Processo nº 11/2025
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (甲), advogado, com os restantes sinais dos autos, veio recorrer do despacho de 23.11.2024 que, em sede dos presentes Autos de Inquérito n.° 11477/2023, lhe decretou a medida de coacção de prisão preventiva.
Motivou para, a final – e em síntese – afirmar que:
“a) (…).
b) Não se conforma o arguido recorrente, A (甲), com a medida de prisão preventiva que lhe foi aplicada, porquanto, com o devido respeito, essencialmente, existe erro na aplicação da lei (art.° 400°, n° 1 do C.P.P.); erro notório na apreciação da prova (art.° 400°, n° 2 a) do C.P.P.); violação do princípio do contraditório; e violação do princípio da adequação e porporcionalidade (art.° 178° do C.P.P.); tudo se reflectindo, sempre com o devido respeito, que se justificaria – essencialmente tendo em conta a personalidade do arguido – uma outra (ou outras) medida(s) de coacção, que não a mais gravosa, altamente penosa para o arguido, coarctando-lhe a liberdade de movimentos, sujeitando-o a uma tão apertada – nunca antes conhecida – disciplina diária e impedindo-o de prosseguir a sua vida familiar, pessoal e afectiva.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 43 e 93 a 95 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Na sua Resposta, e rebatendo especificamente todos os argumentos apresentados como razões para a revogação da decisão recorrida, diz a Ilustre Procuradora Adjunta do Ministério Público que “é de negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A”, produzindo as conclusões seguintes:
“1. Inconformado com o despacho do TSI com que se lhe tomou a medida de coacção de prisão preventiva, A recorreu para o TUI, pois no seu entender, o despacho recorrido ofendeu o art.º 400.º, n.º 1 do CPP, o art.º 400.º, n.º 2, alínea c) do CPP, o princípio do contraditório, bem como o princípio de adequação e proporcionalidade previsto no art.º 178.º do CPP.
2. Acerca do erro na aplicação da lei, na opinião do recorrente A, foi unicamente com base nos dois ficheiros Excel encontrados no seu computador é que no despacho recorrido se deu por assente que ele tinha praticado “o crime de corrupção passiva para acto ilícito” e “o crime de prevaricação” juntamente com o arguido B, sem, no entanto, um reconhecimento da “associação criminosa” em causa, nem indicando o iniciador e o líder da “associação criminosa”, sendo o despacho desprovido mesmo de fundamentação dos elementos constituintes essenciais da “associação criminosa” em que, segundo a acusação, o recorrente A tinha participado; de resto, o recorrente frisa que não bastariam duas pessoas, i.e., ele próprio – o recorrente A – e arguido B para formar-se uma “associação criminosa”, crendo, portanto, que ele foi apenas um comparticipante e não praticou o “crime de participação em associação ou sociedade secreta”; aliás, o recorrente A considera dissimiles os seus actos e os do arguido B, pois este “aceitava”, ao passo que aquele “pagava”. O crime praticado pelo recorrente A devia ter sido qualificado antes como “corrupção activa”. Portanto, imputa erro na aplicação da lei e a violação do art.º 400.º, n.º 1 do CPP ao despacho recorrido.
3. Impera reiterar aqui que de acordo com quanto informam os autos principais e os anexos do presente processo, em particular as provas n.º 59 e 60 dentro do anexo 10.1, ou seja, os ficheiros electrónicos denominados «[Ficheiro(1)]» e «[Ficheiro(2)]» que o CCAC encontrou no computador do recorrente A, nos quais se encontra o registo de uma diversidade de informações tais como os honorários cobrados por diversas causas, nomes de clientes, natureza de acção, a cobrança dos honorários, comissões de intermediação, intermediários de causa, todos referentes ao período que vai de 2007 a 2014. Se conjugamos isso ao conteúdo do «[Ficheiro(3)]» elaborado pelo arguido B mesmo, verifica-se que em vários processos em causa, para além dos honorários, o arguido A cobrou outras quantias incógnitas cuja importância superava de longe a dos honorários. Registou-as na coluna dedicada a comissões de intermediação em «[Ficheiro(1)]» e «[Ficheiro(2)]». Em algumas entradas, até se lê que a quantia foi paga ao “amigo” ou ao “bom amigo”. Ora, os tratamentos “amigo” e “bom amigo” correspondem exactamente aos nomes codificados que A costumava usar na sua agenda dentro do telemóvel e nos SMS/WeChat que trocava com os clientes, com que se aludia a B.
4. Daí, os dois ficheiros electrónicos acima referidos que o CCAC encontrou ultimamente, i.e., «[Ficheiro(1)]» e «[Ficheiro(2)]», representam um significativo passo em frente no inquérito da causa, pois estes e o «[Ficheiro(3)]» elaborado pelo arguido B mesmo se comprovam e se corroboram uns ao outro, de modo que já se pode dar por assente, para dizer o mínimo, que o arguido B, conluiado com o recorrente A, praticou dolosamente, durante vários anos e por repetidas vezes o “crime de corrupção passiva para acto ilícito” p. e p. pelos art.º 337.º, n.º 1, art.º 25.º e art.º 27.º do CP e o “crime de prevaricação” p. e p. pelos art.º 333.º, n.º 1, art.º 25.º e art.º 27.º do CP (posição já deixada clara pelo TSI no despacho de aplicação de medida de coacção de 12/09/2024, que o recorrente A não contestou).
5. Acerca da distinção entre “o crime de “associação criminosa” / sociedade secreta” e a comparticipação, concordamos cabalmente com a jurisprudência mui perspicaz do TUI que se encontra nos seguintes acórdãos: n.º 22/2002 de 21/02/2003, n.º 104/2021 de 30/07/2021 e n.º 123/2021 de 29/10/2021.
6. No que se concerne à formação de “associação criminosa” por somente duas pessoas, concordamos cabalmente com a jurisprudência mui perspicaz do TUI que se encontra nos acórdãos n.º 22/2002 de 21/02/2003 e n.º 104/2021 de 30/07/2021.
7. Segue daqui que os acórdãos acima mencionados do TUI já clarificaram que a convicção sobre a formação de “associação criminosa” está sujeita à verificação dos três elementos essenciais constitutivos da “associação criminosa” (o elemento organizativo, o de estabilidade associativa e o da finalidade criminosa), com o reconhecimento de que bastam duas pessoas para formar-se uma associação criminosa. Portanto, não é plausível, nem sequer minimamente, o que o recorrente A defende, segundo o qual se exclui a constituição da “associação criminosa” com o único motivo de “haver apenas dois membros”. É claro que aqui o recorrente A quer desmentir a sua ligação com a “associação criminosa” com a desculpa de comparticipação.
8. Visto que foi desde 2007, se não ainda mais cedo, que o recorrente A praticou dolosamente (e por mais do que uma única vez) actos qualificáveis como “crime de corrupção passiva para acto ilícito” e “crime de prevaricação” juntamente com o arguido B, o acordo de suas vontades não era um mero acordo nascido de momento para a prática de um determinado crime em específico; juntaram-se para formar, antes sim, uma associação criminosa por acordo de vontades, com intuito de praticar correntemente a corrupção passiva, a prevaricação e a quebra de sigilo, daí não se tratar de uma simples comparticipação.
9. Nos crimes acima referidos, constata-se que para além de estar verificado o pressuposto previsto no art.º 186.º, n.º 1, alínea a) do CPP, ao “crime de participação em associação ou sociedade secreta” o Juiz deve adoptar a medida de prisão preventiva, ao abrigo do art.º 29.º da Lei n.º 6/97/M - Lei da Criminalidade Organizada, do art.º 193.º, n.º 3, alínea c) do CPP conjugado com o art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do mesmo Código.
10. Dado que está legalmente preceituada a aplicação obrigatória da medida de prisão preventiva ao agente que exibe fortes indícios da prática do crime previsto no art.º 2.º da Lei n.º 6/97/M - Lei da Criminalidade Organizada, presume-se verificado o requisito estabelecido no art.º 188.º do CPP. Desnecessária será uma reconfirmação.
11. O recorrente A argumenta que os seus actos são qualificáveis antes como “crime de corrupção activa”. Impera sublinhar, pois bem, que não cabe ao recorrente A vir agora invocar que entre ele e o arguido B, um “pagava” enquanto o outro “aceitava”, uma vez que não objectou de todo ao despacho do TSI de 12/09/2024 com que se lhe decidira sobre medida de coacção, porque se o recorrente A discordava e discorda da qualificação jurídica em discussão que consiste na questão de se se trata de uma comparticipação no “crime de corrupção passiva para acto ilícito” ou de prática do “crime de corrupção activa”, devia ter recorrido do despacho do TSI de 12/09/2024, em vez de levantar a questão aqui no recurso em apreço. Julgamos, portanto, que o recurso de A naufraga nesta parte.
12. Sobre o erro notório na apreciação da prova, a ver do recorrente A, é ilógico o despacho recorrido, pois foi somente com base nos dois ficheiros Excel encontrados no computador do próprio recorrente A é que se chegou à convicção de que com o “amigo” ou “bom amigo” aí referido se aludia exclusivamente ao arguido B; invoca, aliás, que o arguido B foi absolvido do “crime de associação criminosa” no processo n.º 639/2023 do TSI e que agora o recorrente A se vê acusado da “participação” em uma outra “associação criminosa”, que tinha apenas dois membros – o recorrente A e o arguido B. Assaca, portanto, a violação do art.º 400.º, n.º 2, alínea c) do CPP ao despacho recorrido.
13. Tomando uma visão geral da motivação de recurso nesta parte, vemos que o recorrente A outro não faz senão teimar na sua própria opinião, duvidando e discordando da convicção exposta no despacho recorrido, de que com o “amigo” ou “bom amigo” se referia exclusivamente ao arguido B e de que a “associação criminosa” era formada por apenas duas pessoas. A análise contida na motivação de recurso, infelizmente, não nos convence, de modo que reconheçamos a existência de qualquer erro facilmente perceptível por uma pessoa comum; é, para melhor dizer, um juízo e uma apreciação pessoalíssima do próprio recorrente A.
14. É preciso, aliás, frisar que no que se refere à matéria probatória, nesta frase não se exige mais do que a existência de “fortes indícios”. Sendo assim, a convicção que se lê no despacho recorrido não contraria notoriamente as regras de experiência comum nem o senso comum, como está bem de ver. Logo, parece-nos improcedente o recurso interposto por A também nesta parte.
15. No tocante à ofensa do princípio do contraditório, a ver do recorrente A, só ele próprio se sujeitou ao interrogatório antes do proferimento do despacho recorrido, sem que o outro arguido acusado, i.e., B tivesse sido interrogado. Como foi acusado de comparticipação juntamente com o arguido B, no despacho recorrido se devia ter convidado o arguido B a alegar sobre os factos acusados contra os dois. Imputa, portanto, a ofensa do princípio do contraditório ao despacho recorrido.
16. É de salientar que durante o primeiro interrogatório judicial a que o recorrente A se submeteu, o TSI já convidou o recorrente A e o seu defensor a alegar acerca do conteúdo dos dois ficheiros electrónicos recém-encontrados pelo CCAC no computador do recorrente A denominados «[Ficheiro(1)]» e «[Ficheiro(2)]». Não se coloca, portanto, a questão de violação do contraditório pela impossibilidade de o arguido defender-se efectiva e adequadamente em face de provas que militam contra si próprio. Não é, obviamente, caso de ofensa do princípio do contraditório.
17. No despacho recorrido se discursa, de facto, sobre qual medida de coacção aplicar ao recorrente A, sem qualquer tipificação criminal ou determinação da pena. Daí, já se lhe pode adoptar a medida de coacção de prisão preventiva no despacho recorrido, desde que das provas existentes resultam fortes indícios da prática do “crime de participação em associação ou sociedade secreta” pelo recorrente A. Julgamos que falham, mais uma vez, os motivos invocados pelo recorrente A nesta parte.
18. No que respeita à violação do princípio de adequação e proporcionalidade, o recorrente A opina que faltava ao despacho recorrido uma especificação dos actos dele que tivessem prejudicado a RAEM para ele “perturbar a ordem e tranquilidade públicas”; não se afigura, aliás, entre os requisitos gerais para tomar a medida de coacção de prisão preventiva aquele indicado no despacho recorrido, ou seja, “a alta probabilidade de uma condenação em pena de prisão efectiva”; pensa, então, que se devia ter mantido a medida de coacção que se lhe tomara em 12/09/2024; assaca, logo, a violação do princípio de adequação e proporcionalidade previsto no art.º 178.º do CPP ao despacho recorrido.
19. Antes de tudo, tal como referimos no 1.1, ao “crime de participação em associação ou sociedade secreta” o Juiz deve adoptar a medida de prisão preventiva. Do ponto de vista jurídico, presumem-se, assim, já preenchidos os requisitos previstos no art.º 188.º do CPP. Ocioso seria repetir a confirmação.
20. De resto, pode-se ter a certeza de que não adoptando a medida de coacção de prisão preventiva ao recorrente A, a tranquilidade pública será inelutavelmente impactada com enormes repercussões. Perante os fortes indícios de crime que resultam do presente processo, caso o recorrente A continue a andar livre para combinar trapaças ou conluios, se não menos voltar a praticar outros crimes que de novo lesem a sociedade, nenhum membro da comunidade estará disposto a aceitar tal cenário, pois é inaceitável.
21. Neste caso em concreto, a moldura penal abstracta do crime de “participação em associação ou sociedade secreta” perpetrado pelo recorrente A tem como limite máximo 12 anos de prisão.
22. Com toda a evidência e tendo em conta todos os factores acima expostos, será difícil certificar-se da eficácia do processo aqui em causa, se não vier a ser tomada de imediato a medida de prisão preventiva ao recorrente A, uma vez verificados completamente os requisitos legais, sobretudo porque comprometerá a execução bem-sucedida duma futura decisão condenatória; é previsível que a adopção de uma medida de coacção menos severa ao recorrente A não afastará de maneira adequada e proporcional a hipótese de verificação dos casos previstos no art.º 188.º do CPP. Julgamos, portanto, igualmente improcedente o recurso interposto por A nesta parte”; (cfr., fls. 48 a 55 e 4 a 9 do Apenso).
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Adequadamente processados os autos, urge decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
2. Dando-se como fortemente indiciada a prática pelo arguido A, ora recorrente, de 1 crime de “associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelo art. 1°, n.° 1, e 2°, n.° 2 da Lei n.° 6/97/M, e, nomeadamente, de vários outros crimes de “corrupção passiva para acto ilícito”, p. e p. pelo art. 337°, n.° 1, 25° e 27° do C.P.M., foi-lhe decretada a medida de coacção de prisão preventiva.
Inconformado, do aludido despacho vem recorrer, concluindo (essencialmente e como se referiu) que “existe erro na aplicação da lei (art.° 400°, n° 1 do C.P.P.); erro notório na apreciação da prova (art.° 400°, n° 2 a) do C.P.P.); violação do princípio do contraditório; e violação do princípio da adequação e porporcionalidade (art.° 178° do C.P.P.); (…)”; (cfr., concl. b atrás transcrita, notando-se que, quando se passar à apreciação dos assacados “vícios” se procederá à transcrição das “conclusões” no presente recurso apresentadas).
Porém, da análise que nos foi possível efectuar ao que dos presentes autos consta, assim como do teor da decisão recorrida, cremos que não se pode reconhecer razão ao arguido ora recorrente.
Passa-se a (tentar) expor este nosso ponto de vista.
Nos termos do art. 28° da L.B.R.A.E.M.:
“A liberdade pessoal dos residentes de Macau é inviolável.
Nenhum residente de Macau pode ser sujeito a captura, detenção e prisão arbitrárias ou ilegais. Os residentes têm direito ao pedido de «habeas corpus», em virtude de detenção ou prisão arbitrárias ou ilegais, a interpor perante o tribunal.
São proibidas revistas ilegais em qualquer residente, bem como a privação ou a restrição ilegais da liberdade pessoal dos residentes.
Nenhum residente pode ser submetido a tortura ou a tratos desumanos”.
Assim na R.A.E.M. consagrado o “direito à liberdade” – cujo reconhecimento legal expresso inicia com a revolução americana e francesa, ocorridas, respectivamente, em 1776 e 1789, e, não obstante constituir um “direito natural” e “fundamental” – importa ter presente que o mesmo não se apresenta como um “direito absoluto” (e “ilimitado”), insusceptível de determinadas e (limitadas) restrições.
Com efeito, tendo o “processo penal” a finalidade de realizar a justiça penal, assegurando a paz jurídica violada e defender os cidadãos de eventuais excessos no exercício do “ius puniendi”, (garantindo o respeito dos direitos fundamentais das pessoas), visto está que não deixa de ser um “campo de restrição de direitos”, uma vez que para se investigar e punir a prática de crimes, inevitável é também a correspondente necessidade de restringir tais ditos direitos, constituindo assim o processo penal um conjunto de normas que visa criar um “equilíbrio” entre tais objetivos e finalidades.
Dest’arte, e constituindo assim a “prisão preventiva” – “cautelar” ou “provisória” – uma inegável “restrição ao direito à liberdade”, lógico e natural é que a sua aplicação exija a verificação de determinados requisitos na Lei previstos, admissível não sendo “decisões arbitrárias”.
Com efeito, e como sabido é, as “medidas de coacção e de garantia patrimonial” são vulgarmente entendidas como “meios processuais” que tem como finalidade acautelar a eficácia do processo quer quanto ao seu normal prosseguimento quer quanto às decisões que nele vierem a ser proferidas.
São, também – normalmente – considerados como “pressupostos” da aplicação da “prisão preventiva” a um arguido – medida de coacção aplicada e ora contestada pelo recorrente – a existência de “fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos”, (cfr., art. 186°, n.° 1 al. a) do C.P.P.M.), e, além dos requisitos ou condições de “carácter geral” (não cumulativos) descritos nas “alíneas a) a c) do art. 188° do C.P.P.M.”, (ou seja, o “perigo de fuga”, o “perigo de perturbação do processo, nomeadamente, para a aquisição e conservação ou veracidade da prova”, e, “em razão da natureza e circunstâncias do crime ou personalidade do arguido, o perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas ou da continuação criminosa”), os de “carácter específico” da “inadequação” ou “insuficiência” das restantes medidas de coacção referidas nos art°s 182° e segs. do mesmo Código, havendo sempre a necessidade de se fazer um juízo sobre a “adequação” e “proporcionalidade” da medida, consubstanciadas na justeza da prisão preventiva relativamente à gravidade do crime em questão e às sanções que, previsivelmente, venham a ser aplicadas ao caso, acautelando-se, sobretudo, a descoberta da verdade, através do normal desenvolvimento do processo, a par do restabelecimento da paz jurídica abalada pela prática do crime, (sendo, pois, meros instrumentos processuais para a “eficácia do procedimento penal” assim como para a “boa administração da justiça”), não se podendo, de maneira alguma olvidar também que, a par de tais “valores”, em causa está igualmente a “protecção de direitos fundamentais” – como são os direitos à “liberdade” e à “segurança” – sendo, por isso, necessário fazer uma ponderação “casuística” dos interesses em conflito para determinar a respectiva prevalência e grau ou medida da sua restrição; (sobre a matéria, cfr., v.g., José António Barreiros in “As medidas de coação e de
garantia patrimonial no novo C.P.P.”, B.M.J. 371°-5, 1987; Jorge de Figueiredo Dias in, “Sobre os sujeitos processuais no novo C.P.P.”, Jornadas de Direito Processual Penal: O novo C.P.P., Coimbra, 1988; Odete Maria de Oliveira in, “As medidas de coação no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal: O novo C.P.P., Coimbra, 1988; João Castro Sousa in, “Os meios de coação no novo código de processo penal”, Jornadas de Direito Processual Penal: O novo C.P.P., Coimbra, 1988; Teresa Pizarro Beleza in, “Apontamentos de direito processual penal”, Vol. II, Lisboa, 1993, e in “Prisão preventiva e direitos do arguido”, Que Futuro para o Direito Processual Penal?: Simpósio em Homenagem a Jorge de Figueiredo Dias, por ocasião dos 20 anos do C.P.P. Português, Coimbra, 2009; José Manuel de Araújo Barros in, “Critérios da Prisão Preventiva”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.° 3, Ano 10, 2000; Maria João Antunes in, “O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coação”, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, pág. 1237 a 1268; Eduardo Maia Costa in, “Prisão preventiva: medida cautelar ou pena antecipada?”, Revista do Ministério Público, Ano 24, n.° 96, Lisboa, 2003; Luiz Roberto Cigona Faggioni in, “Prisão preventiva, prisão decorrente de sentença condenatória recorrível e prisão decorrente de decisão de pronúncia: considerações”, Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 11, n.° 41, São Paulo, 2003; Fernando Gonçalves e Manuel João Alves in, “A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coação – A providência do Habeas Corpus em virtude de Prisão Ilegal”, Coimbra, 2003, e in “As Medidas de Coação no Processo Penal Português”, Coimbra, 2011; Frederico Isasca in, “A prisão preventiva e restantes medidas de coação”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Lisboa, 2004; João Luís de Moraes Rocha in, “Ordem Pública e Liberdade Individual – Um estudo sobre a prisão preventiva”, Coimbra, 2005; Marcellus Polastri Lima in, “A Tutela Cautelar no Processo Penal”, Rio de Janeiro, 2005; Carlos Alberto Simões de Almeida in, “Medidas cautelares e de polícia do processo penal em direito comparado”, Coimbra, 2006; Manuel Joaquim Braz in, “As medidas de coação no código de processo penal revisto”, C.J., Ano XXXII, tomo IV, 2007, pág. 5 a 11; Sónia Fidalgo in, “Medidas de coação: aplicação e impugnação: breves notas sobre a revisão”, Revista do Ministério Público, Ano 31, n.° 123, 2010; Stéphanie Mendes de Sousa in, “Presunção de inocência no processo penal português: em particular, na aplicação de medidas de coação, com especial relevância para a prisão preventiva”, Universidade Lusíada, 2010; Denis Aceti Brasil Ferreira in, “A prisão preventiva de ofício e o processo penal tipo acusatório”, 2014; Mariana Filipa Lopes Alves in, “Prisão Preventiva Ilegal e Respetivo Direito a Indemnização”. Universidade Católica, 2015; João Alves Manuel e Fernando Gonçalves in, “Crime: Medidas de Coação e Prova”, Coimbra, 2015; Eduardo Vera-Cruz Pinto in, “Prisão Preventiva e Presunção de Inocência”, Cadernos Jurídicos, São Paulo, Ano 17, n.° 43, 2016, pág. 29 a 36; José Tadeu da Costa Monteiro in, “Medidas de Coação Análise e Perspetivas”, Universidade Lusíada, 2017; Carlos Pinto de Abreu in, “Presunção de inocência, medidas de coacção, publicidade, dignidade e respeito”, Penal e Processo Penal, Vol. 2, n.° 2, 2017, pág. 59 a 79; Centro de Estudos Judiciários, “Medidas de Coação”, 2020; Paulo Maycon Costa da Silva in, “Enquadramento Jurídico-Constitucional da Prisão Preventiva”, Universidade de Coimbra, 2021).
Por sua vez, e como cremos que adquirido também está, a expressão “fortes indícios”, significa – essencialmente – que a prova recolhida tem de deixar uma clara e nítida impressão de responsabilidade do arguido, em termos de ser muito provável a sua condenação, equiparando-se a tais indícios os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer que “há crime” e que “é o arguido o seu responsável”, pois que no momento da aplicação de uma medida de coacção (ou de garantia patrimonial) não se pode (ou deve) exigir uma “comprovação categórica”, (apodíctica e irrefutável), da existência dos referidos “pressupostos”, mas tão só, em face do “estado dos autos” e de outras “circunstâncias”, de uma “convicção segura e objectivável” (com os elementos recolhidos nos autos) de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado(s) crime(s).
Sobre estes “indícios”, considerava o Prof. Germano Marques da Silva que:
“Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige, pois, a prova, no sentido de certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
Esta possibilidade é uma probabilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido.
(…) A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulta uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (…); não impõe a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.
A lei não se basta, porém, como um mero juízo subjetivo, mas antes exige um juízo objetivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação”; (in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 179).
Vem também colhendo um cada vez maior número de adeptos uma orientação mais exigente – mais compatível com os princípios fundamentais do processo penal, mormente os princípios da “presunção da inocência” e do “in dubio pro reo” – entendimento esse assente no critério de uma possibilidade “particularmente qualificada” ou uma “probabilidade elevada de condenação”, segundo a qual os indícios serão suficientes quando os vários elementos de prova disponíveis criem no juiz a convicção de uma alta probabilidade de o arguido, em julgamento, vir a ser condenado.
Neste sentido cremos, aliás, que já se pronunciava o Prof. Figueiredo Dias que considerava que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição”; (in “Direito Processual Penal”, Vol. I, 1984, pág. 133, podendo-se, ainda sobre o tema ver, Castanheira Neves in, “Sumários de Processo Criminal”, lições policopiadas, 1968, pág. 38 a 39; Maria Thereza Rocha de Assis Moura in, “A prova por indícios no processos penal”, São Paulo, 1994; Roque de Brito Alves in, “Dos Indícios no Processo Penal”, Rio de Janeiro, 2003; Jorge Noronha e Silveira in, “O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, 2004, pág. 171; Dennis Otte Lacerda in, “Breve Perspectiva da Prova Indiciária no Processo Penal”, Curitiba, 2006; Julio César Cordón Aguilar in, “Prueba indiciaria y presunción de inocencia en el proceso penal”, Salamanca, 2011; Marta Sofia Neto Morais Pinto in, “A prova indiciária no processo penal”, Revista do Ministério Público, Ano 32, n.° 128, 2011; Thomas J. Gardner e Terry M. Anderson in, “Criminal Evidence: Principles and Cases”, 8ª ed., 2012; Ronald J. Allen e Alex Stein in, “Evidence, Probability, and the Burden of Proof”, Arizona Law Review, n.° 55, 2013; e Deltan Martinazzo Dallagnol in, “As lógicas das provas no processo: prova direta, indícios e presunções”, 2015).
Isto dito, e antes de mais, vale a pena atentar nas “razões” da decisão proferida e agora objecto do presente recurso.
Tem, pois, esta decisão recorrida o teor seguinte:
“Hoje, no dia 23 de Novembro de 2024, no processo de inquérito n.º 11477/2023, o MP pugnou pela existência de fortes indícios da prática, por parte do arguido A, pelo menos do crime de participação em associação ou sociedade secreta, p. e p. pela Lei n.º 6/97/M, e vários crimes de corrupção passiva para acto ilícito e de prevaricação portanto, requereu a realização do primeiro interrogatório judicial e a aplicação da medida da prisão preventiva.
Nos termos do art.º 128.º do CPP, hoje, à tarde, efectuai o primeiro interrogatório judicial ao arguido A, agora cumpre decidir sobre o requerimento de aplicação da referida medida de coacção, apresentado pelo MP.
Antes de mais, entendo legal a ordem de detenção do arguido, emitida pelo MP ontem à tarde.
Além disso, no meu despacho de aplicação da medida de coacção relativa ao arguido A de 12 de Setembro de 2024, já sustentei que havia fortes indícios da prática conjunta, pelos arguidos B e A, da forma consumada e dolosa (e não por uma vez só), pelo menos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, punido pelos art.ºs 337.º n.º 1, 25.º e 27.º do Código Penal, e do crime de prevaricação, punido pelos art.ºs 333.º n.º 1, 25.º e 27.º do Código Penal, indiquei materialmente que o modo de execução pelos 2 arguidos referidos dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito e de prevaricação exerceu influências negativas à imagem da justiça judicial do MP, portanto, se não for aplicada medida de coacção mais severa que o “termo de identidade e residência”, não deixa de ser difícil excluir o perigo de perturbação da ordem pública (obs.: “ordem pública” traduz-se na hierarquia valorativa normativa manifestada por todos os princípios e normas jurídicos aplicáveis de Macau em conjunto) pelo seu cometimento dos crimes de corrupção passiva para acto ilícito e de prevaricação (vide. o art.º 188.º alínea c) do CPP), pelo que, no caso do arguido A, verifica-se o perigo concreto previsto pelo art.º 188.º alínea c) do CPP (obs.: uma vez verificada qualquer das situações perigosas previstas pelo art.º 188.º alíneas a), b) e c), reúne-se o requisito na oração principal deste artigo), e as circunstâncias mostram-se graves devido às qualidades de magistrado do MP e advogado em exercício, respectivamente do arguido B e do arguido A, no momento de prática dos crimes.
Deste modo, agora urge focar-se à análise da questão de fortes indícios do crime de participação em associação ou sociedade secreta.
No acórdão n.º 22/2002 de 21 de Fevereiro de 2003, o TUI já prestou raciocínio sobre a distinção entre o crime de participação em associação ou sociedade secreta e a comparticipação, por conseguinte, no acórdão n.º 104/2021 de 30 de Julho de 2021, apoiou a viabilidade de formação de associação criminosa só por duas pessoas.
No caso em apreço, nos objectos apreendidos, o CCAC conseguiu descobrir dois ficheiros electrónicos de Microsoft Excel, denominados “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, cujo teor vide as fls. 163 a 183 e 186 a 210 do “anexo 10.1” dos autos.
No interrogatório de hoje, o arguido A afirmou que, os dois ficheiros electrónicos deveriam ter sido elaborados por ele, mas não se lembrava a quem se referiam as 3 expressões de “Hou Pang Iao (bom amigo)”, “Hou Iao (amigo)” e “Pang Iao (amigo)”.
Segundo os ficheiros, não eram pequenas as quantias pagas a “Hou Pang Iao (bom amigo)”, “Hou Iao (amigo)” e “Pang Iao (amigo)” e eram geralmente superiores àquelas pagas aos indivíduos com nome ou designação concretos assinalados, a esse respeito, o arguido justificou que, as 3 expressões se referiam a “intermediários de intermediários”, ou pessoas desconhecidas por ele próprio.
No tocante às expressões de “adiantamento”, “administração”, “processo administrativo” e “comissao” nos ficheiros electrónicos aludidos, declarou que, “comissao” deveria ter sido “comissão”, porém, não se lembrava a que se referiam as 3 expressões de “adiantamento”, “administração” e “processo administrativo”.
Nem se lembrava a quem se referiam as expressões de “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)” nas mensagens de telemóvel ou conversas via wechat com os clientes, já se esqueceu de que queria dizer quando usou “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)” na marcação de encontros do seu calendário de telemóvel.
Entretanto, a meu ver crítico, segundo as regras de experiência comum e em conjugação com as provas e elementos, bem como disse a Procuradora-adjunta no seu parecer proferido depois de concluir o interrogatório de hoje, de acordo com os ficheiros electrónicos denominados “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, descobertos pelo CCAC no computador do arguido A, nos quais se encontram registadas as informações de diversos casos durante o período de 2007 a 2014, tais como os honorários, nome de clientes, natureza de processo, situação de pagamento de honorários, comissão de intermediação e intermediários, etc., em conjugação com a análise do conteúdo do “[Ficheiro(3)]”, elaborado pelo arguido B próprio, nota-se que, em vários casos envolvidos, para além de honorários, o arguido A cobrou quantias incertas em montante consideravelmente superior a honorários, as quais foram registadas na respectiva coluna da comissão de intermediação em “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, umas delas foram registadas como “adiantamento”, “administração” e “processo administrativo”, e umas até como pagamento a “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)”, tais designações estão completamente conformes às alcunhas de “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)” que A estava habituado a usar para representar B no calendário do seu telemóvel e conversas com clientes via SMS/wechat.
Pelo que, entendo existentes fortes indícios do exercício, por parte dos arguidos B e A, em diversos processos de inquérito penal, de actividades ilícitas que beneficiaram os investigados, tais como prestação de auxílios aos investigados para dispensa de acusação criminal, restituição ilícita de quantias ou outros objectos de valor apreendidos, revelação de informações sujeitas ao secreto de justiça penal ou indivulgáveis, cobrando e tendo cobrado, dessa maneira, interesses pecuniários entregues por esses indivíduos (no meu despacho de aplicação da medida de coacção de 12 de Setembro de 2024, já sustentei que havia fortes indícios da prática conjunta, pelos arguidos B e A, da forma consumada e dolosa e não por uma vez só, pelo menos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, punido pelos art.ºs 337.º n.º 1, 25.º e 27.º do Código Penal, e do crime de prevaricação, punido pelos art.ºs 333.º n.º 1, 25.º e 27.º do Código Penal).
Importa salientar que, a confrontação com sucesso entre os dois ficheiros electrónicos referidos de XXX, descobertos ultimamente pelo CCAC, e o teor do “[Ficheiro(3)]”, elaborado pelo arguido B próprio, em conjugação com o conteúdo de várias mensagens de telemóvel e conversas via wechat em causa, resultou em novo progresso relevante no inquérito do caso.
Entre as referidas actividades ilícitas, designáveis simplesmente por resolução de caso, está prescrito o procedimento criminal para umas e ainda não para imensas, em que se revela a prática por eles da actividade de resolução de caso não só por uma, duas ou múltiplas vezes, mas sim numerosas, durante vários anos, recebendo assim interesses pecuniários prestados pelos investigados.
Nesta conformidade, face às referidas circunstâncias apuradas em relação a fortes indícios e em harmonia com a jurisprudência do Douto TUI nos dois acórdãos supracitados, demonstra-se suficientemente a existência de fortes indícios do cometimento pelo arguido A dum crime de participação em associação ou sociedade secreta, p. e p. pelos art.º 1.º n.º 1 e art.º 2.º n.º 2 da Lei n.º 6/97/M.
O modo de execução do crime pelo arguido A exerceu influências negativas à imagem da justiça judicial do MP, portanto, se não for aplicada medida de coacção mais severa que o “termo de identidade e residência”, não deixa de ser difícil excluir o perigo de perturbação da ordem pública (ou seja, a hierarquia valorativa normativa manifestada por todos os princípios e normas jurídicos aplicáveis de Macau em conjunto) pelo seu cometimento do crime de participação em associação ou sociedade secreta (vide. o art.º 188.º alínea c) do CPP), pelo que, no caso do arguido A, verifica-se o perigo previsto pelo art.º 188.º alínea c) do CPP (uma vez verificada qualquer das situações perigosas previstas pelo art.º 188.º alíneas a), b) e c), reúne-se o requisito na oração principal deste artigo), e as circunstâncias mostram-se graves devido à qualidade de advogado em exercício do arguido A no momento de prática dos crimes.
A moldura penal do crime de participação em associação ou sociedade secreta é pena de prisão de 5 a 12 anos, se o arguido A for acusado pelo MP da prática desse crime e for condenado pelo tribunal após realizada a audiência de julgamento, será punido com pena de prisão efectiva.
Pelo exposto, nomeadamente nos termos dos art.ºs 176.º, 178.º n.º 1 e 3, 186.º n.º 1 alínea a) e 188.º alínea c) do CPP, segundo os princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade, decido realizar ao arguido A a prisão preventiva.
Notifique o MP e a CCAC do presente despacho.
Notifique o arguido A e o seu advogado do presente despacho.
(…)”; (cfr., fls. 93 a 95 e 17 a 20 do Apenso).
Aqui chegados, vejamos.
Como se deixou relatado, à decisão recorrida (que se deixou integralmente transcrita) imputa o arguido, ora recorrente, os vícios de:
- “erro na aplicação da Lei”;
- “erro notório na apreciação da prova”;
- “violação do princípio de contraditório”; e,
- “violação do princípio da adequação e proporcionalidade”.
Não estando o Tribunal vinculado a apreciar as “questões” que lhe são colocadas na mesma ordem em que vem apresentadas, tem-se por adequado começar pela assacada “violação do princípio do contraditório”.
Aqui, (e nas suas conclusões de recurso), diz o ora recorrente o que segue:
“z) O arguido recorrente foi interrogado antes de ser proferido o despacho recorrido.
Contudo o outro alegado arguido, B (乙), à data da prolação do despacho em causa, não tinha ainda sido interrogado.
Ora,
aa) Tratando-se, na óptica do despacho recorrido, de uma “associação ou sociedade secreta” a dois – nelo menos o despacho recorrido assim o refere – afigurar-se-ia ao recorrente imprescindível que o arguido B (乙) se pronunciasse sobre a matéria constante do despacho, pelo menos, na parte que lhe diz respeito, já que, nos termos do despacho recorrido haveria entre ambos uma actuação conjugada.
bb) O que o arguido pretenderia era que o arguido B (乙), tratando-se alegadamente de uma “associação a dois”, pudesse eventualmente pronunciar-se sobre todos os factos, alegadamente “cometidos a dois”.
cc) O que não aconteceu, em manifesto prejuízo do arguido recorrente, já que lhe foi aplicada a medida de coacção mais grave.
dd) Por outro lado, não obstante o despacho recorrido ter referido que os crimes em causa, praticados alegadamente pela “associação a dois”, “muitos já estarão prescritos” (sic); não deixa de ser estranho que ao arguido recorrente se não tenha dado a conhecer, o número de crimes alegadamente em causa; quais aqueles que já estariam prescritos; e os que ainda não estarão prescritos.
ee) Finalmente, ainda no tocante à violação de princípio do contraditório – que manifestamente teve influência no direito de defesa do recorrente e, consequentemente, nas gravosas medidas do despacho recorrido – importa referir que o arguido não conseguiu identificar a quem se dirigiam as expressões “好朋友” (bom amigo), “好友” (bom amigo) e “朋友” (amigo); nem o significado de “代支” (paga em nome), “行政” (administrativo) e “行政案件” (caso administrativo); todas nos seus documentos electrónicos” com a denominação “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”.
Pois bem. A memória não é igual para todos.
Sobretudo, quando apenas alguns destes “documentos electrónicos” foram mostrados ao arguido.
ff) Realce-se, contudo, que alguns destes dados introduzidos no computador do recorrente datam de há mais de 10 anos; e verifica, agora o recorrente, pelo menos um deles – com que, aliás, ele não foi confrontado – tem uma data posterior (2017) àquela em que, alegadamente, teria actuado a já, por demais referida, “associação a dois”.
gg) Posto isto, entende o arguido recorrente que, também aqui, pela violação deste princípio do contraditório, deverá ser revogado o despacho em apreço ou substituído por outro menos gravoso”; (cfr., concl. z a gg).
Porém, e como atrás já se deixou adiantado, não se acolhe o que pelo ora recorrente vem alegado e se deixou transcrito.
Com efeito, não se vislumbra como é que se possa ter incorrido na violação do aludido “princípio do contraditório” por “falta de audição do co-arguido do ora recorrente, (B)”, se, com a decisão recorrida, tão só se decidiu aplicar ao dito recorrente a medida de coacção que agora vem impugnada, tão só a este – e não ao seu co-arguido – dizendo respeito o que se decidiu.
Admite-se que se podia ter também optado pela prévia audição do referido co-arguido, contudo, a sua falta, (ou “omissão”), não afronta de maneira alguma o direito ao contraditório do ora recorrente.
Na verdade, o direito ao contraditório – na doutrina tradicional, entendido como o “direito de informação e de resposta”, e hoje, mais visto como um “direito de participação” e como “poder de influenciar a decisão” – implica, essencialmente, que o Tribunal, antes de proferir as suas decisões, deva ouvir a “acusação” e “defesa”, concedendo-lhes a oportunidade de se pronunciar sobre as respetivas pretensões, desta forma se assegurando uma “decisão” que não é fruto da vontade (ou exclusiva inteligência) do Magistrado, mas sim, assente na “participação” e “debate” dos argumentos e provas que em sede do processo são apresentadas, o que, no caso, e como sem esforço se alcança da decisão recorrida, foi o que efectivamente sucedeu.
Porém, e como em tudo na vida, necessários são (certos) limites, não se podendo admitir radicalismos ou fundamentalismos, (como se tudo pudesse valer), havendo que se atentar e ter sempre presente critérios de “necessidade”, “adequação”, “oportunidade” e “razoabilidade”.
Bata ver que (v.g.) num processo com 5, 10, 20 ou mais arguidos, exigível (ou necessária) não é – nem pode ser – a (nova) audição de todos os co-arguidos dos autos de cada vez que se tivesse de tomar uma decisão de aplicação de uma medida de coacção relativamente a qualquer um deles…
A ser assim, (e em nossa modesta opinião, certamente, não é), como proceder nas situações em que existissem arguidos ainda não (totalmente) identificados, ou (mesmo) localizados?
Ora, e com o devido respeito que nos merece entendimento diverso, (cremos que) à vista está a resposta.
Compreende-se que o ora recorrente entenda e considere que a audição do seu co-arguido lhe pudesse ser favorável pela (eventual) possibilidade de poder utilizar as declarações que este viesse a prestar para contrariar (os indícios considerados existentes e) a convicção do Tribunal a quo.
Porém, sendo esta a sua perspectiva (e pretensão), ao mesmo, no uso do seu amplo “direito de defesa” que legal e legitimamente lhe assiste e é reconhecido, cabia requerer, (oportunamente), que se procedesse a tal “diligência”, e, perante o que viesse a ser decidido, reagir como entendesse adequado.
Não sendo sucedido, mais (também) não se mostra de dizer sobre este “aspecto”.
Quanto ao “número de crimes alegadamente em causa”, e quanto à sua “memória relativamente ao significado de determinadas expressões” contidas nos seus documentos electrónicos, cabe salientar que ao ora recorrente foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva em virtude da pelo Tribunal a quo constatada existência de fortes indícios da sua prática de um crime de “associação ou sociedade secreta”.
Assim, e ainda que “prescritos” possam estar certos dos “alegados crimes em causa”, importa não olvidar que os respectivos “factos” e “condutas” mantêm relevância criminal para efeitos da qualificação e consideração de existência do dito crime de “associação ou sociedade secreta” que lhe foi imputado, (notando-se também que, no caso, e, nomeadamente, relativamente aos crimes de “corrupção passiva para acto ilícito”, estão o ora recorrente e o seu co-arguido indiciados da sua prática em “co-autoria”, não se colocando assim a “dúvida” de se saber de que lado está cada um dos co-arguidos no que toca à sua prática).
Por sua vez, quanto à aludida “memória” – ou melhor, falta dela, mas sempre “selectiva” – é “circunstância” processual que ao Tribunal cabe apreciar livremente, em conformidade com as “regras de experiência” e da “normalidade das coisas”, não se nos mostrando ter havido qualquer desrespeito ou desvio ao que tais regras ditam.
Isto dito, passemos para os restantes “vícios” pelo ora recorrente imputados à decisão recorrida.
–– Quanto ao “erro notório na apreciação da prova”.
Aqui, (e nas suas conclusões), diz o recorrente o que segue:
“x) Agora, voltando ao despacho recorrido, sabe-se – o arguido recorrente confirmou-o – que o arguido B (乙) e o recorrente são amigos de longa data, tendo inclusive trabalhado juntos nos Serviços do Ministério Público.
É ilógico, no entanto, que não obstante esta amizade, as expressões “amigo (朋友)” ou “bom amigo (好朋友)” – constantes do despacho recorrido, alegadamente provenientes dos documentos Excel já referidos – se reportem exclusivamente ao arguido B (乙).
De certeza que o arguido recorrente tem muitos mais amigos.
E o arguido B (乙) os terá também.
Por outro lado,
y) Ainda no âmbito do “erro notório na apreciação da prova”, como já referido, o arguido B (乙) foi absolvido, na fase de recurso no outro processo em que figurou como arguido (proc. n° 639/2023), pelo crime de “associação criminosa”, na qual, aliás, figurava alegadamente como o seu chefe.
No entanto, agora neste processo, nos termos do despacho recorrido, o arguido recorrente alegadamente “participou” já numa outra associação.
Esta, pasme-se, composta alegadamente só por ele e pelo arguido recorrente”; (cfr., concl. x e y).
Ora, compreende-se e – obviamente – respeita-se a discordância e o inconformismo do arguido ora recorrente.
Porém, não se lhe pode reconhecer razão, pois que, (como se deixou referido), inexiste qualquer “erro”, (e muito menos “notório”), pois que o Tribunal a quo não procedeu à apreciação do material probatório existente nos autos em desrespeito de qualquer “regra sobre o valor das provas tarifadas” e/ou “regras de experiência”, apresentando-se-nos que efectuou antes uma apreciação “lógica” e “razoável”, e, por isso, de acolher; (sobre o sentido e alcance do aludido “vício”, cfr., v.g., e para citar os mais recentes, os Ac. deste T.U.I. de 13.01.2023, Proc. n.° 108/2022, de 03.03.2023, Proc. n.° 97/2022, de 29.09.2023, Procs. n°s 71/2023 e 81/2023, de 01.11.2023, Proc. n.° 82/2023, de 26.01.2024, Proc. n.° 98/2023-I, de 08.03.2024, Proc. n.° 9/2024-I, de 05.06.2024, Proc. n.° 43/2024 e de 28.11.2024, Proc. n.° 109/2024).
Vale a pena atentar no que segue.
Quantos às expressões “amigo”, ou “bom amigo”, tenha-se pois presente que o Tribunal a quo as relacionou ao seu co-arguido B em resultado de uma análise global e cruzada dos “documentos” e outro “material probatório” existente nos autos (e que identificou), consignando, (expressamente), no despacho agora em questão que: “de acordo com os ficheiros electrónicos denominados “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, descobertos pelo CCAC no computador do arguido A, nos quais se encontram registadas as informações de diversos casos durante o período de 2007 a 2014, tais como os honorários, nome de clientes, natureza de processo, situação de pagamento de honorários, comissão de intermediação e intermediários, etc., em conjugação com a análise do conteúdo do “[Ficheiro(3)]”, elaborado pelo arguido B próprio, nota-se que, em vários casos envolvidos, para além de honorários, o arguido A cobrou quantias incertas em montante consideravelmente superior a honorários, as quais foram registadas na respectiva coluna da comissão de intermediação em “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, umas delas foram registadas como “adiantamento”, “administração” e “processo administrativo”, e umas até como pagamento a “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)”, tais designações estão completamente conformes às alcunhas de “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)” que A estava habituado a usar para representar B no calendário do seu telemóvel e conversas com clientes via SMS/wechat”; (cfr., fls. 94 e 18 a 19 do Apenso).
E em face do assim dito e exposto, motivos não existem para qualquer reparo, pois que (claramente) justificadas estão as “razões” do pelo Tribunal a quo considerado quanto ao aspecto em questão.
Pode-se – certamente – não concordar com a análise e apreciação efectuada.
Porém, tal “discordância” – também, certamente – não constitui o assacado “erro notório”.
Relativamente à referida “absolvição” do co-arguido do ora recorrente, (B), é também a mesma argumento que não procede.
Com efeito, em sede do recurso que o Ministério Público interpôs desta mesma decisão absolutória (do co-arguido do ora recorrente), e por recente Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 18.02.2025, Proc. n.° 29/2024, o mesmo veio a ser condenado pela prática do crime de “chefia de associação ou sociedade secreta”, p. e p. pelos art°s 1°, n.° 1, e 2°, n.° 3 e 5 da Lei n.° 6/97/M, (cfr., www.court.gov.mo), pelo que, como se vê, nenhum mérito se pode igualmente reconhecer a esta parte do presente recurso.
–– Quanto ao “erro na aplicação da Lei”.
Aqui, (nas suas conclusões), diz o ora recorrente o que segue:
“c) Analisando a acórdão do TUI com o n° 104/2021 invocado no despacho recorrido, verifica-se que, enquanto os arguidos A e B foram condenados pelo crime de “fundação ou promoção” e “chefia” de uma associação criminosa (n°s 1 e 3 do art.° 288° do C.P.); as arguidas C e D foram condenadas pelo crime de “participação” ou “apoio” de uma “associação criminosa” (n°s 1 e 2 do citado art.° 288°).
Está feito o escopo da “associação criminosa” deste processo: uns arguidos fundaram e chefiaram o grupo; outros, nele participaram.
d) Regressemos agora ao nosso caso subjudice, onde se refere que: “(…),應足以視嫌犯甲也已有觸犯了一項第6/97/M法律第1條第1款和第2條第2款所規定懲處的參加黑社會罪的強烈犯罪跡象。”
(a tradução verbal foi feita ao signatário por C).
Temos, assim, que na óptica do despacho em apreço, há fortes indícios que demonstram que o arguido recorrente “participou” (參加) numa “associação criminosa” cujo o crime é previsto e punido pelos art.° 1°, n° 1 e art.° 2°, n° 2 da Lei n° 6/97/M.
e) O arguido recorrente, então, na letra da lei e do despacho em apreço, “fez parte” de “uma associação ou sociedade secreta” ou “apoiou-a”.
Sem que, contudo, se identifique a “associação ou sociedade secreta”; nem quem a “fundou” ou “chefiou”; mas apenas que – como resultante de dois documentos Excel patentes no computador do arguido recorrente – se verifica alegadamente uma conjugação de esforços entre este e o arguido B (乙) para a prática dos crimes p. e p. pelos art.° 337°, n° 1 (“corrupção passiva para acto ilícito”) e 333°, n° 1 (“prevaricação”), ambos do Cód. Penal.
f) Convenhamos, M°s Juízes, que é pouco.
Muito pouco, diremos nós, para um crime assumidamente tão grave.
É que, conquanto se não diga em que termos é que o arguido recorrente “participou”, entre 2007 e 2014, numa “associação criminosa” – nesta, segundo parece, também “participou” o arguido B (乙) – afigura-se ao arguido recorrente que a esta pretensa (ou alegada) “associação criminosa” faltam manifestamente os respectivos elementos essenciais constitutivos de uma associação criminosa.
g) A doutrina sobre este crime é praticamente pacífica, no sentido de que uma associação, grupo ou organização deste tipo é uma realidade substantiva que se realiza através de um “grupo de pessoas”; com uma “estrutura de comando”; uma “vontade colectiva” – e não um mero conjunto de vontades individuais dos membros do grupo –; um “sentimento comum de ligação” à associação por parte dos seus membros; uma certa “estabilidade”; e a “finalidade criminosa”.
h) O membro de uma associação criminosa integra-a e disponibiliza-se para a actividade criminosa que o grupo se propõe realizar.
Esta disponibilidade do membro do grupo implica uma subordinação individual à vontade colectiva e é precisamente esta subordinação individual à vontade colectiva, a todo o tempo e em qualquer lugar, que reflecte a especial perigosidade de uma “associação criminosa”, no sentido de que estas associações atentam contra a “paz pública”, precisamente o bem jurídico que se visa proteger pela tipificação do crime em causa.
i) O que se pretende com o crime de “associação criminosa” é o sancionamento criminal destas associações perigosas que se dedicam à prática de crimes (como por ex., furto, roubo, lenocínio, contrabando, tráfico de droga, tráfico de pessoas etc.), crimes estes que ofendem gravemente a vida em sociedade; ou seja, a “paz pública” e não, com o devido respeito, os referidos crimes da dita associação por que o arguido se mostra, nos termos do despacho recorrido, “fortemente indiciado”.
j) Há de facto que distinguir uma “associação criminosa” daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa.
É aquela especial perigosidade, o que sobressai de uma “associação criminosa”, quando comparada com a comparticipação.
É esta perigosidade (em termos sociais) das associações criminosas – para a prática dos crimes que, a título de exemplo, acima se elencaram – de que resulta a grande diferença entre um crime cometido por uma “associação criminosa” e pelo mesmo crime cometido em comparticipação.
k) Num crime tão complexo – e, por vezes, tão mal tratado pela jurisprudência que, seguindo uma inconcebível estratégia do Ministério Público, confunde uma organização estável para o cometimento de crimes, com o cometimento destes crimes em “conjunto improvisado” – entende o arguido recorrente que ficou por demonstrar, por um lado, a existência de um grupo de pessoas para a prática de crimes (no míninio, três!) e, por outro lado (muito menos!), aquele aumento do perigo para a sociedade e o dolo intenso de quem individualmente aceita fazer parte desse grupo, bem sabendo que esse grupo se vai dedicar à prática de crimes.
l) O crime de “associação criminosa” surge, assim, como uma defesa da sociedade perante tais organizações criminosas, exactamente porque são perigosas e supraindividuais, carecendo o cidadão comum de uma maior protecção.
Ora, Mºs Juízes, não é este o crime por que está indiciado o arguido recorrente, seja ele qual for.
m) Por outro lado, no tocante à alegada forte indiciação da prática do crime de “associação criminosa”, p. e p. pelo Lei n° 6/97/M, por parte do arguido recorrente, não obstante a falta de concretização por parte do despacho recorrido daqueles elementos constitutivos (de uma qualquer “associação criminosa” composta, espante-se, apenas por 2 pessoas ...); a verdade é que este mesmo despacho não faz qualquer alusão quanto à opção pela citada lei, em detrimento do crime p. e p. pelo art.° 288° do Cód. Penal.
n) Não é que, para a esperada procedência deste recurso, tal opção seja de realçar, mas convenhamos que, no mínimo, estaremos perante uma manifesta falta de fundamentação, sendo hoje praticamente unânime a jurisprudência da R.A.E.M., no sentido de que as disposições do art.° 288° do Cód. Penal e as da Lei n° 6/97/M estão ambas em vigor.
o) O propósito da Lei n° 6/97/M era, num determinado momento social hostil de Macau, o combate às “sociedades secretas” (que não meramente “associações criminosas”) porque aquelas, nesse período, atentariam contra interesses sociais e que as mesmas deveriam ser mais severamente punidas do que aqueloutras do Cód. Penal.
p) E, para respaldar esta afirmação, veja-se que, com a aprovação da Lei n° 6/97/M, foi revogada a Lei n° 1/78/M, aquela que precisamente e até então punia as “sociedades secretas” (“Hác Sé Vui” 黑社會) que atentariam contra “a defesa da liberdade, segurança, tranquilidade e bens dos cidadãos”, isto é, interesses predominantemente sociais.
q) Aqui chegados e, perdoar-se-á ao signatário a franqueza da expressão, afigura-se “quase rídiculo” que, um advogado e um procurador “tenham participado” – vá-se lá saber como, quando e em que circunstâncias – numa “associação ou sociedade secreta” (é esta a expressão da lei alegadamente violada!) que visaria a “obtenção de lucros ilícitos”, pela prática dos supra referidos crimes (“corrupção passiva” e “prevaricação”), que, quanto mais não seja, não fazem parte de listagem constante do art.° 1°, n° 1 da citada lei; não podendo esta, por violação de lei, constar do despacho em apreço.
r) Repare-se, aliás, que o despacho é muito evasivo quanto à forma em que os dois arguidos – alegadamente os membros de uma “associação criminosa” – colaboraram entre si.
s) Os crimes dessa alegada “associação”, já sabemos (bem ou mal) quais os que alegadamente são.
Como, quando, que valores estariam envolvidos e se os alegados crimes já estarão prescritos, fica-se por saber.
Mas a alegada “associação criminosa” – essa nas palavras do despacho recorrido – teve elevados lucros ilícitos.
t) Afigura-se, por isso, ao recorrente, com o devido respeito, que o despacho em apreço é muito parco em palavras e meramente conclusivo, não permitindo o respectivo exercício do contraditório.
Sabe-se, por outro lado, que o arguido B (乙) foi já condenado noutro processo por crimes cometidos no exercício de funções públicas.
Mas, nesse outro processo, foi absolvido do crime de “associação criminosa”, exactamente porque se entendeu que a actividade de cada um desses outros arguidos não caberia no âmbito de uma “associação criminosa”, em termos que não deixam dúvidas quanto à não prática desse crime (Acórdão proferido no processo n° 639/2023, datado de 16/01/2024).
u) Admitamos sem conceder, por mera hipótese académica, que o arguido recorrente terá praticado crimes de “corrupção activa”.
Quem será então a autor dos correspondentes crimes de “corrupção passiva”?
Poderá ser o arguido B (乙)?
Então, nesta hipótese académica, inexistiria uma actuação concertada entre ambos os arguidos: um “pagaria”; outro “receberia” ...
Nesta situação – reitera-se, meramente hipotética – seria impossível concretizar uma associação, como a do despacho recorrido, em que, no seio da sua actividade – visando, como se diz, “a obtenção de lucros ilícitos” – uns “recebem” da associação e outros “pagam” para associação.
E repare-se que, como se tem vindo dizer, estar-se-á, na óptica do despacho recorrido, na presença de uma associação de apenas dois membros.
v) Agora, admitamos o contrário, sempre por mera hipótese académica, que o arguido recorrente e o B (乙) terão cooperado numa actividade corruptiva do lado passivo.
É isso que, inexplicável e alegadamente, diz o despacho recorrido.
Então, nesta hipótese académica, quem é o corruptor activo?
w) M°s Juízes, a posição persistente do Ministério Público da R.A.E.M. de que, sempre que indiciariamente há um crime perpetrado por mais do que uma pessoa, se estará perante uma “associação criminosa” é (tem sido) uma ficção processual, condenada ao insucesso.
Uma “associação criminosa”, na previsão das normas que a punem, é muito mais do que um conjunto de pessoas.
Muito menos ... apenas duas!
Pretende-se, por isso, uma correcção da situação em apreço, porquanto, com o devido respeito, o despacho recorrido está ferido do vício de “erro na aplicação da lei”.
Mas há mais, quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder”; (cfr., concl. c a w).
Ora, como resulta do que se deixou transcrito, é o recorrente de opinião que “inexistem os necessários fortes indícios” da sua prática do crime de “associação ou sociedade secreta”, pois que considera que – suficientemente – demonstrados não estão os seus respectivos “elementos típicos”, alegando ainda que a decisão (em sentido contrário) do Tribunal a quo padece de uma “manifesta falta de fundamentação”.
Como atrás já se deixou adiantado, não se mostra de reconhecer razão ao ora recorrente.
Vejamos.
Durante o processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei n.° 6/97/M, emitiu a então “Comissão de Administração, Educação e Segurança” da Assembleia Legislativa de Macau o Parecer n.° 5/97, datado de 04.07.1997, onde se consignou que:
“(…)
5. O artigo 1.º que caracteriza a associação ou sociedade secreta, volta a figurar no início do diploma, à semelhança do critério seguido na elaboração da lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, por se entender aconselhável avançar com a definição, para seguidamente se penalizar a actividade criminosa prosseguida por estas organizações, consubstanciada na congregação dos elementos essenciais constitutivos do "crime de associação ou sociedade secreta".
5.1. A definição adoptada resulta de sucessiva depuração dos elementos típicos considerados prescindíveis, numa tentativa de simplificar a aplicação desta norma que, em anteriores versões, se considerou susceptível de criar dificuldades na prova do preenchimento, ainda que alternativo, de alguns requisitos.
5.2. A definição de associação ou sociedade secreta, foi uma das questões mais complicadas com que a Comissão se debateu, desde logo por se poder questionar, face ao artigo 288.º, do CP que prevê as organizações criminosas, da sua oportunidade.
5.3. Com efeito, se do ponto de vista sociológico parece evidente a distinção entre as organizações criminosas em geral e as associações secretas que se pretende tratar nesta lei, enquanto figuras próprias desta zona do globo, já no plano teórico científico, analisando os dois preceitos, é difícil fazer tal distinção.
5.4. Suscitaram-se ainda dúvidas sobre a eventual fragilidade da fronteira entre esta situação e a simples comparticipação ocasional, fazendo pesar numa correcta formulação da definição de associação ou sociedade secreta, os traços que permitam distinguir esta figura, das que lhe são de alguma forma próximas.
5.5. Temia-se, nomeadamente que perante dificuldades de prova no preenchimento dos elementos típicos deste crime, se caísse na definição geral do art.º 288.º do CP, não se aplicando o normativo especial desta lei.
5.6. A importância simbólica desta distinção, mormente quando se atravessa uma fase de maior exteriorização das actividades das associações secretas, aconselha, contudo, a manutenção de um tratamento diferenciado desta matéria, procurando caracterizar estas associações, na senda da definição expressa no artigo 288.º do CP, através da descrição típica dos seus elementos essenciais: 1) existência de "um grupo constituído por duas ou mais pessoas", o que, pressupondo uma estrutura organizatória e uma estabilidade, não impõe um modelo organizatório, nem exige mais do que o propósito de manter essa estabilidade; 2) "cuja existência se manifeste por acordo ou convenção ou outros meios" realçando-se que, apesar de ser característico das associações secretas o uso de determinados rituais e a utilização de símbolos, a formulação das formas de manifestação da existência da associação, é deliberadamente vaga e aberta, tendo em vista facilitar a sua prova; 3) "e que pratiquem cumulativamente ou não, designadamente os seguintes ilícitos (…)", sendo certo que o crime de associação secreta se consuma independente do começo de execução de qualquer dos delitos que se propôs levar a cabo, desde que tenha sido organizada com esse propósito
(…)”.
Sobre os elementos típicos do aludido crime de “associação ou sociedade secreta”, também este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de se pronunciar.
Assim, em sede do Acórdão de 21.02.2003, Proc. n.° 22/2002, e no seu sumário, consignou-se que:
“A finalidade de se dedicar a uma actividade criminosa e a permanência desta intenção distingue o crime de associação ou sociedade secreta da comparticipação, esta como simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto e é apenas uma causa de extensão de autoria singular e, em alguns casos, como agravante modificativa.
Haverá associação criminosa sempre que se configure uma união de vontades, ainda que sem organização ou acordo prévio, com o propósito de, estável e de modo mais ou menos duradouro, se praticarem actos criminosos de certo tipo, ficando assim naturalmente arredado do conceito o mero ajuntamento, ou seja, a simples reunião acidental e precária de pessoas, que sem a mínima estabilidade associativa e sedimentação, praticam uma ou mais acções criminosas.
Com o crime de associação criminosa previsto no art.° 288.° do Código Penal como crime-base, coexistia o crime de associação de malfeitores da antiga Lei n.° 1/78/M, a que sucede o actual crime de associação ou sociedade secreta previsto na Lei n.° 6/97/M como tipo específico destinado a combater as associações criminosas típicas locais.
Para a integração do crime de associação ou sociedade secreta, torna-se necessário apurar se por acordo ou convenção ou outros meios, nomeadamente pela prática de determinados crimes, foi criada uma organização destinada a obter vantagens ou benefícios ilícitos, o que representa uma menor rigidez na demonstração dos seus elementos típicos ao consagrar as presunções legais, admitindo sempre a prova em contrário”; (cfr., também, sobre o tema, os Acs. do então Tribunal Superior de Justiça de 22.01.1997, Proc. n.° 591 em Jurisprudência, 1997, tomo 1, pág. 73 a 75; de 27.07.1998, Proc. n.° 882 em Jurisprudência, 1998, tomo 2, pág. 351 e 352; de 04.11.1998, Proc. n.° 934 em Jurisprudência, 1998, tomo 2, pág. 635 a 637; e de 29.09.1999, Proc. n.° 1212 em Jurisprudência, 1999, tomo 2, pág. 606 a 607).
Mais recentemente, (em sede do Ac. de 30.07.2021, Proc. n.° 104/2021, também citado na decisão agora recorrida), e ponderando sobre o dito crime, seus “elementos típicos” e “distinção com a figura da comparticipação” e do crime de “associação ou sociedade secreta”, (p. e p. na Lei n.° 6/97/M), considerou-se também que:
“Em termos gerais, são três os elementos essenciais constitutivos da associação criminosa:
- o elemento organizativo: uma recíproca conjugação de vontades, em que os elementos integrantes dão a sua adesão expressa ou tácita com vista à finalidade colectiva, ainda que esses elementos nunca se tenham encontrado nem se conheçam;
- o elemento de estabilidade associativa: a intenção de manter, no tempo, uma actividade criminosa estável, mesmo que concretamente assim não venha a acontecer;
- o elemento da finalidade criminosa: a conjugação de vontades visando a obtenção de vantagens ilícitas ou a prática de crimes perfeitamente identificados na lei.
Daqui resulta, pois, que haverá associação criminosa sempre que se configure uma união de vontades, ainda que sem organização ou acordo prévio, com o propósito de, estável e de modo mais ou menos duradouro, se praticarem actos criminosos de certo tipo, ficando assim naturalmente arredado do conceito o mero ajuntamento, ou seja, a simples reunião acidental e precária de pessoas, que sem a mínima estabilidade associativa e sedimentação, praticam uma ou mais acções criminosas, (cfr., v.g., Leal-Henriques e Simas Santos in, “Código Penal de Macau”, 1996, pág. 847 e 848 e o Acórdão do antigo Tribunal Superior de Justiça de 27.07.1998, Proc. n.° 882 em Jurisprudência, 1998, Tomo II, pág. 351), (…)”.
Nesta conformidade, e atento o exposto, justifica-se, (antes de mais), aqui salientar a “origem” (e “razão”) dos presentes autos de Inquérito.
E, assim, e em apertada síntese, mostra-se de consignar que no âmbito da investigação levada a cabo em sede dos Autos de Inquérito no Ministério Público registado com o n.° 1219/2023 quanto à eventual prática por um grupo de pessoas – do qual fazia nomeadamente parte um Procurador Adjunto do Ministério Público, (exactamente, o atrás já aludido “co-arguido” do ora recorrente), uma advogada e outras pessoas – pela sua indiciada prática dos crimes de “associação ou sociedade secreta”, “corrupção passiva para acto ilícito” e outros, e cuja conduta consistia, essencialmente, na sua intervenção, planeada, conjunta organizada, e com divisão de tarefas em processos de natureza criminal que corriam termos no Ministério Público para, a troco de quantias pecuniárias que recebiam, beneficiar, de forma ilícita, os seus arguidos através de “arranjos” que davam lugar a indevidos despachos de entrega de material e valores apreendidos e de arquivamento dos autos, e considerando o volume e a extensão da matéria objecto de investigação, (já que se tratava de uma conduta levada a cabo por um período de “vários anos”), ordenou-se, para efeitos de se assegurar uma maior conveniência e celeridade processual no procedimento criminal dos factos entretanto já apurados, a extracção de certidões dos autos para, com elas, se instaurar um outro processo, (autónomo), de forma a permitir que a investigação sobre tal matéria pudesse prosseguir para cabal apuramento dos factos, vindo-se assim a instaurar – inicialmente, o Inquérito n.° 7223/2023, e posteriormente – o presente Inquérito n.° 11477/2023, onde, no âmbito das diligências de investigação encetadas e do material probatório recolhido, se constatou existirem indícios de que outros idênticos factos aos apurados no referido Inquérito n.° 1219/2023 terão ocorrido em outros processos de investigação que igualmente corriam termos no Ministério Público, nos quais, com a intervenção também planeada, organizada, reiterada e prolongada no tempo, do aludido Procurador Adjunto do Ministério Público e, (nomeadamente), do ora recorrente como advogado, se negociaram igualmente “arranjos” com os seus arguidos para, a troco de vantagens patrimoniais que recebiam, assegurar-se a produção de decisões (forjadas) que acabavam no (ilegal) favorecimento destes, ou na (indevida) extinção dos respectivos procedimentos criminais.
Nesta conformidade, e em face das circunstâncias processuais no momento existentes, em 12.09.2024, determinou-se, (após a tramitação processual adequada), a aplicação ao ora recorrente das medidas de coacção de pagamento de caução no valor de MOP$1.000.000,00, apresentação mensal no C.C.A.C., proibição de ausência da R.A.E.M. e de contactos, assim como de suspensão do exercício da profissão de advogado; (cfr., fls. 1158 a 1160 do processo principal).
E, no prosseguimento das investigações e da análise do material (probatório) entretanto apreendido, veio o Ministério Público a entender que os mesmos (já) revelavam existir (igualmente) fortes indícios da prática do crime de “associação ou sociedade secreta”, e, assim, sob a sua promoção, e após novo interrogatório judicial (efectuado em 23.11.2024), proferiu-se o despacho objecto do presente recurso que, como se viu, ao ora recorrente impôs a medida de coacção de prisão preventiva.
Ora, isto dito, e considerando que a pelo ora recorrente (também) invocada “decisão de absolvição” do seu aludido co-arguido da prática do crime de “associação ou sociedade secreta” foi invertida pelo recente Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 18.02.2025, (Proc. n.° 29/2024), no qual, foram outros dois arguidos destes autos também condenados pelo mesmo crime, muito não se mostra necessário aqui acrescentar.
Com efeito, (e ressalvando-se – sempre – o muito devido respeito, e reconhecendo-se o esforço argumentativo), impõe-se pois dizer que a perspectiva pelo ora recorrente apresentada não se afigura acertada dado que nela não se ponderou a “totalidade da situação em causa”, parecendo antes assentar numa análise “parcial” de “toda a factualidade relevante” que, (como se crê ter se deixado explicitado, e constituindo “matéria” objecto de dois Inquéritos), não se apresenta tão linear ou simples.
Admite-se, também, que a decisão recorrida poderia ser mais “exaustiva”, (e, quiçá, mais “espectacular” ou “requintada”), incluindo uma “parte” onde os “factos indiciados” e imputados ao ora recorrente e seus “elementos probatórios” estivessem, claramente, expostos, (e, de preferência, “um a um”), efectuando-se, seguidamente, o seu (fundamentado) enquadramento jurídico-penal.
Diríamos mesmo que, na “devida proporção das coisas”, era até mesmo “desejável”.
Porém, e em nossa modesta opinião, não se pode exagerar em “exigências de (mera) forma”, em prejuízo do que, (em boa verdade, e), em resultado de uma atenta “análise global”, efetivamente consta dos presentes autos e do teor da decisão recorrida.
Não se pode (igualmente) olvidar que os Tribunais não são Academias ou Faculdades de Direito, que as decisões judiciais também não pretendem – nem devem – ser manuais ou teses de doutoramento, e que, aos Magistrados, como (meros) aplicadores do Direito, não se pode (ou deve) exigir que se transformem em génios permanentemente inspirados, e que as decisões que profiram sejam autênticas “obras de arte”…
As decisões judiciais devem ser claras, objectivas e fundamentadas de “facto” e de “direito”, e, obviamente, auto-suficientes, no sentido de, sem recurso a outras peças processuais, delas se poder extrair e alcançar o que de essencial e relevante processado foi, assim como as razões de facto e de direito da solução a que se chegou.
E, como se deixou adiantado, admite-se que a decisão recorrida e agora em questão – como aliás, cremos que qualquer uma, e assim, obviamente, também esta – podia ser objecto de “melhoramento” e de “aprimoramento”.
Porém, inegável nos parece que na mesma se fez constar – ainda que de forma sintética, mas bastante e suficiente – as “razões” de “facto” e de “direito” da ao ora recorrente decreta da prisão preventiva.
E, tanto assim é que, o próprio recorrente, alcançando-a (plenamente), mas dela discordando, da mesma vem recorrer, alegando, em conclusões, o que se deixou transcrito, o que, não deixa de demonstrar que captou, clara e perfeitamente, a “fundamentação” que na mesma se expôs, mas que, mesmo assim, considera não existir.
Na verdade, (e seja-nos permitido repetir), atente-se que na decisão ora recorrida não se deixou de explicitar, expressamente, que:
“(…) de acordo com os ficheiros electrónicos denominados “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, descobertos pelo CCAC no computador do arguido A, nos quais se encontram registadas as informações de diversos casos durante o período de 2007 a 2014, tais como os honorários, nome de clientes, natureza de processo, situação de pagamento de honorários, comissão de intermediação e intermediários, etc., em conjugação com a análise do conteúdo do “[Ficheiro(3)]”, elaborado pelo arguido B próprio, nota-se que, em vários casos envolvidos, para além de honorários, o arguido A cobrou quantias incertas em montante consideravelmente superior a honorários, as quais foram registadas na respectiva coluna da comissão de intermediação em “[Ficheiro(1)]” e “[Ficheiro(2)]”, umas delas foram registadas como “adiantamento”, “administração” e “processo administrativo”, e umas até como pagamento a “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)”, tais designações estão completamente conformes às alcunhas de “Pang Iao (amigo)” e “Hou Pang Iao (bom amigo)” que A estava habituado a usar para representar B no calendário do seu telemóvel e conversas com clientes via SMS/wechat.
Pelo que, entendo existentes fortes indícios do exercício, por parte dos arguidos B e A, em diversos processos de inquérito penal, de actividades ilícitas que beneficiaram os investigados, tais como prestação de auxílios aos investigados para dispensa de acusação criminal, restituição ilícita de quantias ou outros objectos de valor apreendidos, revelação de informações sujeitas ao secreto de justiça penal ou indivulgáveis, cobrando e tendo cobrado, dessa maneira, interesses pecuniários entregues por esses indivíduos (no meu despacho de aplicação da medida de coacção de 12 de Setembro de 2024, já sustentei que havia fortes indícios da prática conjunta, pelos arguidos B e A, da forma consumada e dolosa e não por uma vez só, pelo menos do crime de corrupção passiva para acto ilícito, punido pelos art.ºs 337.º n.º 1, 25.º e 27.º do Código Penal, e do crime de prevaricação, punido pelos art.ºs 333.º n.º 1, 25.º e 27.º do Código Penal).
Importa salientar que, a confrontação com sucesso entre os dois ficheiros electrónicos referidos de [Ficheiro(1)], descobertos ultimamente pelo CCAC, e o teor do “[Ficheiro(3)]”, elaborado pelo arguido B próprio, em conjugação com o conteúdo de várias mensagens de telemóvel e conversas via wechat em causa, resultou em novo progresso relevante no inquérito do caso.
Entre as referidas actividades ilícitas, designáveis simplesmente por resolução de caso, está prescrito o procedimento criminal para umas e ainda não para imensas, em que se revela a prática por eles da actividade de resolução de caso não só por uma, duas ou múltiplas vezes, mas sim numerosas, durante vários anos, recebendo assim interesses pecuniários prestados pelos investigados.
Nesta conformidade, face às referidas circunstâncias apuradas em relação a fortes indícios e em harmonia com a jurisprudência do Douto TUI nos dois acórdãos supracitados, demonstra-se suficientemente a existência de fortes indícios do cometimento pelo arguido A dum crime de participação em associação ou sociedade secreta, p. e p. pelos art.º 1.º n.º 1 e art.º 2.º n.º 2 da Lei n.º 6/97/M.
(…)”; (cfr., fls. 94 a 94-v e 18 e 20 do Apenso).
Dir-se-á – como faz o ora recorrente – que é “curto”.
Ora, com todo o respeito, e como se referiu, admite-se que podia ser mais “generosa”.
Porém, em nossa modesta opinião, cremos que claros e suficientemente explicitados estão os motivos de “facto” e de “direito” que levaram à decisão ora recorrida.
E, como já se deixou exposto, uma (eventual) “discordância” não constitui “falta de fundamentação”.
Continuemos.
–– Da “violação do princípio da adaptação e proporcionalidade”.
Aqui diz o arguido recorrente que:
“hh) Entendeu o Tribunal “a quo”, que, não obstante as medidas de coacção que foram impostas ao arguido recorrente em 12/09/2024, nesta fase, se deveria aplicar a prisão preventiva porquanto, e apenas por isso, pela gravidade do crime de associação criminosa da Lei n° 6/97/M, é altamente provável que ao arguido, em julgamento, seja aplicada uma pena de prisão efectiva.
ii) E assim, de uma penada – e sem que ao arguido fosse dada a hipótese de contraditar os factos que, na óptica do Tribunal “a quo”, constituem os “fortes indícios” da prática dos crimes referidos no despacho – aplica-se-lhe a prisão preventiva, nos termos da alínea c) do art.° 188° do C.P.P., ou seja, “o perigo da perturbação da ordem ou tranquilidade públicas”, tendo em conta as “circunstâncias do crime e a personalidade do arguido”.
jj) Isto é, por outras palavras, se o arguido permanecesse em liberdade – até porque alegadamente dever-lhe-á ser aplicada uma pena de prisão efectiva (antecipando-se já, em “julgamento sumário” uma sentença condenatória ...) – “a ordem e a tranquilidade públicas” da R.A.E.M. seriam “perturbadas”.
Nada mais descabido, com o devido respeito.
De facto,
kk) Importa ter presente que tal “requisito” (de aplicação de uma medida de coacção) só poderá advir das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido.
M°s Juízes, usa-se e abusa-se deste requisito na jurisprudência da R.A.E.M., talvez porque, tal a sua subjectividade, aparentemente difícil será contraditá-lo.
Bastará, assim, alegá-lo, para que o mesmo proceda.
Mas assim não será ou, pelo menos, não deveria ser.
ll) Diríamos que este requisito – reportando-nos agora aos presentes autos e ao despacho recorrido – só ocorreria se a sociedade em geral, perante a libertação do arguido, lançasse o labéu do descrédito da sociedade em geral e nas respectivas instâncias indicias.
O que, convenhamos, não foi o caso.
Aliás, bem pelo contrário, face à personalidade do arguido recorrente, “chocará”, isso sim, a sua prisão preventiva, mas nunca a sua libertação.
mm) Por isso, não tem o arguido o menor pejo em afirmar que a sua libertação, por que ora se pugna, longe de provocar “alarme social” será, antes de mais, motivo de satisfação da comunidade (e não só dos advogados em geral) em que ele, o arguido, está há muito inserido.
nn) Afigura-se, por isso, ao arguido que o despacho recorrido, com o devido respeito, errou por defeito, porque não referiu em que termos é que a conduta do arguido recorrente causa danos à R.A.E.M. – alegadamente “perturbando a ordem e tranquilidade públicas” – quedando-se por uma vaga e imprecisa afirmação.
oo) Finalmente, a afirmação do despacho recorrido de que “é altamente provável que o arguido seja condenado a uma pena de prisão efectiva”.
Isto é, para o Tribunal “a quo” os factos estão já fortemente indiciados; de nada valerá contraditá-los; já que, como diz o despacho recorrido, não obstante a fase processual, os “secretos” elementos de prova existentes nos autos revelam uma convicção indubitável de que os crimes se verificaram e de que os arguidos, mormente o arguido recorrente, irão ser condenados em prisão efectiva.
Tudo conjugado, a prisão preventiva, face a esta alegada forte indiciação, será, na óptica do Tribunal “a quo”, um “adiantamento” da prisão efectiva.
pp) De nada valerá questionar a validade de tão, salvo o devido respeito, descabida afirmação, violadora dos mais elementares princípios do processo penal, o da “presunção de inocência” e o do “contraditório”.
Ora,
qq) Nesta fase processual, inexistem factos concretos que consubstanciem uma acusação; logo, aos arguidos, mormente ao recorrente, não lhes pode ser vedada a concretização daqueles dois princípios básicos, nomeadamente, afirmando-se, como o faz o despacho recorrido, que é alta a probabilidade de lhes ser aplicada uma pena de prisão efectiva.
E, com base nesta afirmação, aplicou o Tribunal “a quo” ao arguido recorrente uma medida de coacção privativa de liberdade.
Sobretudo o princípio da “presunção de inocência” está ligado à liberdade individual, proibindo quaisquer medidas cautelares, em antecipação de pena, com base no rótulo de culpado.
Todo e qualquer arguido merece a presunção de inocência ao longo de todo o processo.
rr) Ao que acresce, sem margem para dúvidas, que a alegada “alta probabilidade de condenação em pena efectiva”, invocada no despacho recorrido como um dos fundamentos da prisão preventiva não faz parte do elenco dos requisitos gerais das medidas de coacção.
ss) Não poderia, pois, o Tribunal “a quo” invocar tal juízo de valor como um dos fundamentos (ou requisitos) da prisão preventiva aplicada ao arguido recorrente.
tt) Com o devido respeito, bem teria andado o Tribunal “a quo” se, ao invés de aplicar ao arguido recorrente a medida de coacção mais gravosa, mantivesse as medidas de coacção aplicadas em 12/09/2024.
O processo prosseguiria, a investigação não sofreria os sobressaltos de prazos mais apertados e o arguido recorrente manter-se-ia em liberdade – e à ordem do processo – já que inexiste o “receio de fuga” e da “perturbação do processo”
uu) As medidas anteriormente aplicadas, o que se admite sem conceder, poderiam preencher os requisitos da sua aplicação; e estariam eventualmente em conformidade com o princípio da adequação e proporcionalidade.
A prisão preventiva, M°s Juízes, como se tem vindo a referir, definitivamente não.
(…)”; (cfr., concl. hh a uu).
Pois bem, como este Tribunal de Última Instância já teve oportunidade de considerar:
“O “princípio da adequação” exige que qualquer medida de coacção a aplicar a um arguido seja idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso e, por isso, há-de ser escolhida em função da cautela, da finalidade a que se destina.
Por sua vez, impõe o “princípio da proporcionalidade” que a medida deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime ou crimes indiciados no processo”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.U.I. de 08.11.2023, Proc. n.° 92/2023).
Na verdade, nenhuma medida de coação pode ser aplicada se, em concreto, e como já se referiu, não se verificar: (a) fuga ou perigo de fuga, (b) ou perigo de perturbação do inquérito, (c) ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
A ponderação a fazer em sede da aplicação de qualquer medida de coacção tem de ter sempre por base um juízo sobre os elementos que os autos fornecem e que indiciam, de modo suficiente, uma actuação do arguido que integre a prática de um crime.
Porém, e como se nos apresenta evidente, não se trata de um “juízo definitivo”, mas antes de um juízo efetuado em função dos concretos elementos que, no momento, existem no processo, e que poderão ser confirmados ou infirmados por novos elementos que surjam no decurso do inquérito e que culminará com a acusação, caso dos mesmos resultem uma “possibilidade razoável” de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
E, assim, essa “análise”, a efectuar quanto à existência e suficiência da “prova indiciária”, não poderá deixar de ser efectuada de acordo com as “regras da experiência” e da “livre convicção”.
Como igualmente consideram Gomes Canotilho e Vital Moreira, “o princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas, desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”; (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª ed., Coimbra, 2007, pág. 392 a 393).
Por sua vez, e como também nota Germano Marques da Silva, “os princípios da adequação e proporcionalidade encontram consagração expressa no artigo 193.º, segundo os quais o juiz, quando considere necessário aplicar ao arguido uma medida de coação deve aplicar-lhe, de entre as legalmente admissíveis, a que julgue idónea para salvaguardar as exigências cautelares que o caso requerer, sempre que a medida escolhida seja proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Os princípios em causa não respeitam apenas ao momento inicial da aplicação de uma medida, mas também à sua alteração, uma vez que depois de aplicadas as medidas podem ser revogadas ou alteradas em função das necessidades processuais. (…)
A adequação da medida há de sê-lo qualitativa e quantitativamente. As medidas hão-de ser qualitativamente adequadas para alcançar os fins previstos no caso concreto, isto é, aptas pela sua própria natureza para o caso concreto realizarem o fim pretendido.
Uma medida de coação há de ser também quantitativamente adequada, isto é, a sua duração ou intensidade hão de ser exigidas pela própria finalidade que se pretende alcançar”; (in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 4ª ed., Verbo, 2008, pág. 302 a 303).
No caso dos autos, (e como cremos que atrás já se deixou explicitado), em causa está uma conduta que, de forma planeada, acordada, organizada e reiterada ao longo de vários anos, violou o princípio da “legalidade” e “imparcialidade” no exercício de funções públicas em sede de processos de Inquérito que corriam termos no Ministério Público da R.A.E.M., pondo em causa um dos valores mais fundamentais de qualquer sociedade que se quer minimamente organizada: a boa “Administração da Justiça”.
Nos termos do art. 29° da Lei n.° 6/97/M (onde no seu art. 2 se pune o crime de “associação ou sociedade secreta”):
“Se o crime imputado for um dos previstos nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 10.º e n.º 2 do artigo 13.º, o juiz deve aplicar ao arguido a medida de prisão preventiva”.
Nesta conformidade, em face do exposto, e considerando ainda que o ora recorrente, como advogado que é, é também certamente conhecedor das diligências de investigação que importa fazer, assim como dos elementos probatórios que interessa recolher e preservar, visto está que motivos não existiam, como não existem, para se decidir por uma não confirmação da decisão que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, pois que, em face da “natureza do caso concreto”, sua (extrema) “gravidade” e atentas às referidas “circunstâncias processuais”, apresenta-se-nos constituir medida “proporcional”, assim como a (mais) “adequada” a assegurar as necessidades cautelares que a situação em questão impõe.
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Uma derradeira nota se mostra de aqui consignar.
É a seguinte.
No dia 13 do corrente mês, juntou o ora recorrente expediente aos presentes autos, e dizendo que tinha sido notificado da acusação pelo Ministério Público entretanto deduzida (e que juntou), confessava-se estupefacto dado que, embora nela figurassem “4 arguidos”, (incluindo o seu já referido co-arguido B), tão só ele – o ora recorrente – se encontrava acusado da prática do crime de “associação ou sociedade secreta”, considerando assim que em causa estava uma “impensável figura jurídica”, e que demonstrada estava a sua (total) inocência relativamente a tal ilícito, pois que impossível era a existência de uma “associação criminosa” (constituída) com 1 só arguido; (cfr., fls. 156 a 157-v).
Ora, sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, mostra-se de consignar, desde já, que a prolação do aludido despacho de acusação, e mesmo a promoção aí efectuada no sentido da manutenção “estatuto processual” do ora recorrente, (em prisão preventiva), em nada prejudica a apreciação do presente recurso pelo mesmo trazido a este Tribunal de Última Instância, (pois que não o torna “inútil”), sendo também de se deixar aqui vincado que a presente lide recursória não tem como “objecto” o dito despacho de acusação, a esta Instância não cabendo conhecer e emitir pronúncia sobre a sua oportunidade ou mérito.
Como se mostra evidente, (e como se deixou adiantado), a esta Instância não cumpre emitir pronúncia sobre a forma (ou estratégia) pelo Ministério Público adoptada no “exercício da acção penal”, (cfr., art. 37° do C.P.P.M.), pois que, por Lei, “desempenha com independência as funções que lhe são atribuídas”; (cfr., art. 55, n.° 1 da Lei n.° 9/1999).
Por sua vez, não se pode olvidar que ao ora recorrente assistem meios processuais próprios e específicos para, querendo, reagir à aludida acusação, e assim deverá proceder se esta for a sua pretensão.
Contudo, e seja como for, tem-se por adequada a consideração que segue.
Pois bem, como se viu, em sede dos presentes autos de recurso, a este Tribunal de Última Instância trouxe o ora recorrente a “questão” da legalidade e adequação da medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi imposta.
A ela, cremos nós, deu-se a resposta que se nos parece a legalmente correcta, (e que atrás se deixou consignada), no sentido da confirmação da decisão recorrida.
E, como igualmente já se deixou exposto, não se pode pois olvidar que assim como os presentes “Autos de Recurso Penal” neste Tribunal de Última Instância registado com o n.° 11/2025 não deixam de ser um “Apenso” do Processo de Inquérito n.° 11477/2023 que corre termos no Ministério Público, (onde foi decretada a ora impugnada prisão preventiva do ora recorrente, e onde, entretanto, foi deduzida a aludida acusação), este mesmo Inquérito n.° 11477/2023, porque instaurado com base em certidões extraídas do (então) Inquérito n.° 1219/2023, não deixa de ser um processo deste “derivado”, onde, em bom rigor, se procede à “continuação da investigação” relativamente a factos que, embora (obviamente) diversos, (dizendo respeito a “arranjos” efectuados em sede de outros processos penais), estão intimamente ligados aos investigados no referido Inquérito, e que, em sede própria, findou com o referido Acórdão deste Tribunal de Última Instância de 18.02.2025, (Proc. n.° 29/2024).
Basta aliás ver que 3 dos arguidos deste processo, (e que como se referiu, foram condenados pelo crime em questão), figuram igualmente como arguidos na aludida acusação deduzida.
E, assim, cabe aqui consignar que, em nossa modesta opinião, com o expediente agora apresentado, uma vez mais volta o ora recorrente a encetar uma “apreciação parcial” da “situação” que em causa está, pois que, (como se referiu), importa ter bem presente a “conexão” existente entre a matéria dos presentes autos e a do então Inquérito n.° 1219/2023, assim como a decisão que já se proferiu sobre a dita matéria, não sendo de se perder de vista que na referida acusação entretanto deduzida se não deixou de explicitar e salientar esta mesma conexão – ou melhor, “associação” – crendo nós, precisamente, para se justificar as razões e sentido (do teor) do referido libelo acusatório; (cfr., v.g., e nomeadamente, os art°s 5°, 6°, 15°, e, em especial, o art. 339°).
Não se olvida, também, e por sua vez, que o Acórdão deste Tribunal de Última Instância proferido no mencionado Proc. n.° 29/2024, ainda “não transitou em julgado”.
Porém, não obstante tal circunstância, inegável se nos afigura que a decisão aí proferida, (atentas as suas razões e sentido), não deixa de constituir, mesmo assim, motivo naturalmente relevante e válido para a solução que, no presente momento processual destes autos se nos mostra de adoptar.
Assim, e nada mais havendo a apreciar, resta decidir como segue.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 UCs.
Registe e notifique.
Macau, aos 20 de Fevereiro de 2025
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Ho Wai Neng
Song Man Lei
Proc. 11/2025 Pág. 20
Proc. 11/2025 Pág. 21