do CC).
     57ª Ora, foi precisamente este o sentido de toda a conduta da Recorrente que fez tudo o que estava ao seu alcance para alcançar a construção e a disponibilização aos Recorridos da fracção que estes adquiriram.
     58ª De resto, no quadro da responsabilidade pré-contratual (artigo 219º do CC), caberia aos Recorridos fazer prova da ilicitude incorrida o que, atendendo à matéria de facto provada, não sucedeu. E, em todo o caso, esta responsabilidade sempre prescreveria no prazo de 3 anos a que se refere o artigo 491º do CCM.
     59ª Acresce que entre o momento da celebração do contrato (9 de Março de 2012) e o momento do termo do prazo da concessão (25/12/2015), havia tempo suficiente para concluir a construção. Assim os serviços da RAEM não obstaculizassem o início da construção. O que, como é sabido, veio a suceder.
     60ª Não houve, pois, qualquer violação do dever objectivo de cuidado por parte da Recorrente.
     61ª Já quanto à indemnização a arbitrar a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 784º/1 do Código Civil (CC), não sendo a impossibilidade imputável ao devedor, o credor fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
     62ª Mesmo a haver contrato-promessa, o regime aplicável seria o do contrato-definitivo, nos termos do artigo 404º/1, 1ª parte, do CC, pelo que teria plena aplicação o artigo 870º/1 do mesmo Código (venda de bens futuros), seguindo-se as regras da impossibilidade superveniente não-imputável ao vendedor e, como tal, liberatória.
     63ª Aplicando-se ao caso subjudice as regras do enriquecimento sem causa, o valor total da indemnização cifra-se em HKD$1.931.000,00, acrescido dos respectivos juros de mora.
     64ª Se por hipótese se considerar que o contrato em apreço se trata de um típico contrato-promessa, afigura-se que, contrariamente ao que reza a douta sentença recorrida, seria manifestamente excessiva a condenação da Recorrente no pagamento do dobro das quantias que recebeu, devendo antes arbitrar-se uma compensação com base em critérios de Equidade, nos termos dos artigos 436º/5 e 801º do CC.
     65ª Com efeito, foi dado por provado que os Recorridos vão receber uma fracção autónoma de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção que constitui o objecto do contrato aqui em causa, cujo valor de mercado será bastante superior ao valor inicialmente pago por eles.
     66ª E que existe um nexo de causalidade entre esta situação e o dano efectivo que os Recorridos terão sofrido em função do incumprimento contratual imputado à Recorrente, por força do disposto no nº 1 do Despacho do Chefe do Executivo 89/19, de 30 de Maio.
     67ª Assim, temos que os Recorridos gastaram perto de HKD$2.000.000,00 para pagar 30% de um imóvel que receberiam em 2015 ou 2016 e que valeria cerca de HKD$6.000.000,00, mas, não o tendo recebido nessa altura, vão recebê-lo em 2024 ou 2025, altura em que valerá bastante mais.
     68ª Tanto basta para se constatar que condenar a Recorrente no pagamento aos Recorridos de ainda outros HKD$4.000.000,00 é manifestamente excessivo.
     69ª A RAEM tomou também a iniciativa de reembolsar os Recorridos da totalidade do imposto de selo anteriormente pago por conta do contrato em discussão.
     70ª Se na busca de uma decisão mais justa e equilibrada se afastar, como defende a Recorrente, uma indemnização no valor de HKD$4.000.000,00 por ser manifestamente excessiva, é possível e desejável que se opte por uma solução por equidade, conforme subsidiariamente requerido pela Recorrente.
     71ª Sem ter optado por uma solução por equidade, a douta sentença recorrida não pôde tomar em conta que os Recorridos vão acabar por obter uma fracção sucedânea da que tinham contratado com a Recorrente pelo preço entre ambas contratado.
     72ª E também acabou por não poder tomar em conta na sua decisão que se a culpa da Recorrente não é nula, é pelo menos levíssima, uma vez que ficou provado que a conduta da Administração esteve directamente na origem da impossibilidade do aproveitamento do terreno dentro dos prazos contratados.
     73ª Acresce ser facto notório que a Recorrente celebrou milhares de contratos idênticos aos dos presentes autos, os quais não foi possível cumprir pelas mesmas razões e circunstâncias, pelo que existe uma impossibilidade de cumprimento global que devia seguramente receber tratamento diferenciado, mas que também não pode ser ponderada na decisão a tomar caso esta não radique na equidade.
     74ª Ponderando-se em todos estes factos, na óptica da Recorrente a douta sentença deveria, com todo o respeito, pelo menos arbitrar uma indemnização com base em juízos de equidade ao abrigo do artigo 801º do CC, aplicável ex vi do artigo 436º/5 do mesmo Código.
     75ª Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação do artigo 556º do Código de Processo Civil e dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 784º/1 e 801º do Código Civil.
     Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.”
*
Ao recurso responderam os autores, tendo apresentado as seguintes conclusões alegatórias:
“1. 針對本案判決,上訴人提出了上訴,主要分為(A)合同定性 (B)不可歸責於上訴人之不履行,以及(C)賠償金額。
     2. 在尊重上訴人見解的前提下,被上訴人認為原審法院所作出之判決正確,因此並不能同意上訴人之見解。
     A. 合同定性方面
     3. 上訴人認為涉案合同應為「預留合同」或「將來物的買賣合同」。而且,作為補充,上訴人主張即使涉案合同為一預約買賣合同,亦應按《民法典》第434條所指的提前履行,故有關不履行所支付的賠償僅應為已付之樓款。
     4. 被上訴人對以上見解表示尊重,但被上訴人認為並無道理。
     5. 首先,根據《民法典》第404條第1款規定,預約買賣不動產合同的特點及目的,係為了將來以同樣的條件簽署買賣公證書。
     6. 本案中,在合同的文字上,根據卷宗內第55頁至第59頁之涉案合同,標題上為《海一居樓宇買賣預約合約》。
     7. 合同第5條則將《民法典》第436條第2款中預約買賣合同之「沒收」定金之機制加入至合同內容中。
     8. 合同第15條明確規定,被上訴人有義務在收到上訴人通知後七天內前往上訴人之辦事處簽署買賣公證書。
     9. 合同第9條以及第22條,分別可見,被上訴人在簽署買賣公證書前仍受制於上訴人 — 無論對於其合同地位之移轉,抑或對於大廈外部與內部之外觀装修,均取決於甲方(即真正業權人)作出決定。
     10. 以上各種表述,均可以見到即使在簽署涉案合同後,被上訴人仍未取得所有人的權利,且有義務與上訴人簽署買賣公證書 — 由此可見原審法院將涉案合同定性為預約買賣合同正確無誤。
     11. 至於上訴人所主張涉案合同第10條以及第12條為買賣將來物合同才會有的條款,如果涉案合同為一買賣將來物之合同,被上訴人為何在簽署涉案合同後,仍要就這些「水、電錶」費用以及管理費用進行規管,並作為預約買賣合同的義務的一部份支付相關費用?
     12. 再者,雖然上訴人主張其所發出的收據中所寫的文字為「訂金(depósito)」而非「定金」,但相信作為一般受意人,均為未區分這兩個表述,即使係現樓預約買賣,均習慣以「落訂」或「落大訂」作為定金的表述。
     13. 但無論有關字眼上表述為哪一個也好,根據《民法典》第435條規定,均推定為定金。
     14. 另外,按照已證事實第13條至第16條,涉案合同係由上訴人所準備,以上合同上的文字,均為上訴人所草擬。因此,實在是難以理解上訴人一方面主張在歷史上樓花法生效前法律並未有就買賣在建樓宇的形式進行規管、卻又一方面準備《海一居樓宇買賣預約合約》(而非《海一居樓宇買賣合同》)予被上訴人簽署,而最後卻主張有關合同並非預約買賣合同而是所謂的「預留合同」或「將來物的買賣合同」。
     15. 還須強調的是,卷宗第48頁顯示在樓花法生效之後被上訴人係以第7/2013號法律第10條第3款作出登記 — 即上訴人所主張登記的依據為預約買受人名義以及預約買賣合同,而這一依據係獲作為第三方的物業登記局。
     16. 因此,無論係文字上、背景上、歷史上以及目的上,均只能得出涉案合同為受《民法典》第404條、第435條以及第436條所規管之預約買賣合同。
     17. 而法律上,無論係「將來物之買賣合同」,抑或「預留合同」,均明顯不適用於本案中。
     18. 「將來物之買賣合同」受買賣合同的規定所約束,在司法上以及學說上均認為,簽署上述合同後無須另外再簽署其它合同,因為其物權在簽署將來物之買賣合同的時候已獲得轉讓。而由於將來物為一不動產,根據同一法典第866條,需要採用公證書成立,否則根據第212條,為無效的合同。
     19. 因此,如上訴人有意與被上訴人簽署將來物的買賣合同,作為經驗豐富的發展商,顯然而見會選擇公證書而非準備一「無效」的合同去約束被上訴人。
     20. 而就上訴人所主張的「預留合同」,可參考里斯本中級法院於第25178/20.3T8LSB.L1-7號案中之見解,當中表示「預留合同」屬於雙方的意願以及條件仍未確認時所簽署的合同,通常早於預約買賣合同所簽署。
     21. 然而從涉案合同內容中可見,明顯已遠超「預留合同」所規管之範籌。
     22. 綜上,上訴人為着規避定金制度的適用而將同一份合同定性為兩種大相逕庭之合同之理據,係明顯不成立的。
     23. 加上,在相類似的案件中,中級法院第 22/2024號案件中,亦將同類合同定性為預約買賣合同。因此,就原審法院將合同定性為預約買賣合同一部份應予維持。
     24. 至於上訴人作為補充,倘涉案合同為預約買賣合同,其所主張被上訴人所支付的款項為《民法典》第434條所指的提前履行亦無道理。
     25. 由於被上訴人享有同一法典第435條中的法律推定,應由上訴人根據同一法典第337條推翻推定,證明被上訴人所支付的HKD1,931,000.00均非為定金。
     26. 然而,從事實事宜裁判中,針對相關事實(調查基礎事實第5條)的回答為不獲證實。加上,在本上訴理由陳述中,上訴人並沒有根據《民事訴訟法典》第599條第1款就不獲證實的事實事宜裁判提出爭執。
     27. 在沒有任何已證事實支撐上訴人單方面之說辭下,上訴人這一部份理據之上訴理由應同樣視為不成立。
     B. 關於不可歸責於上訴人之不履行
     28. 針對原審法院判處上訴人在本案中是否存在過錯方面,被上訴人完全同意原審法院之理解。
     29. 針對上訴人一再重覆行政當局之過錯的問題,正如被上訴人一如既往的主張,是上訴人沒能重新獲行政當局批給「P」地段,因為其未能在租賃期內完成利用,將相關批給由臨時性轉為確定性。因此,上訴人不能履行合約的原因,完全是可預見,且可避免的。
     30. 而且,行政當局從來不是涉案合同的任一主體,故被上訴人不可能知悉行政當局的行為。
     31. 正如《民法典》第400條第2款,以及葡萄牙最高法院2012年5月29日在第3987/07.9TBAVR.C1.S1號合議庭裁判中的見解,只有第三人存有權利濫用之情況下,即極端情況下,合同才對第三人產生效力。而本案中,未能證實行政當局存有權利濫用之情況。
     32. 再者,在372/19-RA、352/19-RA 及359/19-RA號案中,數百名海一居預約買受人曾針對特區提出賠償請求,當中行政法院裁定該等預約買受人的理據不成立,因為特區並未對其有任何過錯,更未存在權利濫用之情況。
     33. 因此,上訴人所主張的不可歸責於其之不能履行,係明顯不能成立的。
     34. 至於上訴人認為被上訴人係自願承擔相關風險,且告知義務僅為合同前責任,因此相關追訴時效已過一部份,除了必要的尊重外,被上訴人完全不能認同。
     35. 首先,上訴人係發展商,只有其與行政當局進行接洽,因此,到底行政當局在履行中是否有遲延,預計到底何時才能建涉案物業,這屬於上訴人才能知悉的事宜。但在與被上訴人接洽的過程中,上訴人從未披露有關風險。
     36. 上訴人在2011年1月7日已知悉,有關工程計劃係要在其主張從未出現過之環評報告通過後才能發出施工准照,但在經過接近2年時間仍未通過環評報告、且未知道何時會獲得通過該報告時,在2012年12月19日,與被上訴人簽署涉案合同(見已證事實第2條)。
     37. 根據善良家父的標準,上訴人在簽署涉案合同時,係有能力預見不獲得批給續期而無法「交樓」予被上訴人 — 但上訴人卻在行政當局並沒確保批給會予以續期時,仍與被上訴人簽署涉案合同。
     38. 再者,根據已證事實第7條,上訴人在2013年10月24日獲得工程准照,倘如上訴人所主張僅需要3年時間便能完成涉案樓宇,即無可能在批給期限內(2015年12月25日)完成涉案樓宇,那麼為何仍然在這日期之後,向被上訴人分別收取定金HKD321,850.00,而且,在收取相關樓款前為何不告知被上訴人相關事實?
     39. 由始可見,無論係簽署合同前抑或履行合同的過程中,上訴人均為過份自信地認為即使沒有任何法律依據之情況下,仍可獲得租賃批給續期或延期,又或重新獲得行政當局批給“P”地段,也無履行其告知義務。
     40. 除此之外,告知義務來自於善意原則,因此無論是合同前抑或履行合同的過程中均需要遵守。然而,上訴人從未遵守有關告知義務,亦未遵守以善良家父為標準的行為守則。
     41. 最後,上訴人所主張的時效問題係明顯不適時,因為時效屬永久抗辯,根據《民事訴訟法典》第407條第2款項,有關主張應在答辯狀中指出。
     42. 且根據《民法典》第296條第1款之規定,法院不能依職權審理有關問題。
     43. 基於此,原審法院在認同上訴人在履行合同中有過錯這一部份正確無誤,應維持原審法院之判決。
     C. 關於賠償金額
     44. 上訴人認為,根據上述見解,應按照不當得利的制度,向被上訴人返還其曾支付的款項,且認為應適用衡平原則,因為被上訴人的損害其實已經透過置換房而獲得彌補,而置換房的價值市場價值更高,被上訴人所應獲得賠償的金額應僅為HKD2,896,650.00,以及相關利息僅在判決作出之日起開始計算。
     45. 被上訴人同樣不認同上訴人上述主張。
     46. 在本案中,既然已經證實了上訴人與被上訴人之間存在《海一居樓宇買賣預約合約》之合同關係,也證實了基於上訴人之過錯不履行而無法簽署買賣公證書,無論如何也不應適用不當得利的規定。
     47. 至於上訴人主張補充適用衡平原則一部份亦無道理。
     48. 根據第8/2019號法律第3條規定,置換房並無補償性質,被上訴人僅僅是因為上訴人的原因獲得購買的資格,而不是因為上訴人而被批准以無償方式取得有關單位。
     49. 況且,置換房都仍未建造完畢,被上訴人亦無法得知何時完工,更未知有關單位的建造質量以及將來價值。
     50. 事隔十二年,上訴人仍未對被上訴人作出過任何賠償,而所有貸款條件已經不相同,最後被上訴人是否仍有能力購入置換房,一切均為未知之數。這種情況下,一個可以購入置換房單位的機會,怎能談得是對被上訴人的補償。
     51. 再者,上訴人既不是建造置換房之人,亦沒有為被上訴人支付置換房單位全部樓款,又怎能以此為理由,減低上訴人因過錯而導致確定不履行所需作出的賠償。
     52. 這樣的話,更加無法證實原審法院所述的由澳門政府建設的置換房令到上訴人的確定不履行變得遲延履行的說法 ― 上訴人無法向被上訴人履行提供涉案單位的這一義務已是毫無爭議的,且原審法院在被上訴判決中亦已認同這一說法。
     53. 自然地,被上訴人取得置換房的這一事實並不會令到上訴人的確定不履行轉為/變得更像遲延履行,也無法彌補被上訴人承擔的損失。
     54. 綜上,上訴人這一部份的理據應同樣不成立。
     綜上所述,敬請中級法院裁定上訴人上訴理由不成立,維持原審法院之判決。”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizado o julgamento, a primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A ré foi concessionária de um terreno onde, para fins comerciais, pretendia construir um imóvel constituído por várias fracções autónomas.
2. Por acordo escrito em 19 de Dezembro de 2012 que se mostra junto a fls. 56 a 59 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, a ré prometeu vender aos autores pelo preço de HKD6.437.000,00 uma das fracções autónomas do imóvel que pretendia construir.
3. Com vista à aquisição da fracção autónoma prometida vender, os autores pagaram à ré a quantia de HKD1.931.100,00, assim fraccionada:
- HKD643.700,00 em 19 de Dezembro de 2012;
- HKD321.850,00 em 13 de Junho de 2013;
- HKD321.850,00 em 14 de Dezembro de 2013;
- HKD321.850,00 em 14 de Junho de 2014;
- HKD321.850,00 em 15 de Dezembro de 2014;
4. Presentemente a ré já não é concessionária do referido terreno.
5. A concessão terminou porque foi declarada a sua caducidade com fundamento no facto de a ré não ter procedido ao aproveitamento do terreno concessionado no respectivo prazo de aproveitamento de 25 anos que terminou em 25 de Dezembro de 2015.
6. No dia 29 de Janeiro de 2016 foi publicado no Boletim Oficial da RAEM o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas com o n.º 6/2016 tornando público que por despacho do Chefe do Executivo de 28 de Janeiro de 2016 foi declarada a caducidade da concessão referida em A) e E).
7. Entre o então Território de Macau e a ré foi acordada no ano de 1990 a concessão por arrendamento de um terreno denominado “Lote P” para ser desenvolvido pela ré para fins industriais;
- Acordaram também que o então Território de Macau apreciaria no prazo de 60 dias os projectos que lhe fossem apresentados pela ré;
- Não acordaram qualquer limite para a extensão de fachadas dos edifícios a construir nem qualquer limite mínimo de afastamento entre eles;
- Acordaram que a ré respeitaria os padrões internacionais em matéria ambiental e não acordaram que a ré deveria fazer estudos de impacto ambiental dos edifícios que iria construir nem que devia apresentar relatórios desses estudos;
- Posteriormente, em 2006, a RAEM e a ré acordaram alterar o referido acordo de concessão para a ré desenvolver no terreno um empreendimento para fins de habitação e comércio construindo um edifício com determinadas áreas brutas de construção, o qual se configuraria num pódio de cinco pisos no qual assentariam em 18 torres de 47 pisos cada uma;
- Acordaram que o prazo para desenvolver o terreno com a referida construção era de 96 meses, iniciava em 1 de Março de 2006 e terminava em 28 de Fevereiro de 2014;
- Acordaram que a concessão terminava em 25/12/2015;
- Mas, assim como em 1990, também não acordaram qualquer limite para a extensão das fachadas das torres a construir nem qualquer limite mínimo de afastamento entre elas;
- Com vista a acordarem alterar o acordo de 1990, em 2004 e 2005, a ré requereu à DSSOPT a emissão de duas Plantas de Alinhamento Oficial, que foram emitidas sem referência a qualquer condicionamento urbanístico relativo a extensão de fachadas e a afastamento entre torres;
- Também com vista a acordarem alterar o acordo de 1990, em 2004 e 2005, a ré apresentou à DSSOPT um estudo prévio que num dos seus elementos componentes junto a fls. 234 constava o desenho, em planta, das torres a construir, algumas das quais distavam das mais próximas não mais de três metros;
- Em 06/05/2008 a ré apresentou à DSSOPT para apreciação um projecto de arquitectura com vista ao desenvolvimento do terreno concessionado;
- A DSSOPT não se pronunciou sobre este projecto;
- Em 22/10/2009 a ré apresentou à DSSOPT outro projecto de arquitectura com vista ao desenvolvimento do terreno concessionado, o qual projectava as respectivas 18 torres com fachadas de extensão não superior a 50 metros e nem todas com distanciamento entre si igual ou superior a 1/6 da altura da torre mais alta;
- A DSSOPT apreciou este projecto e enviou à ré em 9/4/2010 um ofício e uma PAO exigindo alterações técnicas e sugerindo que a extensão das fachadas das torres não excedesse 50 metros e que as torres tivessem um afastamento entre elas não inferior a 1/6 da altura da mais alta;
- A ré respondeu em 3/6/2010, alterando o projecto de arquitectura acolhendo as referidas exigências técnicas feitas pela DSSOP, mas não acolhendo nem aceitando acolher a sugestão de afastamento mínimo entre as torres;
- A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo de do impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
- Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
- Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013 foi aprovado o último relatório apresentado;
Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
- Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “XX Horizon” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 1º a 4º)
8. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 6.º)
9. Tal requerimento foi deferido. (Q 7.º)
10. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea B) dos Factos Assentes. (Q 8.º)
11. Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque são compradores de uma fracção autónoma à Ré, a construir no mesmo terreno. (Q 9.º)
12. O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 10.º)
13. O “Contrato-promessa de compra e venda de imóvel do Edifício “XX Horizon””, ora em discussão, foi previamente preparado pela ré. (Q 11.º)
14. O contrato supracitado é um contrato-tipo, usado pela ré nos inúmeros casos de promessa de compra e venda dos imóveis do Edifício “XX Horizon”. (Q 12.º)
15. No decurso da elaboração do referido contrato, a autora limitou-se a fornecer os seus dados de identificação, sendo todas as cláusulas, inalteráveis, previamente estabelecidas pela ré. (Q 13.º)
16. A autora podia pedir os esclarecimentos e fazer as contrapropostas que entendesse, mas apenas podia optar por aceitar ou recusar as cláusulas contratuais previamente estabelecidas pela Ré. (Q 14.º)
17. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM: (Q 15.º)
i. Emitiram licença de obras de fundação em 2/1/2014;
ii. Prorrogaram o prazo de aproveitamento em 29/7/2014;
iii. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento.
*
No presente caso, a ré, inconformada com a decisão proferida pela primeira instância, que julgou parcialmente procedente a acção movida pelos autores, resultando na declaração de resolução do contrato celebrado entre as partes e na condenação da ré ao pagamento do dobro do sinal, acrescido de juros à taxa legal a partir da citação, interpôs recurso jurisdicional para este TSI.
Está em causa a seguinte decisão:
“1. – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com os autores.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
2.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
2.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
2.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Vimos já que a prestação da ré se tornou impossível depois de estabelecida por via contratual.
As partes divergem agora sobre a imputabilidade da causa da impossibilidade da prestação da ré.
O art. 790º do CC, sob a epígrafe “imputabilidade culposa” dispõe que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
Em rigor, esta situação de impossibilidade imputável da prestação não é conceitualmente incumprimento, mas é considerada como incumprimento definitivo.
Tendo em conta a forma como a nossa lei sistematiza o regime jurídico da impossibilidade da prestação (por causa imputável ao devedor e por causa que não lhe é imputável, mas com presunção de imputabilidade), o melhor método é aquele que em primeiro lugar procura saber se a causa da impossibilidade é ou não é imputável ao devedor e só depois de concluir que não é imputável ao devedor é que apura se é imputável a outrem, designadamente ao credor, a terceiro ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior).
2.1.2.1 A causa da impossibilidade.
Já vimos que a prestação da ré é impossível, seja esta prestação a celebração de um contrato definitivo de compra e venda de um imóvel, seja essa prestação a construção do referido imóvel e a sua entrega aos autores.
Já vimos que a causa imediata da impossibilidade da prestação não é uma impossibilidade física de construir e entregar, mas jurídica, pois que a ré, tendo condições materiais para construir e entregar, não tem possibilidade jurídica por não ter direito sobre o terreno onde iria construir que lhe permita edificar o empreendimento que pretendia e que lhe permitiria cumprir a sua obrigação para com os autores.
Porém, a ré já teve em tempos o direito que lhe permitia construir, o direito do concessionário por arrendamento, direito que caducou. Assim, a causa intermédia da impossibilidade da prestação é a caducidade da concessão que causou a impossibilidade jurídica.
Ocorre que a concessão caducou porque a ré não concluiu a construção do seu empreendimento imobiliário em determinado prazo, o prazo de aproveitamento do terreno concessionado. Assim, a causa remota da impossibilidade jurídica da prestação é o atraso na execução das obras que levou à caducidade da concessão.
A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré é, pois, o facto de as obras de aproveitamento do terreno concessionado não terem sido concluídas no prazo de aproveitamento.
Interessa, pois, saber a quem é imputável esse atraso que causou a impossibilidade jurídica da prestação ao causar a caducidade da concessão que permitiria cumprir. A ré entende que o atraso não lhe é imputável porquanto fez todos os esforços para conseguir construir em prazo e evitar a caducidade da concessão. E entende que o referido atraso é imputável à RAEM que “não a deixou” construir dentro do prazo de aproveitamento da concessão.
2.1.2.2 A imputação da causa da impossibilidade.
A imputação é uma operação jurídica destinada a atribuir a uma esfera jurídica os efeitos jurídicos de um facto. Normalmente, os efeitos negativos de um facto, a criação de um dever jurídico ou de uma obrigação ou a extinção de um direito ou de uma faculdade jurídica.
Os factos jurídicos têm efeitos jurídicos, ou seja, produzem alteração no mundo dos direitos e deveres jurídicos. É necessário saber em que esfera jurídica se vão produzir esses efeitos. Este é, em modo simplista, o problema da imputação.
No caso em apreço está em causa a atribuição à esfera jurídica da ré da obrigação de indemnizar os autores enquanto efeito de um facto que tornou impossível uma prestação contratual de que os autores eram credores. O facto é, como se disse, a não construção da fracção contratualmente destinada aos autores no prazo também contratualmente estabelecido para aproveitamento do terreno onde aquela fracção estava projectada. Um facto negativo: não construção em prazo de caducidade do direito de construir. O efeito daquele facto que cabe atribuir a uma esfera jurídica é, o nascimento nessa esfera jurídica da obrigação de indemnizar.
A imputação é um juízo jurídico, um juízo normativo ou um juízo feito por referência a um critério normativo de imputação, um juízo feito por referência a uma razão normativa para justificar a atribuição a alguém dos efeitos jurídicos de um facto. A imputação é, no fundo, a conclusão que, segundo os valores do sistema jurídico, as consequências jurídicas de um facto “assentam bem” numa determinada esfera jurídica.
Segundo o nosso Direito é a culpa do titular de uma esfera jurídica devedora o critério normativo de imputação a essa esfera jurídica dos efeitos que tem um facto causador da impossibilidade da prestação, designadamente os efeitos geradores do dever de indemnizar. Com efeito, a epígrafe do referido art. 790º é “impossibilidade culposa” e o seu primeiro número determina que aquele a quem for imputada a causa da impossibilidade da prestação seja tratado (imputado) como se faltasse culposamente ao cumprimento da sua obrigação.
É, pois, a culpa pelo facto de ter ocorrido a causa superveniente da impossibilidade da prestação que permite imputar à esfera jurídica do culpado as consequências jurídicas da referida impossibilidade da prestação, designadamente as consequências indemnizatórias dos danos que a impossibilidade causou ao credor da prestação que se tornou impossível.
Se a imputação é um juízo formado por referência à culpa, a culpa é também ela própria um juízo. É um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter praticado (por acção ou omissão) um acto ilícito em vez de ter praticado um acto lícito alternativo. É a censura em termos de culpa que deve ser dirigida à conduta do agente que justifica que a sua esfera jurídica recolha os frutos da sua acção.
Em matéria de responsabilidade civil, como é a que está aqui em ponderação, tal juízo de censura, dirigido a um agente por ter praticado o acto ilícito danoso em vez do acto lícito devido e possível, pressupõe que o agente tenha capacidade de culpa, isto é, tenha capacidade de entender e querer no momento em que actuou (que não seja inimputável – art. 481º do CPC). Mas pressupõe também que o agente não inimputável não respeite um dever objectivo de diligência que sobre ele impende quando actua em sociedade com possibilidade de causar danos a outrem. Esse dever de cuidado corresponde exactamente à diligência que um bom pai de família teria nas circunstâncias que o agente actuou (Art. 480º, nº 2 do CC). O agente, na tentativa de evitar o acto ilícito, não pode intencionalmente ou de forma imprudente deixar de observar o referido dever de cuidado medido pelo padrão de diligência de um bom pai de família e não pelo padrão de diligência habitual do próprio agente. Se observar o cuidado devido e, mesmo assim, o acto ilícito ocorrer, este ilícito não lhe é imputável a título de culpa.
O acto ilícito em causa no caso sub judice é um ilícito contratual equiparado ao incumprimento contratual. É a impossibilidade da prestação. É a não construção em prazo que causa a caducidade da concessão que retira à ré o direito que lhe permitia construir. Nenhuma dúvida se colocando quanto à capacidade de culpa da ré (capacidade de entender e querer), há, pois, que averiguar se a prestação se tornou impossível porque a ré não actuou com o grau de diligência devido, aquele com que actuaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou.
O momento a que se reporta o juízo de culpa é aquele em que o agente praticou o acto ilícito. Cabendo aferir se no momento em que o agente actuou de modo ilícito poderia ter querido e podia ter actuado de modo lícito se, estando capaz de entender e querer, actuasse como actuaria um bom pai de família.
No caso dos autos a actuação da ré a submeter ao crivo da actuação do bom pai de família é duradoura e não de execução imediata. Com efeito, a prestação contratual devida pela ré requeria pelo menos, três anos para que pudesse ser executada/prestada, atenta a alegação da ré no art. 119º da sua contestação. Esse período de actuação da ré a considerar em termos de juízo de culpa começa com a celebração do contrato com os autores (19/12/2012) e acaba no termo efectivo do prazo de aproveitamento determinante da caducidade da concessão (25 de Dezembro de 2015, depois de prorrogado de 28/02/2014). Com efeito, a impossibilidade da prestação ocorreu porque a ré não construiu após ter contraído perante os autores o dever de prestar (construir e entregar) e até ao momento em que deixou definitivamente de poder construir e de poder cumprir a sua prestação por ter terminado a concessão do terreno da construção.
Cabe, pois, aferir se no referido período temporal a ré actuou com a diligência com que actuaria um bom pai de família com vista a evitar que a prestação por si devida se tornasse impossível, uma vez que não está questionada a capacidade da ré para formar uma vontade livre e esclarecida.
A culpa da ré determinada pelo grau de diligência de um bom pai de família perspectivada nos termos de “actio libera in causa” negligente.
Dispõe o art. 481º, nº 1 do CC que “não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório”.
Esta disposição legal revela que o juízo de culpa em matéria de responsabilidade civil pode ser fundado em comportamento do agente praticado em momento anterior à prática do acto ilícito causador dos danos a indemnizar, desde que o agente não seja suscetível de censura no momento da prática desse acto mas seja susceptível dessa mesma censura no momento anterior em que foi originada a causa que impede o juízo de censura no momento da prática do acto danoso. Ou seja, pelo critério do “bonus pater famílias” o agente não está “livre” e censurável no momento da prática do acto ilícito, mas colocou-se nessa situação intencionalmente ou por imprudência, estando “livre” e censurável no momento em que ocorre a “causa” da circunstância que lhe exclui a culpa.
O caso que deu origem a este avanço da ciência do Direito provém do Direito criminal e terá sido o caso de um funcionário dos caminhos de ferro que se embriagou e estava inconsciente no momento em que tinha de “mudar as linhas” para que dois comboios seguissem orientações diferentes e, nada tendo feito, ocorreu uma colisão entre dois comboios num momento em que o funcionário estava incapaz de culpa por estar incapaz de entender e querer o comportamento lícito alternativo ao comportamento ilícito que praticara em estado de inconsciência.
A acção de não mudar as linhas dos comboios não era censurável ao funcionário por não ser em si própria uma acção livre por falta de capacidade para entender e querer no estado de embriaguez completa. Porém a sua causa foi livre, pois que o funcionário se embriagou de forma intencional para não ser censurado ou de forma apenas imprudente ou negligente. A acção não livre era, afinal, livre na sua causa e, por isso, ainda susceptível de ser dirigido ao seu autor um juízo de censura em termos de culpa por não ter optado pela acção lícita alternativa. O funcionário não era “livre” no momento da colisão dos comboios, mas era “livre” de não se embebedar quando, com possibilidade de prever que a colisão iria ocorrer, se embebedou - a “actio libera in causa”.
O funcionário devia ser censurado “in causa” ou na origem da causa da desculpação da sua acção de não “mudar as linhas” como era seu dever.
Vejamos em que medida a “ideia” da actio libera in causa pode auxiliar na decisão do presente caso, ou seja, na decisão de dirigir ou não dirigir à ré um juízo de censura em termos de culpa por a sua prestação se ter tornado impossível em vez de ter sido prestada antes de, por esgotamento do prazo de aproveitamento da concessão, ocorrer a impossibilidade de construir.
Trata-se da culpa pela ocorrência da causa da impossibilidade, presumindo-se em relação ao devedor e cabendo a este provar que a impossibilidade sobreveio apesar de ter feito o esforço exigível para que não sobreviesse, um esforço cuja medida de exigibilidade é determinada pelo esforço que faria um bom pai de família colocado na situação do devedor no momento da causa da acção livre (actio libera in causa), o momento da celebração do contrato com o credor, e não no momento em que a prestação se tornou impossível (causa da impossibilidade – caducidade da concessão e três anos imediatamente anteriores).
A ré diz que não conseguiu construir em tempo a fracção autónoma que devia entregar aos autores porque, apesar de ter feito inúmeros esforços requerimentos e dispêndios, a RAEM não lhe permitiu ao colocar-lhe entraves ilegais que impediram a construção atempada.
Por outro lado, a ré diz ainda que a RAEM lhe criou expectativas que lhe permitiria construir mesmo para lá do fim do prazo de aproveitamento da concessão, quer não fazendo terminar a concessão, quer atribuindo-lhe uma nova concessão.
A actuação de terceiro que a ré invoca para não lhe ser imputada a título de culpa a superveniência da impossibilidade da prestação tem de ser avaliada a dois níveis. A criação de entraves ilegais respeita à possibilidade de actuação da ré e a criação de expectativas que se vieram a frustrar respeita à liberdade de decisão, designadamente à vontade não esclarecida porque formada em erro relativo às expectativas.
Digam-se desde já três coisas sobre a relevância exculpante da alegada actuação da RAEM materializada em factos objectivamente impossibilitantes (entraves) e em factos subjectivamente desculpantes (expectativas):
Relativamente à criação de entraves:
- Não estamos em sede do chamado “facto do príncipe” em que um terceiro estranho à relação contratual impede a prestação por força do seu poder de autoridade pública que o devedor não pode ultrapassar. De acordo com a alegação da ré, no caso em apreço a RAEM actuou apenas como parte num contrato de concessão por arrendamento e, por vezes, não o cumpriu e criou entraves. É certo que a ré não teria ao seu dispor meio fácil, ágil e atempado de compelir a RAEM a cumprir a cooperação contratual que alegadamente não cumpriu. Porém, para efeitos de análise, mesmo apesar das reconhecidas dificuldades da ré, ainda não se justifica qualificar a actuação da RAEM como “facto do príncipe”, o qual, por ser inultrapassável ou só ultrapassável por meios inexigíveis, torna a impossibilidade superveniente da prestação não imputável ao devedor;
- Em termos de actio libera in causa relevam apenas para exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (alegadamente causadora da impossibilidade da prestação) que ocorreram depois de a ré ter celebrado o contrato com os autores e com os quais (entraves) a ré não podia contar quando decidiu contratar e assumir a prestação que se tornou depois impossível, pois que antes da celebração do contrato não havia qualquer prestação devida pela ré que a RAEM pudesse impossibilitar de cumprir. Não releva, pois, em termos excludentes da culpa pela superveniência da impossibilidade da prestação a sugestão/exigência da RAEM para a ré fazer alterações ao projecto de arquitectura, designadamente aumentando o afastamento entre torres, uma vez que tudo ocorreu antes da celebração do contrato entre a ré e os autores. De facto, não existindo ainda dever de prestar, não poderia o mesmo dever ficar impossibilitado de ser cumprido nem os entraves podiam desculpar a ré em relação ao incumprimento de um dever que ainda não tinha.
Relativamente às expectativas:
- Também em termos de actio libera in causa relevam apenas para exclusão da culpa da ré as expectativas alegadamente criadas pela RAEM antes de a ré ter celebrado o contrato com os autores, pois que depois disso não foi assumida qualquer prestação pela ré que pudesse ser fundada em expectativas de poder cumprir. Não releva, pois, a prorrogação do prazo de aproveitamento e a emissão de licença de obras, uma vez que não contribuíram com expectativas para a decisão da ré de contrair o dever de prestar (construir e entregar) que já havia contraído. De facto, já existindo dever de prestar, não poderia o mesmo ter sido contraído com base em expectativas criadas posteriormente, pelo que a frustração de tais expectativas por acto de terceiro não pode desculpar “in causa”.
Vejamos então se deve ser dirigido à ré um juízo de culpa semelhante ao que é dirigido ao agente nos casos de “actio libera in causa”.
Se a imputação da impossibilidade se faz pelo juízo de culpa e se esta pode ser aferida “in causa” ou na origem da impossibilidade e não no tempo em que ocorre a impossibilidade, tratar-se-á de impossibilidade da prestação por causa imputável “in causa” ao devedor. Trata-se afinal de imputação da “causa que causou a causa” da impossibilidade.
A prestação a cargo da ré tornou-se impossível contra a vontade e os esforços da mesma ré. Mas no momento em que a prestação foi acordada seria já previsível (a um bom pai de família, que é medianamente previdente e prudente) que era consistente a probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? E se fosse previsível, como procederia um bom pai de família? Contrataria, arriscando que a impossibilidade não ocorreria? Contrataria apenas depois de esclarecer a outra parte contratual da probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? Ou não contrataria? Se contratasse pura e simplesmente, a ré não deve ser censurada em termos de culpa. Se o bom pai de família não contratasse ou só contratasse depois de esclarecer a contraparte e de obter a adesão desta, então a ré deve ser censurada “in causa” por a prestação se ter tornado impossível mais tarde como já era ponderável e devia ser ponderado no momento em que o dever de prestar foi criado.
A ré invoca um acto de terceiro como causador da impossibilidade da prestação. Porém, para a ré ficar imune ao juízo de culpa “in causa” é necessário que o acto de terceiro, além de inevitável como o “facto do príncipe” e o caso de força maior, se apresentasse como imprevisível (como o caso fortuito) ou improvável a uma pessoa que, no momento da criação do dever de prestar, actuasse com a diligência média com que actuaria o “bonus pater familias”. Não releva, pois, para a questão da culpa da ré aqui em apreço, saber se a actuação da RAEM é ela própria ilícita e culposa ou contrária à lei e censurável, relevando apenas saber se é inevitável e imprevisível.
Há que valorar a conduta da ré em termos de censura por observância ou inobservância voluntária e livre dos deveres de cuidado que se impunham a um bom pai de família medianamente previdente e diligente na situação em que a ré contratou com os autores e no momento em que contratou.
Tal operação tem de ser feita sem nunca perder de vista que se presume a culpa da ré por ter ocorrido impossibilidade superveniente da prestação a seu cargo e que tal presunção impõe à ré o ónus de prova (e de alegação) de factos com eficácia desculpante (arts. 790º, nº 1 e 788º, nº 1 do CC).
O “bom pai de família” comerciante/empresário.
O grau de diligência devido que determinará se o grau de diligência observado pela ré é ou não susceptível de censura é aquele que observaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou. Cabe aferir se a ré se desviou, in causa, da actuação que teria no seu lugar o bom pai de família.
A ré é uma sociedade comercial, um agente económico que, num ambiente jurídico-comercial de incentivo à livre iniciativa com vista ao progresso económico e social se propõe desenvolver uma actividade económica lucrativa que pressupõe correr riscos comerciais os quais serão, afinal, a justificação jusfilosófica do lucro (ou uma das justificações possíveis).
No caso dos autos, a ré quando contratou com os autores desenvolveu a sua actividade comercial propondo-se construir e vender um imóvel. Na ordem jurídica da RAEM não é, em abstracto, censurável pelo padrão do bom pai de família comerciante que a ré tenha arriscado construir e que, mediante um preço, se tenha obrigado a construir e a entregar aos autores.
Porém, a ré trouxe os autores para a sua esfera de risco ou para a sua esfera de organização comercial onde se inseria a RAEM na qualidade de concessionária e de entidade administrativa competente em matéria urbanística e ambiental.
Não parece haver dúvidas que o dever de cuidado que observaria um bom pai de família aumenta quando não arrisca sozinho mas insere na sua esfera de risco e de organização o credor sem que este tenha qualquer poder de controlar ou interferir nesse risco e nessa organização exclusivas do círculo de actividade comercial do devedor. Retenha-se que a ré se “queixa” que já antes de ter celebrado o contrato com os autores a RAEM lhe vinha dificultando indevidamente a conclusão do empreendimento ao exigir alterações ao projecto de arquitectura e estudos de impacto ambiental, não se sabendo por que razão seria de esperar que a atitude adversa da RAEM mudasse depois da celebração do contrato entre a ré e os autores.
A censura do devedor pela impossibilidade da prestação fundada na aceitação imprudente do risco de obtenção/construção de coisa futura aumenta se o devedor “leva” o credor para esse risco em condições que o bonus pater familias não levaria.
E aumenta ainda mais se o devedor não adverte o credor dos riscos organizacionais ou outros em que o insere, cabendo ao devedor demonstrar que advertiu se quiser ilidir a presunção de culpa que sobre si impende. Na verdade, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé…” – art. 219º, nº 1 do CC.
O contraente que se compromete a prestar no futuro compromete-se ao mesmo tempo a remover os obstáculos ao cumprimento que previsivelmente se lhe deparem e a disponibilizar o esforço previsivelmente necessário à remoção. Assim, em caso de impossibilidade de remoção do obstáculo ao cumprimento, o insucesso do devedor é-lhe, em princípio, censurável se quando contratou calculou mal as suas forças para remover os obstáculos previsíveis, se previu mal esses obstáculos que eram previsíveis ou se calculou bem forças e obstáculos previsíveis e se conformou com a insuficiência de forças para remover os obstáculos. São a imprudência, a imprevidência, a intenção e a consciência os locais onde se pode ancorar a censura.
Mas vejamos mais de perto nos factos provados quais as circunstâncias em que a ré arriscou.
O contrato foi celebrado com a autora em 19/12/2012 e a ré necessitava de um período mínimo de três anos para construir e entregar a fracção autónoma acordada. Na referida data era expectável que o prazo de aproveitamento terminaria em 28/02/2014 se não viesse mais tarde, como veio, a ser prorrogado. Não disporia, pois, a ré de três anos para construir desde a celebração do contrato até ao termo do prazo de aproveitamento não prorrogado ainda. Na data do contrato a ré não tinha ainda licença administrativa para iniciar as obras e estava advertida que só lhe seria emitida depois de apresentar relatórios de circulação de ar e de estudo de impacto ambiental que fossem aprovados. Na mesma data da celebração do contrato com os autores, a ré não tinha ainda o relatório de impacto ambiental aprovado.
Por outro lado, não se provaram factos onde se possa concluir que a ré tinha razões para estar segura que, contrariamente ao que aconteceu, o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão seriam prorrogados nem que lhe seria atribuída nova concessão do mesmo terreno com um grau de segurança que permitiria a um bom pai de família (determinado a cumprir os seus compromissos) vincular-se contratualmente perante terceiros. Com efeito, provou-se apenas que a ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento (ponto 17. dos factos provados). Ora, a ré até poderia confiar e ter expectativas, mas não suficientemente seguras ao ponto de levarem o “bom pai de família” a contratar como a ré contratou contraindo a obrigação de construir. Com efeito, as expectativas são isso mesmo: confiança que aconteça o que pode não acontecer.
Perante esta factualidade, um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor que estivesse determinado a prosseguir a sua actividade comercial e que tivesse expectativas de conseguir, contrataria com os autores sem os avisar das vicissitudes referidas? Relembre-se antes de responder que é à ré que cabe alegar e provar que esclareceu os autores (ou que isso era desnecessário por estes já estarem esclarecidos) antes de os inserir na sua esfera de organização e de risco empresarial e que cabe alegar e provar que tinha razões para confiar na extensão do prazo de aproveitamento ou da concessão. Diga-se também que a figura de um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor não pressupõem agentes económicos tão previdentes e cautelosos que paralisem a vida económica por antecipação, mas não consente os que a paralisem mais tarde por incumprimento contagiante já previsível no momento da criação do dever de cumprir.
Afigura-se que, em face do elevado risco advindo da escassez de prazo para construir e da “lenta e exigente” relação com os serviços competentes da RAEM, um bom pai de família empresário, empreendedor, prudente e atento aos interesses legítimos dos demais agentes económicos não celebraria o contrato que a ré celebrou com os autores sem o conhecimento efectivo e a aceitação por parte destes do risco de impossibilidade da prestação que veio a concretizar-se.
A contratação que a ré fez com os autores nestas circunstâncias de escassez de tempo e num contexto de anterior “relacionamento lento e exigente” com a RAEM configura em si mesmo uma violação do dever objectivo de cuidado por parte da ré que se projectou “in causa” naquilo que mais tarde viria a ser a causa efectiva da impossibilidade da prestação. Portanto, mesmo que a ré tenha sido diligente com vista a conseguir construir e mesmo que tivesse expectativas de conseguir construir, não foi cuidadosa como seria no seu lugar um bom pai de família, mas foi temerária, ao inserir, em 19/12/2012, os autores na sua esfera de risco, do risco de não conseguir construir atempadamente, risco que era claramente visível a um bom pai de família.
A censura a dirigir à ré não deriva do facto de ter empreendido e corrido risco empresarial, mas deriva, pois, do facto de ter colocado os autores no risco da própria ré quando esse risco já era antecipável a um bom pai de família, que equivale a dizer medianamente previdente, e quando este pai de família, caso pretendesse arriscar, arriscaria sozinho sem ampliar a sua esfera de risco a terceiros sem os esclarecer ou então esclareceria esse mesmo risco, o que se presume que a ré não fez.
A censura que a ordem jurídica dirige à actuação da ré por ter ocorrido a impossibilidade da prestação é uma censura “in causa”.
A ré contratou sem observar os cuidados que, no seu lugar, observaria o bom pai de família para evitar que ocorresse de surpresa para a outra parte contratante a impossibilidade da prestação que a própria ré criava por via contratual, pelo que não actuou com o cuidado objectivamente devido, sendo negligente a sua actuação, uma das formas de culpa cível em matéria de responsabilidade civil.
À ré pode ser dirigido um juízo de censura em termos de culpa pela expansão temerária e unilateral da sua esfera de risco. Não é de risco que se trata, mas de culpa pela expansão do risco perceptível.
Em termos puramente de risco que a ré não comunicou aos autores, se a ré tivesse conseguido construir receberia os lucros que houvesse sem ter de os repartir com os autores e, como não conseguiu construir, recebe os prejuízos que haja, também sem ter de os repartir.
A ré diz que tudo fez para conseguir construir e que, por isso, não merece censura por não ter conseguido construir atempadamente e assim evitar a caducidade da concessão que provocou, afinal, a sua impossibilidade jurídica de construir. Porém, apesar de a própria ré também não ter sido célere com vista à conclusão do empreendimento “XX Horizon”, não é na falta de esforço para construir que deve fundar-se o juízo de culpa quanto à impossibilidade da prestação. O juízo de culpa deve antecipar-se “in causa” e aí, conclui-se que a ré, sem esclarecer claramente os autores, nem deveria ter criado o dever de prestar e, assim, teria evitado a impossibilidade de o cumprir que veio a verificar-se, como era antecipável a quem actuasse com mediana prudência e cuidado para não causar danos a terceiros decorrentes da impossibilidade de cumprir a obrigação de construir e entregar fracções autónomas de prédio urbano.
Em conclusão, a impossibilidade da prestação devida pela ré é imputável à devedora (ré) a título de culpa (negligência ou inobservância do cuidado devido) porquanto essa impossibilidade era previsível a um comerciante medianamente prudente no momento em que o dever de prestar foi assumido pela ré e essa previsibilidade levaria aquele comerciante a não contratar como a ré contratou ou a fazê-lo apenas depois de obter a adesão dos autores ao seu risco empresarial.
3 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão da autora e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
4 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
4.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que os autores pagaram à ré para receber dela um imóvel e que nada receberam é forçoso concluir que os autores sofreram danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagaram para adquirir e nada adquiriram.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar os autores, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização. E esta conclusão é afirmada sem necessidade de discussão sobre a existência de sinal penitencial, aquele sinal acordado pelas partes como “preço do arrependimento”, o qual torna lícita a desvinculação unilateral do normal dever de cumprimento do contrato.
4.2 Do montante da indemnização
Os autores pretendem ser indemnizados pelo dobro do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado (HKD1.931.100,00).
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foi e a ré que não foi.
4.2.1 Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, os autores entendem que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende nas suas alegações de Direito que deve ser qualificado como contrato de compra e venda de bem futuro.
A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual.
Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das partes não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
Vejamos então nos factos provados se, nas prestações concretamente acordadas pelas partes que ali constam, o seu acordo pode ou não ser qualificado como contrato-promessa.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “prometer vender” (nºs 2. e 3.). No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Porém, o referido nº 2. dos factos provados remete, para o texto do acordo em análise. Desse texto constam expressões cujo significado aponta quer no sentido de as partes acordarem celebrar no futuro um novo contrato (de compra e venda), quer no sentido de acordarem apenas formalizar no futuro um acordo já concluído. Com efeito, ora denominam o contrato de “contrato-promessa de compra e venda” e falam em prometer vender, “prometer comprar” e “prometida venda” e denominam-se “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”; ora falam em recuperação e revenda da fracção pela ré e alienação da fração pelo promitente-comprador antes da celebração da escritura pública de compra e venda (cláusulas 5ª e 9a).
Pois bem, nesta situação em que se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis, como referido, a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CC).
Ora, parece-nos decisivo o teor das cláusulas 9a a 22ª para saber o sentido que o normal declaratário atribuiria ao teor da declaração que as partes plasmaram no documento a que se reporta a alínea c) dos factos provados: - se lhe atribuiria o sentido de estar já concluído o acordo definitivo ou se lhe atribuiria o sentido de ainda haver algo para acordar no futuro.
Na referida cláusula 22ª refere-se que a ré pode fazer alterações de construção sem que a outra parte contratual possa recusar a “transacção”, o que aponta no sentido de haver ainda acordo a fazer no futuro que as partes denominaram “transacção” e que não podia ser recusado com determinado fundamento.
A cláusula 9ª aponta também para que as partes quisessem ainda novo contrato. Com efeito, estabeleceram condições onerosas para a cessão da posição contratual. Ora, se as partes já considerassem a propriedade da fracção na esfera jurídica do “comprador”, porque considerariam que este não era dono integral e não podia transferir para terceiro sem o consentimento da ré e sem a remunerar?
Este “mecanismo” de cessão da posição contratual aponta no sentido de que, no entendimento das partes contratantes, a ré não se desligou da prestação característica do contrato-promessa que é celebrar outro contrato e que, por isso, receberá comissão para celebrar esse novo e futuro contrato com terceiro, não se tratando apenas de uma modificação subjectiva do mesmo contrato. Se na vontade real dos contraentes a ré já nada tivesse a ver com a fracção autónoma em causa nem com a prestação característica do contrato promessa, a comissão que tem direito a receber por consentir na cessão da posição contratual seria incompreensível na economia do contrato. De facto, as partes não estabeleceram a necessidade de consentimento e de pagamento de comissão para as vendas posteriores à celebração da escritura pública de compra e venda, o que aponta para que, no espírito dos contraentes, a situação negocial é diferente antes e depois da escritura, porque a fracção está em esferas jurídicas diferentes nesses dois momentos.
Se as partes considerassem que celebraram um contrato de compra e venda de bem futuro não era necessário regular a cessão da posição contratual que regularam. O comprador de bem futuro pode vender a coisa como pode o comprador de bem já existente. O proprietário que adquiriu por contrato não transmite a sua posição contratual quando vende. Não transmite um crédito, mas transmite um direito real, ainda que futuro, ainda que suspenso. Se as partes sentissem que a fracção autónoma já pertencia ao autor em termos de direito real futuro, não colocariam qualquer entrave a que o autor vendesse, também como bem futuro. A justificação que a ré dá (conhecer a quem deveria entregar a fracção e evitar actividades fraudulentas em relação a terceiros) não basta na perspectiva do normal declaratário para o pesado e caro/lucrativo mecanismo contratual estabelecido no caso de os autores ré já se sentirem proprietários, apesar de terem suspensa a aquisição do direito de propriedade. Até porque a ré estava totalmente garantida face à falta de pagamento, pois faria suas as quantias que já lhe haviam sido pagas (cláusula 5ª do contrato em análise).
Se a ré vendeu bem futuro, como defende, os autores também poderiam fazer o mesmo e vender o seu bem futuro sem necessidade de “autorização” da ré. A ré também não pediu autorização a ninguém para vender um bem futuro de que seria proprietária quando o construísse. Porque necessitavam os autores de “autorização” se eram tão proprietários futuros como a ré? É esta falta de explicação para a desconsideração da qualidade jurídica real dos autores face a bens futuros que tem de levar o declaratário normal a concluir que, afinal, a ré e os autores consideraram que estes apenas tinham direito de crédito e poderiam ceder a posição contratual do contrato gerador desse direito de crédito, mas não podia vender bens futuros porque estes bens eram alheios, porque eram da ré. Ao regularem a cessão da posição contratual, as partes deixam entender que consideraram que a posição dos autores que podia ser cedida era uma posição creditícia e não uma posição real, ainda que correspondente ao que pode designar-se na linguagem comum por “pequeno proprietário”. Isto é, as contraentes deixaram entender que os autores tinham um direito de crédito, um direito ao cumprimento de uma promessa de contratar, e não um direito real, ainda que futuro e em suspensão. Ao regularem a cessão de um crédito (posição contratual) as partes deixam entender ao declaratário normal que consideravam que os autores não tinham ainda um direito real sobre coisa futura. Deixam entender que os autores não podem transmitir a coisa futura (o seu direito real sobre ela), mas apenas podem transmitir a promessa da ré (um direito sobre a ré e não um direito sobre a coisa futura).
É esta engrenagem negocial aliada à denominação que as partes deram ao contrato que celebraram que deve levar o “normal declaratário” a considerar que a prestação característica que a ré assumiu foi celebrar um contrato no futuro com o promitente originário ou com aquele a quem fosse cedida a posição contratual de promitente-comprador.
Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que os autores entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 5º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão.
Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
Ora, se em caso de incumprimento dos autores a ré é indemnizada em “1.931.100”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que os autores ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
As partes não estipularam que em caso de incumprimento dos autores a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere aos autores o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar aos autores um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
Mas a ré disse que a sua culpa é reduzida e que a autora vai receber uma fracção autónoma de um imóvel idêntica à que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que os autores sofreram. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo os factos provados revelam apenas a candidatura deferida dos autores à aquisição de uma fracção autónoma em condições idênticas às que acordaram com a ré no âmbito de um programa governamental que beneficia os autores devido ao facto de a prestação da ré se ter tornado impossível.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
Os autores estão privados há vários anos (cerca de 12) da quantia que pagaram e da fracção autónoma que pretendiam adquirir (cerca de 10), não se sabendo quando irão adquirir outra fracção autónoma no âmbito do referido programa governamental, pelo que não está minimamente demonstrado que o dano efectivo dos autores é consideravelmente inferior ao valor do sinal, razão por que não pode haver redução do valor da indemnização por recurso à equidade.
Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelos autores, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
Conclui-se, pois, que procede a pretensão dos autores de serem indemnizados em montante igual ao sinal prestado e improcede a pretensão da ré de ver reduzida a indemnização segundo juízos de equidade.
5 – Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
6 Da mora na obrigação de indemnizar.
6.1 Do início da mora.
Os autores pediram a condenação da ré em indemnização moratória. Para o caso de a ré ser condenada a pagar o sinal em dobro, pediram que a indemnização moratória se consubstanciasse no pagamento de juros de mora contados à taxa legal para as obrigações de natureza comercial (11,75%), desde a publicação do Despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno onde a ré iria construir a fracção autónoma a entregar aos autores até integral pagamento.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre quanto às obrigações puras e líquidas, como é a da ré, no momento da interpelação (art. 794º, nºs 1 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A mora ocorreu, pois, com a citação por não se ter provado interpelação anterior.
6.2 A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito dos autores nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.”

Louvamos a acertada, perspicaz e justiciosa decisão que antecede, na qual foi abordada de forma minuciosa e fundamentada a questão da qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, a imputabilidade do incumprimento do contrato à recorrente, bem como o valor da indemnização. Nela se inclui, em especial, a razão pela qual não se recorreu à equidade na determinação do valor indemnizatório decorrente do incumprimento contratual.
Em nossa opinião, concordamos plenamente com a decisão ora recorrida, considerando que ela oferece a melhor solução para o caso. Assim, à luz da fundamentação jurídica ali exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos aos seus precisos termos, conforme disposto o artigo 631.º, n.º 5 do CPC e, em consequência, negamos provimento ao recurso.
Além disso, nos recentes acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos n.º 292/2024 e 205/2024, foram abordadas questões semelhantes e decididas no mesmo sentido.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide negar provimento ao recurso interposto pela ré Sociedade de Importação e Exportação A Limitada e, em consequência, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 27 de Fevereiro de 2025

Relator
Tong Hio Fong

Primeiro Juiz-Adjunto
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong



Recurso Cível 720/2024 Página 9