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Processo nº 115/2024
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em sede da “acção especial de consignação em depósito” em que é requerente A (甲), e requerida B (乙), ambas com os sinais dos autos, proferiu o Tribunal Judicial de Base sentença datada de 26.07.2022 que, na parcial procedência do pedido, decidiu:

“1. A requerente tem direito a fazer o depósito discutido na presente causa e, embora o depósito seja válido, o seu valor é insuficiente;
2. Pelo exposto, é condenada a requerente a pagar à requerida um adicional de HKD4.421,42.
Custas a cargo da recorrente e requerida, na proporção de: 4.421,42/3.178.189,07 por aquela, e 3.173.767,65/3.178.189,07 por esta”; (cfr., fls. 248 a 252-v e 422 a 435 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, apreciando o recurso que do assim decidido interpôs a requerida, (B), proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 15.06.2023, (Proc. n.° 31/2023), e, negando também provimento a outros dois “recursos interlocutórios” da mesma recorrente, confirmou a referida sentença do Tribunal Judicial de Base; (cfr., fls. 733 a 817-v).

*

Seguidamente, após pela requerida ter sido interposto recurso do dito Acórdão, sua admissão, motivação e resposta, (cfr., fls. 841, 848 a 893 e 916 a 923), proferiu o Mmo Juiz Relator um despacho como qual, (e, nomeadamente), decidiu condenar a aludida recorrente por “litigância de má fé”; (cfr., fls. 935 a 937).

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Em apreciação da reclamação para a conferência do assim decidido, proferiu o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 11.03.2024, com o seguinte dispositivo:

“(…) indeferindo a reclamação apresentada, mantém-se o despacho recorrido de fls. 935 a 937v. e em consequência:
- Ordena-se a remessa dos autos à 1ª instância para efeitos de ser passada a guia para consignação em depósito à ordem dos autos, da quantia devida a calcular nos termos indicados a fls. 935/936, sem prejuízo da Recorrente se oferecer para receber o montante a que tem direito até que aquelas sejam emitidas.
- Pelo incidente descrito a fls. 936/937v. e supra transcrito, condena-se a Reclamante/Requerida/Recorrente B (乙) como litigante de má-fé na multa igual a 20UC´s.
Mantendo-se a condenação da Reclamante pelo incidente a fls. 936 sendo a taxa de justiça fixada em 3 Uc´s, vai também a Reclamante condenada nas custas desta Reclamação.
Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 969 a 975).

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Notificada do assim decidido, do mesmo apresentou a requerida novo recurso; (cfr., fls. 985 a 988).

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Conclusos os autos ao Exmo. Relator do Tribunal de Segunda Instância, proferiu o mesmo o seguinte despacho:

“Dado e elenco de recursos nestes autos, urge por bem fazer uma síntese:
Requerida por A a consignação em depósito da quantia de HKD3.173.767,65 a qual foi deferida e deduzida oposição a essa consignação em depósito por B por sentença proferida em 1ª instância em 26.07.2022 foi julgado válido o depósito mas de valor de insuficiente condenando-se a Requerente a pagar à Requerida a quantia de HKD4.421,42 – cf. fls. 248 a 252, traduzido a fls. 422 a 435 -.
Interposto recurso daquela decisão veio por este Tribunal de Segunda Instância a ser proferido Acórdão em 15.06.2023 confirmando a decisão proferida em 1ª instância nos seus precisos termos – cf. fls. 733 a 817 -.
Daquela decisão foi interposto recurso admitido por despacho de fls. 841, o qual ainda não teve oportunidade de subir.
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Deduzido um incidente pela Requerida em que pedia o levantamento da quantia depositada, vindo a desistir dessa pretensão foi proferido o despacho de fls. 911 a 912 com condenação em custas.
Na sequência daquele incidente vem a Requerida a ser condenada como litigante de má-fé pelo despacho de fls. 936/937.
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Pela Requerente invocando a recusa da Requerida em receber a quantia em cujo pagamento foi condenada de HKD4.421,42 foi requerida a emissão de guias para nova consignação em depósito desta quantia.
Na sequência desse pedido foi proferido o despacho de fls. 935/936 deferindo o requerido e ordenando a remessa dos autos à 1ª Instância para o efeito.
*
Destes dois últimos despachos a Recorrida reclamou para a conferência vindo os mesmos a ser confirmados pelo Acórdão de fls. 969 a 975, deferindo-se a consignação em depósito da quantia de HKD4.421,42 e sendo a Requerida condenada como litigante de má-fé.

Daquele Acórdão foi interposto recurso a fls. 985.
Quanto ao novo incidente de Consignação em depósito, o valor do mesmo é de HKD4.421,42.
Reza o nº 1 do artº 255º do CPC que o valor dos incidentes é o da causa se não tiver valor diverso.
Ora, a consignação em depósito é um incidente.
Mas no caso em apreço já vamos com dois incidentes de Consignação em Depósito:
- O Inicial com o valor de HKD3.173.767,65, e
- Este segundo de valor de HKD4.421,42.
Apesar de ser tudo sequência da uma mesma decisão proferida em acção declarativa, as causas de pedir de uma e de outra consignação em depósito são distintas e não se confundem.
Ou seja, este segundo pedido de consignação em depósito apesar de estar a ser tramitado nestes autos é um incidente da causa principal e separado deste.
Já no acórdão objecto do recurso e em que se deferia a consignação em depósito se ordenava a remessa à 1ª Instância para o efeito, o que agora, para que mais confusão não cause se deve ordenar que aconteça em separado.
Sendo o valor do depósito igual a HKD4.421,42 é este o valor do incidente.
Sendo aquele o valor do incidente, ainda que se aceitasse que o valor da alçada seria a da 1ª instância de MOP100.000,00 de acordo com o disposto no nº 1 do artº 18º da Lei nº 9/1999, face ao disposto no nº 1 do artº 583º do CPC não é aquela decisão recorrível.
Termos em que pelos fundamentos expostos não se admite o recurso interposto do despacho que deferiu a consignação em depósito do valor de HKD4.421,42.

Transitado este despacho autue em separado o Requerimento de fls. 915, 929 a 937, extraia e junte cópia de fls. 944 até este despacho inclusive e remeta à 1ª Instância para ser apenso aos autos principais e para os efeitos decididos no Acórdão de fls. 969 a 975 no que concerne à Consignação em Depósito.
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Do recurso interposto da condenação como litigante de má-fé, admite-se o recurso apresentado a fls. 985 a 988, traduzidos a fls. 993 a 1003 por ter sido tempestivamente interposto por quem tem legitimidade para o efeito, o qual sobe imediatamente nos próprios autos com efeito meramente devolutivo - artº 581º, 583º, 585º, 591º, 593º, 640º e 643º nº 1 todos do CPC -.

Notifique.
Macau, 07.05.2024.
(…)”; (cfr., fls. 1004 a 1006).

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Ainda inconformada, (em 23.05.2024), a dita requerida reclamou do segmento decisório que não lhe admitiu o recurso interposto do decidido relativamente à “consignação em depósito do valor de HKD$4.421,42”; (cfr., fls. 1036 a 1057).

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Oportunamente, por douto despacho do Exmo. Presidente deste Tribunal de Última Instância de 22.07.2024, foi a dita reclamação indeferida e confirmado o despacho reclamado; (cfr., fls. 1084 a 1087).

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Efectuada a distribuição dos presentes Autos de Recurso neste Tribunal de Última Instância, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Como – cremos – que resulta do que se deixou relatado, dois são os recursos que nestes autos importa apreciar e decidir.

O primeiro, do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.06.2023.

O segundo, do Acórdão do mesmo Tribunal de Segunda Instância de 11.03.2024.

2.1 Comecemos, (como se apresenta lógico), pelo primeiro, que tem como objecto o aludido Acórdão de 15.06.2023, com o qual, (como já se referiu), julgou o Tribunal de Segunda Instância improcedentes dois “recursos interlocutórios” e um “recurso da decisão final” do Tribunal Judicial de Base, todos, pela requerida interpostos.

Verificando-se que em questão coloca a recorrente “toda” a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatada, e sendo que o decidido nos ditos (dois) “recursos interlocutórios” pode influenciar a decisão final proferida e a proferir, importa assim apreciar o decidido em toda a sua extensão, ou seja, e desde logo, relativamente aos (dois) “recursos interlocutórios”, e, seguidamente, e se for o caso, o que diz respeito à “decisão final” do Tribunal Judicial de Base.

Nesta conformidade, e da análise e reflexão que sobre o pelo Tribunal Judicial de Base decidido, assim como sobre o que pela ora recorrente alegado vem, apresenta-se-nos claro e, em nossa opinião – perfeitamente – evidente, que nenhuma censura merece (todo) o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância, com o qual, em boa verdade confirmando as decisões então recorridas, adoptou a solução correcta e adequada para as pretensões e inconformismos da dita recorrente.

Para melhor se explicitar este nosso ponto de vista, útil se apresenta de aqui recordar desde já o que no dito aresto do Tribunal de Segunda Instância se ponderou e consignou.

–– Relativamente ao “1° recurso interlocutório”, tem o dito veredicto o teor seguinte:

“DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO I
Versa o presente recurso sobre a admissibilidade da testemunha C a depor como testemunha.
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«De acordo com o acórdão do TSI constante de fls. 1349 a 1360 dos autos principais, nos termos do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 925.º do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo deve conhecer, de forma incidental, a questão de saber se a consignação em deposito é valida.
Conforme a decisão proferida pelo TUI nos autos principais, foi apenas condenada a 1.ª Ré A a pagar à Autora a quantia e os respectivos juros nos autos principais.
Conforme fls. 1118 e 1120 dos autos principais, o depósito em questão foi apenas feito pela devedora em questão, A, e não por terceiro ou pelo 2.º Réu dos autos principais. No presente incidente, a requerida (ou seja, autora no processo principal) não só põe em causa se a consignação em depósito é suportada por fundamentos legítimos, mas também põe em causa o respectivo valor é suficiente. Daí pode-se ver que a questão a discutir no presente incidente é a de saber se uma dívida entre a autora e a 1ª Ré nos autos principais deve ser extinta com base na consignação em depósito válida. Considerando que o 2º Réu do processo principal não é um dos sujeitos da relação de dívida em causa, nem nunca tentou liquidar como terceiro a respectiva dívida para extinguir a mesma, mesmo do ponto de vista da legitimidade processual, o 2.º Réu do processo principal não tem qualquer legitimidade para participar no presente incidente.
De facto, caso a autora do processo principal propor a execução da obrigação pecuniária condenada pelo TUI numa outra acção executiva autónoma, o 2.º Réu também não tem legitimidade para ser o executado naquela acção executiva. Além disso, na hipótese de que a 1.ª Ré do processo principal optou inicialmente por tentar liquidar a dívida através de um outro processo de consignação em depósito totalmente independente, C também não tem legitimidade para ser um dos requerentes daquele processo de consignação.
Tendo em consideração todos os fundamentos acima referidos, uma vez que C não é uma das partes do presente incidente, o mesmo está qualificado para ser testemunha no pressente incidente.
A taxa de justiça do presente incidente é fixada no mínimo legal, e fica a cargo da requerida.
Do despacho que antecede, foram todos os presentes notificados, os quais disseram ficar bem cientes.».
Sustentando que C foi o 2º Réu na acção principal entende a Requerida que o despacho recorrido fez errada interpretação do disposto no artº 518º do CPC.
A audição da testemunha em causa ocorreu no presente incidente de consignação em depósito.
Na acção principal como sobejamente resulta dos autos o ali 2º Réu C foi absolvido de todos os pedidos.
O presente incidente de consignação em depósito respeita apenas à ali 1ª Ré A e à ali Autora B.
O objecto destes autos consiste em apreciar se houve motivo legitimo para a consignação em depósito.
O objecto do depósito é o valor de capital e juros em que a 1ª Ré foi condenada a pagar à Autora na acção principal.

O artº 518º do CPC dispõe que “estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes.”.
Estando a causa principal definitivamente julgada e definido o objecto deste incidente que é posterior àquela e apenas uma decorrência do que ali se decidiu, pergunta-se se o 2º Réu naquela acção C podia aqui – neste incidente - depor como parte?
Salvo melhor opinião a resposta apenas pode ser negativa.
A relação controvertida entre a Autora e o ali 2º Réu C terminou com o trânsito em julgado daquela sentença.
C não tem qualquer interesse em contradizer ou demandar nestes autos, uma vez que o pagamento do objecto da condenação naquela outra acção não é da sua responsabilidade.
Não se invocando outro fundamento que não seja o disposto no artº 518º do CPC, bem se decidiu na decisão recorrida ao admitir o depoimento de C.

Acrescenta-se ainda que o alegado requerimento a pedir o levantamento da hipoteca das suas fracções subscrito por C não faz parte do objecto destes autos, em nada interessando para a decisão aqui a tomar, pelo que é irrelevante.

Destarte, confirmando-se a decisão recorrida, impõe-se negar provimento ao recurso interlocutório interposto quanto à audição da testemunha C”; (cfr., fls. 800-v a 802).

Aqui chegados, (e ainda que de forma abreviada), mostra-se de dizer o que segue.

Como resulta do que se deixou exposto, a questão a decidir prende-se com a “admissibilidade do depoimento como testemunha de C”, que foi 2° R. na acção principal pela ora recorrente proposta e na qual – tão só – obteve a condenação da 1ª R., requerente da “consignação em depósito” matéria destes autos.

E, assim, certo sendo que – foi o dito 2° R., (agora “testemunha”), absolvido com decisão transitada em julgado, e que, desta forma, o presente processado de “consignação em depósito” em nada lhe diz respeito, pois que até tem tão só e apenas como “partes” e “sujeitos processuais” a requerente e requerida, ora recorrida e recorrente, mal se compreende o inconformismo e insistência da dita recorrente no sentido da inadmissibilidade do aludido depoimento, cabendo notar igualmente que se limita a repetir o que antes já tinha afirmado e que não mereceu acolhimento por parte do Tribunal Judicial de Base e Tribunal de Segunda Instância, sendo, como bem se disse no Acórdão agora recorrido, evidente que aplicável à situação em questão não é o preceituado no invocado art. 514° do C.P.C.M., nenhum outro motivo legal havendo para se não decidir como se decidiu nas Instâncias recorridas, cuja fundamentação aqui se dá como reproduzida, necessárias não sendo outras mais alongadas considerações para se concluir da total improcedência do presente recurso.

Continuemos.

–– Relativamente ao “2° recurso interlocutório” tem o Acórdão recorrido o teor seguinte:

“DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO II

Vem este recurso interposto do despacho que entendeu que a testemunha Drª D podia testemunhar e por a questão que lhe foi formulada envolver a violação do sigilo profissional.

É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Em primeiro, como o ponto de visto do processo do TSI n.º 616/2007, invocado pelo despacho de fls. 121 a 122v. dos presentes autos, os advogados podem testemunhar na audiência de julgamento quando o conteúdo não envolve o segredo profissional, em termos abstractos, os advogados podem ser arrolados como testemunha na audiência de julgamento. Mas, o que deve ser atendido é se as perguntas a ser concretamente levantadas envolvem o segredo profissional.
Além disso, nos termos do disposto no art.º 517.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, dispõe-se que “tem capacidade para ser testemunha qualquer pessoa que não esteja interdita por anomalia psíquica”.
Pelo exposto, o Juízo entende que, se o conteúdo das conversas entre os advogados não envolva o âmbito do segredo profissional, não impede os advogados para ser testemunha. Além disso, mesmo que ocorram algumas circunstâncias que possam pôr em causa a objectividade ou imparcialidade do depoimento de tal testemunha, o que diz apenas respeito à credibilidade do depoimento da testemunha, não à questão de saber se pode ser arrolada como testemunha.
O conteúdo acima dito é o julgamento do tribunal sobre a questão de saber se a advogada, Dra. D, pode ser arrolada como testemunha.
Notifique.».
Entende a Requerida e ora Recorrente que a audição da Advogada que patrocinou a aqui Requerente e Recorrida na acção em que foi condenada envolve a violação do artº 26º nº 2 do Código Deontológico dos Advogados, sendo certo que, pela Associação de Advogados de Macau não foi aquela Advogada autorizada a depor nestes autos quanto à matéria dos quesitos 1º e 2º.
As perguntas que lhe foram feitas foi apenas se por ordem do seu cliente contactou o advogado da parte contrária ao que respondeu afirmativamente.

Dispõe o artº 6º do Código Deontológico dos Advogados que:
1. Os advogados não podem ser inquiridos ou revelar factos que constituam segredo profissional e de que tiverem tido conhecimento no exercício das suas funções.
2. São nulas todas as provas obtidas através de declarações feitas pelo advogado com violação do segredo profissional.

Nos termos do nº 2 do artº 26º do mesmo diploma «O advogado não deve invocar publicamente, em especial perante tribunais, quaisquer negociações transacionais malogradas, quer verbais, quer escritas, em que tenha intervindo como advogado.».
Ora, uma coisa é dizer que a pedido do seu cliente contactou um colega, outra, revelar o conteúdo da conversa e das eventuais negociações.
No caso dos autos a testemunha em causa apenas confirmou que fez o que o seu cliente lhe pediu e que contactou o seu colega.
O que disse, o que falaram e o que mais haja resultado desse contacto não falou por não ter obtido a necessária autorização da Associação de Advogados.
Logo, a Advogada ouvida não revelou nada que esteja a coberto do sigilo profissional, mas apenas que desempenhou a tarefa que lhe foi encomendada pelo seu cliente.
Destarte, nada impedindo que os advogados sejam testemunhas, não se tendo demonstrado que haja sido violado o sigilo profissional, impõe-se negar provimento ao recurso quanto a esta matéria, mantendo-se o despacho que ordenou a inquirição desta testemunha e das perguntas que lhe foram feitas”; (cfr., fls. 802 a 803-v).

E, em face do que se deixou exposto, também aqui “à vista” está a solução, (só não a alcançando quem não quer).

Com efeito, é manifesto que a pela ora recorrente – agora novamente – invocada “violação do art. 26° do Código Deontológico dos Advogados” não existe, pois que como resulta do que alegado vem – que, diga-se, para além de extenso, não é muito feliz e muito pouco claro, sendo de extrair que – a verdadeira “razão” do inconformismo da dita recorrente assenta na “qualidade de advogada” da testemunha em questão, (a Dra. D), e no facto de, como tal, (e, em sua opinião), ter a mesma conhecimento sobre o “litígio” entre a recorrente e recorrida.

Porém, e, muito especialmente, atento o que de “concreto” os presentes autos demonstram que efectivamente se passou, evidente se nos mostra que tal “qualidade”, “circunstância”, e “situação”, não implicam uma – pela recorrente pretendida – “impossibilidade (absoluta)” de depor, pois que, como expressamente consta do invocado art. 26°, (atrás transcrito), o mesmo tão só (e unicamente) se refere e diz respeito a “factos que constituam segredo profissional”.

Ora, no caso, em causa está apenas a “revelação” – genérica e em abstracto – de um (mero) “contacto (telefónico)” efectuado, sem a mais pequena referência sobre o seu “teor” ou “conteúdo”, sem esforço se nos mostrando desta forma de concluir que em causa não está assim qualquer “matéria” abrangida pelo mencionado “sigilo profissional” para efeitos do aludido art. 26° do Código Deontológico dos Advogados, (sob pena de se dever ter igualmente como “sigilosos”, todos os (meros) “contactos” que os Advogados tenham feito ou que venham a fazer).

Dest’arte, e necessárias não se apresentando mais considerações sobre a questão, visto está que improcede também o presente recurso.

–– Passemos, agora, para o “recurso da decisão final”.

Em face das “questões” colocadas, respeitantes à decisão sobre a “matéria de facto”, importa então começar por elencar a que pelo Tribunal Judicial de Base foi dada como “provada” (e que, pelo Tribunal de Segunda Instância foi integralmente confirmada com o Acórdão agora recorrido).

Pois bem, pelo Tribunal Judicial de Base foi considerada “provada” a matéria de facto seguinte:

“1. De acordo com o acórdão proferido pelo Mm.º Juiz do TUI em 29 de Novembro de 2019, foi condenada a 1.ª requerente, A (1.ª Ré nos autos principais), a pagar à requerida, B (Autora nos autos principais), HKD$2.808.000,00 (dois milhões e oitocentos e oito mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros de mora legais sobre HKD$388.000,00, a partir de 10 de Julho de 2010 e sobre HKD$2.420.000,00 a partir da data do acórdão (vide fls. 1053 a 1102 dosa autos principais). (alínea A) dos factos provados)
2. Em 16 de Dezembro de 2019, a requerida apresentou ao TUI a arguição de nulidade do acórdão acima referido (vide fls. 1107 a 1115 dos autos principais). (alínea B) dos factos provados)
3. Em 19 de Dezembro de 2019, uma vez que o acórdão acima referido é a decisão da última instância e a requerida se recusou a receber a quantia e os juros de mora, condenados a ser paga pela requerente no acórdão, a 1.ª requerente pediu ao TUI a emissão de uma guia de depósito no valor total de HKD3.173.767,65 (incluindo o capital de HKD2.808.000,00 e os juros de HKD365.767,65), a fim de fazer a consignação em deposito através do tribunal (vide fls. 3 dos autos). (alínea C) dos factos provados)
4. Em 19 de Dezembro de 2019, o Relator deferiu o pedido de consignação em depósito acima referido e, ordenou a emissão de uma guia de depósito à 1.ª requerente no valor de HKD3.173.767,65 (vide fls. 4 dos autos). (alínea D) dos factos provados)
5. Em 30 de Dezembro de 2019, através da guia, a 1.ª requerente depositou uma quantia de HKD3.173.767,65 no [Banco] (vide fls. 7 dos autos). (alínea E) dos factos provados)
6. Em 31 de Dezembro de 2019, a 1.ª requerente pediu a notificação à requerida do depósito indicado na alínea E) dos factos assentes, a fim de poder levantá-lo quando quiser (vide fls. 6 dos autos). (alínea F) dos factos assentes)
7. De acordo com o acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2020 pelo Juiz do TUI, foi julgada improcedente a arguição de nulidade do acórdão apresentada pela requerida (vide fls. 1134 a 1143 dos autos principais). (alínea G) dos factos provados)
8. O acórdão do TUI indicado na alínea A) dos factos assentes transitou em julgado em 11 de Fevereiro de 2020 (vide fls. 1160 dos autos principais). (alínea H) dos factos provados)
9. Em 25 de Março de 2020, através do ofício, o TJB notificou à requerida do requerimento do cancelamento do registo de hipoteca judicial dos três bens imóveis apresentado pelo 2.º Réu e do depósito indicado na alínea E) dos factos assentes (vide fls. 1164 a 1171 e 1173 e v. dos autos principais). (alínea I) dos factos provados)
- Os factos provados após a audiência de julgamento: (o fundamento do reconhecimento dos factos pode consultar fls. 226 a 232 do presente apenso)
10. Antes do depósito referido na al. E) dos Factos Assentes, a Requerida não aceitou receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão, de 29 de Novembro de 2019, proferido nos autos de recurso correndo junto do Tribunal de Última Instância. (Resposta ao quesito 1º)
11. A Requerida através do seu advogado informou que se recusava a receber qualquer quantia porque achava que tinha direito a receber mais. (Resposta ao quesito 2º)
12. Após C (2.º Réu nos autos principais) ter apresentado o requerimento de fls. 1164 dos autos principais (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), a requerida, B, apresentou o requerimento de fls. 1176 a 1190 dos autos principais (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Resposta ao quesito 4º)”; (cfr., fls. 804 a 805).

E apreciando o (anterior) recurso pela ora recorrente apresentado sobre o assim decidido no Tribunal de Segunda Instância assim se ponderou e decidiu no Acórdão agora recorrido:

“(…)
Do recurso quanto à matéria de facto
Nas suas conclusões de recurso vem a Recorrente impugnar a resposta dada à Base Instrutória no que concerne aos quesitos 1º e 2º.
Começa a Recorrente por alegar que a matéria destes dois quesitos é conclusiva e de direito.
É do seguinte teor os quesitos em causa:

A Requerida não aceita receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão proferido nos autos de recurso correndo junto ao Tribunal de Última Instância?

A Requerida através do seu advogado informou que se recusava a receber qualquer quantia porque achava que tinha direito a receber mais?

Será esta matéria conclusiva?
Querer ou não querer receber será uma conclusão ou um facto?
Informar que se recusava a receber por entender que tinha direito a receber mais será um facto ou uma conclusão?
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa 2009 da Porto Editora facto pode ser um dado da experiência, acção realizada, acontecimento, o que existe, aquilo que é real, ocorrência que se verificou ou que se verificará.
Pode usar-se a expressão “isto é um facto” no sentido de significar, isto é real, isto é verdadeiro ou, a expressão “facto” no sentido de uma ocorrência, um acontecimento da vida que se verificou, que aconteceu ou vai acontecer.
Recusar receber ou receber pressupõe uma acção humana determinada pela vontade do sujeito que a pratica. Se alguém recebeu alguma coisa ou recusou receber foi um acontecimento da vida determinado pela vontade do sujeito e como tal foi um facto.
Da mesma forma, recusar receber porque entendemos que temos direito a receber mais, isto também é um facto.
Sendo parte do conhecimento comum dos seres humanos o que é receber ou recusar receber e acrescentar-lhe uma razão para o efeito, isto também não é um conceito direito.
Logo o que se pergunta não é nenhuma conclusão ou conceito de direito como se invoca.
Outra coisa que não se confunde com o facto ser conclusivo ou não, é o tribunal perante a conjugação de determinados elementos, os chamados factos instrumentais, concluir pela verificação, pela prova de determinado facto, mas isto não faz com que o facto seja conclusivo.
Mas desta matéria cuidaremos adiante.

Não sendo os factos conclusivos nem conceito de direito improcede este argumento do recurso impondo-se agora apreciar as respostas dadas uma vez que a Recorrente se insurge contra a resposta dada a estes dois quesitos.

A fundamentação da decisão do tribunal “a quo” quanto as respostas dadas à Base Instrutória, é a seguinte:
«Antes de fazer uma análise específica, em primeiro lugar vamos classificar em síntese as circunstâncias que tiveram importância para a ocorrência dos incidentes envolvidos no processo principal:
O Tribunal de Última Instância proferiu sentença em 29 de Novembro de 2019 constante nas fls. 1053 a 1102 do processo principal, no qual condenou a Requerente no pagamento à Requerida a quantia de HK$2.808.000,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, calculados com base no valor de HK$ 388.000,00 contados desde 10 de Julho de 2010, e os juros de mora, à taxa legal, calculados com base no valor de HKD 2.420.000,00 contados desde a data da decretação do acórdão do Tribunal de Última Instância;
Constam nas fls. 1104 a 1105 dos autos principais que a Secção Processual emitiu ofício em 3 de Dezembro de 2019, e remeteu as cópias do referido acórdão às duas partes;
Em 16 de Dezembro de 2019, a Requerida apresentou pedido de arguição de nulidade constante nas fls. 1107 a 1115 dos autos principais;
Em 18 de Dezembro de 2019, a Secção Processual, por meio do ofício de fls. 1117 dos autos principais, notificou o mandatário judicial da Requerente para responder ao referido pedido de arguição de nulidade;
Em 19 de Dezembro de 2019, a Requerente através de fls. 1118 dos autos principais referiu que como a Requerida não aceita receber o valor (o principal HKD$2.808.000,00 e os juros correspondentes HKD$365.767,65, no total de HK$3.173.767,65) condenado à Requerente a pagar à Recorrida, por isso, solicitou ao tribunal que emitisse a respectiva guia de depósito, a fim de poder depositar o dinheiro em causa no processo, evitando o pagamento de juros adicionais correspondentes;
O referido pedido da Requerente foi aprovado em 19 de Dezembro de 2019 (vide despacho de fls. 1119 do processo principal)
Em 31 de Dezembro de 2019, a Requerente através de fls. 1121 dos autos principais, requereu ao tribunal para autorizar a junção do talão de depósito carimbado pelo banco nos autos (vide fls. 1122 dos autos principais), ao mesmo tempo solicitou ao tribunal para notificar a Requerida, que a qualquer momento, ela pode levantar o respectivo dinheiro;
Em 8 de Janeiro de 2020, a Requerente respondeu à arguição de nulidade constante nas fls. 1125 a 1128 dos autos principais;
Em 22 de Janeiro de 2020, o Tribunal de Última Instância proferiu acórdão de fls. 1134 a 1143 dos autos principais, rejeitou os fundamentos da arguição de nulidade suscitada pela Requerida;
Em 20 de Março de 2020, C (2º Réu do processo principal) apresentou pedido constante nas fls. 1164 do processo principal, solicitando o distrate das hipotecas de três imóveis decretadas no acórdão judicial;
A Requerida B depois de receber a notificação desse requerimento, apresentou pedido constante nas fls. 1176 a 1190 dos autos principais (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Feito a análise do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, o presente tribunal obteve duas conclusões seguintes:
1.
A Requerente (1ª Ré do processo principal) foi condenada a pagar o principal e os juros seguintes:
- Valor principal de HK$388.000,00 e os juros contados desde 10 de Julho de 2010;
-Valor principal de HK$2.420.000,00 e os juros contados a partir da data do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância, ou seja, 29 de Novembro de 2019;
2.
A partir da data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância, os juros de mora do principal HKD$2.808.000,00, são HKD$273.780,00 por ano, que é aproximadamente HKD$750 por dia.
Como já não é possível interpor recurso contra o acórdão do Tribunal de Última Instância, pelo que, a Requerente (1ª Ré do processo principal) depois de receber o acórdão do Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, se economicamente possível, ela possui motivo forte para proceder o pagamento o mais rápido possível, a fim de evitar de pagar juros de mora adicionais diários HK$750.
Nas fls. 1118 e 1122 dos autos principais provam suficientemente que a Requerente tem capacidade económica e deseja liquidar a dívida o mais breve possível.
Em 19 de Dezembro de 2019 (aquando a Requerente apresentou este pedido, será que a parte obteve conhecimento ou tenha formalmente recebido os clausulados constantes nas fls. 1107 a 1115 dos autos principais, neste processo não houve evidências para provar), no pedido feito pelo advogado da Requerida nas fls. 1118 indica:
“...uma vez que a Autora/Recorrida/Recorrente, não aceita receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão proferido nos autos de recurso supracitados e não havendo mais possibilidade de recurso...
Este pagamento corresponde ao cumprimento do estipulado no acordo proferido em 29 de Novembro de 2019 e a Recorrente - face a recusa de receber a quantia - quer interromper os respectivos juros legais, bem como, pretende demonstrar a sua boa-fé e a sua intenção em cumprir com uma decisão judicial.”
Salvo melhor opinião, dito em geral, face ao conteúdo das alegações supracitadas há duas possibilidades:
1.
O conteúdo expresso pela Requerente através do advogado é falso: a Requerente ou seu representante nunca expressaram vontade de saldar a dívida à Requerida ou seu representante, e o primeiro nem sequer contactou o segundo;
2.
O conteúdo expresso pela Requerente através do advogado é verdadeiro: embora a Requerente tenha solicitado a quitação do teor do acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em 29 de Novembro de 2019, contudo a Requerida acha que tem o direito de receber mais dinheiro, e só pretende depois obter resultado da arguição de nulidade, é que irá receber o aludido dinheiro (nesta situação, significa que os juros de mora decretados pelo Tribunal de Última Instância continuarão a ser calculados).
Através do pedido constante nas fls. 1107 a 1115 dos autos principais, em 16 de Dezembro de 2019 a Requerida requereu o seguinte:
- Condenar a 1ª Ré A, a pagar à B – I. nos termos do artigo 436º, nº 2 do Código Civil, a indemnização do dobro do sinal no valor de HKD$776.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, calculados a partir de 10 de julho de 2010; mais II. Nos termos do artigo 436º, nº 4 do Código Civil, a indemnização por danos excedentes (ou seja, à data do trânsito em julgado do acórdão da acção declarativa, de acordo com os critérios objectivos, determinar o valor da fracção autónoma envolvida no processo - calculado de acordo com o valor concreto constante no processo executivo - no qual terá que deduzir o valor de três milhões e oitocentas e oitenta mil dólares de Hong Kong e o sinal de trezentas e oitenta e oito mil dólares de Hong Kong constante no ponto 5 do contrato deste processo; se não for aceite, então procede-se conforme no debate da acção declarativa de 1ª instância e na data do termo da audiência (isto é, 09/10/2014), de acordo com os critérios objectivos, determinar o valor da fracção autónoma envolvida no processo - calculado de acordo com o valor concreto constante na acção de execução - no qual terá que deduzir o valor de três milhões e oitocentas e oitenta mil dólares de Hong Kong e o sinal de trezentas e oitenta e oito mil dólares de Hong Kong constante no ponto 5 do contrato deste processo); em qualquer das situações, tal valor será adicionado e calculados os juros de mora à taxa legal, a partir da data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância face à acção em litígio (ou seja, a partir de 29 de Novembro de 2019); se não for aceite, então
- Condenar a 1ª Ré A a pagar à autora B HKD$2.808.000,00 (dois milhões e oitenta e oito mil dólares de Hong Kong), mais os juros de mora à taxa legal, calculados com base do valor de HKD$776.000,00, contados a partir de 10 de Julho de 2010 e os juros de mora à taxa legal, calculados com base no valor de HKD$2.032.000,00, contados a partir da data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância face à acção em litígio (ou seja, em 29 de Novembro de 2019).”
Vimos no supracitado que uma vez o pedido de arguição de nulidade da Requerida for provado, tal significa que a parte dos juros do principal de HKD$388.000,00 contados desde 10 de Julho de 2010, e a parte dos juros de HKD$776.000,00 alterados para principal, contados a partir de Julho 10, tais juros do principal relevante contados desde 10 de Julho de 2010 até à data da decretação do acórdão pelo Tribunal de Última Instância (29 de Novembro de 2019), a diferença entre os dois valores é de HKD$355.498,36.
Com base em todas as provas deste caso, este tribunal acredita que as provas apoiam a versão dos factos declarada pela Requerente é verdadeira.
Em primeiro lugar, conforme referido, perante um montante relativamente elevado de juros de mora, bem como o aludido acórdão foi proferido pelo Tribunal de Última Instância, além disso, após o Tribunal de Segunda Instância ter decretado o acórdão, a Requerente e seu esposo possuem três imóveis hipotecadas no acórdão judicial (vide fls. 1166 a 1171 dos autos principais), e tendo a Requerente capacidade financeira relevante, o tribunal não vê razão para quê a Requerente está a atrasar o pagamento do valor condenado no acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, ou que tal comportamento lhe pode trazer algum benefício.
De facto, de um modo geral, quando a parte condenada que é representada por advogado, pretende liquidar o dinheiro adjudicado à parte vencedora que também é representada por advogado, na maioria dos casos os advogados de ambas as partes contactam entre si e combinam a liquidação do dinheiro em qualquer um dos escritórios dos advogados das partes; na ausência de qualquer comunicação entre os advogados das duas partes, uma das partes, imediatamente, foi depositar o dinheiro condenado pelo tribunal (prestando falsas declarações, mentindo de que foi depositado o dinheiro porque a outra parte não quis receber), isto raramente ocorre na prática.
Considerando as duas análises supracitadas, embora a testemunha C (o 2º Réu do processo principal) é cônjuge da Requerente A (por isso, o tribunal teve que ponderar cautelosamente a credibilidade de seu depoimento e se eventualmente ele estava a favorecer a Recorrente), a testemunha aquando prestou declarações, referiu que após seu cônjuge ter conhecimento do acórdão preferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019, seu cônjuge teve uma reunião com seu advogado e seu advogado entrou em contacto com a outra parte, este tribunal considera tais declarações são razoáveis.
Este tribunal compreende as preocupações da Requerida sobre a credibilidade do depoimento do C, porque ele é esposo da Requerente, em termos abstratos pode favorecer a sua esposa. Mas, na verdade, a forma mais direta de eliminar tais preocupações, tem de necessariamente averiguar duas questões: primeiro, desde que as partes foram notificadas do acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019 até antes da Requerente apresentar o pedido constante nas fls. 1118 do processo principal em 19 de Dezembro de 2019, os advogados representantes de ambas as partes tiveram ou não contacto entre si; em segundo lugar, se os advogados de ambas as partes tiveram contacto durante esse período, então qual foi o conteúdo discutido entre eles.
Embora a Requerida questiona o depoimento do advogado D, mas este tribunal considera que o depoimento dele é credível e foi adoptado com base nas razões seguintes.
Primeiro, sobre a questão abstrata se ele pode ou não ser testemunha neste caso, no despacho de fls. 121 a 122 e na audiência de julgamento de 20 de Maio de 2022 foi discutida tal questão, que não vai aqui repetir.
Segundo é sobre a questão de segredo profissional. À semelhança da análise indicada nas páginas 121 a 122 do despacho, se bem que um advogado tenha prestado serviço a uma das partes numa acção de litígio em Macau, em termos abstratos, o advogado também pode ser arrolado como testemunha1, prestar declarações em audiência, basta o seu depoimento não se enquadra no âmbito das suas obrigações de sigilo e segredo profissional2-3. No caso em apreço, o advogado D aquando prestou declarações, ele só disse o facto de ter contactado com o advogado da outra parte (tal depoimento não envolveu o teor da conversa). O advogado D na situação de obter o consentimento do cliente4, prestou apenas depoimento sobre se tinha contactado com o advogado da outra parte, e não revelou o conteúdo específico da conversa entre os advogados das duas partes, nem revelou (a pedido do o cliente, ou própria iniciativa) o motivo do contacto com a outra parte, pelo que o seu depoimento não enquadra no âmbito das obrigações de sigilo e segredo profissional.
Em terceiro lugar, este tribunal entende que o depoimento do advogado D é razoável e credível. Por um lado, conforme acima mencionado, a Requerente perante acórdão vencido proferido pelo Tribunal de Última Instância em 29 de Novembro de 2019 e antes de apresentar o pedido em 19 de Dezembro de 2019 constante nas fls. 1118 dos autos principais, em termos objectivos, é razoável o seu advogado ter contactado com o advogado da outra parte. Por outro lado, o Advogado D prestou juramente na situação de estar ciente e advertido pelo tribunal de que prestar falsas declarações pode eventualmente incorrer responsabilidade criminal, tendo ele contado ao tribunal como e quando contactou com o Advogado E (é de repetir que que seu depoimento não envolve conteúdo da conversa), o presente tribunal não acredita que um advogado, simplesmente por causa do depósito de um cliente ser válido ou não, estaria disposto a apostar a sua carreira e reputação, prestando falsas declarações ao tribunal. No decurso do depoimento do advogado D, este tribunal considera que ele declarou de forma sincera e clara o modo e a data de contacto com o advogado E, as suas declarações reflectem a verdade do facto objectivo. Com base nos fundamentos supracitados, este tribunal adopta o dito pelo advogado D de que realmente no final da tarde do dia 11 de Dezembro de 2019, ele teve uma conversa ao telefone com o advogado E (ambos usaram os números de telefone de seus respectivos escritórios), após, o advogado D recebeu, em 7 de Fevereiro de 2020, informação da outra parte através do WHATSAPP, os dois voltaram a falar ao telefone.
Feito a análise global do supracitado, designadamente, o facto de no final da tarde do dia 19 de Dezembro de 2019, (…)5, bem como considerando o teor do pedido apresentado pela Requerente no dia 19 de Dezembro de 2019 nas fls. 1118 do processo principal e o depoimento do C, o tribunal acredita que todas as evidências se corroboram e são suficientes para demonstrar que, após proferido o acórdão pelo Tribunal de Última Instância, a Requerente queria saldar a dívida o mais breve possível para evitar o aumento contínuo dos juros relevantes, mas a parte da Requerida por considerar que o acórdão do Tribunal de Última Instância padece de vício, por isso não quis aceitar qualquer quantia; nesta situação (não se deve esquecer que com base no acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, a Requerida obteve uma hipoteca judicial como garantia, e os juros de mora condenados pelo Tribunal de Última Instância não deixaram de ser calculados devido ao pedido de arguição de nulidade), para evitar que os juros de mora continuassem a aumentar por causa das questões incidentais do pedido de arguição de nulidade, a Requerente ouviu a sugestão de seu advogado, optou por depositar o dinheiro na conta do tribunal.
A análise acima constitui fundamento para o tribunal reconhecer os factos.
Acrescente-se que o teor contido na cláusula 3 dos factos por provar é conclusivo e envolve questões de direito, pelo que este tribunal não responde, contudo tal não impede que o tribunal na decretação do acórdão irá tratar do cálculo dos juros (caso necessário). Quanto à cláusula 6 dos factos por provar, tendo em vista que nas fls. 1145 e 1146 dos autos principais demonstram que a decisão do Tribunal de Última Instância sobre a arguição de nulidade foi notificada aos advogados de ambas as partes através do ofício datado de 24 de Janeiro 2020, e que os advogados de ambas as partes tiveram contacto em 7 de Fevereiro de 2020, embora desconhecemos o conteúdo da conversa entre os advogados de ambas as partes, mas é impossível o tribunal reconhecer com segurança que os dois não discutiram sobre a liquidação da dívida, nomeadamente, o facto de a Requerente ter depositado o dinheiro em causa na conta do tribunal, assim sendo, o presente tribunal não considerou provado o facto constante na cláusula 6 dos factos por provar.».

O que se pergunta nos quesitos 1º e 2º são factos que acontecem através de uma simples declaração de vontade ou até uma atitude passiva de nada fazer.
Recusar a receber algo pode fazer-se apenas não fazendo nada. Não receber e dizer porquê já exige uma recusa e a apresentação da explicação.
No entanto tudo isto pode acontecer verbalmente. E estando as partes representadas por advogados, tudo isto acontece no domínio das negociações entre advogados as quais estão a coberto de sigilo profissional e que como resulta dos autos não podem testemunhar e contar como aconteceu.
Destarte, exigir-se a demonstração cabal de que houve uma recusa levar-nos-ia para a prova diabólica ou impossível.
Tendo sido invocado o sigilo profissional, no caso dos autos o facto de aceitou receber ou recusou receber apenas pode ser demonstrado através de factos instrumentais e de todo o circunstancialismo que resulta demonstrado.
Ora, em face dos sinais dos autos é evidente que a antes Autora, agora Requerida e Recorrente não ficou satisfeita com a sentença do TUI vindo suscitar a nulidade da mesma no sentido de aumentar a condenação da Ré.
Este facto – invocar a nulidade do Acórdão do TUI porque entendia ter direito a receber mais – corrobora o que se pergunta no quesito 2º.
Isso mesmo resulta do requerimento da Requerida/Recorrente apresentado em 14.04.2020 de onde resulta reclamar o pagamento de mais quantias.
Acaso a Requerida quisesse receber e não adiar o recebimento em vista de receber mais juros e a sua atitude nestes autos haveria de ser diferente, tendo-se oferecido para receber o pagamento feito e impugnando apenas ter dado causa ao incidente de consignação para efeitos de custas, mas não o fez, prolongando uma batalha judicial apenas com o fundamento em que não se recusou a receber e a consignação em depósito não é legitima exigindo que o pagamento lhe seja feita no termo deste processo acrescido dos juros decorridos ao longo deste tempo.
As contas foram feitas pelo tribunal a quo quanto ao valor dos juros, para melhor entendermos o que se passa.
Tudo quanto se invoca nas alegações de recurso quanto ao depoimento da testemunha C em nada afecta a credibilidade do depoimento deste.
Na impossibilidade legal de obter o depoimento dos Advogados envolvidos nas negociações a cerca do conteúdo destas, a prova apenas pode ser feita através de depoimentos indirectos daqueles que ouviram desses outros.
O facto desta testemunha ter dito que sugeriram pedir um desconto no valor a pagar é perfeitamente razoável e em momento algum permite concluir que não havia intenção de pagar.
A capacidade económica para efectuar o pagamento resulta do simples facto do pagamento ter sido feito dias após.
Para provar a intenção de pagamento não é necessário pedir uma ordem de caixa a favor de alguém para demonstrar que se quer pagar.
Emitida a ordem de caixa ou um cheque visado ou bancário o dinheiro fica cativo no banco para garantir o pagamento e ninguém vai pagar a emissão de um documento desses sem ter a certeza que a pessoa a favor de quem é emitido quer receber, e menos ainda quando a pessoa recusa receber.
Estas razões e todas as outras já supra indicadas a par das constantes da fundamentação do tribunal “a quo” levam a concluir pela total ausência de razão das longas e extensas alegações e conclusões de recurso da Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto.
Destarte, bem andou o tribunal recorrido ao convencer-se pela veracidade da matéria constante dos quesitos 1º e 2º dando por provada a matéria indicada, nada se alegando nas alegações e conclusões de recurso que obrigue a concluir diferente.
Igualmente bem se decidiu no que concerne à resposta dada aos quesitos 4º, 5º, 6º sendo que nada se alega nas alegações e conclusões de recurso que seja bastante para por em crise a fundamentação do tribunal “a quo””; (cfr., fls. 805 a 814).

Aqui chegados, e notando-se que no presente recurso apenas impugna a recorrente o decidido relativamente aos aludidos “quesitos 1° e 2°”, vejamos.

Antes de mais, importa notar que, (também aqui), com o presente recurso, volta a ora recorrente a colocar as “mesmas questões”, insistindo, (exactamente), nos “mesmos argumentos” que foram já objecto de ponderação e expressa decisão do Tribunal de Segunda Instância.

E, então, quid iuris?

Pois bem, como atrás se deixou adiantado, não se pode reconhecer razão à ora recorrente, evidente se nos apresentando que o pelo Tribunal Judicial de Base decidido e pelo Tribunal de Segunda Instância confirmado não merece o mais pequeno reparo.

Aliás, a decisão do Tribunal de Segunda Instância agora objecto do recurso, e, por isso, sobre a qual nos cabe apreciar, é total e absolutamente clara, lógica e adequadamente fundamentada, mais parecendo estarmos numa situação em que a ora recorrente ou não leu – quiçá, deliberadamente, não quis ler – a decisão objecto do seu recurso, ou então leu, mas esqueceu, não compreendeu, ou não quis compreender, ou faz de conta que não a compreende…

Enfim – e, por ora – e seja como for, não se deixa de dizer o que segue, pois que, (acima de tudo, e) em boa verdade, em causa está (essencialmente) saber das “razões” que levaram a ora recorrida a propor a presente “acção especial de consignação em depósito”.

Pois bem, nos termos do art. 920°, n.° 1 do C.P.C.M.: “Quem pretender a consignação em depósito deve requerer que seja depositada judicialmente a quantia ou coisa devida, declarando o motivo por que pede o depósito”.

Comentando tal “instituto processual”, considera A. Varela – in “Das Obrigações”, 2ª ed., pág. 150 – que o mesmo consiste no depósito da coisa devida feito à ordem do credor com o fim de liberar definitivamente o devedor do vínculo obrigacional, constituindo, assim, o meio que a lei processual faculta ao devedor para se liberar, quando não pode, sem culpa sua, pela prestação ao credor.

In casu, e como – cremos – que com toda a clareza resulta da “matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base (logo) em sede do despacho-saneador considerada “assente”, (e, agora, não contestada), foi a ora recorrida condenada a pagar a ora recorrente o quantum de HKD$2.808.000,00 e os seus juros legais, e, alegando que esta (mesma recorrente) se recusava a receber o montante em que foi condenada, apresentou – em 19.12.2019 – o “pedido de consignação em depósito” que deu origem aos presentes autos, vindo, ainda neste mesmo mês, a efectuar o seu depósito quanto ao valor e juros, num total de HKD$3.173.765,65; (cfr., fls. 7, assim como as “alíneas A) a E) dos factos dados como provados”).

E, então, vale a pena ter em conta o que segue.

Como sabido é, a “verdade processual”, na reconstituição “do que é”, não é, (nem pode ser), uma verdade “ontológica”, “autêntica”, ou “fidedigna”.

E, sem se querer entrar aqui em considerações sobre o teor das abundantes correntes filosóficas sobre a “matéria”, (e, onde, nomeadamente, se pondera que “tudo na vida é, ou não deixa de ser, relativo”, e que “a verdade é una, e não única”; cfr., v.g., e com muito interesse, Luigi Pareyson in, “Verdade e Interpretação” e Miguel Reale in, “Verdade e Conjectura”), importa não perder de vista que em causa estando “comportamentos humanos”, de diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões, intenções e objectivos, evidente se nos mostra que não pode haver uma apreciação e certificação segundo regras e princípios (matemáticos) cientificamente estabelecidos.

Por isso – não possuindo o Tribunal “bolas de cristal” – socorrem-se os Magistrados das “regras de experiência da vida” (e “das coisas”) para apreciar a prova e decidir a “matéria de facto” que pelas partes em litígio lhes é apresentada.

Na “situação” em questão nos presentes autos, foi exactamente o que sucedeu, (exuberantemente explicitado estando no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância), nenhuma censura merecendo assim o que se decidiu, não se apresentando pois de considerar a “matéria” em discussão, (constante das “respostas aos quesitos 1° e 2°”), “conclusiva” ou, (de qualquer outra forma), inadequadamente decidida, especialmente, em face das particularidades do que alegado foi.

E, nesta conformidade, e seja como for, (e para não nos alongarmos), cabe também salientar aqui que, como se referiu, em face da “matéria” dada como assente em sede do despacho-saneador, (cfr., as referidas “alíneas”, e que, questionada não está, motivos não havendo para alterar), possível até se apresenta de considerar irrelevante e inútil a pela ora recorrente pretendida insistência na querela sobre a matéria dos “quesitos 1° e 2°”, pois que aquela “matéria” se nos apresenta já clara e bastante para uma boa compreensão das “razões” e posturas processuais da ora recorrente e recorrida e que, em boa verdade, deram origem aos presentes “autos de consignação em depósito”.

Assim, e isto visto e dito, (e necessárias não sendo outras considerações sobre a questão), avancemos para a última parte da decisão do Tribunal de Segunda Instância, e que é a que diz respeito ao “enquadramento jurídico” da matéria de facto dada como assente.

Ora, nesta parte, assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:

“2. DO DIREITO
É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Analisando os fundamentos apresentados pela requerida, os seus fundamentos envolvem a alínea a) do art.º 923.º do Código de Processo Civil (a consignação em depósito é justificada ou não) e a alínea b) do art.º 923.º do mesmo Código (o valor de depósito é suficiente ou não).
- Face ao fundamento da consignação em depósito:
No art.º 832.º do Código Civil dispõe-se:
“1. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:
a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;
b) Quando o credor estiver em mora.
2. A consignação em depósito é facultativa.
Por outro lado, o art.º 802.º do Código Civil dispõe-se:
“O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”
In casu, o Tribunal de Última Instância proferiu em 29 de Novembro de 2019 o acórdão a fls. 1053 a 1102 dos autos principais, que condenou a requerente a pagar à requerida HKD2.808.000,00, acrescida de juros de mora legais sobre HKD388.000,00, a partir de 10 de Julho de 2010 e sobre HKD2.420.000,00 a partir da data do acórdão proferido pelo TUI.
Nos factos provados n.ºs 5, 10 e 11, referiu-se que, antes de Requerente, A, depositar em 30 de Dezembro de 2019 uma quantia de HKD3.173.767,65 no [Banco] através da guia, a requerida não aceitou receber a quantia que lhe foi atribuída pelo acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019 pelo TUI.
Perante esta situação, a requerente pode optar por aguardar que o Tribunal de Última Instância conheça da impugnação de nulidade alegada pela requerida, e depois procederá ao pagamento à requerida em função do resultado da decisão; ou, pode optar por efectuar de imediato o pagamento conforme o conteúdo do acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019 pelo TUI, uma vez que seja procedente a impugnação de nulidade alegada pela requerida e, em consequência, seja alterado o conteúdo da prestação, irá efectuar o pagamento da prestação adicional.
No que diz respeito ao credor (requerida), as duas situações acima referidas não podem afectar o seu crédito: na primeira situação, por qualquer atraso no pagamento da sua dívida, a devedora (requerente) deve pagar juntamente os juros, a título de indemnização; e, na última situação, a prestação da devedora deve ser efectuada em conformidade com a decisão proferida em 29 de Novembro de 2019 pelo TUI e a eventual decisão da procedência da impugnação da nulidade.
É obviamente que cabe à requerente como devedora o ónus da prestação principal, ou seja, pagar à requerida o capital e os respectivos juros. No decurso do cumprimento da dívida, a fim de realizar a finalidade da dívida, permitir ao devedor liquidar a dívida sem ser onerado, e satisfazer os interesses do credor, cabe ao credor o ónus de praticar os actos necessários ao cumprimento da obrigação nos termos do disposto nos art.º 752.º, n.º 2 e art.º 802.º do Código Civil, caso contrário, o mesmo responderá as consequências desfavoráveis previstas pela lei (por exemplo, os art.º 803.º e 805.º do Código Civil).
Salvo melhor entendimento, através do advogado representante da requerida, B (credora), a requerente A (devedora) foi informada de que esta se recusou a receber a prestação da devedora, o que significa que esta não tem vontade de tomar a cooperação necessária para aceitar a prestação que aquela pretende pagar (até que o Tribunal de Última Instância conheça da impugnação da nulidade). Nesta situação, se a requerente for obrigada a aguardar passivamente que o Tribunal de Última Instância conheça da impugnação de nulidade, e depois a efectuar o pagamento em conformidade com o conteúdo final da decisão, o que significa que, durante o período em que a impugnação de nulidade está pendente, a responsabilidade e o risco pelos atrasos serão integralmente a cargo da parte da requerente. Para evitar a ocorrência desta circunstância, a requerente optou pela consignação em depósito do respectivo montante para interromper a contagem dos juros de mora por via da liquidação, o que é permitido pelo art.º 832.º, n.º 1, al. b) conjugado com o art.º 802.º do Código Civil.
Pelo exposto, face à mora da requerida, a requerente tem direito a fazer a consignação em depósito. Nos termos do disposto no art.º 924.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, deve ser julgado improcedente o fundamento alegado pela requerida relativamente à falta de fundamentação da consignação em depósito (art.º 923.º, al. a) do Código de Processo Civil)
No entanto, mesmo que a requerente tenha direito a fazer a consignação em depósito, o que não significa que o valor consignado em depósito seja suficiente para extinguir a totalidade do valor devido, pelo que é ainda necessário analisar se o montante consignado em depósito pela requerente é suficiente nos termos do disposto nos art.º 923.º, al. b) e art.º 925.º do Código de Processo Civil.
- O valor consignado em depósito é suficiente ou não:
Dos factos provados n.ºs 3, 10 e 11 não é possível determinar quando ocorreu o facto de que a requerida se recusou a receber o montante através do seu advogado representante, e facto esse devia ter ocorrido antes de 19 de Dezembro de 2019. Por isso, com base nos factos da presente causa, deve ser considerado o dia 19 de Dezembro de 2019 como a data da produção do efeito previsto no art.º 802.º do Código Civil.
Nos termos do disposto no art.º 803.º, n.º 2 do Código Civil, “durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados”.
É a seguir a contagem concreta:
1. A quantia de HKD388.000,00, acrescida de juros de mora desde 10 de Julho de 2010 até 19 de Dezembro de 2019 (sic.): o total de 174 dias no período compreendido entre 10 de Julho de 2010 e 31 de Dezembro de 2010, os anos inteiros no período compreendido entre 2011 e 2018, e o total de 353 dias no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2019 e 19 de Dezembro de 2019.
Os juros de mora desta parte são o total de HKD357.260,30.
2. Face à quantia de HKD2.420.000,00, acrescida de juros de mora desde 29 de Novembro de 2019 até 19 de Dezembro de 2019 (em total de 20 dias), os juros de mora são de HKD12.928,77.
O capital de HKD2.808.000,00 e os juros resultantes das duas liquidações acima referidas perfazem o total de HKD3.178.189,07. Em comparação com uma guia de depósito aposta pelo carimbo bancário, no valor total de HKD3.173.767,65 (o capital de HKD2.808.000,00 e os respectivos juros de HKD365.767,65), cuja junção foi pedida em 31 de Dezembro de 2019 pela requerente ao Juízo através do requerimento de fls. 1121 dos autos principais, ainda carece de HKD4.421,42.
No art.º 925.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, “se o pedido do credor proceder, deve ser completado o depósito, no caso de ser maior a quantia ou coisa devida.” (face a tal questão, vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. I - reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p.360.)
Pelo que, deve ser condenada a requerente a completar adicionalmente a quantia de HKD4.421,42.
No fim, no procedimento, a requerida exigiu à requerente a devolução da taxa do registo da hipoteca judicial dos bens imóveis, da taxa da busca e da taxa da emissão de certidão do tribunal, cujos valores não foram incluídos na sentença condenatória do TUI, pelo que não devem ser consideradas as respectivas despesas quando se discute se o depósito da requerente é suficiente para pagar o capital e os juros fixados pelo TUI. As despesas alegadas pela requerida devem ser solicitadas e conhecidas em conformidade com o regime das custas de parte previsto no art.º 22.º do Regime das Custas nos Tribunais.».

Tal como se equaciona muito bem na Douta decisão recorrida a impugnação do depósito assenta nos fundamentos das alíneas a) e b) do artº 923º do CPC.
No que concerne ao fundamento da alínea a) demonstrando-se a matéria que constava dos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória está demonstrada a falta de fundamento do recurso não havendo qualquer erro na decisão recorrida.

Quanto ao fundamento da alínea b) do artº 923º do CPC resulta do disposto no artº 925º do mesmo diploma que sendo o valor do depósito inferior ao devido deve o devedor ser condenado no pagamento do remanescente em falta, havendo sido isso que se decidiu no tribunal “a quo”.
O depósito apenas fica sem efeito se a coisa depositada for diversa da depositada, situação que não ocorre no caso dos autos.

Sobre a consignação em depósito veja-se Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Livro II, Vol. X, pág. 760 e seguintes em anotações ao artigo 832º.
Quanto ao invocado artº 928º do CPC este preceito apenas se aplica quando a consignação em depósito acontece como incidente de acção em curso, o que não é o caso dos autos, em que a acção já havia sido decidida, pelo que, não tem aqui aplicabilidade.

Em tudo o mais que se invoca nas extensas e longas alegações e sua repetição nas conclusões de recurso nada se diz para além daquela que é a interpretação da Recorrente quanto ao direito aplicável a qual não procede, nada mais se oferecendo dizer para além do que já consta desta decisão e da decisão recorrida.

Assim sendo, nada mais se impondo acrescentar aos fundamentos da decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

III. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
- Negar provimento ao recurso interlocutório quanto à audição da testemunha C, mantendo a decisão recorrida;
- Negar provimento ao recurso interlocutório quanto à audição da testemunha Drª D e respectiva prova;
- Negar provimento ao recurso interposto da sentença proferida mantendo-a nos seus precisos termos.

Custas nesta instância a cargo da Recorrente.
(…)”; (cfr., fls. 814-v a 817-v).

Atento o que se deixou exposto, que tem a vantagem de conter a “fundamentação” das decisões do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância – e para não nos repetirmos sobre o que se referiu quanto a “certas qualidades visuais, perceptivas e interpretativas” e sobre a “relatividade da verdade” – vista está também a solução para o presente recurso (da atrás transcrita decisão).

Com efeito, censura não merecendo a “decisão da matéria de facto” pelo Tribunal Judicial de Base proferida e integralmente confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, (atentando, até mesmo na que “provada” se declarou desde logo em sede de despacho-saneador), e clara se nos apresentando a “situação” em questão, (que, bastante infelizmente deu origem aos presentes autos), outra “solução jurídica” – que não a(s) contida(s) na(s) proferida(s) – não se vislumbra(m), mostrando-se de aqui acolher e dar como reproduzido tudo que pelas Instâncias recorridas foi consignado.

Adequado se mostra porém uma última e derradeira nota sobre o presente recurso.

É a seguinte.

Não se olvida que – no seu estilo de muito dizer, mas pouco verdadeiramente entender – invoca (ainda) a recorrente o “erro” e “violação” de outros (vários) preceitos do C.P.C.M.; (cfr., concl. 38ª e segs.).

Ora, (com todo o respeito), em face do que se deixou consignado, e ao Tribunal cabendo unicamente decidir das “questões” pelas partes apresentadas, (e não todos os seus “fundamentos” e “argumentos”; cfr., v.g., entre outros, e para citar os mais recentes, os Acs. deste T.U.I. de 17.04.2024, Proc. n.° 28/2023, de 08.05.2024, Proc. n.° 12/2024-I, de 29.07.2024, Proc. n.° 17/2021, de 03.10.2024, Proc. n.° 5/2022 e de 15.01.2025, Proc. n.° 137/2024-I), cabe pois aqui consignar tratar-se aquela alegação de “matéria” absolutamente irrelevante e inútil, e que – se bem ajuizamos – apenas e tão só demonstra a “postura processual” da ora recorrente que, unicamente, pretende uma “discussão gratuita” sobre aspectos que nada tem a ver com o que de essencial cabe decidir, controvertendo o que, por natureza e essência é simples, tentando, a todo o custo, inverter a “situação” que, por factualidade dada como assente, demonstrado (e bem decidido) já está: ou seja, que “válido é o depósito pela recorrida efectuado”, sem prejuízo da quantia adicional que à mesma compete pagar.

Dest’arte, imperativa é a improcedência do recurso pela recorrente interposto do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 15.06.2023.

2.2 Passemos para o recurso do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 11.03.2024.

Pois bem, no presente recurso em causa está a decisão de condenação da recorrente como “litigante de má fé” que, como se referiu, foi objecto de reclamação pela mesma apresentada para a Conferência, e que, com o Acórdão agora objecto do presente recurso, se deliberou confirmar o neste sentido decidido.

Para cabal compreensão do sucedido e decidido, apresenta-se-nos de começar por transcrever o despacho do Exmo. Relator objecto da aludida reclamação para a Conferência.

Tem o teor seguinte:

“Fls. 915 e 929 (933/934):
Na decisão recorrida e confirmada por este tribunal foi decidido que ao depósito realizado faltava a quantia HKD4.421,42 que corresponde a MOP4.554,06 considerando a taxa de câmbio de 1.03, condenando-se a Requerente a pagar aquela quantia;
Dali não resulta que aquela quantia seja acrescida de juros – nem quanto a essa parte foi interposto recurso -, pelo que a quantia em cujo pagamento a Requerente da Consignação em Depósito, agora Recorrida foi condenada é devida na data da sentença proferida em 1ª instância, isto é, 26.07.2022 – cf. fls. 252 v. -.
Confirmada aquela decisão por Acórdão deste Tribunal e interposto Recurso desse Acórdão com efeito meramente devolutivo, veio a Recorrida, alegando que a Recorrente se recusava a receber o pagamento pedir a emissão de guia de depósito à ordem dos autos da quantia de MOP6.021,37 considerando serem devidos juros desde 31.12.2019, embora tenha por erro calculado que o capital de 4.422,00 (4.421,42 arredondado para a unidade superior) era em Patacas e não em Dólares de Hong Kong como consta da decisão – cf. fls. 915 -.
Notificada a Recorrente daquele requerimento veio esta dizer que recusava o pagamento parcial nos termos do nº 1 do artº 753º do C.Civ., porquanto o capital em dívida não era de MOP4.422,00 mas de MOP4.554,06.
Porém, errou a Recorrente na liquidação do montante devido.
Sendo o capital em dívida MOP4.554,06 os juros contados à taxa legal desde a data da decisão em primeira instância – 26.07.2022 – até ao dia de hoje – 09.11.2023 – são iguais a MOP574,19, perfazendo o valor global de MOP5.128,25, isto é, valor bastante inferior ao oferecido como pagamento pela Recorrida.
Assim sendo, embora a Recorrente esteja correcta quanto ao erro de MOP132,06 quanto ao valor do capital em dívida porque se omitiu a conversão de Dólares de Hong Kong para Patacas, está errada quanto ao valor global devido uma vez que o oferecido é superior ao devido em MOP893,12.
Termos em que a sua recusa não é legítima uma vez que o pagamento oferecido não era parcial mas superior até ao devido, pelo que, deve ser deferida a passagem de guias para depósito do valor devido à ordem dos autos, considerando-se o capital em dívida de MOP4.554,06 e os juros devidos no dia em que a guia for passada, contados desde a data da decisão em 1ª Instância (26.07.2022).

Pelos fundamentos expostos, remeta os autos à 1ª instância para efeitos de ser passada a guia para consignação em depósito à ordem dos autos da quantia devida a calcular nos termos indicados, sem prejuízo da Recorrente se oferecer para receber o montante a que tem direito até que aquelas sejam emitidas.

Custas pelo incidente a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s.

Da litigância de má-fé.

Já dizíamos no despacho de fls. 911 o seguinte:
«Em tudo o mais que a Requerida e Recorrente refere no seu requerimento cabe referir:
- O presente processo visa apreciar da legalidade da consignação em depósito;
- A fls. 822, após a notificação do Acórdão proferido e no prazo do recurso a Requerida e Recorrente veio pedir o levantamento e que lhe fosse entregue a quantia depositada;
- Notificada para esclarecer se tal pressupunha renuncia ao recurso veio a Requerida e Recorrente esclarecer que pretendia recorrer mas aceitava receber a quantia depositada nos termos que constam de fls. 833.
- Nada opondo a parte contrária que lhe fosse entregue a quantia depositada foram os autos remetidos ao tribunal “a quo” para determinar o que tivesse por conveniente;
- Vem agora a Requerida e Recorrente desistir do pedido que lhe seja entregue a quantia depositada e declarar que nada opõe que a Requerente e Recorrida levante a quantia depositada por si e lhe entregue o valor depositado através de cheque.
Ora a sugestão de que a Requerente e Recorrida levante a quantia depositada acarretaria para esta a desistência da consignação em depósito, deixando este processo de ter objecto, inutilizando tudo quanto havia sido decidido e permitindo eventualmente que a discussão entre as partes sobre a questão dos juros voltasse a poder ser colocada.
Não cabendo a este tribunal pronunciar-se no sentido de sugerir às partes que desistam da sua pretensão, nada mais há a decidir sobre a requerido que não seja ficar sem efeito o pedido da Requerida e Recorrente de lhe ser entregue a quantia depositada.».

A acrescer ao que já ali se dizia, temos agora o incidente supra relatado e que desnecessário se torna repetir.
Toda a actuação da Requerida/Recorrente nestes autos tem sido a de criar situações que gerem litígios sem contribuir de forma alguma para a solução da verdadeira questão que é apenas receber aquilo que lhe é devido sem protelar esse mesmo recebimento para receber mais juros, ponto que está desde a decisão da causa principal da qual estes decorrem na génese do problema uma vez que não lhe foi dada razão pelo TUI no sentido de receber tudo quanto se achava com direito.
Tão flagrante o é que repetiu agora no que concerne ao recebimento das MOP4.554,06 a mesma forma de actuar que já vem descrita na factualidade apurada em sede de consignação em depósito, com a diferença que desta vez, porquanto estava já o tribunal alertado para o comportamento, ficou documentado nos autos o comportamento tendo-se chegado ao ponto de recusar receber mais do que aquilo a que tinha direito com o pretexto de que lhe era lícito recusar o pagamento parcial, não se dando sequer ao cuidado de proceder à liquidação e ver que apesar do erro na indicação dos factores era oferecido o pagamento de mais do que era devido
Erro esse, nos factores, que resultou da omissão da conversão da moeda que consta da decisão em Dólares de Hong Kong para Patacas e que poderia facilmente ser resolvido assim houvesse a intenção de receber e colaborar como era sua obrigação.
De acordo com o disposto no nº 2 alínea c) do artº 385º do CPC, litiga de má-fé quem com dolo cometer omissão grave do dever de cooperação, situação na qual se enquadra a descrita nestes autos.
A parte que litigar de má-fé é condenada em multa nos termos do nº 1 do indicado preceito legal.
A multa é fixada entre 2 e 100 UC´s nos termos do artº 101º do RCT.
Notificada a Requerida/Recorrente para se pronunciar esta silenciou.

Termos em que, por este incidente vai a Requerida/Recorrente B (乙) condenada como litigante de má-fé na multa igual a 20UC´s.

Notifique.
Macau, 09.11.2023
(…)”; (cfr., fls. 935 a 937-v).

Aqui chegados, e transcrito que ficou o despacho do Exmo. Relator com o qual se decidiu condenar a ora recorrente como “litigante de má fé”, e que, como se referiu, foi objecto de (total) confirmação em sede da sua reclamação para a Conferência, vejamos.

Pois bem, no presente recurso, diz a recorrente que observou – sempre – o seu “dever de cooperação”, que prestou – sempre – os esclarecimentos que lhe foram solicitados, insistindo, que agiu – sempre – de forma legítima, pois que lhe assistia o direito de recusar receber ao “cumprimento parcial” de uma obrigação que lhe é devida.

Ora, em nossa opinião, e aqui, uma vez mais, evidente é que carece a recorrente de qualquer razão, nenhuma censura merecendo a decisão da sua condenação por “litigância de má fé”, pouco havendo a acrescentar ao que já consta do teor da aludida decisão, que aqui se acolhe e se dá como reproduzida na sua íntegra para efeitos de fundamentação da solução do presente recurso.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Como se sabe, (e constituindo um dos princípios fundamentais do direito processual civil), prescreve o art. 1°, n.° 2 do C.P.C.M. que:

“A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção”.

Por sua vez, e nos termos do art. 4° do mesmo C.P.C.M.:

“O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

Prescreve ainda o art. 8°, n.° 1 do dito C.P.C.M. que:

“Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as partes cooperar entre si, contribuindo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.

E, consagrando o “princípio da boa fé” prescreve também o seguinte art. 9° que:

“1. As partes devem agir de acordo com os ditames da boa fé.
2. As partes não devem, designadamente, formular pedidos ilegais, articular factos contrários à verdade, requerer diligências meramente dilatórias e omitir a cooperação preceituada no artigo anterior”.

Perante este “enquadramento jurídico-processual”, visto está que às partes de um processo judicial se reconhecem os mais amplos e efectivos poderes de, em Tribunal, impulsionar, debater e pugnar pelas suas “pretensões”, devendo, como é óbvio, fazê-lo de “forma leal”, sob pena de “litigância de má fé”, instituto previsto no art. 385° do C.P.C.M., onde se prescreve que:

“1. Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.

Ora, nas palavras de Rodrigues Bastos, “A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.º e 266º-A. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé”; (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª Edição, pág. 221 e 222, podendo-se, sobre o tema, ver também A. dos Reis in, “C.P.C. Anotado”, Vol. II, pág. 262 e segs.; J. L. Freitas e Isabel Alexandre in, “C.P.C. Anotado”, Vol. II, pág. 457; Menezes Cordeiro, in “Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo”, pág. 26 e segs.; e A. S. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. F. Pires de Sousa in, “C.P.C. Anotado”, Vol. I, pág. 593).

Existe assim “litigância de má fé”, quando um sujeito processual, agindo a título de dolo ou negligência grave, tenha no processo, um comportamento desenvolvido com o intuito de prejudicar a outra parte ou para perverter o normal prosseguimento dos autos.

Mostra-se de considerar também que na verificação de tal má-fé, importa proceder com cautela, já que há que reconhecer o direito a qualquer sujeito processual de pugnar pela solução jurídica que, na sua perspectiva, se lhe parece a mais adequada ao caso.

Na verdade, a condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua “atitude processual”, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da actividade judiciária e o prestígio da Justiça.

Emergente dos atrás referidos princípios da “cooperação” e da “boa fé processual”, assim como da “recíproca correcção”, (cfr., art°s 8°, 9°, e 10° do C.P.C.M.), a figura da “má fé processual” pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, ponha em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da Justiça; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 18.06.2021, Proc. n.° 200/2020-II, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020, de 19.12.2023, Proc. n.° 196/2020-I e de 08.03.2024, Proc. n.° 109/2023-I).

Aliás, foi no intuito de moralizar a atividade judiciária, que o citado preceito legal alargou o conceito de má fé à “negligência grave”, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má fé pressupunha uma atuação “dolosa”, isto é, com consciência de se não ter razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).

Explica também António Geraldes que “é neste contexto, concerteza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e do uso dos respectivos instrumentos que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres da boa fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé”; (in “Temas Judiciários”, Vol. I, Almedina, pág. 313).

O elemento subjetivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo “gravemente negligente”, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.

Portanto, passou a exigir-se dos litigantes, para que sejam considerados de boa fé, não apenas que declarem aquilo que subjetivamente consideram verdade, mas aquilo que considerem verdadeiro após cumprirem os mais elementares “deveres de prudência” e “cuidado”, impostos pelo princípio da boa fé processual.

Com efeito, são absolutamente de se ter por inaceitáveis condutas processuais que visam o “entorpecimento do processo”, e a negação dos seus princípios fundamentais.

De todos os actores processuais pede-se, e espera-se, uma utilização do processo como instrumento de procura e efectiva realização da Justiça, e não de “finalidades laterais”, em clara oposição com aquela procura e realização; (cfr., v.g., o A.U.F. n.° 2/2011 do S.T.J. in D.R. n.° 19/2011, Série I de 27.01.2011).

Sobre as partes, recai, desta forma, um dever de “pré-indagação da realidade” em que fundam a sua pretensão ou defesa, tomando-se em conta os mais “elementares deveres de cuidado”, isto é: aqueles que só podem ser desrespeitados por um sujeito que actue de modo “gravemente negligente”, e que não obedeça a qualquer regra de prudência ou ponderação antes de recorrer ao processo…

In casu, em face do exposto e descrito no atrás transcrito despacho do Exmo. Relator do Tribunal de Segunda Instância, manifesto se nos apresenta que bem ponderada e totalmente correcta é a consideração aí tecida – e que vale a pena recordar – no sentido de que “Toda a actuação da Requerida/Recorrente nestes autos tem sido a de criar situações que gerem litígios sem contribuir de forma alguma para a solução da verdadeira questão que é apenas receber aquilo que lhe é devido sem protelar esse mesmo recebimento para receber mais juros, ponto que está desde a decisão da causa principal da qual estes decorrem na génese do problema uma vez que não lhe foi dada razão pelo TUI no sentido de receber tudo quanto se achava com direito.
Tão flagrante o é que repetiu agora no que concerne ao recebimento das MOP4.554,06 a mesma forma de actuar que já vem descrita na factualidade apurada em sede de consignação em depósito, com a diferença que desta vez, porquanto estava já o tribunal alertado para o comportamento, ficou documentado nos autos o comportamento tendo-se chegado ao ponto de recusar receber mais do que aquilo a que tinha direito com o pretexto de que lhe era lícito recusar o pagamento parcial, não se dando sequer ao cuidado de proceder à liquidação e ver que apesar do erro na indicação dos factores era oferecido o pagamento de mais do que era devido
Erro esse, nos factores, que resultou da omissão da conversão da moeda que consta da decisão em Dólares de Hong Kong para Patacas e que poderia facilmente ser resolvido assim houvesse a intenção de receber e colaborar como era sua obrigação.
(…)”; (cfr., fls. 936-v a 937).

Com efeito, (toda) a sua “postura processual” revela, claramente, uma pré-disposição para “complicar o que é simples”, e de “porfiar”, ainda que sem “razoável argumento” ou “justo fundamento”, por pretensões que, com todo o respeito, se nos mostram de apelidar de (meramente) “caprichosas”, esgotando todos os meios processuais ao seu alcance e fazendo com que os presentes autos tenham tido o “desenvolvimento e tramitação processual” que – cremos nós – claramente evidenciado já está.

Na verdade, e para não nos alongamos, mostra-se apenas de salientar que os presentes autos tiveram início em 19.12.2019, com o pedido de “consignação em depósito” efectuado pela ora recorrida, e que, depois de feito, em 30.12.2019, se assistiu a todo um desenvolvimento processual pela ora recorrente impulsionado no sentido de “arrastar”, pelo maior período de tempo possível, a sua tramitação e adopção de uma solução final.

Ora, como é evidente, o atrás transcrito art. 1°, n.° 2, não atribui às partes um “direito absoluto” de intervir num processo judicial da maneira que bem lhes apetecer, (como podia suceder relativamente a um assunto da sua vida privada ou particular), não se podendo no mesmo admitir atitudes como as do “vale tudo”.

In casu, e para além do demais, (e como bem se notou na decisão recorrida), a ora recorrente invocando o seu direito de recusar o pagamento parcial, “chegou ao ponto de recusar receber mais do que aquilo a que tinha direito”, e, com todo o respeito, se tal não constituir uma postura processualmente inaceitável e de sancionar nos termos em que foi, então, de nada vale discutir e aprovar “Códigos” (de Processo) pois que, encontrada está a fórmula para se chegar ao “terrorismo – ou chacota – processual” que, muito infelizmente, foi ao que a ora recorrente se tem dedicado ao longo de todo o processado nos presentes autos.

Isto dito, vista está a solução para o presente recurso.

Decisão

3. Nos termos de todo o expendido, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 05 de Março de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
1 Como referência em direito comparado, vide acórdão do Tribunal Colectivo de Lisboa, Portugal, n.º 20/2001.L1-2 de 19 de Abril de 2012, no qual relata
“(…)
No que concerne à primeira questão, à aplicabilidade da nossa lei adjectiva, esta indica nos seus artgs. 616.° e 617.°, as situações de inabilidade e impedimentos para depor como testemunha No primeiro de tais preceitos referem-se as que têm a ver com as capacidades físicas e psíquicas do depoente, enquanto que o impedimento a que alude o art.° 617.°, se prende com a posição de parte que o depoente assuma na acção.
No caso em análise a testemunha não se enquadra em nenhuma de tais situações. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[1], “O principio geral deve ser este: -Todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem à descoberta da verdade. Se têm a posição de partes, é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não têm essa posição, então hão-de depor como testemunhas. A circunstância de uma pessoa ter interesse directo na causa é elemento a que o juiz atenderá naturalmente para avaliar a força probatória do depoimento; mas não deve ser fundamento de inabilidade".
Não sendo a situação em apreço um caso de inabilidade para depor como testemunha, o depoimento em causa, a ser admissível, teria de ser objecto de particular ponderação por parte do juiz julgador, sendo pois uma questão de valoração de prova e não de admissibilidade de depoimento.
O art° 618º, n° 3 do Código de Processo Civil, por seu turno, não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. O juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade. O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, constitui uma prerrogativa, não um impedimento.
(…)”

2 A respeito desta questão, vide acórdão TSI nº 616/2007 de 9 de Fevereiro de 2012 citado no despacho de fls. 121 a 122 dos autos, afirma-se que os advogados podem ser testemunhas sobre factos que não evolvem teor de segredo profissional. Relata no supracitado acórdão:
(...)
Conforme resulta evidente dos quesitos acima enunciados, os factos sobre que recaiu o depoimento prestado pela ilustre testemunha em apreço não estão incluídos na obrigação de segredo profissional.
Desde logo, não se está perante factos que tenham sido revelados pelo cliente ou pelos clientes do referido causídico. Tratam-se apenas e somente de factos de que o Sr. Dr. E foi testemunha ocular e presencial e, como tal, não se incluem em nenhuma das alíneas do artigo 5.º do Código Deontológico dos Advogados que prescreve:
(...)
Efectivamente, das declarações prestadas por escrito pelo Sr. Dr. E resulta com clareza que este se limitou a testemunhar a existência e a celebração do acordo revogatório da procuração celebrado entre a Autora e o primeiro réu.
A simples presença do advogado e inclusive a aposição da sua assinatura a fim de servir de testemunha à celebração de contratos ou acordos não está a coberto do sigilo profissional."

3 Como referência em direito comparado, vide acórdão do SPTJ nº 1/13.9YGLSB.S1de 17/04/2015, no qual relata:
"Como ressalta do exposto, o segredo profissional mostra-se inerente, não ao próprio advogado em si, mas à actividade desenvolvida por este profissional da Justiça, o que significa que nem todos os factos transmitidos ou conhecidos pelo advogado estão a coberto do dever de confidencialidade previsto pelo artigo 87.º, n.º 1, do EOA, mas simplesmente aqueles que sejam relativos ao exercício desta actividade profissional.
Deste modo, só estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem do desempenho desta actividade profissional (ou, de acordo, com os termos da própria lei, "os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções" ), o que leva a excluir do âmbito de protecção desta norma tudo aquilo que é comunicado ao advogado, mas que não respeite a actos próprios da advocacia, ou seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no seu local de trabalho Por isso, não estão a coberto deste sigilo profissional, por absurdo, os factos que estejam relacionados com um acordo firmado entre dois ou mais advogados para a prática, por eles, de comportamentos criminosos, nem tão pouco os factos relativos a uma combinação entre o advogado e o seu cliente de escritório de advocacia, ainda que ocorrida nesse local, para a participação, em conjunto, num evento desportivo ou cultural.
Isto significa que o local onde decorreram ou onde se teve conhecimento dos factos não se mostra decisivo ou determinante para se concluir que esses eventos se encontram cobertos pelo segredo profissional, assim como nem toda a actividade desenvolvida pelo advogado, ainda que no seu escritório, se mostra protegida pelo citado artigo 87.° do EOA.
Mais uma vez se salienta que são os factos inerentes à própria actividade profissional em si, desenvolvida pelo advogado, que se mostram abrangidos pelo sigilo deste profissional da Justiça, o que vale por dizer, desde logo, que estão afastadas do âmbito de protecção desta norma todas as actividades levadas a cabo por advogado que não se prendam directa ou indirectamente com o exercício da advocacia (por exemplo, os actos da sua vida privada ou os actos que se prendam com o desempenho de outra(s) actividade(s) profissional(ais)).
(...)
Acresce que o local onde decorreram ou onde se teve conhecimento dos factos pode constituir singelo indício, que deve ser ponderado, em conjunto, com os demais elementos do caso, de que essa factualidade se encontra excluída ou incluída no segredo profissional do advogado: assim, por exemplo, factos que foram transmitidos ao advogado no seu próprio escritório, durante o normal horário de atendimento/consulta, por um seu cliente que aí se deslocou, intencionalmente, para tratar ou abordar uma questão ou um assunto de cunho jurídico ou jurisdicional, à partida estarão a coberto de segredo profissional, por presumivelmente respeitarem ao desempenho profissional do advogado.. Conforme muito a propósito deixou assinalado Augusto Lopes Cardoso in "Do Segredo Profissional na Advocacia", 1998, pág. 26, “Para haver legitimidade e obrigação para a manutenção do segredo forçoso é que, por um lado, se trate de factos conhecidos no exercício da profissão e que, por outro lado, eles sejam relativos a esse exercício.".
Logo a seguir, o então Bastonário da Ordem dos Advogados, citando Parecer do Conselho Geral de 30-10-1952, explicita: "por isso (...) não estão incursos nessa categoria de factos os que, embora ocorridos no escritório do Advogado, não eram relativos ao exercício profissional"
(...)"

4 De acordo com as leis de Macau, o consentimento do cliente é ou não suficiente para isentar os advogados do dever de sigilo, nos acórdãos do TSI nºs 616/2007 e 156/2016 proferidos em 9 de Fevereiro de 2012 e 21 de Julho de 2016 respectivamente, discutiram sobre isso. Em termos de direito comparado, a opinião é afirmativa que pode ser visto no acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães de Portugal nº 2488/10.2TJVNF-A.G1 de 21 de Janeiro de 2016, e no acórdão de o Supremo Tribunal de Portugal n.º 04B795 de 15 de Abril de 2024. Além disso, teoricamente, na pretensão basta haver consentimento do cliente, suficiente para isentar o advogado do dever de sigilo, e por iniciativa própria do cliente em divulgar os factos relevantes também é suficiente para isentar o advogado do dever de sigilo, vide o ponto de vista afirmativo de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Estudo sobre Direito Civil e Processo Civil, Vol. I. , 2ª Edi., 2009, p. 529 a 572.
5 Parte da fundamentação que resultava do depoimento da testemunha D o qual neste recurso não foi aceite sendo a prova que dali resulte nula.
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