Processo nº 739/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data do Acórdão: 27 de Fevereiro de 2025
ASSUNTO:
- Contrato de promessa de compra e venda
- Caducidade da concessão por arrendamento de Terreno para construção
- Incumprimento
- Medida da Indemnização
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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 739/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 27 de Fevereiro de 2025
Recorrente: Sociedade de Importação e Exportação A, Limitada
Recorridos: B e C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
B e C, ambos com os demais sinais dos autos,
vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
Sociedade de Importação e Exportação A, Limitada, também, com os demais sinais dos autos.
Pedindo os Autores que:
1) Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
2) Seja a ré condenada a pagar-lhes a quantia de HKD3.042.000,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal;
3) Seja a ré condenada a pagar os juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que for condenada, desde a data da publicação no Boletim Oficial da RAEM declaração de caducidade da concessão (29/01/2016) até integral pagamento.
4) Para o caso de se entender que a falta de cumprimento não é imputável à ré ou em virtude da alteração das circunstâncias, pedem a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de HKD1.521.100,00 acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, a contar de 29/01/2016 até integral pagamento.
Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de HKD3.042.000,00 (três milhões e quarenta e dois mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da Ré até integral pagamento.
Não se conformando com a sentença veio a Ré e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD$3.042.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 9,75% ao ano, a contar desde a data da citação da Recorrente e até integral pagamento.
2. A qualificação do contrato trata-se de uma operação puramente jurídica que passa pela interpretação das suas cláusulas, tendo em conta as regras contidas nos artigos 228º (sentido normal da declaração), 229º (casos duvidosos) e 230º (negócios formais) do Código Civil (CC).
3. O que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
4. Mas mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que, por todo o exposto em sede de alegação do presente Recurso quanto à interpretação das declarações negociais, as quantias que a Recorrente recebeu configuram um cumprimento antecipado tendo em vista a satisfação de obrigação futura.
5. Para a interpretação das declarações negociais relevam todas as circunstâncias que acompanhem a conclusão do contrato e possam, objectivamente, inculcar num declaratário hipotético, razoável e cuidadoso, colocado na posição do declaratário real, um determinado sentido para a declaração (Teoria da Impressão do Declaratário).
6. Essas circunstâncias ou elementos são: a letra do negócio, os textos circundantes, os antecedentes, a prática negocial, o contexto e o fim tido em vista pelas partes.
7. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
8. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
9. Deste modo, estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
10. Como refere Menezes Cordeiro no Parecer Jurídico ora junto, essas prestações devem ser qualificadas como “reserva” e não como “sinal” (vd. págs. 67 e 68 do Parecer).
11. Por seu turno, a cláusula 22ª do mesmo contrato afasta, tacitamente, a possibilidade de a Recorrente poder fazer obras nas próprias fracções.
12. O que, salvo melhor opinião, significa que os poderes da Recorrente se circunscrevem à estrutura e à concepção estética do edifício e que, quanto às fracções autónomas transacionadas, os adquirentes são livres de as decorar e apetrechar conforme lhes aprouver, desde que não interfiram com a estrutura e estética do edifício.
13. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro.
14. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
15. É o artigo 418º do CC que indica que, em contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente consinta na transmissão.
16. É esta a solução legal pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
17. Finalmente, com a entrega da fracção construída, a Recorrente fica totalmente desligada das razões que estavam na base de tal cláusula, pelo que desaparece a sua aplicabilidade. Falece, assim, a dúvida suscitada nas págs. 36 e 37 da douta sentença recorrida.
18. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, tal circunstância não serve para se qualificar o contrato em apreço como um contrato-promessa tipificado na lei.
19. Decorre da lei, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, a necessidade de celebração de um segundo contrato ou escritura.
20. A celebração de tal escritura é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial.
21. Conforme refere Menezes Cordeiro no Parecer Jurídico ora junto, há situações de dever de contratar de novo futuramente que não se reconduzem a contratos-promessa, como por exemplo o acordo de reserva, e todos os deveres postulados num contrato-promessa visam apenas a celebração do contrato definitivo (cfr. págs. 33 e 42).
22. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
23. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, a certidão predial da fracção em causa, os recibos de pagamento de fls. 61 a 66 e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo (fls. 59), apontam para uma perspectivação dos contraentes outra que não a de estarem a celebrar uma mera promessa.
24. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
25. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes “contratos-promessa” têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
26. In casu, um imóvel a ser construído fica reservado a favor de uma das partes a qual, por ele, paga uma certa quantia.
27. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma. É este o fim do negócio tido em mente pelas partes.
28. Mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que, por todo o exposto, que aqui se dá por reproduzido, as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil.
29. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
30. Com efeito, provado está, que o prazo para a apreciação dos projectos constante da cláusula 5.ª, n.º 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/9 (60 dias), foi repetida e injustificadamente violado pelos Serviços da RAEM.
31. Resultou provado que a DSSOPT não cumpriu o supra referido prazo contratado tendo directamente causado a perda de mais de 4 anos do prazo de aproveitamento de que a Recorrente dispunha para concluir o empreendimento “XX Horizon”.
32. E que bastariam à Recorrente 3 anos para o concluir.
33. Pelo que, provado está que se não fôsse aquele anormal consumo de tempo, a Recorrente teria podido dar pleno cumprimento às suas obrigações, nomeadamente, construir e prontamente entregar a fracção autónoma aos Recorridos.
34. Tanto basta para que se considere não ser imputável à Recorrente a referida impossibilidade de cumprimento do contrato em causa, uma vez que foram actos praticados não pela Recorrente mas por terceiro, que conduziram a impossibilidade.
35. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
36. Após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “XX Horizon”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011 (cfr. fls. 350 dos autos), qualquer promotor imobiliário em Macau colocaria as fracções autónomas em projecto (aprovado), a construir, no mercado.
37. Isto porque, naturalmente, se não for emitida em simultâneo a licença para se dar início à construção, é de prever que seja a mesma emitida quase em seguida, caso contrário, não se teria aprovado o projecto de arquitectura.
38. Não era previsível que a DSSOPT fizesse depender a emissão dessa licença da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA, como infelizmente o fez.
39. Essa falta de previsibilidade é evidente e resulta ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
40. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA) , ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve, em contrário, entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
41. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
42. Com efeito, do mencionado Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 350, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
43. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
44. Se já era imprevisível fazer depender a emissão da licença de construção da aprovação de um relatório de impacto ambiental já após a aprovação do projecto de arquitectura, muito mais era de esperar que a DSSOPT e a DSPA demorariam quase 3 anos num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
45. D'outro passo, a douta sentença recorrida refere que a actuação da DSSOPT e da DSPA não se revestia de autoridade pública, mas, com todo o respeito e salvo melhor opinião, ao assim entender desconsidera-a e não efectua uma correcta configuração dessa actuação.
46. A DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, sob as mesmas vestes que actuam relativamente a qualquer privado.
47. A actuação da RAEM sempre seria inultrapassável. Os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
48. A única forma de procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
49. E um recurso contencioso de anulação demora anos até ao trânsito em julgado. E após esse trânsito, sempre importaria aferir se os serviços da RAEM praticariam os actos necessários ao início da construção ou se, pelo contrário, ainda seria necessário avançar-se para a execução de sentença. O que, manifestamente, deixaria Recorridos e Recorrente na mesma situação em que estão hoje.
50. Ou seja, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efetivamente, em sede de “facto do príncipe”.
51. Também não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco do contrato em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
52. Os Recorridos sabiam perfeitamente que haviam adquirido um bem que não existia à data do contrato que celebraram e que, no momento em que celebraram o contrato, a construção ainda não se tinha iniciado.
53. Ou seja, a Recorrente não ludibriou os Recorridos, não os induziu em erro (cfr. Ferreira de Almeida, Contratos I - Conceito, Fontes, Formação, 6.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 233-236) não os trouxe para dentro da sua esfera de risco, não lhes sonegou informação que devesse prestar e, muito menos, não estimava que o contrato não pudesse ser cumprido. Se tivesse previsto essa possibilidade, não teria celebrado o contrato.
54. Aliás, “Só poderá nascer um dever de informação na esfera jurídica da contraparte nas negociações quando a parte que poderia ser credora da prestação da informação cumpriu o seu ónus de auto-informação, ou seja, fez tudo o que se encontrava razoavelmente ao seu alcance para se auto-informar”. (SÓNIA MORBIRA DA SILVA, Da responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação, Almedina, 2021).
55. Por outro lado, o bem objecto do contrato em causa trata-se da coisa absolutamente futura a que se refere o artigo 202.º, n.º 2, do CC. Neste caso, a primeira obrigação da Recorrente é a de “exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato” (cfr. artigo 870.º, n.º 1, do CC).
56. Ora, foi precisamente este o sentido de toda a conduta da Recorrente que fez tudo o que estava ao seu alcance para alcançar a construção e a disponibilização aos Recorridos da fracção que estes adquiriram.
57. De resto, no quadro da responsabilidade pré-contratual (artigo 219.º do CC), caberia aos Recorridos fazer prova da ilicitude incorrida o que, atendendo à matéria de facto provada, não sucedeu. E, em todo o caso, esta responsabilidade sempre prescreveria no prazo de 3 anos a que se refere o artigo 491.º do CCM.
58. Não houve, pois, qualquer violação do dever objectivo de cuidado por parte da Recorrente.
59. Já quanto à indemnização a arbitrar a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 784º/1 do Código Civil (CC), não sendo a impossibilidade imputável ao devedor, o credor fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
60. Mesmo a haver contrato-promessa, o regime aplicável seria o do contrato-definitivo, nos termos do artigo 404º/1, 1ª parte, do CC, pelo que teria plena aplicação o artigo 870º/1 do mesmo Código (venda de bens futuros), seguindo-se as regras da impossibilidade superveniente não-imputável ao vendedor e, como tal, liberatória.
61. Aplicando-se ao caso subjudice as regras do enriquecimento sem causa, o valor total da indemnização cifra-se em HKD$1.521.000,00, acrescido dos respectivos juros de mora.
62. Afigura-se que, contrariamente ao que reza a douta sentença recorrida, seria manifestamente excessiva a condenação da Recorrente no pagamento do dobro das quantias que recebeu, devendo antes arbitrar-se uma compensação com base em critérios de Equidade, nos termos dos artigos 436º/5 e 801º do CC.
63. Com efeito, foi dado por provado que os Recorridos vão receber uma fracção autónoma de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção que constitue o objecto do contrato aqui em causa, cujo valor de mercado será bastante superior ao valor inicialmente pago por eles.
64. E que existe um nexo de causalidade entre esta situação e o dano efectivo que os Recorridos terão sofrido em função do incumprimento contratual imputado à Recorrente, por força do disposto no nº 1 do Despacho do Chefe do Executivo 89/19, de 30 de Maio.
65. Assim, temos que os Recorridos gastaram HKD$1.521.000,00 para pagar 30% de um imóvel que receberiam em 2015 ou 2016, mas não o tendo recebido nessa altura vão recebê-lo em 2024 ou 2025, momento em que valerá bastante mais.
66. Tanto basta para se constatar que condenar a Recorrente no pagamento aos Recorridos de ainda outros HKD$3.042.000,00 é manifestamente excessivo.
67. É possível e desejável que se opte por uma solução por equidade, conforme subsidiariamente requerido pela Recorrente.
68. Sem ter optado por uma solução por equidade, douta sentença recorrida não pôde tomar em conta que os Recorridos vão obter uma fracção sucedânea da que tinham contratado com a Recorrente pelo preço entre ambas contratado, podendo-se falar, na prática, estarmos face a um caso de mora e não de incumprimento.
69. E também acabou por não poder tomar em conta na sua decisão que se a culpa da Recorrente não é nula, é pelo menos levíssima, uma vez que ficou provado que a conduta da Administração esteve directamente na origem da impossibilidade do aproveitamento do terreno dentro dos prazos contratados.
70. Acresce ser facto notório que a Recorrente celebrou milhares de contratos idênticos aos dos presentes autos, os quais não foi possível cumprir pelas mesmas razões e circunstâncias, pelo que existe uma impossibilidade de cumprimento global que devia seguramente receber tratamento diferenciado, mas que também não pode ser ponderada na decisão a tomar caso esta não radique na equidade.
71. Ponderando-se em todos estes factos, na óptica da Recorrente a douta sentença deveria, com todo o respeito, pelo menos arbitrar uma indenização com base em juízos de equidade ao abrigo do artigo 801º do CC, aplicável ex vi do artigo 436º/5 do mesmo Código, estando-se em crêr que o seu montante de HKD$2.100.000,00, seria o mais adequado.
72. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação do artigo 556º do Código de Processo Civil e dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 784º/1 e 801º do Código Civil.
Contra-alegando veio a Recorrida apresentar as seguintes conclusões:
1. Face ao acórdão deste caso, a recorrente interpôs recurso, sendo essencialmente dividido em (A) qualificação do contrato, (B) incumprimento inimputável à recorrente pelo, e (C) o montante da indemnização.
2. Salvo o respeito pela opinião da recorrente, os recorridos entendem que o acórdão proferido pelo tribunal a quo foi correcto, pelo que é impossível de concordar com a opinião da recorrente.
A. Qualificação do contrato
3. A recorrente entende que o contrato em causa deve ser um “contrato de reserva” ou um “contrato de compra e venda de coisa futura”. Além disso, para complementar, a recorrente alegou que, mesmo que o contrato em causa fosse um contrato-promessa de compra e venda, mas deveria conforme previsto no artigo 434.º do Código Civil, ser uma antecipação do cumprimento, pelo que a indemnização pelo incumprimento deveria ser o preço da fracção autónoma já pago.
4. Os recorridos respeitam a opinião acima referida, mas consideram que não é razoável.
5. Em primeiro lugar, nos termos do artigo 404.º, n.º 1, do Código Civil, as características e a finalidade do contrato-promessa de compra e venda de bens imóveis são para manter as mesmas condições aquando da celebração da escritura pública de compra e venda no futuro.
6. No caso em apreço, de acordo com o texto do contrato de fls. 55 a 59 dos autos, o título é “Contrato-promessa de compra e venda das fracções autónomas do Prédio XX Horizon”.
7. Na 5.ª cláusula do contrato foi acrescentado no seu conteúdo, o mecanismo de “confisco” do sinal do contrato-promessa de compra e venda previsto no artigo 436.º, n.º 2, do Código Civil.
8. Na 15.ª cláusula do contrato estipula-se claramente que os recorridos têm a obrigação de dirigir-se ao escritório da recorrente para assinar a escritura pública de compra e venda no prazo de sete dias após a recepção da notificação da recorrente.
9. Resulta das cláusulas 9.ª e 22.ª do contrato que antes da celebração da escritura de compra e venda, os recorridos ficam ainda sujeitos à recorrente – quer seja a transmissão da posição contratual, ou da decoração da parte externa e interna do prédio, que tudo depende da decisão do 1.º outorgante (ou seja, o verdadeiro proprietário).
10. Pelas afirmações supra, podemos ver que mesmo após a assinatura do contrato envolvido neste caso, os recorridos ainda não obtiveram o direito de propriedade, e tinham a obrigação de assinar escritura pública de compra e venda com a recorrente – daí se verifica que o tribunal a quo decidiu bem ao caracterizar o contrato envolvido como sendo um contrato-promessa de compra e venda.
11. Quanto à alegação da recorrente de que as cláusulas 10.ª e 12.ª do contrato em causa são cláusulas que só existirão aquando da compra e venda de coisa futura, se o contrato em causa for um contrato de compra e venda de coisa futura, então por que razão foi estabelecido regulamento sobre as despesas dos “contadores de água e de electricidade” e de condomínio, bem como exigir que os recorridos pagassem tais despesas como parte das obrigações decorrentes do contrato-promessa de compra e venda?
12. Além disso, embora a recorrente tenha alegado que a palavra escrita no recibo por si emitido refere-se "depósito" e não "sinal", mas acredita-se que para um destinatário normal não distinguiria o sentido dessas duas palavras, mesmo tratando-se de contratos-promessa de compra e venda de imóveis já construídos, o praxe utilizado é pagamento do “depósito” ou “reforço do depósito” para significar sinal.
13. Contudo, qualquer que seja a expressão utilizada, nos termos do artigo 435.º do Código Civil, presume-se que se trata de sinal.
14. Além do mais, de acordo com os factos provados nos artigos 13.º a 16.º, o contrato envolvido neste caso foi elaborado pela recorrente, e os termos do contrato acima foram todos redigidos pela recorrente. Então, é realmente difícil de compreender que a recorrente, por um lado, alegou que, historicamente, antes da entrada em vigor da Lei das Fracções Autónomas nos Prédios a Construir, não havia regulamento sobre a forma de compra e venda das fracções autónomas nos prédios a construir, mas, por outro lado, preparou o "Contrato-promessa de compra e venda das fracções autónomas do Prédio XX Horizon" (em vez de "Contrato de compra e venda das fracções autónomas do Prédio XX Horizon") para os recorridos assinar, e, no final alegou que o contrato relevante não era um contrato-promessa de compra e venda, mas sim um "contrato de reserva" ou um "contrato de compra e venda de coisa futura".
15. É de salientar ainda que nas fls. 48 dos autos consta que após a entrada em vigor da Lei das Fracções Autónomas nos Prédios a Construir, os recorridos efectuaram o registo nos termos do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2013 - ou seja, a recorrente alegou que o registo fundamentou-se do nome dos promitentes-compradores e do contrato-promessa de compra e venda, e este fundamento foi reconhecido pela Conservatória do Registo Predial como a terceira parte.
16. Assim, tanto o texto, o back ground, a história e a finalidade, só se podia concluir que o contrato em causa era um contrato-promessa de compra e venda previsto nos artigos 404.º, 435.º e 436.º do Código Civil.
17. Do ponto de vista jurídico, quer se trate de um “Contrato de compra e venda de coisa futura” ou de um “contrato de reserva”, é obviamente inaplicável a este caso.
18. O “Contrato de compra e venda de coisa futura” está sujeito às disposições do contrato de compra de venda, em termos judiciais e doutrina são do entendimento que que após a assinatura do contrato acima não há necessidade de celebrar outros contratos, porque aquando da assinatura do contrato de compra e venda de coisa futura já foi transmitido o direito real de propriedade. Sendo a coisa futura um imóvel, nos termos do artigo 866.º do mesmo Código, necessita de ser celebrada escritura pública, caso contrário será um contrato inválido nos termos do artigo 212.º.
19. Portanto, se a recorrente pretende celebrar um contrato de compra e venda de coisa futura com o recorrido, sendo uma companhia de desenvolvimento experiente, é óbvio que escolherá escritura pública em vez de preparar um contrato “inválido” para vincular o recorrido.
20. Quanto ao “contrato de reserva” alegado pela recorrente, podemos consultar o acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa no Processo n.º 25178/20.3T8LSB.L1-7, no qual reporta que o “contrato de reserva” é um contrato que transmite a vontade de ambas as partes, e que as condições ainda não foram confirmadas, normalmente é assinado antes do contrato-promessa de compra e venda.
21. No entanto, resulta do conteúdo do contrato em causa que este evidentemente excedeu o âmbito regulado pelo "contrato de reserva".
22. Em síntese, a recorrente para evitar a aplicação do regime de sinal, pois sendo um só contrato, mas usou um fundamento para caracterizá-lo em dois contratos distintos, isto é obviamente insustentável.
23. Além disso, num caso análogo, acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 22/2024 também caracterizou contratos semelhantes como contrato-promessa de compra e venda. Por conseguinte, deve ser mantida a parte em que o tribunal a quo caracterizou o contrato como sendo contrato-promessa de compra e venda.
24. Quanto à declaração complementar da recorrente, pois se o contrato em causa for um contrato-promessa de compra e venda, então não é razoável afirmar que o dinheiro pago pelos recorridos foi antecipação do cumprimento nos termos do artigo 434.º do Código Civil.
25. Uma vez que os recorridos gozam da presunção legal prevista no artigo 435.º do mesmo Código, então cabe à recorrente ilidir a presunção nos termos do artigo 337.º do mesmo Código e provar que nenhum dos HKD1.521.000,00 pagos pelos recorridos tinha sido sinal.
26. No entanto, da decisão da matéria de facto, a resposta aos factos relevantes (5.º quesito da Base Instrutória) foi dada como não provada. Acresce que, na fundamentação do recurso, a recorrente não impugnou sobre a decisão da matéria de facto dada como não provada nos termos do artigo 599.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
27. Na ausência de quaisquer factos provados que sustentem os argumentos unilaterais da recorrente, esta parte dos fundamentos do recurso da recorrente deve também julgar improcedente.
B. incumprimento inimputável à recorrente pelo
28. Os recorridos concordam plenamente com o entendimento do tribunal a quo face à questão se a recorrente teve ou não culpa neste caso.
29. Sobre a questão da culpa da Administração alegada repetidamente pela recorrente, tal como a pretensão dos recorridos desde sempre, a razão pela qual a recorrente não conseguiu obter a nova concessão do lote “P” pela Administração, foi porque não conseguiu concluir o aproveitamento dentro do período de arrendamento para converter a concessão de provisória em definitiva. Portanto, a razão do incumprimento do contrato pela recorrente era absolutamente previsível e que podia ser evitada.
30. Além disso, a Administração nunca foi sujeito do contrato em causa, por isso era impossível os recorridos saber dos actos da Administração.
31. Tal como previsto no artigo 400.º, n.º 2 do Código Civil e do entendimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal n.º 3987/07.9TBAVR.C1.S1 de 29 de Março de 2012, só em situações em que ocorra abuso do direito de terceiro, ou seja, situações particularmente escandalosas, é que o contrato produz efeitos a terceiros. Neste caso, não foi possível provar que a Administração tivesse abusado do seu direito.
32. Mais ainda, nos processos n.º 372/19-RA, 352/19-RA e 359/19-RA, centenas de promitentes-compradores do “Prédio XX Horizon” apresentaram pedidos de indemnização à Região Administrativa Especial de Macau, nos quais o Tribunal Administrativo julgou improcedentes os fundamentos dos promitentes-compradores, porque a Região Administrativa Especial de Macau não teve qualquer culpa em relação a eles, muito menos qualquer abuso de direito.
33. Por conseguinte, a pretensão da recorrente de que é-lhe inimputável o seu incumprimento é obviamente insustentável.
34. Quanto à parte em que a recorrente argumenta que os recorridos assumiram voluntariamente os riscos e que o dever de comunicação era apenas uma responsabilidade pré-contratual, pelo que o prazo de prescrição terminou, salvo o devido respeito, os recorridos discordam completamente dessas pretensões.
35. Em primeiro lugar, a recorrente é uma promotora, só ela é que tinha contacto com a Administração, assim sendo, afinal a Administração durante o qual houve ou não atraso no cumprimento, e a previsão de que quando seria executada a construção do imóvel, esses pertencem assuntos que só a recorrente podia saber. No entanto, durante o contacto com os recorridos, ela nunca revelou tais riscos.
36. A recorrente soube em 7 de Janeiro de 2011 que o projecto de construção em causa necessitava da aprovação do relatório de avaliação ambiental de que nunca tinha surgido conforme alegado pela recorrente para poder emitir a licença de execução das obras, contudo, decorrido quase 2 anos, não tendo ainda aprovado o relatório de avaliação ambiental, e não sabendo quando o aludido relatório seria aprovado, foi celebrado com os recorridos em 18 de Fevereiro de 2013, o contrato envolvido no processo (vide os Factos Provados no artigo 2.º).
37. De acordo com os critérios de bom pai, a recorrente aquando da assinatura do contrato envolvido tinha capacidade de prever que a não renovação da concessão implicaria a impossibilidade da “entrega” do imóvel aos recorridos – mas a recorrente sem que a autoridade administrativa garantisse a renovação da concessão, assinou na mesma o contrato envolvido com os recorridos.
38. Acresce que, de acordo os factos provados no artigo 7.º, a recorrente obteve a licença de obras de execução em 24 de Outubro de 2013, se fosse como o alegado pela recorrente de que ainda demoraria 3 anos para concluir o prédio em causa, pois seria impossível dentro do prazo de concessão (25 de Dezembro de 2015) concluir o prédio envolvido, então por que razão depois dessa data ainda foi cobrar aos recorridos os sinais de HKD253.500,00 respectivamente e porquê antes de cobrar tais sinais não informou aos recorridos sobre tais factos?
39. Daí se vê que, quer antes da assinatura do contrato, quer durante o cumprimento do contrato, a recorrente estava absolutamente convencido de que mesmo sem qualquer base legal, poderia na mesma obter a renovação ou prorrogação do arrendamento, ou nova concessão pela Administração do lote "P", por isso não cumpriu a sua obrigação de comunicação.
40. Além disso, a obrigação de comunicação provém do princípio da boa fé, por isso, quer seja antes ou durante o cumprimento do contrato deveria assumir o cumprimento. Porém, a recorrente nunca cumpriu a obrigação do aviso relevante, nem cumpriu as regras de conduta conforme os critérios de bom pai.
41. Por último, a questão da prescrição alegada pela recorrente é obviamente intempestiva, porque a prescrição é excepção peremptória, de acordo com o artigo 407.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a pretensão em causa deve constar na contestação
42. Além disso, de acordo com o disposto no artigo 296.º, n.º 1, do Código Civil, o tribunal não pode conhecer oficiosamente essa questão.
43. Com base nisto, o tribunal a quo foi correcto na parte em que reconheceu que a recorrente teve culpa no cumprimento do contrato, pelo que deve manter a decisão do Tribunal a quo.
C. Quanto ao montante da indemnização
44. A recorrente entende que, com base nas opiniões acima, deve de acordo com o regime de enriquecimento sem causa, devolver o dinheiro que tinha pago pelo recorrido, e devendo aplicar o princípio da equidade, porque os prejuízos sofridos pelo recorrido, de facto, já foram reparados através da substituição do imóvel, e o valor de mercado da habitação para troca é superior, portanto o valor a indemnizar aos recorridos deverá apenas ser de HKD2.100.000,00, acrescidos dos juros relevantes contados a partir da data da decretação da sentença.
45. Os recorridos também não concordam com a supracitada pretensão da recorrente.
46. Neste caso, uma vez que foi confirmado que existe uma relação contratual entre a recorrente e os recorridos face ao "Contrato-promessa de Compra e Venda do Prédio Prédio XX Horizon", e ficou também provado que foi por incumprimento resultante da culpa da recorrente que não se conseguiu celebrar a escritura pública, sendo assim, não deve de modo algum aplicar o regime de enriquecimento sem causa,
47. Quanto à pretensão da recorrente da aplicação subsidiária do princípio da equidade, também não razoável.
48. De acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 8/2019, a habitação para troca não tem natureza indemnizatória, os recorridos estavam habilitados de a comprar apenas por causa da recorrente, a autorização da aquisição a título gratuito da tal fracção autónoma não foi devido à recorrente.
49. Além disso, as fracções autónomas de substituição ainda não foram concluídas e os recorridos não têm forma de saber quando estarão concluídas, muito menos a qualidade da construção e o valor futuro das unidades em causa.
50. Onze anos depois, a recorrente ainda não pagou qualquer indemnização aos recorridos, e todas as condições do empréstimo já deixaram de ser as mesmas, finalmente, será que os recorridos são capazes de adquirir a habitação para troca, isto tudo é uma incógnita. Nesta situação, como pode a oportunidade de adquirir a habitação para troca ser considerada uma indemnização aos recorridos?
51. Além do mais, a recorrente não é a pessoa que constrói a habitação para troca, nem vai pagar por conta dos recorridos o preço integral da a habitação para troca, então como pode com este fundamento, reduzir a indemnização pelo incumprimento definitivo resultante da culpa da recorrente.
52. Assim sendo, é ainda mais difícil de provar a afirmação do tribunal a quo de que a habitação para troca construída pelo governo de Macau fez com que o incumprimento definitivo da recorrente transformasse em atraso no cumprimento - é inquestionável que a recorrente não conseguiu cumprir a sua obrigação de fornecer aos recorridos a fracção autónoma envolvida neste processo, bem como o tribunal a quo no acórdão recorrido também concordou com esta afirmação.
53. É natural que o facto de os recorridos terem obtido a habitação para troca não implica com que o incumprimento definitivo da recorrente se transformasse/parecesse atraso no cumprimento, nem permite compensar os prejuízos sofridos pelos recorridos.
54. Em síntese, esta parte da fundamentação da recorrente deve também julgar improcedente.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A ré foi concessionária de um terreno onde, para fins comerciais, pretendia construir um imóvel constituído por várias fracções autónomas.
2. Por acordo escrito em 18 de Fevereiro de 2013 que se mostra junto a fls. 56 a 59 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, a ré prometeu vender aos autores pelo preço de HKD5.070.000,00 uma das fracções autónomas do imóvel que pretendia construir.
3. Com vista à aquisição da fracção autónoma prometida vender, os autores pagaram à ré a quantia de HKD1.521.000,00, assim fraccionada:
* HKD200.000,00 em 28 de Janeiro de 2013;
* HKD307.000,00 em 08 de Fevereiro de 2013;
* HKD253.500,00 em 15 de Agosto de 2013;
* HKD253.500,00 em 15 de Fevereiro de 2014;
* HKD253.500,00 em 14 de Agosto de 2014;
* HKD253.500,00 em 28 de Janeiro de 2015;
4. Presentemente a ré já não é concessionária do referido terreno.
5. A concessão terminou porque foi declarada a sua caducidade com fundamento no facto de a ré não ter procedido ao aproveitamento do terreno concessionado no respectivo prazo de aproveitamento de 25 anos que terminou em 25 de Dezembro de 2015.
6. No dia 29 de Janeiro de 2016 foi publicado no Boletim Oficial da RAEM o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas com o n.º 6/2016 tornando público que por despacho do Chefe do Executivo de 28 de Janeiro de 2016 foi declarada a caducidade da concessão referida em A) e E).
7. Entre o então Território de Macau e a ré foi acordada no ano de 1990 a concessão por arrendamento de um terreno denominado “Lote P” para ser desenvolvido pela ré para fins industriais;
- Acordaram também que o então Território de Macau apreciaria no prazo de 60 dias os projectos que lhe fossem apresentados pela ré;
- Não acordaram qualquer limite para a extensão de fachadas dos edifícios a construir nem qualquer limite mínimo de afastamento entre eles;
- Acordaram que a ré respeitaria os padrões internacionais em matéria ambiental e não acordaram que a ré deveria fazer estudos de impacto ambiental dos edifícios que iria construir nem que devia apresentar relatórios desses estudos;
- Posteriormente, em 2006, a RAEM e a ré acordaram alterar o referido acordo de concessão para a ré desenvolver no terreno um empreendimento para fins de habitação e comércio construindo um edifício com determinadas áreas brutas de construção, o qual se configuraria num pódio de cinco pisos no qual assentariam em 18 torres de 47 pisos cada uma;
- Acordaram que o prazo para desenvolver o terreno com a referida construção era de 96 meses, iniciava em 1 de Março de 2006 e terminava em 28 de Fevereiro de 2014;
- Acordaram que a concessão terminava em 25/12/2015;
- Mas, assim como em 1990, também não acordaram qualquer limite para a extensão das fachadas das torres a construir nem qualquer limite mínimo de afastamento entre elas;
- Com vista a acordarem alterar o acordo de 1990, em 2004 e 2005, a ré requereu à DSSOPT a emissão de duas Plantas de Alinhamento Oficial, que foram emitidas sem referência a qualquer condicionamento urbanístico relativo a extensão de fachadas e a afastamento entre torres;
- Também com vista a acordarem alterar o acordo de 1990, em 2004 e 2005, a ré apresentou à DSSOPT um estudo prévio que num dos seus elementos componentes junto a fls. 234 constava o desenho, em planta, das torres a construir, algumas das quais distavam das mais próximas não mais de três metros;
- Em 06/05/2008 a ré apresentou à DSSOPT para apreciação um projecto de arquitectura com vista ao desenvolvimento do terreno concessionado;
- A DSSOPT não se pronunciou sobre este projecto;
- Em 22/10/2009 a ré apresentou à DSSOPT outro projecto de arquitectura com vista ao desenvolvimento do terreno concessionado, o qual projectava as respectivas 18 torres com fachadas de extensão não superior a 50 metros e nem todas com distanciamento entre si igual ou superior a 1/6 da altura da torre mais alta;
- A DSSOPT apreciou este projecto e enviou à ré em 9/4/2010 um ofício e uma PAO exigindo alterações técnicas e sugerindo que a extensão das fachadas das torres não excedesse 50 metros e que as torres tivessem um afastamento entre elas não inferior a 1/6 da altura da mais alta;
- A ré respondeu em 3/6/2010, alterando o projecto de arquitectura acolhendo as referidas exigências técnicas feitas pela DSSOP, mas não acolhendo nem aceitando acolher a sugestão de afastamento mínimo entre as torres;
- A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo do impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
- Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
- Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013 foi aprovado o último relatório apresentado;
Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
- Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “XX Horizon” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 1º a 4º)
8. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 6.º)
9. Tal requerimento foi deferido. (Q 7.º)
10. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitue o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea B) dos Factos Assentes. (Q 8.º)
11. Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque são compradores de uma fracção autónoma à Ré, a construir no mesmo terreno. (Q 9.º)
12. O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 10.º)
13. O aludido contrato-promessa de compra e venda do “XX Horizon” tinha sido preparado pela ré. (Q 11.º)
14. O contrato, anteriormente mencionado, fora preparado, de acordo com um modelo da ré, para ser usado em inúmeros contratos-promessa de compra e venda do “XX Horizon”. (Q 12.º)
15. Ao estipular o contrato mencionado, os autores apenas forneciam os seus dados pessoais, já que todas as cláusulas haviam sido fixadas antecipadamente pela ré, sem haver qualquer alteração. (Q 13.º)
16. Os autores podiam pedir os esclarecimentos e fazer as contrapropostas que entendesse, mas apenas podiam optar por aceitar ou recusar as cláusulas contratuais previamente estabelecidas pela Ré. (Q 14.º)
17. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM: (Q 15.º)
i. Emitiram licença de obras de fundação em 2/1/2014;
ii. Prorrogaram o prazo de aproveitamento em 29/7/2014;
iii. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento.
b) Do Direito
É o seguinte o teor da decisão recorrida:
«1. – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação dizendo que mantinha pendente uma acção judicial que lhe poderia proporcionar a faculdade de construir aquela fracção. Por outro lado, a ré veio aos autos informar que já terminou por desistência a referida acção judicial que movera contra a RAEM na qual pretendia recuperar a possibilidade jurídica de construir a fracção a entregar à aos autores. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva1. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa2. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável3. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com os autores.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
2.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
2.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
2.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Vimos já que a prestação da ré se tornou impossível depois de estabelecida por via contratual.
As partes divergem agora sobre a imputabilidade da causa da impossibilidade da prestação da ré.
O art. 790º do CC, sob a epígrafe “imputabilidade culposa” dispõe que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
Em rigor, esta situação de impossibilidade imputável da prestação não é conceitualmente incumprimento4, mas é considerada como incumprimento definitivo5.
Tendo em conta a forma como a nossa lei sistematiza o regime jurídico da impossibilidade da prestação (por causa imputável ao devedor e por causa que não lhe é imputável, mas com presunção de imputabilidade), o melhor método é aquele que em primeiro lugar procura saber se a causa da impossibilidade é ou não é imputável ao devedor e só depois de concluir que não é imputável ao devedor é que apura se é imputável a outrem, designadamente ao credor, a terceiro ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior).
2.1.2.1 A causa da impossibilidade.
Já vimos que a prestação da ré é impossível, seja esta prestação a celebração de um contrato definitivo de compra e venda de um imóvel, seja essa prestação a construção do referido imóvel e a sua entrega aos autores.
Já vimos que a causa imediata da impossibilidade da prestação não é uma impossibilidade física de construir e entregar, mas jurídica, pois que a ré, tendo condições materiais para construir e entregar, não tem possibilidade jurídica por não ter direito sobre o terreno onde iria construir que lhe permita edificar o empreendimento que pretendia e que lhe permitiria cumprir a sua obrigação para com os autores.
Porém, a ré já teve em tempos o direito que lhe permitia construir, o direito do concessionário por arrendamento, direito que caducou. Assim, a causa intermédia da impossibilidade da prestação é a caducidade da concessão que causou a impossibilidade jurídica.
Ocorre que a concessão caducou porque a ré não concluiu a construção do seu empreendimento imobiliário em determinado prazo, o prazo de aproveitamento do terreno concessionado. Assim, a causa remota da impossibilidade jurídica da prestação é o atraso na execução das obras que levou à caducidade da concessão.
A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré é, pois, o facto de as obras de aproveitamento do terreno concessionado não terem sido concluídas no prazo de aproveitamento.
Interessa, pois, saber a quem é imputável esse atraso que causou a impossibilidade jurídica da prestação ao causar a caducidade da concessão que permitiria cumprir. A ré entende que o atraso não lhe é imputável porquanto fez todos os esforços para conseguir construir em prazo e evitar a caducidade da concessão. E entende que o referido atraso é imputável à RAEM que “não a deixou” construir dentro do prazo de aproveitamento da concessão.
2.1.2.2 A imputação da causa da impossibilidade.
A imputação é uma operação jurídica destinada a atribuir a uma esfera jurídica os efeitos jurídicos de um facto. Normalmente, os efeitos negativos de um facto, a criação de um dever jurídico ou de uma obrigação ou a extinção de um direito ou de uma faculdade jurídica.
Os factos jurídicos têm efeitos jurídicos, ou seja, produzem alteração no mundo dos direitos e deveres jurídicos. É necessário saber em que esfera jurídica se vão produzir esses efeitos. Este é, em modo simplista, o problema da imputação.
No caso em apreço está em causa a atribuição à esfera jurídica da ré da obrigação de indemnizar os autores enquanto efeito de um facto que tornou impossível uma prestação contratual de que os autores eram credores. O facto é, como se disse, a não construção da fracção contratualmente destinada aos autores no prazo também contratualmente estabelecido para aproveitamento do terreno onde aquela fracção estava projectada. Um facto negativo: não construção em prazo de caducidade do direito de construir. O efeito daquele facto que cabe atribuir a uma esfera jurídica é, o nascimento nessa esfera jurídica da obrigação de indemnizar.
A imputação é um juízo jurídico, um juízo normativo ou um juízo feito por referência a um critério normativo de imputação, um juízo feito por referência a uma razão normativa para justificar a atribuição a alguém dos efeitos jurídicos de um facto. A imputação é, no fundo, a conclusão que, segundo os valores do sistema jurídico, as consequências jurídicas de um facto “assentam bem” numa determinada esfera jurídica.
Segundo o nosso Direito é a culpa do titular de uma esfera jurídica devedora o critério normativo de imputação a essa esfera jurídica dos efeitos que tem um facto causador da impossibilidade da prestação, designadamente os efeitos geradores do dever de indemnizar6. Com efeito, a epígrafe do referido art. 790º é “impossibilidade culposa” e o seu primeiro número determina que aquele a quem for imputada a causa da impossibilidade da prestação seja tratado (imputado) como se faltasse culposamente ao cumprimento da sua obrigação.
É, pois, a culpa pelo facto de ter ocorrido a causa superveniente da impossibilidade da prestação que permite imputar à esfera jurídica do culpado as consequências jurídicas da referida impossibilidade da prestação, designadamente as consequências indemnizatórias dos danos que a impossibilidade causou ao credor da prestação que se tornou impossível.
Se a imputação é um juízo formado por referência à culpa, a culpa é também ela própria um juízo. É um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter praticado (por acção ou omissão) um acto ilícito em vez de ter praticado um acto lícito alternativo7. É a censura em termos de culpa que deve ser dirigida à conduta do agente que justifica que a sua esfera jurídica recolha os frutos da sua acção.
Em matéria de responsabilidade civil, como é a que está aqui em ponderação, tal juízo de censura, dirigido a um agente por ter praticado o acto ilícito danoso em vez do acto lícito devido e possível, pressupõe que o agente tenha capacidade de culpa, isto é, tenha capacidade de entender e querer no momento em que actuou (que não seja inimputável – art. 481º do CPC). Mas pressupõe também que o agente não inimputável não respeite um dever objectivo de diligência que sobre ele impende quando actua em sociedade com possibilidade de causar danos a outrém. Esse dever de cuidado corresponde exactamente à diligência que um bom pai de família teria nas circunstâncias que o agente actuou (Art. 480º, nº 2 do CC). O agente, na tentativa de evitar o acto ilícito, não pode intencionalmente ou de forma imprudente deixar de observar o referido dever de cuidado medido pelo padrão de diligência de um bom pai de família e não pelo padrão de diligência habitual do próprio agente8. Se observar o cuidado devido e, mesmo assim, o acto ilícito ocorrer, este ilícito não lhe é imputável a título de culpa9.
O acto ilícito em causa no caso sub judice é um ilícito contratual equiparado ao incumprimento contratual. É a impossibilidade da prestação. É a não construção em prazo que causa a caducidade da concessão que retira à ré o direito que lhe permitia construir. Nenhuma dúvida se colocando quanto à capacidade de culpa da ré (capacidade de entender e querer), há, pois, que averiguar se a prestação se tornou impossível porque a ré não actuou com o grau de diligência devido, aquele com que actuaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou.
O momento a que se reporta o juízo de culpa é aquele em que o agente praticou o acto ilícito10. Cabendo aferir se no momento em que o agente actuou de modo ilícito poderia ter querido e podia ter actuado de modo lícito se, estando capaz de entender e querer, actuasse como actuaria um bom pai de família.
No caso dos autos a actuação da ré a submeter ao crivo da actuação do bom pai de família é duradoura e não de execução imediata. Com efeito, a prestação contratual devida pela ré requeria pelo menos, três anos para que pudesse ser executada/prestada, atenta a alegação da ré no art. 135º da sua contestação. Esse período de actuação da ré a considerar em termos de juízo de culpa começa com a celebração do contrato com os autores (18/02/2013) e acaba no termo efectivo do prazo de aproveitamento determinante da caducidade da concessão (25 de Dezembro de 2015, depois de prorrogado de 28/02/2014). Com efeito, a impossibilidade da prestação ocorreu porque a ré não construiu após ter contraído perante os autores o dever de prestar (construir e entregar) e até ao momento em que deixou definitivamente de poder construir e de poder cumprir a sua prestação por ter terminado a concessão do terreno da construção.
Cabe, pois, aferir se no referido período temporal a ré actuou com a diligência com que actuaria um bom pai de família com vista a evitar que a prestação por si devida se tornasse impossível, uma vez que não está questionada a capacidade da ré para formar uma vontade livre e esclarecida.
A culpa da ré determinada pelo grau de diligência de um bom pai de família perspectivada nos termos de “actio libera in causa” negligente.
Dispõe o art. 481º, nº 1 do CC que “não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório”.
Esta disposição legal revela que o juízo de culpa em matéria de responsabilidade civil pode ser fundado em comportamento do agente praticado em momento anterior à prática do acto ilícito causador dos danos a indemnizar, desde que o agente não seja suscetível de censura no momento da prática desse acto mas seja susceptível dessa mesma censura no momento anterior em que foi originada a causa que impede o juízo de censura no momento da prática do acto danoso. Ou seja, pelo critério do “bonus pater famílias” o agente não está “livre” e censurável no momento da prática do acto ilícito, mas colocou-se nessa situação intencionalmente ou por imprudência, estando “livre” e censurável no momento em que ocorre a “causa” da circunstância que lhe exclui a culpa.
O caso que deu origem a este avanço da ciência do Direito provém do Direito criminal e terá sido o caso de um funcionário dos caminhos de ferro que se embriagou e estava inconsciente no momento em que tinha de “mudar as linhas” para que dois comboios seguissem orientações diferentes e, nada tendo feito, ocorreu uma colisão entre dois comboios num momento em que o funcionário estava incapaz de culpa por estar incapaz de entender e querer o comportamento lícito alternativo ao comportamento ilícito que praticara em estado de inconsciência.
A acção de não mudar as linhas dos comboios não era censurável ao funcionário por não ser em si própria uma acção livre por falta de capacidade para entender e querer no estado de embriaguez completa. Porém a sua causa foi livre, pois que o funcionário se embriagou de forma intencional para não ser censurado ou de forma apenas imprudente ou negligente. A acção não livre era, afinal, livre na sua causa e, por isso, ainda susceptível de ser dirigido ao seu autor um juízo de censura em termos de culpa por não ter optado pela acção lícita alternativa. O funcionário não era “livre” no momento da colisão dos comboios, mas era “livre” de não se embebedar quando, com possibilidade de prever que a colisão iria ocorrer, se embebedou - a “actio libera in causa”.
O funcionário devia ser censurado “in causa” ou na origem da causa da desculpação da sua acção de não “mudar as linhas” como era seu dever11.
Vejamos em que medida a “ideia” da actio libera in causa pode auxiliar na decisão do presente caso, ou seja, na decisão de dirigir ou não dirigir à ré um juízo de censura em termos de culpa por a sua prestação se ter tornado impossível em vez de ter sido prestada antes de, por esgotamento do prazo de aproveitamento da concessão, ocorrer a impossibilidade de construir.
Trata-se da culpa pela ocorrência da causa da impossibilidade, presumindo-se em relação ao devedor e cabendo a este provar que a impossibilidade sobreveio apesar de ter feito o esforço exigível para que não sobreviesse, um esforço cuja medida de exigibilidade é determinada pelo esforço que faria um bom pai de família colocado na situação do devedor no momento da causa da acção livre (actio libera in causa), o momento da celebração do contrato com o credor, e não no momento em que a prestação se tornou impossível (causa da impossibilidade – caducidade da concessão e três anos imediatamente anteriores).
A ré diz que não conseguiu construir em tempo a fracção autónoma que devia entregar aos autores porque, apesar de ter feito inúmeros esforços requerimentos e dispêndios, a RAEM não lhe permitiu ao colocar-lhe entraves ilegais que impediram a construção atempada.
Por outro lado, a ré diz ainda que a RAEM lhe criou expectativas que lhe permitiria construir mesmo para lá do fim do prazo de aproveitamento da concessão, quer não fazendo terminar a concessão, quer atribuindo-lhe uma nova concessão.
A actuação de terceiro que a ré invoca para não lhe ser imputada a título de culpa a superveniência da impossibilidade da prestação tem de ser avaliada a dois níveis. A criação de entraves ilegais respeita à possibilidade de actuação da ré e a criação de expectativas que se vieram a frustrar respeita à liberdade de decisão, designadamente à vontade não esclarecida porque formada em erro relativo às expectativas.
Digam-se desde já três coisas sobre a relevância exculpante da alegada actuação da RAEM materializada em factos objectivamente impossibilitantes (entraves) e em factos subjectivamente desculpantes (expectativas):
Relativamente à criação de entraves:
- Não estamos em sede do chamado “facto do príncipe”12 em que um terceiro estranho à relação contratual impede a prestação por força do seu poder de autoridade pública que o devedor não pode ultrapassar. De acordo com a alegação da ré, no caso em apreço a RAEM actuou apenas como parte num contrato de concessão por arrendamento e, por vezes, não o cumpriu e criou entraves. É certo que a ré não teria ao seu dispor meio fácil, ágil e atempado de compelir a RAEM a cumprir a cooperação contratual que alegadamente não cumpriu. Porém, para efeitos de análise, mesmo apesar das reconhecidas dificuldades da ré, ainda não se justifica qualificar a actuação da RAEM como “facto do príncipe”, o qual, por ser inultrapassável ou só ultrapassável por meios inexigíveis, torna a impossibilidade superveniente da prestação não imputável ao devedor;
- Em termos de actio libera in causa relevam apenas para exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (alegadamente causadora da impossibilidade da prestação) que ocorreram depois de a ré ter celebrado o contrato com os autores e com os quais (entraves) a ré não podia contar quando decidiu contratar e assumir a prestação que se tornou depois impossível, pois que antes da celebração do contrato não havia qualquer prestação devida pela ré que a RAEM pudesse impossibilitar de cumprir. Não releva, pois, em termos excludentes da culpa pela superveniência da impossibilidade da prestação a sugestão/exigência da RAEM para a ré fazer alterações ao projecto de arquitectura, designadamente aumentando o afastamento entre torres, uma vez que tudo ocorreu antes da celebração do contrato entre a ré e os autores. De facto, não existindo ainda dever de prestar, não poderia o mesmo dever ficar impossibilitado de ser cumprido nem os entraves podiam desculpar a ré em relação ao incumprimento de um dever que ainda não tinha.
Relativamente às expectativas:
- Também em termos de actio libera in causa relevam apenas para exclusão da culpa da ré as expectativas alegadamente criadas pela RAEM antes de a ré ter celebrado o contrato com os autores, pois que depois disso não foi assumida qualquer prestação pela ré que pudesse ser fundada em expectativas de poder cumprir. Não releva, pois, a prorrogação do prazo de aproveitamento e a emissão de licença de obras, uma vez que não contribuíram com expectativas para a decisão da ré de contrair o dever de prestar (construir e entregar) que já havia contraído. De facto, já existindo dever de prestar, não poderia o mesmo ter sido contraído com base em expectativas criadas posteriormente, pelo que a frustração de tais expectativas por acto de terceiro não pode desculpar “in causa”.
Vejamos então se deve ser dirigido à ré um juízo de culpa semelhante ao que é dirigido ao agente nos casos de “actio libera in causa”.
Se a imputação da impossibilidade se faz pelo juízo de culpa e se esta pode ser aferida “in causa” ou na origem da impossibilidade e não no tempo em que ocorre a impossibilidade, tratar-se-á de impossibilidade da prestação por causa imputável “in causa” ao devedor. Trata-se afinal de imputação da “causa que causou a causa” da impossibilidade.
A prestação a cargo da ré tornou-se impossível contra a vontade e os esforços da mesma ré. Mas no momento em que a prestação foi acordada seria já previsível (a um bom pai de família, que é medianamente previdente e prudente) que era consistente a probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? E se fosse previsível, como procederia um bom pai de família? Contrataria, arriscando que a impossibilidade não ocorreria? Contrataria apenas depois de esclarecer a outra parte contratual da probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? Ou não contrataria? Se contratasse pura e simplesmente, a ré não deve ser censurada em termos de culpa. Se o bom pai de família não contratasse ou só contratasse depois de esclarecer a contraparte e de obter a adesão desta, então a ré deve ser censurada “in causa” por a prestação se ter tornado impossível mais tarde como já era ponderável e devia ser ponderado no momento em que o dever de prestar foi criado13.
A ré invoca um acto de terceiro como causador da impossibilidade da prestação. Porém, para a ré ficar imune ao juízo de culpa “in causa” é necessário que o acto de terceiro, além de inevitável como o “facto do príncipe” e o caso de força maior, se apresentasse como imprevisível (como o caso fortuito) ou improvável a uma pessoa que, no momento da criação do dever de prestar, actuasse com a diligência média com que actuaria o “bonus pater familias”. Não releva, pois, para a questão da culpa da ré aqui em apreço, saber se a actuação da RAEM é ela própria ilícita e culposa ou contrária à lei e censurável, relevando apenas saber se é inevitável e imprevisível.
Há que valorar a conduta da ré em termos de censura por observância ou inobservância voluntária e livre dos deveres de cuidado que se impunham a um bom pai de família medianamente previdente e diligente na situação em que a ré contratou com os autores e no momento em que contratou.
Tal operação tem de ser feita sem nunca perder de vista que se presume a culpa da ré por ter ocorrido impossibilidade superveniente da prestação a seu cargo e que tal presunção impõe à ré o ónus de prova (e de alegação) de factos com eficácia desculpante (arts. 790º, nº 1 e 788º, nº 1 do CC).
O “bom pai de família” comerciante/empresário.
O grau de diligência devido que determinará se o grau de diligência observado pela ré é ou não susceptível de censura é aquele que observaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou. Cabe aferir se a ré se desviou, in causa, da actuação que teria no seu lugar o bom pai de família.
A ré é uma sociedade comercial, um agente económico que, num ambiente jurídico-comercial de incentivo à livre iniciativa com vista ao progresso económico e social se propõe desenvolver uma actividade económica lucrativa que pressupõe correr riscos comerciais os quais serão, afinal, a justificação jusfilosófica do lucro (ou uma das justificações possíveis).
No caso dos autos, a ré quando contratou com os autores desenvolveu a sua actividade comercial propondo-se construir e vender um imóvel. Na ordem jurídica da RAEM não é, em abstracto, censurável pelo padrão do bom pai de família comerciante que a ré tenha arriscado construir e que, mediante um preço, se tenha obrigado a construir e a entregar aos autores.
Porém, a ré trouxe os autores para a sua esfera de risco ou para a sua esfera de organização comercial onde se inseria a RAEM na qualidade de concessionária e de entidade administrativa competente em matéria urbanística e ambiental.
Não parece haver dúvidas que o dever de cuidado que observaria um bom pai de família aumenta quando não arrisca sozinho mas insere na sua esfera de risco e de organização o credor sem que este tenha qualquer poder de controlar ou interferir nesse risco e nessa organização exclusivas do círculo de actividade comercial do devedor. Retenha-se que a ré se “queixa” que já antes de ter celebrado o contrato com os autores a RAEM lhe vinha dificultando indevidamente a conclusão do empreendimento ao exigir alterações ao projecto de arquitectura e estudos de impacto ambiental, não se sabendo por que razão seria de esperar que a atitude adversa da RAEM mudasse depois da celebração do contrato entre a ré e os autores14.
A censura do devedor pela impossibilidade da prestação fundada na aceitação imprudente do risco de obtenção/construção de coisa futura aumenta se o devedor “leva” o credor para esse risco em condições que o bonus pater familias não levaria.
E aumenta ainda mais se o devedor não adverte o credor dos riscos organizacionais ou outros em que o insere, cabendo ao devedor demonstrar que advertiu se quiser ilidir a presunção de culpa que sobre si impende. Na verdade, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé…” – art. 219º, nº 1 do CC15.
O contraente que se compromete a prestar no futuro compromete-se ao mesmo tempo a remover os obstáculos ao cumprimento que previsivelmente se lhe deparem e a disponibilizar o esforço previsivelmente necessário à remoção. Assim, em caso de impossibilidade de remoção do obstáculo ao cumprimento, o insucesso do devedor é-lhe, em princípio, censurável se quando contratou calculou mal as suas forças para remover os obstáculos previsíveis, se previu mal esses obstáculos que eram previsíveis ou se calculou bem forças e obstáculos previsíveis e se conformou com a insuficiência de forças para remover os obstáculos. São a imprudência, a imprevidência, a intenção e a consciência os locais onde se pode ancorar a censura.
Mas vejamos mais de perto nos factos provados quais as circunstâncias em que a ré arriscou.
O contrato foi celebrado com a autora em 18/02/2013 e a ré necessitava de um período mínimo de três anos para construir e entregar a fracção autónoma acordada16. Na referida data era expectável que o prazo de aproveitamento terminaria em 28/02/2014 se não viesse mais tarde, como veio, a ser prorrogado. Não disporia, pois, a ré de três anos para construir desde a celebração do contrato até ao termo do prazo de aproveitamento não prorrogado ainda. Na data do contrato a ré não tinha ainda licença administrativa para iniciar as obras e estava advertida que só lhe seria emitida depois de apresentar relatórios de circulação de ar e de estudo de impacto ambiental que fossem aprovados. Na mesma data da celebração do contrato com os autores, a ré não tinha ainda o relatório de impacto ambiental aprovado.
Por outro lado, não se provaram factos onde se possa concluir que a ré tinha razões para estar segura que, contrariamente ao que aconteceu, o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão seriam prorrogados nem que lhe seria atribuída nova concessão do mesmo terreno com um grau de segurança que permitiria a um bom pai de família (determinado a cumprir os seus compromissos) vincular-se contratualmente perante terceiros. Com efeito, provou-se apenas que a ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento (ponto 17. dos factos provados). Ora, a ré até poderia confiar e ter expectativas, mas não suficientemente seguras ao ponto de levarem o “bom pai de família” a contratar como a ré contratou contraindo a obrigação de construir. Com efeito, as expectativas são isso mesmo: confiança que aconteça o que pode não acontecer.
Perante esta factualidade, um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor que estivesse determinado a prosseguir a sua actividade comercial e que tivesse expectativas de conseguir, contrataria com os autores sem os avisar das vicissitudes referidas? Relembre-se antes de responder que é à ré que cabe alegar e provar que esclareceu os autores (ou que isso era desnecessário por estes já estarem esclarecidos) antes de os inserir na sua esfera de organização e de risco empresarial e que cabe alegar e provar que tinha razões para confiar na extensão do prazo de aproveitamento ou da concessão. Diga-se também que a figura de um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor não pressupõem agentes económicos tão previdentes e cautelosos que paralisem a vida económica por antecipação, mas não consente os que a paralisem mais tarde por incumprimento contagiante já previsível no momento da criação do dever de cumprir.
Afigura-se que, em face do elevado risco advindo da escassez de prazo para construir e da “lenta e exigente” relação com os serviços competentes da RAEM, um bom pai de família empresário, empreendedor, prudente e atento aos interesses legítimos dos demais agentes económicos não celebraria o contrato que a ré celebrou com os autores sem o conhecimento efectivo e a aceitação por parte destes do risco de impossibilidade da prestação que veio a concretizar-se.
A contratação que a ré fez com os autores nestas circunstâncias de escassez de tempo e num contexto de anterior “relacionamento lento e exigente” com a RAEM configura em si mesmo uma violação do dever objectivo de cuidado por parte da ré que se projectou “in causa” naquilo que mais tarde viria a ser a causa efectiva da impossibilidade da prestação17. Portanto, mesmo que a ré tenha sido diligente com vista a conseguir construir e mesmo que tivesse expectativas de conseguir construir, não foi cuidadosa como seria no seu lugar um bom pai de família, mas foi temerária, ao inserir, em 28/02/2013, os autores na sua esfera de risco, do risco de não conseguir construir atempadamente, risco que era claramente visível a um bom pai de família.
A censura a dirigir à ré não deriva do facto de ter empreendido e corrido risco empresarial, mas deriva, pois, do facto de ter colocado os autores no risco da própria ré quando esse risco já era antecipável a um bom pai de família, que equivale a dizer medianamente previdente, e quando este pai de família, caso pretendesse arriscar, arriscaria sozinho sem ampliar a sua esfera de risco a terceiros sem os esclarecer ou então esclareceria esse mesmo risco, o que se presume que a ré não fez.
A censura que a ordem jurídica dirige à actuação da ré por ter ocorrido a impossibilidade da prestação é uma censura “in causa”.
A ré contratou sem observar os cuidados que, no seu lugar, observaria o bom pai de família para evitar que ocorresse de surpresa para a outra parte contratante a impossibilidade da prestação que a própria ré criava por via contratual, pelo que não actuou com o cuidado objectivamente devido, sendo negligente a sua actuação, uma das formas de culpa cível em matéria de responsabilidade civil.
À ré pode ser dirigido um juízo de censura em termos de culpa pela expansão temerária e unilateral da sua esfera de risco. Não é de risco que se trata, mas de culpa pela expansão do risco perceptível.
Em termos puramente de risco que a ré não comunicou aos autores, se a ré tivesse conseguido construir receberia os lucros que houvesse sem ter de os repartir com os autores e, como não conseguiu construir, recebe os prejuízos que haja, também sem ter de os repartir.
A ré diz que tudo fez para conseguir construir e que, por isso, não merece censura por não ter conseguido construir atempadamente e assim evitar a caducidade da concessão que provocou, afinal, a sua impossibilidade jurídica de construir. Porém, apesar de a própria ré também não ter sido célere com vista à conclusão do empreendimento “XX Horizon”18, não é na falta de esforço para construir que deve fundar-se o juízo de culpa quanto à impossibilidade da prestação. O juízo de culpa deve antecipar-se “in causa” e aí, conclui-se que a ré, sem esclarecer claramente os autores, nem deveria ter criado o dever de prestar e, assim, teria evitado a impossibilidade de o cumprir que veio a verificar-se, como era antecipável a quem actuasse com mediana prudência e cuidado para não causar danos a terceiros decorrentes da impossibilidade de cumprir a obrigação de construir e entregar fracções autónomas de prédio urbano.
Em conclusão, a impossibilidade da prestação devida pela ré é imputável à devedora (ré) a título de culpa (negligência ou inobservância do cuidado devido) porquanto essa impossibilidade era previsível a um comerciante medianamente prudente no momento em que o dever de prestar foi assumido pela ré e essa previsibilidade levaria aquele comerciante a não contratar como a ré contratou ou a fazê-lo apenas depois de obter a adesão dos autores ao seu risco empresarial.
3 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão dos autores e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
4 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
4.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que os autores pagaram à ré para receber dela um imóvel e que nada receberam é forçoso concluir que os autores sofreram danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagaram para adquirir e nada adquiriram.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar os autores, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização. E esta conclusão é afirmada sem necessidade de discussão sobre a existência de sinal penitencial, aquele sinal acordado pelas partes como “preço do arrependimento”, o qual torna lícita a desvinculação unilateral do normal dever de cumprimento do contrato.
4.2 Do montante da indemnização
Os autores pretendem ser indemnizados pelo dobro do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado (HKD1.521.000,00).
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foi e a ré que não foi.
4.2.1 Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, os autores entendem que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende nas suas alegações de Direito que deve ser qualificado como contrato de compra e venda de bem futuro.
A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes19. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual20. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular21. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual22.
Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das parte não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
Vejamos então nos factos provados se, nas prestações concretamente acordadas pelas partes que ali constam, o seu acordo pode ou não ser qualificado como contrato-promessa.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda” (nºs 2. e 3). No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Porém, o referido nº 2. dos factos provados remete, para o texto do acordo em análise. Desse texto constam expressões cujo significado aponta quer no sentido de as partes acordarem celebrar no futuro novo contrato (de compra e venda), quer no sentido de acordarem apenas formalizar no futuro um acordo já concluído. Com efeito, ora denominam o contrato de “contrato-promessa de compra e venda” e falam em prometer vender, “prometer comprar e “prometida venda” e denominam-se “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”; ora falam em recuperação e revenda da fracção pela ré e alienação da fração pelo promitente-comprador antes da celebração da escritura pública de compra e venda (cláusulas 5ª e 9º).
Pois bem, nesta situação em que se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis, como referido, a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CC).
Ora, parece-nos decisivo o teor das cláusulas 9º a 22ª para saber o sentido que o normal declaratário atribuiria ao teor da declaração que as partes plasmaram no documento a que se reporta a alínea c) dos factos provados: - se lhe atribuiria o sentido de estar já concluído o acordo definitivo ou se lhe atribuiria o sentido de ainda haver algo para acordar no futuro.
Na referida cláusula 22ª refere-se que a ré pode fazer alterações de construção sem que a outra parte contratual possa recusar a “transacção”, o que aponta no sentido de haver ainda acordo a fazer no futuro que as partes denominaram “transacção” e que não podia ser recusado com determinado fundamento.
A cláusula 9ª aponta também para que as partes quisessem ainda novo contrato. Com efeito, estabeleceram condições onerosas para a cessão da posição contratual. Ora, se as partes já considerassem a propriedade da fracção na esfera jurídica do “comprador”, porque considerariam que este não era dono integral e não podia transferir para terceiro sem o consentimento da ré e sem a remunerar?
Este “mecanismo” de cessão da posição contratual aponta no sentido de que, no entendimento das partes contratantes, a ré não se desligou da prestação característica do contrato-promessa que é celebrar outro contrato e que, por isso, receberá comissão para celebrar esse novo e futuro contrato com terceiro, não se tratando apenas de uma modificação subjectiva do mesmo contrato. Se na vontade real dos contraentes a ré já nada tivesse a ver com a fracção autónoma em causa nem com a prestação característica do contrato promessa, a comissão que tem direito a receber por consentir na cessão da posição contratual seria incompreensível na economia do contrato. De facto, as partes não estabeleceram a necessidade de consentimento e de pagamento de comissão para as vendas posteriores à celebração da escritura pública de compra e venda, o que aponta para que, no espírito dos contraentes, a situação negocial é diferente antes e depois da escritura, porque a fracção está em esferas jurídicas diferentes nesses dois momentos.
Se as partes considerassem que celebraram um contrato de compra e venda de bem futuro não era necessário regular a cessão da posição contratual que regularam. O comprador de bem futuro pode vender a coisa como pode o comprador de bem já existente. O proprietário que adquiriu por contrato não transmite a sua posição contratual quando vende. Não transmite um crédito, mas transmite um direito real, ainda que futuro, ainda que suspenso. Se as partes sentissem que a fracção autónoma já pertencia ao autor em termos de direito real futuro, não colocariam qualquer entrave a que o autor vendesse, também como bem futuro. A justificação que a ré dá (conhecer a quem deveria entregar a fracção e evitar actividades fraudulentas em relação a terceiros) não basta na perspectiva do normal declaratário para o pesado e caro/lucrativo mecanismo contratual estabelecido no caso de os autores já se sentirem proprietários, apesar de terem suspensa a aquisição do direito de propriedade. Até porque a ré estava totalmente garantida face à falta de pagamento, pois faria suas as quantias que já lhe haviam sido pagas (cláusula 5ª do contrato em análise).
Se a ré vendeu bem futuro, como defende, os autores também poderiam fazer o mesmo e vender o seu bem futuro sem necessidade de “autorização” da ré. A ré também não pediu autorização a ninguém para vender um bem futuro de que seria proprietária quando o construísse. Porque necessitavam os autores de “autorização” se eram tão proprietários futuros como a ré? É esta falta de explicação para a desconsideração da qualidade jurídica real dos autores face a bens futuros que tem de levar o declaratário normal a concluir que, afinal, a ré e os autores consideraram que estes apenas tinham direito de crédito e poderiam ceder a posição contratual do contrato gerador desse direito de crédito, mas não podia vender bens futuros porque estes bens eram alheios, porque eram da ré. Ao regularem a cessão da posição contratual, as partes deixam entender que consideraram que a posição dos autores que podia ser cedida era uma posição creditícia e não uma posição real, ainda que correspondente ao que pode designar-se na linguagem comum por “pequeno proprietário”. Isto é, as contraentes deixaram entender que os autores tinham um direito de crédito, um direito ao cumprimento de uma promessa de contratar, e não um direito real, ainda que futuro e em suspensão. Ao regularem a cessão de um crédito (posição contratual) as partes deixam entender ao declaratário normal que consideravam que os autores não tinham ainda um direito real sobre coisa futura. Deixam entender que os autores não podem transmitir a coisa futura (o seu direito real sobre ela), mas apenas podem transmitir a promessa da ré (um direito sobre a ré e não um direito sobre a coisa futura).
É esta engrenagem negocial aliada à denominação que as partes deram ao contrato que celebraram que deve levar o “normal declaratário” a considerar que a prestação característica que a ré assumiu foi celebrar um contrato no futuro com o promitente originário ou com aquele a quem fosse cedida a posição contratual de promitrente-comprador.
Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico23. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes24.
Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que os autores entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 5º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão.
Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
Ora, se em caso de incumprimento dos autores a ré é indemnizada em “1.521.000”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que os autores ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
As partes não estipularam que em caso de incumprimento dos autores a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere aos autores o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar aos autores um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal25;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo26.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
Mas a ré disse que a sua culpa é reduzida e que os autores vão receber uma fracção autónoma de um imóvel idêntica à que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações27, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento28.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que os autores sofreram. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo os factos provados revelam apenas a candidatura deferida dos autores à aquisição de uma fracção autónoma em condições idênticas às que acordaram com a ré no âmbito de um programa governamental que beneficia os autores devido ao facto de a prestação da ré se ter tornado impossível.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
Os autores estão privados há vários anos (cerca de 12) da quantia que pagaram e da fracção autónoma que pretendiam adquirir (cerca de 10), não se sabendo quando irão adquirir outra fracção autónoma no âmbito do referido programa governamental, pelo que não está minimamente deponstrado que o dano efectivo dos autores é consideravelmente inferior ao valor do sinal, razão por que não pode haver redução do valor da indemnização por recurso à equidade.
Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelos autores, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
Conclui-se, pois, que procede a pretensão dos autores de serem indemnizados em montante igual ao sinal prestado e improcede a pretensão da ré de ver reduzida a indemnização segundo juízos de equidade.
5 – Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
6 - Da mora na obrigação de indemnizar.
6.1 Do início da mora.
Os autores pediram a condenação da ré em indemnização moratória. Para o caso de a ré ser condenada a pagar o sinal em dobro, pediram que a indemnização moratória se consubstanciasse no pagamento de juros de mora contados à taxa legal para as obrigações de natureza comercial (11,75%), desde a publicação do Despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno onde a ré iria construir a fracção autónoma a entregar aos autores até integral pagamento.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre quanto às obrigações puras e líquidas, como é a da ré, no momento da interpelação (art. 794º, nºs 1 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A mora ocorreu, pois, com a citação por não se ter provado interpelação anterior.
6.2 A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepões aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito dos autores nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.».
Por discordar da subsunção jurídica dos factos feita na decisão vem a Recorrente repetir nas suas alegações e conclusões de recurso questões que já antes havia suscitado, a saber:
- Nas conclusões 3ª a 28ª no que concerne à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes como não sendo de promessa de compra e venda e a qualificação das quantias pagas pelos Autores ora Recorridos como não sendo a título de sinal;
- Nas conclusões 29ª a 58ª sustenta que o incumprimento do contrato celebrado com os Autores ora recorridos resulta de uma impossibilidade jurídica superveniente que não lhe é imputável;
- Nas conclusões 59ª a 71ª vem atacar o valor da indemnização em que foi condenada seja porque o incumprimento não lhe é imputável, seja porque assim não se entendendo se devia recorrer a critérios de equidade por ser o valor arbitrado excessivo.
A questão suscitada nestes autos repete-se em largas centenas de processos onde sem prejuízo de algumas alterações factuais a questão de direito a decidir se mantém inalterada.
Estamos perante o género de situação que tem vindo a ser qualificada pela Doutrina e Jurisprudência como “processos em massa29” entendendo-se como aqueles em que a situação de facto subjacente poucas alterações sofre, ainda assim repetindo-se e para os quais a solução de direito não pode deixar de ser a mesma, levando o legislador noutras jurisdições a adoptar soluções que garantam uma decisão igual do ponto de vista jurídico para todas as acções.
Na decisão recorrida são detalhadamente analisadas todas as questões agora repetidamente invocadas.
A decisão recorrida não só segue a mesma solução jurídica adoptada nos demais casos no Tribunal a quo, como também, aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal30.
Destarte, em face do exposto, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Registe e Notifique.
RAEM, 27 de Fevereiro de 2025
Relator
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
Primeiro Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
Segundo Juiz-Adjunto
Tong Hio Fong
1 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
2 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
3 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
4 Neste sentido, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, 1988, p. 170.
5 Prof. Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 580.
6 Desde há muito que tem havido tentativas doutrinais de restringir o princípio da culpa em matéria de imputação ao devedor da impossibilidade da prestação. Baptista Machado (Risco Contratual e Mora do Credor, Obra Dispersa, Vol. I) apela a uma distribuição do risco contratual em caso de malogro do plano negocial por superveniência da impossibilidade da prestação. Menezes Cordeiro, sensível à evolução alemã em matéria de impossibilidade da prestação, invoca em termos esquemáticos uma graduação especial e reforçada do dever de diligência do devedor com vista à obtenção do objecto da prestação (Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 329 a 333). Sob a epígrafe “Novas tensões em torno do princípio da culpa?”, Catarina Monteiro Pires (Impossibilidade da prestação, pgs. 622 a 638), embora não o afirmando, chega a equacionar para o Direito alemão actual e para o Direito português o que designa por “despedida do princípio da culpa” e o que designa também por coexistência com outros critérios de imputação ao devedor da impossibilidade da sua prestação.
7 Só faz sentido falar de culpa perante actos ilícitos – Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, p. 317.
8 Lapidarmente, escreve Pessoa Jorge (Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 337: “O que o legislador quis foi excluir, como critério de definição do comportamento devido, a diligência psicológica habitual do agente”.
9 “Como definir então se uma conduta é culposa? Pela diferença entre o comportamento exigível… e o comportamento adoptado no caso concreto” - Alberto de Sá e Mello, “Critérios de apreciação da culpa na responsabilidade civil: breve anotação ao Regime do Código” in Revista da Ordem dos Advogados, sem n.º, ano 49, setembro 1989, Lisboa, p. 535, também acessível em https://www.oa.pt/upl/%7Ba2b9529f-1b59-4cec-94ff-b02dab234224%7D.pdf.
10 O disposto no art. 481º do CC aponta para que esse momento seja aquele em que o acto ilícito (danoso) ocorreu. No mesmo sentido, Alberto de Sá e Mello, op. cit. p. 527.
11 “A imputabilidade não se verifica, então, no momento da prática do facto, mas no momento da colocação das suas causas” – Prof. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, Vol. II, pgs. 34 a 37 (Edição AAFDL 1962).
12 Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 1995, p. 135.
13 A propósito da impossibilidade superveniente da prestação por facto de terceiro estranho ao cumprimento, escreve Pessoa Jorge (op. cit., pg. 136): “... só há impossibilidade exoneratória se o comportamento do terceiro reunir as características do caso fortuito ou de força maior: assim, se o devedor podia e devia ter previsto e evitado a sua actuação, não lhe é lícito invocar o impedimento por ele criado”.
O mesmo autor escreve também que não releva o facto de o comportamento de terceiro que impossibilita a prestação ser ele próprio ilícito e culposo ou ser lícito e não censurável.
14 Não está em causa considerar a ré responsável perante os autores pelos actos da RAEM, quer nos termos do art. 789º, nº 1, quer por qualquer culpa in eligendo, pois que a RAEM não tem a qualidade pressuposta no referido normativo, nem foi escolhida pela ré.
15 Também o credor está obrigado a proceder de boa fé no exercício do seu direito de crédito (art. 752º, nº 2 do CC), designadamente não lhe sendo lícito em certas circunstâncias recusar sem razão prestação semelhante à prestação devida que o devedor ofereça. No caso dos autos a ré alegou que propôs aos autores entregar-lhes outra fracção autónoma de entre as que tinha e que os autores escolhessem. Na dificuldade/impossibilidade de cumprir que a ré experimentou, ao autor poderia não ser lícito recusar se a fracção oferecida satisfizesse o interesse contratual, o que se desconhece, designadamente quanto a área, localização e preço da fracção devida e da oferecida.
16 A ré comprometeu-se a construir em 1200 dias “de sol”, contados apenas depois de decorrido algum tempo após o início da construção, como decorre do contrato dado por reproduzido na matéria de facto provada.
17 “A auto-condução a um estado de” impossibilidade previsível de cumprir “corresponderia já a uma violação do dever … de cuidado, temporalmente dissociada da verificação do resultado” (impossibilidade efectiva de cumprir) – adaptação do texto de Teresa Quintela de Brito, Crime Praticado em Estado de Inimputabilidade Auto-provocada…, 1991, p. 155.
18 Embora não conste da factualidade provada, os documentos juntos aos autos pela ré e os factos pela mesma alegados apontam que a ré demorou mais de dois anos a apresentar o primeiro projecto de arquitectura para aprovação e quase seis meses para apresentar o primeiro relatório do estudo de impacto ambiental.
19 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
20 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
21 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
22 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
23 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
24 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
25 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
26 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
27 Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
28 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
29 Veja-se artº 48º do CPTA Português
30 Vejam-se Acórdão deste Tribunal de 09.05.2024 proferido no Procº 22/2024 e de 16.01.2025 proferido no processo 292/2024.
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739/2024 CÍVEL 1