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Processo nº 87/2023
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), A., propôs, no Tribunal Judicial de Base, acção declarativa de condenação em processo comum ordinário – CV2-19-0136-CAO – contra a “B”, (“乙”), R., e, alegando o incumprimento do entre elas acordado relativamente à utilização de uma loja da R., pediu a condenação desta no pagamento a seu favor de MOP$4.526.501,87 como “indemnização”, de MOP$4.388.335,60 como “caução”, e os respectivos juros calculados à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, assim como nos custos pela A. entretanto suportados; (cfr., fls. 2 a 5-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, finda a fase dos “articulados” com a apresentação de contestação, réplica e tréplica, por sentença do Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base de 08.06.2022, veio-se a proferir sentença onde se julgou parcialmente procedente a acção pela A. proposta, decidindo-se e consignando-se o que segue em sede do seu dispositivo:

“1. confirmar a extinção da relação contratual entre a Autora e a Ré com base nos fundamentos expostas na parte IV do presente acórdão;
2. condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de MOP4.405.265,1 e outra de RMB316.925,6;
3. as quantias referidas em ponto 2 são acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da efectiva citação da Ré até integral pagamento;
4. julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela Autora contra a Ré e absolver a Ré destes pedidos;
5. julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré contra a Autora e absolver a Autora do pedido;
As custas processuais da ação principal e da reconvenção a suportar pela Autora e Ré na proporção do decaimento.
Registe e notifique”; (cfr., fls. 629 a 644-v e 37 do Apenso).

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Do assim decidido, recorreu a R., (“B”), e, apreciando o aludido recurso, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 24.05.2023, (Proc. n.° 63/2023), onde se confirmou integralmente a decisão recorrida; (cfr., fls. 739 a 753-v).

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Ainda inconformada, traz a R., (“B”), o presente recurso para este Tribunal de Última Instância.

Produz as seguintes conclusões:

“1. O Contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida é um contrato de instalação de lojista em centro comercial ou contrato de cedência de uso de loja em centro comercial.
2. O contrato de instalação de lojista em centro comercial é um contrato atípico, sujeito ao princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 399.º do Código Civil.
3. O Contrato dos autos não é um contrato de arrendamento nem ocorre lacuna alguma que justifique que se lhe aplique o regime do contrato de arrendamento, a título subsidiário ou por analogia.
4. A resolução de um contrato de instalação de lojista em centro comercial faz-se nos termos acordados entre as partes e não com recurso ao regime do arrendamento.
5. As partes acordaram na cláusula resolutiva expressa (Cláusula 17). nos termos da qual a Recorrente e a Recorrida definem e aceitam as regras do "Occupancy Cost Ratio".
6. A Recorrida esteve, durante toda a vigência do Contrato, em incumprimento da Cláusula 17.
7. O pedido de indemnização formulado pela Recorrida constitui abuso de direito, previsto no artigo 326.º do Código Civil, na modalidade de tu quoque.
8. No momento em que a Recorrente comunicou a resolução do Contrato à Recorrida, esta encontrava-se ainda em incumprimento da Cláusula 17, o que autorizava a Recorrente a resolver o Contrato, sem necessidade de interpelação admonitória.
9. Porém, o TJB declarou resolvido o Contrato com fundamento em incumprimento contratual imputável à Recorrente.
10. Os fundamentos da resolução contratual podem ser ampliados ou complementados em momento posterior à comunicação da resolução.
11. Cabe ao titular do direito potestativo convencionado na cláusula resolutiva expressa decidir sobre a tolerabilidade do incumprimento contratual.
12. Não existe qualquer prazo, para além do prazo geral de prescrição, para declarar a resolução.
13. Não há fundamento para que as instâncias entendessem que a Recorrente não teria querido invocar a Cláusula 17 em 2016, nem para que a não pudesse invocar em 2020.
14. Tal entendimento viola o princípio da liberdade contratual e o princípio da eficácia dos contratos.
15. O Acórdão Recorrido violou, nomeadamente, as normas sobre a liberdade contratual (artigo 399.º do Código Civil), eficácia contratual (artigo 400.º do Código Civil), sobre a resolução dos contratos, em relação à forma e eficácia da resolução (430.º do Código Civil), sobre abuso do direito (artigo 326.º do Código Civil) e sobre a boa-fé no cumprimento dos contratos o artigo 752.º, n.º 2 do Código Civil”; (cfr., fls. 763 a 785-v).

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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a conhecer.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base deu como provados os factos seguintes (que foram confirmados pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido):

“1) Em 13 de Março de 2014, a Autora assinou o “Agreement for the grant of a right to use a shop” (doravante designado por “acordo de utilização”) (cfr. fls. 59 a 123 dos autos, cuja tradução se encontra a fls. 387 a 410 dos autos) (facto provado A)
2) Em 24 de Março de 2014, a Ré assinou o dito acordo de utilização (vide acima). (facto provado B)
3) Através do acordo de utilização à Autora foi permitido utilizar a loja nº XXX (doravante designada por unidade objecto) no centro comercial [Centro Comercial B] para exercer actividade de venda a retalho de joalharia de ouro, por um período de 3 anos. (facto provado C)
4) Em 5 de Março de 2014, entrou em vigor o acordo de utilização. (Facto provado D)
5) Em 21 de Agosto de 2014, a Autora assinou um “Extension Agreement” sobre a unidade objecto (doravante designado por “acordo complementar”) (cfr. fls. 124 a 134 dos autos, cuja tradução se encontra a fls. 445 a 449 dos autos) (facto provado E)
6) Em 3 de Outubro de 2014, a Ré assinou o dito acordo complementar (vide acima). (facto provado F)
7) A Autora e a Ré procederam à revisão do acordo de utilização, o prazo de utilização da unidade objecto passou para 5 anos e a área foi alterada para 1.651 pés quadrados. (facto provado G)
8) Em 9 de Janeiro de 2015, a Autora pagou, a exigência da Ré, as despesas relativas aos equipamentos de segurança contra incêndios da unidade objecto no período contratual no valor de HKD127.791,79, para servir das despesas necessárias pagas pela Autora à Ré (cfr. fls. 140 e 141 a 143 dos autos, cuja tradução se encontra a fls. 457 dos autos). (facto provado H)
9) Em 19 de Janeiro de 2015, a Autora pagou, a exigência da Ré, as despesas relativas ao imposto de selo de arrendamento sobre a unidade objecto no período contratual no valor de HKD211.394,00, para servir das despesas necessárias pagas pela Autora à Ré (cfr. fls. 140 e 144 a 146 dos autos). (facto provado I)
10) Em 19 de Janeiro de 2015, a Autora pagou, a exigência da Ré, os honorários de consultor da obra de decoração da unidade objecto no período contratual no valor de HKD79.635,04, para servir das despesas necessárias pagas pela Autora à Ré (cfr. fls. 140, 144 e 147 a 149 dos autos, cuja tradução se encontra a fls. 463 e 466 dos autos). (facto provado J)
11) Em 26 de Janeiro de 2015, a Autora pagou, a exigência da Ré, a caução para a obra de decoração, no valor de HKD100.000,00, e as despesas de inspecção, no valor de HKD18.040,00, da unidade objecto no período contratual, para servir das despesas necessárias pagas pela Autora à Ré (cfr. fls. 139 e 150 a 152 dos autos, cuja tradução se encontra a fls. 469 dos autos). (facto provado K)
12) Em 30 de Janeiro de 2015, a exigência da Ré, a Autora realizou obra de protecção contra incêndios com tintas retardants de fogo, para tal pagou a quantia de MOP15.000,00 à "[Empresa(1)]", a título de preço da obra (cfr. fls. 153 a 154 dos autos). (facto provado L)
13) Nos termos do acordo complementar, a Autora devia pagar à Ré a caução de utilização da unidade objecto no valor de HKD4.160.520,00. Em cumprimento de tal cláusula contratual, a Autora pagou a Ré uma quantia em numerário de HKD2.080.260,00 e outra quantia de HKD2.080.260,00 através da garantia bancária emitida pelo [Banco], a título de caução de utilização da unidade objecto (cfr. fls. 155 dos autos, cuja tradução se encontra em fls. 472 dos autos). (facto provado M)
14) Em 17 de Março de 2016, a Autora recebeu o aviso de terminação emitido pela Ré (cfr. fls. 172 a 173 dos autos, cuja tradução se encontra em fls. 475 a 476 dos autos). (facto provado N)
15) No aviso de terminação, a Ré imputou à Autora a violação do acordo de utilização, indicando concretamente os seguintes factos:
1) A Autora começou a exercer a actividade de transação de fichas de jogo;
2) Suspeita-se que a unidade objecto foi utilizada pela Autora para fornecer empréstimos ilegais para fins de jogos de azar.
3) A Ré descobriu fichas de jogo na unidade objecto (facto provado O)
16) Cessa o direito da Autora de usar a unidade objecto no mesmo dia do recebimento do aviso de terminação. (facto provado P)
17) Em 2 de Maio de 2016, pelas 8h30, o fornecimento de energia da unidade objecto foi cortado, ficando a Autora impossibilitada de operar o negócio. (facto provado Q)
18) Em 2 de Maio de 2016, a Autora pagou, a exigência da Ré, as despesas da unidade objecto correspondentes ao mês de Maio no valor de HKD742.267,20 (cfr. fls. 177 a 180 dos autos). (facto provado R)
19) Ás 22h30 do dia 5 de Maio de 2016, os trabalhadores de obra da Ré fecharam a unidade objecto com tapumes (facto provado S)
20) Em 17 de Maio de 2016, a Ré emitiu à Autora aviso de despejo, exigindo que a Autora despejasse a unidade objecto e a repusesse no seu estado anterior. (facto provado T)
21) Em 1 de Agosto de 2016, a Ré apresentou no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM uma ação declarativa contra a Autora, que correu termos sob o nº CV2-16-0071-CAO (cfr. fls. 2 dos autos do processo nº CV2-16-0071-CAO), com fundamento na culpa e incumprimento definitivo por parte da Autora que resultou na resolução do contrato (facto provado U)
22) Segundo a sentença já transitada em julgado do Tribunal Judicial de Base de Macau, proferida em 30 de Abril de 2018 no processo nº CV2-16-0071-CAO, foram indeferidos todos os pedidos feitos pela Ré contra a Autora (cfr. fls. 184 a 198 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (facto provado V)
23) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à construção e gestão de centros comerciais (cfr. fls. 17 a 58 dos autos). (facto provado W)
24) No desempenho dessa actividade, a Ré promoveu a construção do centro comercial denominado [Centro Comercial B], sito no B Hotel, na [Endereço]. (facto provado X)
25) No âmbito da gestão e exploração do [Centro Comercial B], a Ré procede à cessão remunerada de espaços comerciais a terceiros para que ali desenvolvessem determinada actividade comercial. (facto provado Y)
26) O Contrato referido na alínea A) dos Factos Assentes tem por objecto exclusivamente, à instalação de uma loja de alta categoria para exposição e venda de joalharia de ouro, diamantes e acessórios conexos sob o nome comercial “C” sendo este o âmbito de actividade permitido (cfr. fls. 117 dos autos, Itens 1, 2, 3 e 7 do “Schedule” anexo ao Contrato). (facto provado Z)
27) O Contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos a contar do “commencement date” ou data de início do Contrato, com o seu termo final no último dia de calendário decorridos 3 anos sobre o termo inicial (cfr. fls. 78 e 118 dos autos, n.º 1 da Cláusula 12 e Item 10 do “Schedule” ao Contrato). (facto provado AA)
28) Foi também acordado entre as partes que o início do Contrato coincidiria com o final do período para realização das obras de adaptação e decoração da loja ou “fitting out period” (cfr. fls. 78 dos autos, Cláusula 12 do Contrato). (facto provado BB)
29) Sendo também acordado que o período para realização das obras de adaptação e decoração da loja seria de 8 semanas, com início em 8 de Dezembro de 2014 (cfr. fls. 117 dos autos, Item 4 do Schedule ao Contrato). (facto provado CC)
30) A data de início do Contrato foi 2 de Fevereiro de 2015 e a data do seu termo 29 de Fevereiro de 2020 (cfr. fls. 68 a 69 e 117 dos autos, Cláusulas 4, 5.1 e Item 4 do “Schedule” ao Contrato) (facto provado DD)
31) Quando, em Março de 2016, a Ré comunicou a resolução do Contrato à Autora, fê-lo invocando as razões que serviram de base à causa de pedir invocada na acção CV2-16-0071-CAO que não foram provados em Tribunal, razão pela qual a acção foi julgada improcedente. (facto provado EE)

- Realizada a audiência de julgamento, provou-se a seguinte factualidade: (cuja fundamentação se encontra em fls. 562 a 573 dos autos)
32) Em 5 de Janeiro de 2015, a Autora pagou, através de cheque bancário, os honorários de consultor da obra de decoração da unidade objecto no valor de MOP93.000,00 à [Empresa(2)]. (resposta dada ao quesito1º)
33) Para poder explorar a loja durante o período contratual, a Autora pagou, na totalidade, um montante de RMB420.000,00 e outro de MOP900.000,00 pela obra de decoração. (resposta dada ao quesito2º)
34) Em Maio de 2016, a Autora pagou o montante de MOP15.000,00 à [Empresa(2)], a título de remanescente dos honorários de consultor de obra de decoração (resposta dada ao quesito4º)
35) Uma vez que a Autora não era capaz de continuar a exercer a sua actividade comercial, despediu, em 5 de Junho de 2016, os seguintes funcionários, pagando-lhes as indemnizações de despedimento abaixo indicadas:
1. 丁 D MOP15.000;
2. 戊 E MOP20.000;
3. 己 F MOP15.000;
4. 庚 G MOP15.000;
5. 辛 H MOP15.000;
6. 壬 I MOP15.000;
7. 癸 J MOP15.000;
8. 甲甲 K MOP15.000;
9. 甲乙 L MOP20.000;
10. 甲丙 M MOP20.000;
11. 甲丁 N MOP15.000;
12. 甲戊 O MOP20.000;
14. 甲己 P MOP15.000;
15.甲庚 Q MOP15.000;
16. 甲辛 R MOP20.000;
17. 甲壬 S MOP15.000;
18. 甲癸 T MOP20.000;
19. 乙甲 U MOP20.000。(resposta dada ao quesito 6°)
36) A conduta da Ré obrigou a Autora a sair da loja em causa, bem como impossibilitou a Autora de exercer a sua actividade comercial. (resposta dada ao quesito 6º)
37) A fim de explorar a loja, a Autora tinha pagados as seguintes despesas:
1) HKD127.791,79 pelos equipamentos de segurança contra incêndios no período contratual;
2) HKD211.394,00, a título de imposto de selo de arrendamento para o período contratual;
3) HKD79.635,04, a título de honorários de consultor de obra de decoração no período contratual;
4) MOP93.000,00, a título de honorários de consultor de obra de decoração no período contratual, ou seja, a quantia indicada na resposta dada ao quesito 1º;
5) MOP15.000,00,a título de remanescente dos honorários de consultor de obra de decoração, ou seja, a quantia indicada na resposta dada ao quesito 4°;
6) HKD18,040.00, a título de despesas de inspecção no período contratual;
7) MOP15,000.00 pela obra de protecção contra incêndios com tintas retardants de fogo no período contratual;
8) RMB420.000,00 e MOP900.000,00 pela obra de decoração, ou seja, as quantias indicadas na resposta dada ao quesito 2º;
9) HKD742.267,20, despesas correspondentes ao mês de Maio de 2016 da unidade objecto;
10) MOP305.000,00 a título de compensações e indemnizações de despedimento aos funcionários, ou seja, a quantia indicada na resposta dada ao quesito 5º. (resposta dada ao quesito 6º)
38) Ao abrigo do acordado pelas partes na Cláusula 16.3, a Autora aceitou que todos os trabalhos de decoração da loja e melhoramentos nela introduzidos, incluindo equipamentos de ar-condicionado ou quaisquer outros trabalhos na loja feitos pela Autora, com excepção de decorações de marca, tornam-se parte integrante da loja e da propriedade da Ré, não tendo a Autora direito a qualquer compensação. (resposta dada ao quesito 6º-A)
39) Relativamente ao valor de HKD2.080.260,00 da garantia bancária que foi prestada pela Autora a título de caução, a Ré não a accionou e a Autora, consequentemente, não a pagou. (resposta dada ao quesito 6º-B)
40) Como contrapartida pelo uso da loja, a Autora obrigou-se, nos termos e condições do Contrato, a pagar mensalmente à Ré uma denominada “Base Fee”, no montante de HKD693,420.00 por mês, durante os primeiros 36 meses de duração do Contrato (cfr. Cláusula 20.1 e Item 12 do Schedule anexo ao Contrato). (resposta dada ao quesito 7º)
41) A Autora obrigou-se ainda a proceder mensalmente ao pagamento, à Ré, das taxas de gestão ou taxas de participação nas despesas comuns do Centro Comercial, em inglês “Management Fee”, conforme previsto na Cláusula 23, do Contrato, o qual foi, para o ano de 2015, fixado em HKD17.80 por pé quadrado, no montante mensal de HKD29,387.80 (cfr. Apêndice 2). (resposta dada ao quesito 8º)
42) O “Management Fee” estava sujeito a ajustamentos anuais, de modo a reflectir as variações ocorridas nas despesas de gestão do centro comercial (cfr. Cláusula 23 do Contrato). (resposta dada ao quesito 9º)
43) No ano de 2016, o “Management Fee” foi ajustado para HKD30,873.70 e para 2017 foi ajustado para HKD32,111.95. (resposta dada ao quesito 10º)
44) A Autora acordou também no pagamento, à Ré, de uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de promoção do Centro Comercial, em inglês “Promotion Levy”, conforme previsto na Cláusula 25 do Contrato, que no ano de 2015 foi fixada à razão de HKD3.27 por pé quadrado, no montante mensal de HKD5,398.77 (cfr. Apêndice 2 do Contrato). (resposta dada ao quesito 11º)
45) O “Promotion Levy” está sujeito a aumentos anuais de 5%, a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano de vigência do Contrato (cfr. Cláusula 25.5 do Contrato). (resposta dada ao quesito 12º)
46) Por força das actualizações referidas, o valor mensal do “Promotion Levy”, por pé quadrado, passou a ser de HKD5,662.93 no ano de 2016 e de HKD5,943.60 no ano de 2017. (resposta dada ao quesito 13º)
47) A Autora acordou ainda no pagamento, à Ré, de uma taxa de comparticipação nas despesas comuns de acções de entretenimento a ter lugar no Centro Comercial, em inglês “Streetmosphere Levy”, conforme previsto na Cláusula 30 do contrato, que no ano de 2015 foi fixada à razão de HKD3.27 por pé quadrado, no montante mensal de HKD5,398.77 (cfr. Cláusula 26 e Apêndice 2 do contrato). (resposta dada ao quesito 14º)
48) O “Streetmosphere Levy” está sujeito a aumentos anuais de 5%, a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de cada ano de vigência do Contrato (cfr. Cláusula 26.5 do Contrato). (resposta dada ao quesito 15º)
49) Por força das actualizações referidas, o valor mensal do “Streetmosphere Levy”, por pé quadrado, passou a ser de HKD5,662.93 no ano de 2016 e de HKD5,943.60 no ano de 2017. (resposta dada ao quesito 16º)
50) Nos termos do Contrato, a Autora obrigou-se ainda a manter um Rácio do Custo de Ocupação (“Occupancy Cost Ratio”, doravante “RCO”) que não excedesse o valor anual de 25% (cfr. Cláusula 17 e item 11 do “Schedule”). (resposta dada ao quesito 17º)
51) O RCO é calculado com base na equação X:Y, em que X representa o valor agregado dos pagamentos efectivamente feitos pela Autora durante um ano, a título de (a) “Base Fee”; (b) “Turnover Fee”; (c) “Management Fee”; (d) “Promotion Levy”; (e) “Streetmosphere Levy” e Y representa o volume de vendas da Autora durante esse ano. (resposta dada ao quesito 18º)
52) As partes acordaram que, caso a Autora não cumprisse o RCO, a Ré podia resolver o Contrato, ao abrigo do disposto na Cláusula 38 (cfr. Cláusula 17.3 do Contrato). (resposta dada ao quesito 19º)
53) Ficou igualmente acordado que, no caso de a Autora incumprir a Cláusula 17 do Contrato, a resolução poderia ser imediatamente comunicada pela Ré, sem necessidade de esta conceder à Autora um prazo adicional para cumprir (Cfr. Cláusula 17.3 do Contrato, com referência à Cláusula 38.3). (resposta dada ao quesito 20º)
54) Para efeitos do Contrato, um ano corresponde a 12 meses consecutivos de vigência (Cláusula 56). (resposta dada ao quesito 22º)
55) Provado o que consta da resposta dada ao quesito 25º. (resposta dada ao quesito 23º)
56) No ano de 2015, a soma mensal de “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” era de HKD733,605.34 e, no ano de 2016, era de HKD735,619.56. (resposta dada ao quesito 24º)
57) O valor das vendas realizadas pela Autora na loja 2019 e consequente RCO foi, durante os meses em que a operou, o seguinte:
Mês
Valor em MOP
Valor em HKD
RCO
2/2015
2,622,788.00
2,546,396.12
29%
3/2015
1,087,898.00
1,056,211.65
69%
4/2015
2,436,602.00
2,365,633.01
31%
5/2015
2,237,776.00
2,172,598.06
34%
6/2015
2,558,580.00
2,484,058.25
30%
7/2015
2,089,025.00
2,028,179.61
36%
8/2015
2,364,517.00
2,295,647.57
32%
9/2015
1,480,968.00
1,437,833.01
51%
10/2015
1,711,276.00
1,661,433.01
44%
11/2015
1,575,101.00
1,529,224.27
48%
12/2015
1,817,358.00
1,764,425.24
42%
1/2016
1,133,499.00
1,100,484.47
67%
2/2016
1,296,240.00
1,258,485.44
58%
3/2016
1,248,702.00
1,212,332.04
61%
4/2016
2,429,585.00
2,358,820.39
31%
5/2016
132,260.00
128,407.77

(resposta dada ao quesito 25º)
58) O RCO é um sinal de saúde financeira de uma loja, que indicia se é rentável e se constitui um negócio viável. (resposta dada ao quesito 27º)
59) Um RCO como o da Autora é sinal de eventuais problemas financeiros. (resposta dada ao quesito 29º)
60) Na carta de resolução que a Ré remeteu à Autora em 18 Março de 2016, não foi invocado como fundamento da resolução o incumprimento do RCO máximo de 25%. (resposta dada ao quesito 30º)
61) Nos termos do disposto na Cláusula 38.7 do Contrato, tem a Ré direito a ser indemnizada pelo incumprimento imputável à Autora, de modo a cobrir todos os danos sofridos, incluindo perda de negócio, relativamente ao período de tempo em que a loja se mantém desocupada, incluindo o total da “Base Fee”, “Management Fee”, “Promotion Levy” e “Streetmosphere Levy” ainda em dívida à data da resolução e que seria paga durante o período de vigência do Contrato ainda não vencido, se o Contrato não tivesse sido resolvido. (resposta dada ao quesito 31º)
62) A caução e a garantia bancária referidas na alínea M) dos Factos Assentes destinam-se a assegurar o pontual e completo cumprimento do Contrato por Parte da Autora, podendo a Ré, na sua inteira discrição, aplicá-las quando haja um qualquer incumprimento contratual, designadamente para liquidação de danos, penalidades ou indemnização (Cláusula 42.1 e 42.3 do Contrato). (resposta dada ao quesito 32º)
63) Uma caução para as obras de decoração (“fit-out”) no valor de HKD100,000.00, a Ré poderia aplicar para compensar quaisquer custos e prejuízos causados à Ré pela Autora, em resultado do incumprimento do Contrato (Cláusula 6.2(c) do Contrato). (resposta dada ao quesito 33º)
64) A Autora pagou as prestações referentes ao período que decorreu entre a resolução do Contrato, 19 de Março de 2016, e o mês de Maio de 2016, no valor total de HKD1,779,724.86, sendo HKD1,677,629.03 a título de “Base Fee”, HKD74,694.44 a título de “Management Fee”, HKD13,700.64 a título de “Promotion Levy” e HKD13,700.75 a título de “Streetmosphere Levy” que a Ré tenciona aplicar, por compensação, ao pagamento da cláusula penal que a Ré invoca nos presentes autos. (resposta dada ao quesito 34º)
65) A Autora depositou junto da Ré a quantia respeitante ao pagamento do imposto do selo, no valor de HKD211,394.00, que lhe deveria ser restituída. (resposta dada ao quesito 35º)
66) A data do início do Contrato entre a Autora e a Ré foi 2 de Fevereiro de 2015 e a data do seu termo 29 de Fevereiro de 2020. (resposta dada ao quesito 36º)
67) Em 30 de Maio de 2017 um novo lojista passou a ocupar a loja 2019. (resposta dada ao quesito 36º)”; (cfr., fls. 631-v a 638-v, 741-v a 745-v e 9 a 20 do Apenso).

Do direito

3. Como se colhe do que até aqui se deixou relatado, insurge-se a R., (“B”), contra o decidido pelo Tribunal Judicial de Base e confirmado com o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que atrás se fez referência.

Em face do que pela ora recorrente alegado vem, e das “questões” que com o mesmo traz à apreciação deste Tribunal de Última Instância, vejamos.

–– Diz a ora recorrente que se incorreu em “errada caracterização do contrato” e “erro quanto à inadmissibilidade da resolução com base em fundamento invocado em momento posterior (à resolução)”.

Pois bem, nas suas alegações de recurso, faz a R., ora recorrente, longas observações acerca do “contrato de utilização de loja em centro comercial” ou “contrato de instalação de lojista em centro comercial” – em causa parecendo-nos estar um “contrato atípico” que tem merecido diferentes designações, sendo por exemplo referido como “contrato para cedência de uso de loja em centro comercial” no Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 16.11.2016, Proc. n.° 71/2016 – com isso pretendendo questionar o decidido com o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido, designadamente, no trecho em que se afirma que:

“(…), a questão principal consiste em saber se a Ré resolveu validamente o contrato de arrendamento ou não, e, conforme os factos provados, a tese da resolução válida do arrendamento não está nem factual nem juridicamente fundamentada, já que, a nosso ver, o regime de arrendamento previsto no CCM é aplicável ao caso dos autos, enquanto não existe legislação especial que regule o arrendamento de espaço integrado nos chamados centros comerciais (…)
É de ver que só nas hipóteses acima referidas é que o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento. Não obstante a Ré querer, mas não conseguiu alegar e provar os fundamentos para este fim”; (cfr., fls. 751-v a 752-v).

Como se deixou considerado no citado Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 16.11.2016, (Proc. n.° 71/2016):

“Dos contratos dos autos resulta que a proprietária do centro comercial se obrigou a proporcionar o gozo temporário de um espaço comercial naquele centro a cada um dos lojistas, recebendo como contrapartida uma quantia em dinheiro. Dito apenas isto pareceria que estaríamos perante a figura da locação, na versão de arrendamento comercial, a que se referem os artigos 969.º, 970.º e 1045.º do Código Civil.
Aquando do aparecimento dos centros comerciais na segunda metade do século XX e dos litígios envolvendo os proprietários dos centros e os promotores (quando as duas figuras não se reuniam numa só) ou entre os promotores e os lojistas, a doutrina e a jurisprudência, por exemplo, no Brasil e em Portugal, começou por qualificar os contratos entre o proprietário do centro comercial ou o promotor e os lojistas como arrendamentos.
Mas rapidamente se percebeu que os direitos e obrigações das partes fugiam ao modelo do arrendamento, visto que muitas prestações eram típicas do contrato de prestação de serviços. Uma parte da doutrina e da jurisprudência aderiu, então, à qualificação dos contratos como mistos, de arrendamento e prestação de serviços.
Como se sabe, o contrato misto é aquele “no qual se reúnem elementos de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”1, integrando-se, assim, na categoria dos contratos atípicos ou inominados, consentidos pelo princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 399.º do Código Civil.
Gradualmente, foi ganhando força a qualificação como um puro contrato inominado, entendimento este que acabou por impor-se decisivamente, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Para tal contribuiu a consideração de que este contrato “se não integra no simples esquema de um contrato misto, visto este só abranger dogmaticamente os contratos com várias prestações, quando estas pertençam a dois ou mais contratos típicos”2.
Acrescenta ANTUNES VARELA que não é esse o caso do contrato realizado com o lojista, por duas razões:
“Primeiro, porque num exame analítico atento da contribuição global do fundador, promotor ou administrador do centro comercial, ao lado de prestações próprias do contrato de locação e do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º), outros elementos essenciais existem que não cabem nem no esquema da locação, nem na causa objectivo da prestação de serviços.
É o que sucede, nomeadamente, com a integração do lojista no conjunto seleccionado de estabelecimentos que rodeiam a sua loja3, com a existência do parque de estacionamento que favorece o acesso da sua clientela, bem como da dos demais lojistas, ou com a instalação de locais de diversão, que atraem os filhos dos compradores. Trata-se de elementos ou factores que representam um incontestável benefício patrimonial para o lojista (uma verdadeira atribuição patrimonial que ele aufere) e que, todavia, não revestem a forma de uma prestação de serviços a que o explorador do centro fique adstrito em face de qualquer dos lojistas.
Segundo, porque o conjunto das prestações efectuadas ou prometidas pelo promotor do centro introduz no contrato uma causa típica, global, que não encontra tradução adequada em nenhum dos contratos típicos previstos na Lei, nem na junção de quaisquer deles.
A única conclusão que pode assim extrair-se da análise do conteúdo do contrato para instalação do lojista no centro e do seu confronto com os contrato típicos regulados na lei civil é o de que se trata de um contrato atípico ou inominado”4”, concluindo-se, depois, que: “O contrato de arrendamento é, à partida, de excluir “pela razão de que a complexidade da figura não cabe nos varais limitados desse contrato”5. “Se no arrendamento típico se pode ver na renda estipulada a contrapartida devida pela cedência do gozo da coisa, já no contrato que ora analisamos as prestações pecuniárias acordadas (de montante parcialmente variável) surgem como correlato da prestação de um conjunto vasto de serviços e da disponibilidade de um local cujas características específicas se não alheiam de uma ímpar tarefa de concepção, acometida a uma das partes do negócio”6.
O contrato misto parece também de excluir, visto que do que se trata, nos contratos dos lojistas dos centros comerciais é, nas palavras de JORGE RIBEIRO DE FARIA7, “do enquadramento, da incorporação, de cada lojista no complexo organizacional, e com isso na sujeição ao regulamento respectivo, projectado e pensado ao pormenor pelo organizador do centro. É a razão de Antunes Varela, de Orlando Gomes, e da última jurisprudência. É isso que caracteriza este contrato e é nisso que consiste a sua causa. É isso que o organizador do centro e cada um dos lojistas quiseram ao celebrar o contrato”.
A conclusão é, pois, a de que estamos perante um contrato atípico”.

E, tanto quanto julgamos saber, este constitui o entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência sobre a matéria e questão.

Com efeito, e como nota Antunes Varela: “Entre as múltiplas obrigações geralmente assumidas pelo organizador do centro, cedente da exploração de cada uma das lojas aos comerciantes selecionados ou admitidos, com a finalidade organizativa unitária própria do shopping, destacam os autores as relativas à iluminação, higiene, limpeza, policiamento e segurança dos edifícios, às comunicações com o exterior, ao funcionamento dos serviços de interesse comum, à conservação e reparação das coisas de utilização comum, à promoção da publicidade do centro em geral, etc..
Mas não corresponderão todas estas obrigações, por certo devidamente remuneradas, à tal prestação de serviços que Rubens Requião, e outros que lêem pela mesma cartilha puramente analítica, integram no contrato de instalação do lojista, ao lado da prestação locatícia, como parcelas de um contrato misto?
É evidente que não, como parece fácil de demonstrar através do exame atento de algumas das atribuições patrimoniais geralmente realizadas pelo organizador do centro.
A primeira delas é a vizinhança das empresas qualificadas que constituem um pólo de atracção de clientela, mais ou menos valioso, para as lojas menos conhecidas que operam a seu lado, destacando-se nesse aspecto o chamamento de público constituído pelos grandes e prestigiados estabelecimentos chamados as lojas-âncora, colocadas em pólos estratégicos do conjunto imobiliário, e que desse modo exercem uma influência notória sobre as lojas magnéticas implantadas à sua volta.
Este factor extraordinário de valorização comercial tanto mais sensível quanto maior for o talento e a capacidade negocial do organizador do centro na formação do tenant mix do shopping, não constitui de modo nenhum objecto de uma prestação contratual de serviço realizada a favor do titular das lojas beneficiárias, porque não há aí nenhum comportamento positivo (serviço) a que o organizador se tenha previamente vinculado e a que corresponda um verdadeiro direito subjectivo (de crédito), como é próprio do contrato de prestação de serviço descrito no artigo 1154.º do Código Civil.
E, apesar disso, trata-se inquestionavelmente de uma das atribuições patrimoniais mais valiosas realizadas pelo organizador à generalidade dos lojistas.
Raciocínio semelhante se pode desenvolver a partir da implantação dos estabelecimentos de diversão para crianças (desde as salas de jogos infantis aos rings de patinagem, passando pelos cinemas de bolso) ou da criação das zonas de lazer, em geral, de que se fala no presente acórdão, que podem constituir um pólo formidável de atracção para os clientes com filhos, especialmente nos fins de semana, que não são positivamente objecto de nenhuma prestação de serviços contratualmente devida a qualquer dos lojistas, e que, todavia, representam um elemento de valorização patrimonial extraordinário proporcionado pelo organizador do centro a cada um dos lojistas.
E o mesmo, mutatis mutandis, se poderá ainda dizer, não pretendendo aflorar por enquanto a utilização das coisas ou dos serviços de interesse comum inseridas no centro (…) Trata-se dos chamados parques de estacionamento, fonte de alívio sem preço para quem necessita de efectuar compras volumosas e dispõe de viatura própria. (…)
Todo este conjunto de benefícios de carácter patrimonial, da mais variada natureza, exorbita claramente, na sua totalidade, quer da estreita e limitada função económico-social do arrendamento do prédio urbano ou da locação do estabelecimento comercial (da loja da rua ou do botequim de esquina), quer da figura ainda bastante raquítica (no plano estrutural) do contrato misto (de locação e de prestação de serviços).
Tentar incluir na causa de qualquer desses contratos (isolados ou mesmo associados) todas as atribuições patrimoniais em que normalmente se desmultiplica a prestação jurídica do organizador do centro na relação contratual com o lojista, como fazem Rubens Requião no Brasil e Galvão Telles entre nós, é querer meter o Rossio na Betesga, como diria o velho Agostinho de Campos”, acrescentando que, “Já Langoni, com a sua fina intuição de micro-economista, apontara de dedo em riste na direcção certa, ao afirmar na abertura do Simpósio do Rio, que «paradoxalmente… o que há … de inovador nos shopping centres é a relação contratual que assegura a participação dos investidores no facturamento (e, portanto, nos lucros) das actividades que ali se desenvolvem. Estabelece-se uma permanente integração entre os interesses dos empreendedores do shopping center e os dos comerciantes, que constitui a base para a realização posterior de ganhos de produtividade, onde parcela significa é, inclusive, transferida para os consumidores».
Orlando Gomes agarrou na mesma ideia da permanente e justificada associação do interesse global do fundador do centro com o interesse parcial de cada um dos lojistas no exercício da sua actividade, localizou na forma especial da retribuição normalmente paga pelo lojista o traço jurídico marcante dessa associação, e nesse elemento fixou a função económico-social própria da nova espécie contratual. (…)
Também Oliveira Ascensão, na sua preciosa contribuição para o aprofundamento do estudo da nova figura (do centro comercial), se mostra particularmente sensível a este aspecto do enquadramento do lojista num conjunto organizado de actividades comerciais, ao considerar o contrato de instalação do lojista no centro como um contrato de integração comercial.
O sentido essencial do contrato estaria, para o ilustre civilista, no facto de ele «integrar a concessionária, na qualidade de empresário, dentro da empresa da concedente».
Apesar de não haver fundamentos para afirmar que dono do centro e lojista sejam sócios da mesma sociedade, ou sequer contitulares da mesma empresa, a verdade é que o contrato de instalação do lojista no centro integra, de facto, o utente num conjunto organizado de actividades capaz de lhe proporcionar uma série de vantagens patrimoniais completamente estranhas à função económico-social da locação do imóvel ou do estabelecimento comercial, e que nem sempre consistem numa simples prestação de serviços. (…)
Mas pode obviamente reflectir-se em muitos outros aspectos, nomeadamente nos dois restantes que Orlando Gomes destaca, ou seja, na existência da associação de lojistas do centro, adstrita aos problemas comuns da classe, e na subordinação deles ao regimento interno do centro, fixado pelo fundador ou organizador e apenas sujeito aos limites da lei, designadamente das regras aplicáveis às cláusulas gerais dos contratos”, e concluindo assim que, “Fica assim inquestionavelmente demonstrado, quer pela análise estrutural da relação, quer pelo exame funcional do acto, que o contrato de instalação de cada um dos lojistas no centro comercial (shopping center), nem se reduz, quanto à sua complexa natureza jurídica, a um simples contrato de locação, nem cabe sequer no esquema angular do contrato misto de locação e prestação de serviços”; (in “Centros Comerciais (Shopping
Centers) – Natureza Jurídica dos Contratos de Instalação dos Lojistas”, pág. 52 a 57).

No mesmo sentido considera também Jorge Aragão Seia que: “Os contratos de instalação dos lojistas em centro comercial, ou shopping centres, são, deste modo, contratos inominados ou atípicos.
Não sendo aplicado o RAU fica afastado o princípio da renovação automática do contrato, pelo que não é possível ao lojista socorrer-se de providência cautelar com vista a prevenir essa renovação, e é válida a cláusula pela qual se obriga a não ceder, no todo ou em parte, os direitos derivados do contrato, sem prévia autorização do organizador ou do explorador do centro. (…)
Dada a atipicidade destes contratos nada impede que a resolução se efectue por via extrajudicial, sendo as suas causas de diversa ordem: não pagamento da retribuição, violação grave do regulamento do centro, etc.
Entendemos, todavia, que, para efeito de resolução do contrato por falta do pagamento da retribuição, é necessário que o lojista incorra em incumprimento definitivo da obrigação, o que só se verifica após a sua interpelação admonitória nos termos do n.º 1 do art. 808.º do C.C.”; (in “Arrendamento Urbano”, 5ª ed., pág. 566 e 567).

E, assim, em face do que se deixou exposto, desde já se mostra de consignar não se poder considerar (muito) acertado o argumento (“adicional”) do Tribunal de Segunda Instância no sentido de que “o senhorio só pode resolver o contrato de arrendamento nas condições expressamente previstas no artigo 1034.º do CCM”, (cfr., fls. 753), para efeitos da decisão que proferiu relativamente ao recurso pela R. interposto.

Porém, não se pode olvidar, e importa mesmo sublinhar, que no Acórdão agora recorrido não se deixou de fazer a seguinte observação:

“Nestes termos, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631.º/5 do CPC, é de manter a sentença recorrida”; (cfr., fls. 752-v).

E, nesta conformidade, há pois que se considerar que o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância acolheu e remeteu para os fundamentos invocados na sentença do Tribunal Judicial de Base que, na parte que agora interessa, não pôs em causa o facto de se estar perante um “contrato atípico”, nem tão pouco considerou impossível a resolução efectuada fora dos limites previstos no art. 1034° do C.C.M., sendo aliás de sublinhar que, pelo contrário, grande parte da fundamentação do Tribunal Judicial de Base é dedicada à apreciação da resolução do contrato promovida pela R. e aos seus efeitos no que toca à sua vigência.

Isto dito – e cremos nós esclarecido – continuemos.

Ora, tanto quanto resulta do alegado em sede do presente recurso, cremos que o (verdadeiro) inconformismo da ora recorrente quanto às decisões das Instâncias recorridas, prende-se, essencialmente, com o facto de se ter considerado “ilegal” a sua declaração (de vontade) de resolver o contrato, pois que não se poderia – ou deveria – tomar como fundamento dessa resolução a questão do “rácio do custo de ocupação”, dado que tal não fora devidamente invocado no “Termination Notice”, (“aviso de terminação”), ou seja, na “declaração resolutiva”.

A este respeito, vale a pena recordar que pelo Tribunal Judicial de Base foi expressamente dito que:

“Na verdade, com base numa análise abrangente do comportamento de ambas as partes no período de Março a Maio de 2016, bem como do comportamento no caso CV2-16-0071-CAO e neste caso, este tribunal entende que a presunção razoável é que, quando a Ré pretendeu resolver a relação contratual entre ela e a Autora em Março de 2016, a violação do “rácio da receita e custo” não era um dos motivos. Por outras palavras, se a violação do “rácio de custo de ocupação” fosse a única questão e se os factos acusados no aviso de terminação não tivessem sido questionados, a Ré não teria declarado a resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da Autora do “rácio da receita e custo”.
Se o “rácio do custo de ocupação” tivesse constituído um motivo e fundamento fundamental para a decisão da Ré de resolver o contrato em Março de 2016, sob o princípio da boa-fé estabelecido no nº 2 do artº 752º do CC, que deve ser respeitado pelas partes, por que é que a Ré não mencionou a violação no aviso de terminação, nem a mencionou na petição inicial mas do processo nº CV2-16-0071-CAO?
Importa referir que as cláusulas 17.3ª e 38.3ª do contrato conferem à Ré um grande grau de poder discricionário. Como mostra o resultado do reconhecimento dos factos provados 26º a 29º, o “rácio do custo de ocupação” é um indicador que demonstra a situação operacional de um estabelecimento comercial, mas os respectivos dados não revelam necessariamente que um determinado estabelecimento comercial tenha nenhum lucro (especialmente quando os dados excedem apenas ligeiramente o valor acordado no contrato). Quando uma determinada loja não cumpra o limite do “rácio do custo de ocupação” em determinado ano, mas as lojas do centro comercial não estão totalmente arrendadas, ademais, aquela loja paga pontualmente a renda mensal nos termos estipulados no contrato, e o seu “rácio do custo de ocupação" só excede ligeiramente o valor fixado no contrato, ou a existência da loja tem certo valor quanto ao aumento do fluxo de pessoas no centro comercial, pode esperar-se que o proprietário não cumpra necessária e imediatamente as cláusulas 17.3ª e 38.3ª do contrato, sem notificar a outra parte e sem lhe dar oportunidade para corrigir, para resolver o contrato pelo incumprimento do limite do "rácio do custo de ocupação", assumindo assim o risco de violação do contrato e indemnizações decorrentes da defesa do arrendatário contra a sua decisão.
Perante uma relação contratual que foi objetiva e irreversivelmente interferida, destruída e extinta em 2016 pelo aviso de terminação emitido pela Ré, é impossível à Ré invocar só em 2020 (ou seja, na fase de contestação deste caso) alguns motivos que não considerou relevantes em 2016, para tentar reforçar ou fundamentar a legalidade e razoabilidade da declaração de resolução feita em 2016. Também é impossível tentar agora resolver uma relação contratual com base no “rácio do custo de ocupação" que já foi destruída e extinta em 2016”; (cfr., fls. 642-v a 643 e 33 e 34 do Apenso).

Porém, (e ciente disto), afirma a recorrente que “Os fundamentos da resolução contratual podem ser ampliados ou complementados em momento posterior à comunicação da resolução”, (cfr., concl. 10ª das suas alegações de recurso, a fls. 785), alegando, ainda, que o art. 430° do C.C.M. apenas exige que a resolução se faça mediante declaração à outra parte, não se encontrando qualquer referência expressa à necessidade de invocar o fundamento da mesma, dizendo, também, em todo o caso que, “normalmente” e “para assegurar o respeito pelo princípio da boa-fé, da proporcionalidade e da manutenção dos contratos, se dá (…) à contraparte, conhecimento das razões que levam à decisão de resolver o contrato”, e que tal se deve “nomeadamente para permitir que remedeie a situação num determinado prazo”.

Pois bem, cremos que a R., ora recorrente, ainda que possuidora de uma grande capacidade de argumentação, não tem razão, pois que não nos parece possível “remediar” o que já está (definitivamente) “resolvido”, e, com todo o respeito, não se mostra de confundir uma “declaração resolutiva” com uma (mera) “interpelação admonitória”…

Passa-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.

Antes de mais, (e em primeiro lugar), cabe recordar que “A resolução do contrato é um meio de extinção do vínculo contratual por declaração unilateral e encontra-se condicionada por um motivo previsto na lei ou depende de convenção das partes (…)”; (cfr., v.g., Pedro Romano Martinez in, “Da Cessação do Contrato”, 2ª ed., pág. 67).

Assim, “A natureza potestativa da declaração de resolução transmite-lhe as características de unilateralidade recipienda (art. 224.º, 1, 1.ª parte do C.C.), irrevogabilidade (arts. 224.º, 1, 1.ª parte e 230.º, 1 do C.C.), incondicionalidade natural e concretização (dos factos fundamentantes ou da Rücktrittsgrund), não estando, ainda, sujeita a formalidades especiais (…)”; (cfr., v.g., José Carlos Brandão Proença in, “A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime”, 1982, pág. 164).

Com efeito, só tendo por base um “fundamento” que permita a resolução é que se tornaria “sempre possível à parte que a pretende contestar, recorrer ao Tribunal para esse efeito. Neste caso, no entanto, o Tribunal será chamado, não a decretar a resolução, mas a verificar se estavam preenchidas as condições necessárias para o seu exercício”; (cfr., v.g., Luís Manuel Menezes Leitão in, “Direito das Obrigações”, Vol. II, 4ª ed., pág. 105).

De resto, e como no mesmo sentido afirma Pedro Romano Martinez, não estamos perante uma “resolução” quando se ponha termo a um contrato “sem motivo justificativo”:

“Não correspondendo a uma hipótese de resolução, mas antes de revogação unilateral, importa atender à desvinculação ad nutum do vínculo negocial, em que uma das partes põe termo ao contrato sem necessidade de invocar um motivo justificativo; trata-se de uma hipótese de revogação (arrependimento) que segue o regime da resolução. O mesmo ocorre em certas hipóteses atípicas de denúncia (v.g., desistência).
O direito de uma das partes se desvincular do contrato sem necessidade de invocar um motivo é excepcional e assenta no pressuposto de tutela de determinadas situações jurídicas, frequentemente associado à protecção de uma designada parte mais fraca”; (in “Da Cessação do Contrato”, 2ª ed., pág. 71).

Assim, “Uma resolução totalmente discricionária será, em rigor, uma revogação ou uma denúncia”, (cfr., v.g., António Menezes Cordeiro in, “Da Resolução do Contrato”, Revista da Ordem dos Advogados, Vol. III/IV, 2020, pág. 462), pois que a “dissolução ad nutum, que tem por fundamento a tutela especial conferida a uma das partes, como é o caso do direito de arrependimento, ainda que siga o regime da resolução, não tem por base a quebra do sinalagma contratual, pelo que se afasta, conceptualmente, desta figura”; (cfr., v.g., Pedro Romano Martinez in, ob. cit., pág. 76).

E, considerando que a ora recorrente não alega que o contrato em discussão nestes autos permitia uma “dissolução ad nutum do vínculo contratual”, não se pode aceitar que relativamente ao mesmo admissível fosse uma “resolução sem a apresentação de motivos justificativos”; (neste mesmo sentido, veja-se, v.g., o Acórdão do S.T.J. de Portugal de 19.09.2002, Proc. n.° 02B1949, onde se consignou, nomeadamente, que:
“A declaração resolutória (meio próprio de operar aquele efeito - art. 436º, n. 1, CC), como declaração negocial que é (unilateral e receptícia), não se basta com a mera manifestação de vontade correspondente; para ser eficaz, terá de se reportar ao motivo de resolução (ressalvada, naturalmente, convenção que o dispense).
De outro modo, ficaria o declaratário à mercê dos desígnios insondáveis do declarante.
Sendo assim, como o efeito resolutório vem da vontade do declarante e não da sentença (que se limita a controlar a regularidade do acto e a declarar-lhe os efeitos), não pode o tribunal atribuir relevo a um motivo de resolução que, embora emirja dos factos provados, não tenha sido considerado como tal pela parte interessada, no acto da declaração. (…)
Mas, é esta mesma ideia, afinal, que nos ajuda a compreender o significado e alcance da regra da motivação da declaração resolutória, na sua aplicação a um caso atípico como é o dos autos, em que a mora, declarado fundamento da resolução, é só parcialmente verdadeira.
- Não foi, na verdade, o não pagamento das ditas seis facturas sem portes o fundamento da declaração resolutória.
Foi-o, sim (para além da recusa de assinar o aditamento, o que, agora, não interessa) o não pagamento do saldo em dívida (que englobava facturas com portes, facturas sem portes e juros de mora sobre todas elas).
Foi este saldo assim cujo não pagamento constituiu o declarado motivo do acto de resolução.
Assim, quer dizer, bem caracterizado pela componente dos portes e da unilateral afirmação do respectivo responsável.
Respigar, nesse saldo, algumas facturas efectivamente em mora, para lhes atribuir um efeito que só ao conjunto a B quis atribuir, e a que só ao conjunto a A, razoavelmente, poderia entender referido, equivaleria a uma ilegal substituição do tribunal à autonomia das partes, arvorando-o em autor da resolução, transformando em sentença constitutiva aquilo que, como se disse atrás, não deve passar de um julgamento de simples apreciação (controlo da legalidade do acto resolutório).
Seria ir além do próprio sentido, subjectivo e objectivo, da declaração de resolução, e equivaleria a uma surpresa para o declaratário, incompatível com os princípios da boa fé.
Seria, mais uma vez, o direito da letra e da burocracia a sobrepor-se à nobre missão do direito de atribuir sentido e fixar os limites aos actos da vida comum.
As seis facturas estavam, com efeito, em mora de pagamento, porque não debitaram portes, e, desse modo, não havia razão, da parte da compradora, para recusar o pagamento.
Mas não foi nelas, enquanto tais, que a fornecedora fundamentou a interpelação admonitória ou cominatória e a subsequente declaração de resolução”,
sendo ainda de se consignar que, se bem ajuizamos, é o próprio Acórdão do S.T.J. de que a recorrente se socorre, o de 12.01.2022, Proc. n.° 3504/19, que vem contrariar a ideia por si avançada de uma suposta “desnecessidade de invocação de fundamento da declaração resolutiva”, pois que no mesmo aresto, e de forma expressa se afirma que: “É que,
como ensina Pedro Romano Martinez «Independentemente da forma, a declaração mediante a qual se pretende resolver um contrato deve ser suficientemente precisa quanto aos motivos e à intenção. Não basta invocar que se resolve o contrato porque a contraparte incumpriu as obrigações a que estava adstrita, é necessário concretizar a situação de incumprimento; pois, doutra forma, não se poderá verificar a situação de incumprimento e apreciar a sua gravidade. (…) na omissão da lei, impõe-se sempre a concretização indispensável para apreciar a validade do fundamento alegado.».
Nesta mesma linha de entendimento, afirmou o Acórdão do STJ, de 19.09.2002 (processo 02B1949), que a declaração resolutória «não se basta com a mera manifestação de vontade correspondente; para ser eficaz, terá de se reportar ao motivo de resolução (ressalvada naturalmente, convenção que o dispense), pois, «de outro modo, ficaria o declaratário à mercê dos desígnios insondáveis do declarante».
Dito de outro modo e parafraseando o acórdão recorrido «a declaração de resolução contratual extrajudicial tem de ser autossuficiente no sentido de que deve precisar, de forma suficiente e concretizada, qual o concreto incumprimento imputado à contraparte, nomeadamente quanto ao seu arco temporal e à desconformidade quantitativa e/ou qualitativa entre a prestação efetuada e a devida contratualmente»”, com sub. nosso).

Diversa seria uma “situação” em que, perante uma declaração de resolução “vaga” e “imprecisa” de um contrato, se venha a considerar que a posterior alegação feita em sede da acção poderia valer como “declaração resolutiva” a partir da data de citação da parte contrária, (o que nos parece ser o caso do Acórdão citado pela recorrente).

Porém, trata-se de “situação” que se nos apresenta totalmente diferente da que (efectivamente) se verifica nos presentes autos, em que a R., ora recorrente, resolveu (definitivamente) o “contrato de utilização de loja em centro comercial”, (ou “contrato de instalação de lojista em centro comercial”), no dia 17.03.2016, com base num determinado fundamento, com tal cessando o direito de a A. “utilizar o espaço” no mesmo dia de recebimento da “carta de resolução”, (vindo depois a R. a cortar o fornecimento de energia do local no dia 02.05.2016 e a colocar ainda uma vedação na parte frontal do espaço no dia 05.05.2016, desta forma impedindo e impossibilitando, absolutamente, a actividade que a A. aí levava a cabo, sendo de notar ainda que, no dia 30.05.2017, um novo lojista passou a ocupar o local; cfr., as alíneas N), O), P), Q), S) e T) dos factos assentes e respostas aos quesitos 30° e 36° da Base Instrutória).

É, assim, manifestamente descabido que a ora recorrente pretenda “resolver” (agora) o referido contrato com base num “pedido reconvencional” apresentado em sede de uma acção judicial proposta três anos e meio mais tarde, pois que isso implicaria, ou equivaleria, a aceitar, ou melhor, a “ficcionar”, que o “contrato se manteve em execução” durante todo esse período de tempo, o que, com todo o respeito, e no mínimo, seria muito pouco compreensível e possível.

Aqui chegados, cabe ainda referir que não se nega que a questão da “eficácia da declaração resolutiva ilícita” tem sido bastante debatida na doutrina.

Para António Pinto Monteiro, a propósito do contrato de agência, mas reconhecendo que tal problema não é específico desses contratos, há duas soluções que se podem adoptar, a saber, “declarar que o contrato (…) se mantém, tendo a outra parte direito a ser indemnizada pelos danos causados pela suspensão do contrato (enquanto a acção não foi decidida); ou partir do princípio de que o contrato se extinguiu, traduzindo-se a falta de fundamento na resolução, apurada posteriormente, numa situação de não cumprimento do contrato pelo contraente que indevidamente lhe pôs termo, com a consequente obrigação de indemnizar.
A primeira alternativa seria, no plano dos princípios, a mais indicada, visto que a resolução sem fundamento traduz um exercício ilícito do respectivo direito. De outro modo, poderá dizer-se que se consegue obter o resultado pretendido, em violação da lei.
Simplesmente, na prática, nem sempre parece aconselhável impor a subsistência do contrato, dado que entre o momento em que é feita a declaração resolutiva e a data da sentença judicial, em que se apura a sua falta de fundamento, pode decorrer um longo período de tempo, durante o qual as relações contratuais terão cessado, de facto. Qualquer das partes pode, entretanto, ter estabelecido relações contratuais com terceiro, pelo que a imposição de retomar o anterior contrato (…) poderia conduzir, muitas vezes, a situações deveras complexas. Solução esta que, de resto, mal se compaginaria com o carácter extrajudicial da resolução e a natureza meramente declarativa da respectiva acção judicial. (…)”; (in “Contrato de Agência – Anotação ao Decreto-Lei n.° 178/86”, 2ª ed., pág. 100).

Com base nessa análise de António Pinto Monteiro, defende Paulo Mota Pinto que:

“Assim, parece-nos haver que distinguir consoante o resolvente tinha ou não o direito de pôr termo ao contrato mediante denúncia ad nutum (embora o faça sem pré-aviso). No primeiro caso, parece-nos que a conclusão no sentido da equiparação de uma declaração de resolução sem fundamento a uma denúncia sem pré-aviso é de acompanhar (pelo menos na grande maioria dos casos), e não só por razões práticas, mas tb. normalmente logo por interpretação da declaração (expressa ou resultante da conduta) do resolvente. E não é tb. de excluir a possibilidade de converter a resolução sem fundamento (que reputamos ineficaz) numa denúncia, embora sem pré-aviso, ou até (nos sistemas que admitem a anulação extra-judicial, que não é o nosso caso) numa declaração de anulação do contrato, se se este for anulável.
Na segunda hipótese, porém (como quando o contrato não era por tempo indeterminado), e salvo o devido respeito, tendemos a pensar que a resolução será ineficaz, por não possuir fundamento jurídico e o resolvente não ser titular do correspondente direito potestativo. (…)
Como nota A. Pinto Monteiro, esta é a conclusão que resulta dos princípios: o direito potestativo de resolução não existia naquele caso, não se verificando o fundamento que o justificava. Ora, da tentativa de exercício de um direito de que se não era titular não pode resultar qualquer efeito extintivo da relação contratual. (…)”; (in “A Teoria do Interesse Negativo e do Interesse Positivo”, Parte II, pág. 1675, nota 4861).

Por sua vez, Pedro Pais de Vasconcelos considera também que “A ilicitude da resolução não a priva, em princípio, da sua eficácia típica de destruir retroactivamente a relação contratual, mas constitui um caso de violação, de incumprimento definitivo do contrato, com as respectivas consequências. A resolução do contrato sem fundamento lícito corresponde à recusa definitiva do seu cumprimento.”, sem prejuízo de “Em casos excepcionais, a ilicitude da resolução pode ter como consequência a sua ineficácia, deixando em vigor a relação contratual. São casos em que a relação contratual tem uma especial relevância social de tal modo que importa não permitir a sua destruição ilícita. Entre estes casos, encontram-se designadamente, o despedimento ilícito que dá lugar, em princípio, à reintegração do trabalhador (artigo 389.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho)”8; (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 7ª ed., 2012, pág. 657).

No mesmo sentido considera ainda Pedro Romano Martinez, para quem “a declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz efeitos; ou seja, determina a cessação do vínculo.
Admitindo que a resolução é um acto jurídico unilateral, aplicando-se-lhe as disposições sobre o negócio jurídico (art. 295.º do CC), concluir-se-ia que a resolução contrária à lei seria nula (art. 280.º, n.º 1, do CC), inválida, portanto. Mas ainda que se entenda a resolução como um acto jurídico unilateral, ela integra-se na estrutura complexa do contrato a que pretende pôr fim, carecendo de autonomia; deste modo, os actos relacionados com a execução ou a inexecução do contrato – em que se inclui a resolução –, ainda que qualificáveis como actos jurídicos, têm de ser analisados como modos de cumprimento ou de incumprimento desse contrato. Por isso, a resolução ilícita não é inválida: representa o incumprimento do contrato.
Tal como se indicou a propósito da ilicitude da denúncia, a resolução exercida de modo ilícito, por via de regra, produz de imediato o efeito extintivo, mas pode haver razões justificadas por limitações ao exercício do direito (p. ex., tutela do trabalhador) ou ao modo de exteriorização (v.g., carta registada) que inviabilizem a imediata cessação do contrato. De facto, a resolução de um contrato de trabalho feita pelo empregador fora do contexto em que a lei a admite é ineficaz; do mesmo modo, sendo exigida determinada forma (v.g., carta registada), a resolução informal não determina a cessação do contrato”; (com sub. nosso, in “Da Cessação do Contrato”, 2ª ed., pág. 221 e 222).

Também a jurisprudência comparada tem oscilado entre as “duas posições”.

No sentido da “ineficácia da resolução ilícita”, temos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2021, Proc. n.° 22083/18 – onde se afirmou que: “Tradicionalmente entendia-se que a declaração resolutória que não preenchia os respectivos pressupostos legais, embora ilícita por não se encontrar dentro dos parâmetros em que é permitida não se encontrava afectada de invalidade ou de ineficácia, pelo que mesmo injustificada produzia efeitos, determinando a cessação do vínculo contratual.
No acórdão do STJ de 07-02-2008 (Proc. 08B192), em que se apreciava a resolução de um contrato de subempreitada, decidiu-se que uma declaração resolutória em que não se verificava fundamento para tal, por não ocorrer incumprimento que fundamentasse a resolução, “ (…) está a referida declaração de resolução que a recorrente dirigiu à recorrida afectada de nulidade (artigos 280º, nº 1, 295º e 432º, nº 1, do Código Civil) ”; e que “em consequência, não pode relevar, em termos de produção do efeito de destruição do contrato de subempreitada, a declaração de resolução que a recorrente dirigiu à recorrida.”
A mesma orientação foi seguida no acórdão da Relação de Coimbra, de 17-03-2015 (Proc. 3007/12.1TJCBR.C1), no qual se lê que a resolução cuja falta de fundamento vem a ser verificado, não faz cessar o contrato automaticamente.
No acórdão da Relação de Lisboa, de 21-01-2020 (Proc. nº 9518/18.8T8SNT.L17), decidiu-se que “A resolução ilícita, a que falte o pressuposto do incumprimento definitivo, não acarreta a destruição do contrato, uma vez que, em tal caso, por viciada, a declaração resolutiva é destituída de fundamento jurídico, não sendo, portanto, o resolvente titular do correspondente direito potestativo.”” – e no sentido da “eficácia da resolução ilícita”, considerou, por sua vez o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2022, Proc. n.° 2811/08 – que: “Então qual foi efectivamente a forma de extinção do contrato?
Quanto a nós, a resolução propriamente dita, ainda que qualificada de ilícita.
Com efeito, mesmo que a resolução do vínculo seja considerada ilícita, desta decisão/qualificação judicial não pode resultar a subsistência do contrato numa situação, como a ajuizada, em que ambas as partes já não podem ou querem retomar as prestações contratuais, por ambas já terem prosseguido soluções alternativas: a Autora ao estabelecer um outro contrato similar ao que tinha com a 1ª Ré com a sociedade “(…), Lda.”, e a 1ª Ré, por também ter um outro contrato celebrado (que até é de exclusividade) com a sociedade “(…), S.A.”.
Isto porque “Sendo impossível o cumprimento das prestações contratuais, ainda que a impossibilidade decorra da resolução ilícita, o vínculo contratual cessou e a resolução, apesar de ilícita, produziu o seu resultado””, (podendo-se ver ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.04.2016, proferido no Proc. n.° 8165/11, onde a propósito de um contrato de natureza similar ao que se discute nos presentes autos se entendeu que “Operando a resolução por declaração unilateral à outra parte, como é próprio das declarações de vontade receptícias – arts. 436º-1 e 224º-1 C. Civil –, ao controlo judiciário fica a existência de fundamento ou da regularidade do respectivo exercício só interessa o desenvolvimento das relações negociais até ao momento da produção dos efeitos da declaração resolutiva. Destruído o contrato, há incumprimento definitivo. Então, só poderá interessar saber a qual dos contraentes é imputável esse incumprimento, o que depende da existência ou não de fundamento para a resolução”).

Numa solução, de certo modo, “conciliatória”, é ainda dito no Acórdão do S.T.J. de 10.12.2009, Proc. n.° 6240.05 que: “Como se sabe, a resolução é um meio de extinção do vínculo contratual, por declaração unilateral, condicionada, em regra, por um fundamento legal ou convencional (art. 432º, CC).
Por norma, a resolução legal está relacionada com o incumprimento (culposo) de prestações contratuais (causa subjectiva), mas o instituto também tem aplicação nos casos de quebra do equilíbrio contratual (causa objectiva), estando especialmente previsto em sede de alteração das circunstâncias (cf. art. 437º, e ss, do CC).
A resolução dos contratos, nos termos gerais do art. 432º e ss. do CC segue o regime da liberdade de forma, bastando a mera declaração de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos (art. 436º, CC), só excepcionalmente se exigindo a intervenção judicial. Trata-se de uma declaração informal, mas receptícia, pois só se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (art. 224º, nº1, do CC). Depois disso, não poderá ser revogada.
Como já se disse, por via de regra, a resolução não é decretada pelo tribunal, podendo, por isso, ser invocada sem que se encontrem preenchidos os respectivos pressupostos. Se for esse o caso, estar-se-á perante uma resolução ilícita, a qual, apesar disso, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz os seus efeitos: determina a cessação do vínculo.
A contraparte pode, contudo, impugnar (judicialmente) os fundamentos da resolução, cabendo então ao tribunal apreciar a justificação invocada e decidir se a relação contratual subsiste, ainda que a resolução seja ilícita”.

Ora, ponderando sobre o que se deixou exposto, afigura-se-nos inegável que, nesta conformidade, a resolução deste “contrato (de tipo) atípico” – que não deixa de ser reconhecido para efeitos fiscais, como se retira dos art.s 30°-A e seguintes do Regulamento do Imposto do Selo – ainda que “ilícita”, tem de ser considerada (plenamente) “eficaz”, ao controlo judiciário ficando aferir da “existência de fundamento e da regularidade do seu respectivo exercício”.

Com efeito, não se pode esquecer a própria “causa” e “origem” da atipicidade destes contratos – dado que “as disposições legislativas vigentes da locação não se ajustam bem, não se adaptam àquela relação jurídica que se forma nos shopping centers”; cfr., a intervenção de Orlando Gomes em Simpósio de 1983, citado por Antunes Varela in, “Centros Comerciais (Shopping Centers)-Natureza Jurídica dos Contratos de Instalação dos Lojistas”, pág. 37, nota 1 – razão pela qual a “resolução” pode ser feita “extrajudicialmente”, e, (mais ainda), será “eficaz” ainda que “ilícita”, uma vez que tais “contratos atípicos”, prevêem, usualmente, (e de forma padronizada), a imediata “reassunção” do espaço, (ou loja), pelo cedente na sequência da dita declaração de resolução.

E, nesta conformidade, adequado se mostra de considerar que, a nosso ver, estes referidos “elementos” revelam que ao se celebrar um – ou o – contrato como o dos presentes autos, as partes desde logo se sujeitam e aceitam que a “eficácia da resolução” não poderia ficar “em suspenso”, até que, apenas no final de um processo com prazo e pendência incerta, viesse a ser proferida uma decisão judicial definitiva, colocando-se, assim, em risco, o (desejável) normal e regular funcionamento do espaço em causa e, mesmo, de todo um centro comercial…

Como se nota no Acórdão do S.T.J. de 01.07.2010, Proc. n.° 4477/05:

“A partir da resolução do contrato, e só após esta ter operado, consagra esta cláusula a possibilidade do gestor reassumir a detenção da loja, para a hipótese do lojista não a entregar voluntariamente dentro de determinado prazo.
A resolução contratual pode ser atribuída, por convenção, a uma das partes ou a ambas, podendo fazer-se extrajudicialmente, mediante declaração à parte contrária –arts. 432º, nº 1 e 436, nº 1 C.Civil, operando a partir do momento em que essa declaração chegue ao destinatário ou dele seja conhecida –art. 224º C.Civil.
E a destruição da relação contratual, por força do disposto no art. 433º C.Civil, já que equipara, quanto aos seus feitos, a resolução à nulidade, obriga o lojista à restituição da loja.
A cláusula aqui em análise permite que o gestor reassuma a detenção da loja, mas apenas após a resolução do contrato e para a hipótese dessa entrega não ser feita dentro de determinado prazo pelo lojista.
Esta cláusula foi livremente negociada entre as partes. E a não haver a possibilidade do gestor obter a desocupação da loja, isso poderia criar embaraços ao normal desenvolvimento do comércio do Centro e, consequentemente, afectar os demais lojistas, quando o gestor tem precisamente por incumbência proporcionar condições a esse normal funcionamento do Centro, mantendo a sua plena vivência.
A actuação do gestor está ancorada numa cláusula consensualmente elaborada pelas partes, de acordo com o princípio da liberdade de fixação do conteúdo dos contratos. E, por outro lado, apresentando-se a reocupação da loja necessária ao regular funcionamento do Centro Comercial, afigura-se justificado e ajustado o teor da cláusula, o que equivale por afirmar a sua não desconformidade com quaisquer princípios legais”.

Em suma, no caso dos autos, o contrato aqui em questão foi resolvido pela R., ora recorrente, de forma “ilícita”, (como resultou de decisão já transitada em julgado), ou, quando muito, ocorreu um “incumprimento definitivo” por parte da mesma, que até celebrou um “novo contrato” de ocupação daquela loja com terceiro, sendo, agora, totalmente irrelevante a invocação de um “novo fundamento de resolução” que não foi oportuna e devidamente considerado no momento da “declaração resolutiva”.

E, dest’arte, nos termos do que se deixou exposto, é (evidentemente) improcedente o “fundamento” de recurso apresentado, (com o qual, como se viu, pretendia-se justificar a “resolução” já operada do contrato com base em fundamento que tão só nesta acção foi invocado, e que, como tal, apenas é apresentado depois de o contrato ter cessado e não existir).

–– Continuemos, passando para o alegado “abuso de direito”.

Pois bem, se bem ajuizamos, cremos que aqui entende a ora recorrente que a A. actua em “abuso de direito”, na modalidade “tu quoque”, ao “desrespeitar o contrato”, vindo, depois, a exigir o seu “cumprimento”, (com efeito, e ainda que muito claro não esteja que tenha invocado este “fundamento” na sua contestação à petição inicial apresentada pela A. – o que por si só afastaria o conhecimento deste fundamento de recurso, dado que “Em sede de um recurso também não se podem suscitar “questões novas”, pois que, como se referiu, o recurso visa possibilitar a reapreciação de questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas (ou julgadas) no Tribunal a quo, não se destinando (portanto) a conhecer e decidir questões que não tinham sido, (nem o tinham que ser, porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida”; cfr., v.g., Ac. deste T.U.I. de 01.06.2022, Proc. n.° 13/2022) – não se deixa de considerar que certo é que tem vindo a entender-se que “Há abuso de direito, expresso na fórmula "tu quoque", quando, com ofensa clamorosa do sentido jurídico dominante, alguém desrespeita um contrato e vem depois exigir à outra parte o seu cumprimento; diversamente do que se passa no "venire contra factum proprium", em que a contradição está no comportamento do titular do direito, no "tu quoque" a contradição está nas bitolas valorativas utilizadas pelo titular do direito para julgar e julgar-se”, e que “Actua com abuso de direito aquele que, tendo-se constituído em mora no pagamento do prémio de seguro e desencadeando o processo resolutivo, acaba por pagar quando o contrato já estava resolvido, e vem depois exigir à seguradora a cobertura dos danos sofridos, valendo-se, para isso, de uma inobservância da lei por parte da seguradora no modo de levar ao conhecimento dele a resolução”; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Lisboa de 06.10.1994, Proc. n.° 0077262, podendo-se ainda ver o Ac. do S.T.J. de 17.01.2023, Proc. n.° 1743/20).

Contudo, ressalvando sempre melhor opinião, não parece que a situação dos autos tenha o mesmo enquadramento que a ora recorrente apresenta e pretende dar, e que, cremos, só pode ter apoio numa interpretação (completamente) equivocada do que foram as decisões das Instâncias recorridas.

Na verdade, conforme se deixou dito, está claro que foi a R., ora recorrente, que resolveu de forma ilícita o contrato, provocando assim a sua extinção sem fundamento, situação que, evidentemente, constitui um justo e legítimo motivo da pretensão indemnizatória da A., inexistindo, assim, qualquer “abuso de direito”.

Por sua vez, cremos que evidente é também que não tem relevância jurídica o que a R., ora recorrente, poderia ter feito “antes” de colocar termo ao contrato, pois que, não o tendo feito, só se pode concluir que se está perante algo “inexistente” no mundo jurídico, (mormente para efeitos de se aferir da licitude da resolução operada).

Com efeito, e tanto quanto resulta de tudo o que se apurou e se expôs, a R., ora recorrente, só se pode responsabilizar a si própria pelo facto de não ter resolvido o contrato com base num fundamento que poderia, (e deveria), ter invocado, (oportunamente), até mesmo, cumulativamente, com qualquer outro que pretendesse invocar, não nos parecendo assim que agora possa, (“por portas e travessas”), transformar, em “lícita”, uma “resolução” que, noutra acção, já foi julgada “infundada”.

–– Por fim, vejamos agora da alegada “violação do princípio da liberdade contratual”.

Insistindo ainda na relevância de um fundamento de resolução que nunca foi invocado, diz a recorrente que o Acórdão recorrido andou mal quando considerou que “a Autora não teria resolvido o Contrato com base na violação da Cláusula 17”, (cfr., fls. 784, ponto 88°), pois teria violado as normas sobre liberdade e eficácia contratuais previstas nos art°s 399° e 400° do C.C.M..

Ressalvado o muito devido respeito, faz, uma vez mais a ora recorrente, uma equivocada interpretação daquilo que foi dito e decidido pelas Instâncias recorridas.

Com efeito, o que se afirmou na sentença do Tribunal Judicial de Base foi que “com base numa análise abrangente do comportamento de ambas as partes no período de Março a Maio de 2016, bem como do comportamento no caso CV2-16-0071-CAO e neste caso, este tribunal entende que a presunção razoável é que, quando a Ré pretendeu resolver a relação contratual entre ela e a Autora em Março de 2016, a violação do “rácio da receita e custo” não era um dos motivos. Por outras palavras, se a violação do “rácio do custo de ocupação” fosse a única questão e se os factos acusados no aviso de terminação não tivessem sido questionados, a Ré não teria declarado a resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da Autora do “rácio da receita e custo”.
Se o “rácio do custo de ocupação” tivesse constituído um motivo e fundamento fundamental para a decisão da Ré de resolver o contrato em Março de 2016, sob o princípio da boa fé estabelecido no n.º 2 do art.º 752.º do CC, que deve ser respeitado pelas partes, por que é que a Ré não mencionou a violação no aviso de terminação, nem a mencionou na petição inicial mas do processo n.º CV2-16-0071-CAO?”; (com sub. nosso, cfr., fls. 642-v e 33 do Apenso).

E, como já se deixou notado e evidenciado, a “resolução contratual” não pode ser “retroactivamente” justificada, com base num (outro) fundamento que não tinha sido oportunamente invocado, no seu “devido momento”, (sendo de notar que os elementos de facto apurados indicam mesmo que tal fundamento nunca tinha sido sequer “cogitado”), impondo-se assim considerar que nada nesta “conclusão” ofende os princípios consagrados nos referidos art°s 399° e 400° do C.C.M..

Em todo o caso, e ainda que fosse de aceitar uma outra perspectiva, (que, obviamente, muito respeitamos), sempre se nos mostra que se teria de concluir que as Instâncias se limitaram a retirar, (extrair), uma “ilação” a partir dos factos dados como provados nos autos.

E, como se sabe, tem também esta Instância entendido que “É lícito ao Tribunal de Segunda Instância, depois de fixada a matéria de facto, fazer a sua interpretação e esclarecimento, bem como extrair as ilações ou conclusões que operem o desenvolvimento dos factos, desde que não os altere.
O Tribunal de Última Instância, atentos os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito e não de facto, só pode censurar as conclusões ou desenvolvimento feitos pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a matéria de facto fixada se este infringir o seu limite, tirando conclusões que não correspondam ao seu desenvolvimento lógico”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 31.10.2001, Proc. n.° 13/2001).

Dest’arte, visto está também que este Tribunal de Última Instância não pode censurar aquela “conclusão”, já que a mesma não constitui, de forma alguma, qualquer ofensa ao que se pode e deve entender como o (mero) “desenvolvimento lógico da matéria de facto”.

Tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 20 de Fevereiro de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 10.ª edição, reimpressão de 2003, I volume, p. 279.
2 ANTUNES VARELA, Das Obrigações…, I Volume, p. 298 e 299.
3 É Oliveira Ascensão quem destaca, no parecer inédito junto aos autos na acção julgada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 1990 (em que foi relator o Des. Amaral Barata e em que foram partes a Empresa Imobiliária da Fonte Nova, de um lado, e Valente Moraes, do outro), esse aspecto da integração empresarial, como característica fundamental do contrato para instalação do lojista.
4 Mais desenvolvidamente, ANTUNES VARELA, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.2.1995, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 128.º, p. 371 e segs.
5 JORGE RIBEIRO DE FARIA, Contratos Mistos (União de Contratos). Os Centros Comerciais (Shopping Centers). Problemática e Soluções, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano III, 2006, p. 368.
6 HUGO DUARTE FONSECA, Sobre a Atipicidade dos Contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, 2004, p. 712 a 714.
7 JORGE RIBEIRO DE FARIA, Contratos Mistos…, p. 372.
8 Note-se que o referido excerto contém um lapso na indicação da norma legal em causa, visto que em causa está a “alínea b)” e não a “alínea a)” do n.º 1, do artigo 389.º do Código do Trabalho de Portugal, mesmo na versão original do referido preceito.
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