Processo nº 38/2024
(Autos de recurso civil e laboral)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No Tribunal Judicial de Base, e em sede da acção declarativa de condenação em processo comum ordinário – CV3-20-0081-CAO – que A (甲) e B (乙), AA., propuseram contra a “C”, (“丙”), e, “D”, (“丁”), RR., todos devidamente identificados nos autos, veio-se a proferir sentença onde se julgou a acção parcialmente procedente porque parcialmente provada:
“1. Anulando o contrato provisório de compra e venda celebrado em 21 de Abril de 2020 entre o 1º Autor e a 1ª Ré;
2. Anulando o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 28 de Abril de 2020 entre o 1º Autor e a 1ª Ré;
3. Anulando a compra e venda realizada, através da escritura de compra e venda e de constituição de hipoteca de 3 de Junho de 2020, pelos dois Autores e pela 1ª Ré, e declarando nulo o acto de constituição de hipoteca junto da 2ª Ré praticado pelos autores através da dita escritura;
4. Ordenando o cancelamento do registo de aquisição inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor dos dois Autores (sob o n.º XXXG), e o registo de hipoteca inscrito a favor do 2º Réu (sob o n.º XXXC), referente à loja acima referida (descrita sob o n.º XXX-AR/C);
5. Condenando a 1ª Ré a restituir aos dois Autores o preço da venda de HKD$37.500.000,00 (equivalente a MOP$38.625.000,00), do qual a quantia de HKD$11.250.000,00 (equivalente a MOP$11.587.500,00) é restituída directamente aos dois Autores, e a restante quantia de HDK$26.250.000,00 (equivalente a MOP$27.037.500,00) é depositada pela 1ª Ré na conta do crédito aberta no 2º Réu, com o n.º XXX;
6. Condenando a 1ª Ré a pagar aos autores o montante de HKD100.000,00 (equivalente a MOP103.000,00) e o montante de MOP436.428,00, a título de indemnização;
7. Julgando integralmente improcedentes os pedidos formulados pelos dois Autores contra o 2º Réu, e absolver o 2º Réu dos mesmos;
(…)”; (cfr., fls. 662 a 685-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, em sede do recurso que do assim decidido interpuseram os AA., (A e B), a 1ª R. (“C”), interpondo, também, o 2° R. (“D”) “recurso subordinado”, (cfr., fls. 713 a 730-v, 732 a 771-v e 808 a 813-v), proferiu o Tribunal de Segunda Instância Acórdão de 30.11.2023, (Proc. n.° 733/2023), onde, na improcedência dos ditos recursos, confirmou integralmente a decisão recorrida; (cfr., fls. 906 a 935).
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Ainda inconformada, traz agora a 1ª R. (“C”) o presente recurso a este Tribunal de Última Instância, produzindo em sede das suas alegações as seguintes conclusões:
“1.ª Vem o presente recurso do douto Acórdão do Venerando Tribunal do TSI de 30 de Novembro de 2023, que negou provimento ao recurso da Sentença de 19 de Abril de 2023 e, assim, a manteve, sentença essa que julgou procedente, por provada, a acção contra si intentada (e contra o D, o 2.º réu) por (i) A(甲) e (ii) B (乙) e, em consequência, foram anulados: (i) o contrato-promessa temporário celebrado entre o 1.º autor (ora Recorrido) e a 1.ª ré (ora Recorrente), em 21 de abril de 2020; (ii) o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o 1.º autor (ora Recorrido) e a 1.ª ré (ora Recorrente), em 28 de Abril de 2020; (iii) o cheque visado de 15 de Maio de 2020 emitido pelos dois autores; (iv) o contrato de empréstimo celebrado entre os dois autores (ora Recorridos) e o 2.º réu (D) no dia 03 de junho de 2020; e (v) a escritura de compra e venda e facilidades bancárias com hipoteca celebrada entre os dois autores (ora Recorridos) e a 1.ª ré (ora Recorrente) e 2.º réu, no dia 03 de Junho de 2020.
2.ª Na sequência da anulação de todos os actos acabados de mencionar, por, alegadamente, haver venda de coisa defeituosa e por esse motivo os AA poderem pedir a anulação do contrato de compra e venda, por erro, foi a 1.ª ré (ora Recorrente) condenada a restituir aos dois autores o preço pago na quantia de MOP38.625.000,00, como resultado da revogação da escritura de compra e venda e facilidades bancárias com hipoteca, e ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial, do registo de aquisição inscrito a favor dos 2 autores sob o n.º XXXG e do registo de hipoteca inscrito a favor do 2.º réu sob o n.º XXXC, referente à loja acima referida (descrição número XXX-AR/C).
3.ª Imputa a Recorrente, ao douto Acórdão do Tribunal a quo, o vício da nulidade (art.º 571.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC), por não se ter pronunciado de forma fundamentada sobre a matéria de facto impugnada pela Recorrente, certo sendo que esta indicou especificadamente quais os pontos concretos da matéria de facto que considerou incorrectamente julgados e quais os meios probatórios constantes do processo que impunham uma decisão diferente da recorrida, limitando-se o douto Tribunal a quo a fazer consignar na decisão recorrida: “(…) verifica-se que o tribunal de primeira instância explicou detalhadamente os motivos da formação das provas relevantes, não tendo sido encontrados erros ou desvios evidentes na avaliação das provas pelo tribunal de primeira instância. Pelo contrário, a avaliação é consistente com os princípios legais de prova e as regras gerais” (sublinhado nosso) (pág. 41 do douto Ac. recorrido) e “(…) Partindo da premissa de que os factos apurados durante o julgamento não se alteram, concordamos plenamente com a decisão pertinente, pelo que, em conformidade com o disposto no artigo 631.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, citando a decisão acima e com base nisso, determinamos que os fundamentos de recurso na parte aplicável da lei não são sustentáveis” (pág. 53 do douto Ac. recorrido).
4.ª A Recorrente imputa à decisão recorrida um vício de violação da lei ao não aplicar ao caso o art.º 365.º do Código Civil, que atribui força probatória aos documentos autênticos, certo sendo que não foi arguida a falta de autenticidade dos documentos autênticos que se encontram nos autos para prova dos factos alegados – maxime da natureza jurídica da fracção autónoma AR/C (sua composição, sua área, seu valor percentual em relação ao prédio, sua finalidade) –, pelo que estava vedado aos Ilustres Juízes que conheceram da matéria de facto apreciarem tais elementos de prova segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto no art.º 558.º do Código de Processo Civil.
5.ª A Recorrente imputa, também, ao douto Ac. recorrido o vício de violação da lei substantiva ao fazer uma interpretação errada dos art.ºs 1313.º (sob a epígrafe princípio geral da propriedade horizontal) e 1315.º (sob a epígrafe objecto da propriedade horizontal) do Código Civil, lá onde, subscrevendo os fundamentos da Sentença do TJB, considera que “apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja é que se destinam a uso comercial, sendo a restante parte do rés-do-chão uma passagem para automóveis, passagem essa que nem pertence à loja” (pág. 43 do Ac. recorrido).
6.ª É ilegal a divisão da fracção autónoma “AR/C” do prédio dos autos em duas partes, como o fizeram as Instâncias, determinando essa ilegalidade a sua inexistência e a impossibilidade da sua integração no comércio jurídico, já que apenas a realidade física que está englobada no título constitutivo da propriedade horizontal tem tutela jurídica.
7.ª Na propriedade horizontal, o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre fracções autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas, pelo que estando a sobreloja inserida fisicamente no espaço da fracção autónoma “AR/C”, não pode ela (com as escadas de acesso) operar para fins comerciais, conforme decisão das Instâncias.
6.ª A Recorrente considera que, neste caso, a questão crucial a resolver prende-se com a natureza jurídica da fracção do rés-do-chão do imóvel sito em Macau, na [Rua(1)] n.ºs XXX-XXX A, [Rua(2)], n.ºs XX-XX, tornando-se incontornável afirmar-se que não é possível considerar-se juridicamente uma “fracção autónoma”, tendo – como decidiram as Instâncias relativamente à acima identificada – duas finalidades: (i) para fins comerciais (a sobreloja integrada nessa fracção e acessada por escadas internas a partir do nível térreo e não no exterior) e, simultaneamente (ii) para o fim de passagem para automóveis (o nível térreo), sendo a primeira propriedade privada e a segunda parte partilhada (ou seja, parte comum do prédio).
7.ª Quando se diz que é crucial resolver a questão da natureza jurídica da identificada fracção, tem-se em consideração que é dela que surge a causa de pedir que sustentou a presente acção, isto é, a alegada existência de uma fracção autónoma dividida em duas partes: uma comum destinada a “passagem para automóveis” e outra privada (integrando apenas a sobreloja implantada no rés-do-chão) destinada a fins comerciais, e decaindo a causa de pedir, decai, de igual modo, a presente acção, porquanto não resultaram provados quaisquer dos fundamentos invocados pelos aa/recorridos que sustentavam o pedido de anulação do contrato de compra e venda da fracção autónoma AR/C do prédio sito na [Rua(1)], n.ºs XXX e XXX-A, em Macau.
8.ª Na verdade, subscrevendo a decisão da Primeira Instância, o douto Tribunal a quo, fazendo descaso absoluto de documentos autênticos, que constam do processo e estribando-se em documentos não autênticos (um ofício da DSSOPT que expressa a opinião de quem o subscreveu e dois que estão desactualizados extraídos do processo de construção do imóvel que se encontra arquivado na DSSOPT), considerou que, sendo “apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja é que se destinam a uso comercial, sendo a restante parte do rés-do-chão uma passagem para automóveis, passagem essa que nem pertence à loja, e, portanto, “atendendo à área do rés-do-chão utilizável pelo legítimo proprietário da loja, afigura-se perfeitamente concebível que o espaço real do piso do rés-do-chão da referida loja não era suficiente para colocar um número mínimo de 30 pessoas, nem podia obter a emissão de um alvará de restaurante”, se verifica que houve venda de coisa defeituosa e, portanto, que os AA podem anular o contrato de compra e venda, por erro negocial.
9.ª Estabelecendo o art.º 1.º do Código do Registo Predial, que “O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio imobiliário”, não são compreensíveis para a Recorrente as razões que levaram as Instâncias a determinar a natureza jurídica da fracção do rés-do-chão do imóvel identificado nos autos (objecto do contrato de compra e venda celebrado ente os autores e a Recorrente), com base em documentos não autênticos e desactualizados, extraídos do processo de construção arquivado naqueles serviços.
10.ª Da certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Macau consta que o imóvel dos autos é um prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, descrito sob o n.º XXX, a fls 4v do Livro BX, composto por rés-do-chão e 4 andares, mais constando que a fracção autónoma AR/C, Rés-do-chão A, é composta por R/C com sobreloja, com a área de 149.7300 mq, cuja finalidade é o Comércio e, no que concerne à constituição da propriedade horizontal, consta que integra nove (9) fracções autónomas, sendo uma (1) – designada por AR/C– com o valor relativo percentual de 20,810000%, para comércio, e oito (8) – designadas por A1, A2, A3, A4, B1, B2, B3, B4 –, com diferentes valores relativos percentuais, para habitação, não constanto nenhuma parte comum (embora se saiba que decorre da lei que o terraço e as respectivas escadas de acesso o são).
11.ª Decorre da certidão do registo predial a fls 232-244 dos autos que o objecto do contrato de compra e venda, celebrado entre os Autores e a 1.ª Ré/Recorrente concretizado por escritura pública de 3 de Junho de 2020 com intervenção do 2.º Réu/D (por terem os autores recorrido a empréstimo bancário), é o imóvel com a composição, área, valor percentual relativo e finalidade, que dela constam e, consequentemente, fica afastada a possibilidade de se considerar que houve venda de coisa defeituosa e, portanto, afastada a possibilidade de os autores pedirem a anulação do contrato de compra e venda, por erro.
12.ª É entendimento unânime o de que o Tribunal de Última Instância tem poderes para censurar a apreciação da matéria de facto quando se detecte ofensa de uma disposição legal que fixe a força de determinado meio de prova, ao abrigo do n.º 2 do art.º 649.º do Código de Processo Civil, estando em causa um poder legalmente conferido, de natureza oficiosa, de alterar a matéria de facto dada como assente pelo Tribunal recorrido, na hipótese de ter havido ofensa de disposição legal que fixe a força de determinado meio de prova.
13.ª Do que se deixou exposto no texto das presentes Alegações, verifica-se que foi dado por provado pelas Instâncias que o imóvel vendido pela Recorrente aos Autores é uma fracção mista porque tem duas finalidades [(i) a sobreloja para desenvolver actividade comercial e (ii) o espaço a nível térreo para passagem de automóveis], sendo a primeira propriedade privada e, portanto, utilizável pelos AA, e a segunda propriedade comum, a ser partilhada pelos demais condóminos, tratando-se, pois, de um facto incompatível com o teor do documento autêntico acima indicado, que é a certidão do registo predial a fls 232 a 244 dos autos (art.º 363.º do CC).
14.ª Ao abrigo do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, o Venerando Tribunal ad quem, pode alterar esse facto para reflectir o que consta exactamente da certidão do registo predial, dando por provado que a fracção autónoma AR/C, Rés-do-chão A, é composta por R/C com sobreloja, com a área de 149.7300 mq, cuja finalidade é o Comércio.
15.ª Pese o facto de ser a “natureza jurídica da fracção identificada nos autos” o cerne da questão a ser resolvida nos presentes autos, há outros factos que foram dados por provados pela Primeira Instância, tendo sido impugnados pela Recorrente (impugnação essa feita de acordo com a lei processual – art.º 599.º do CPC).
16.ª No humilde entendimento da Recorrente, tal situação processual não se resolve com a eventual simples alteração pelo Venerando Tribunal ad quem de um dos factos (ainda que seja o essencial para a resolução da causa) que integram a “factualidade apurada” pelas Instâncias.
17.ª Nestas circunstâncias, os autos devem ser reenviados ao Tribunal a quo, para se proceder a uma nova apreciação e decisão do recurso aí apresentado pela 1.ª Ré/Recorrente.
18.ª Tal como é entendimento dessa Alta Instância, “o Tribunal de Segunda Instância não deve limitar-se a verificar se algum erro – “manifesto” – no procedimento probatório inquina a convicção do Juiz da 1ª Instância, devendo, antes, analisar e reflectir sobre (todo) o “processo” que levou àquela “convicção” que vem impugnada, e, em face do que alegado vem, formar uma “nova convicção” sobre as provas produzidas na 1ª Instância” (Ac. TUI de 19.10.2022, explicitado no Proc. n.º 189/2020).
19.ª No texto das presentes Alegações, a Recorrente transcreveu toda a matéria fáctica dada por assente pelas Instâncias (factos provados e não provados).
20.ª Para que o Venerando Tribunal ad quem possa decidir se é de considerar procedente o pedido de reenvio dos autos ao Douto Tribunal a quo para reapreciação do recurso, a Recorrente, também, deixou transcrita, no texto das presentes Alegações, a impugnação da matéria de facto por si feita junto do Tribunal recorrido.
21.º O douto Acórdão recorrido deve ser julgado nulo, nos termos do art.º 571.º, n.º 1, alíneas b) e d), em conjugação com o art.º 639.º, todas as disposições do C.P.C.”; (cfr., fls. 949 a 979-v).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a conhecer.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão indicados como provados os seguintes factos:
“1. O prédio envolvido é: a fracção autónoma, para comércio, designada por AR/C do prédio sito em Macau, na [Rua(1)] n.ºs XXX-XXX-A, [Rua(2)], n.ºs XX-XX, registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º XXX (adiante designada por “referida loja”) (vide as fls. 232 a 244 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (alínea A) dos factos assentes)
2. No período entre 10 de Outubro de 2014 e 2 de Junho de 2020, a 1ª Ré era proprietária da referida loja. (alínea B) dos factos assentes)
3. O 1º Autor, juntamente com o arquitecto e o engenheiro, encarregados por ele, e o aludido agente imobiliário, deslocaram-se à referida loja para inspecionar o ambiente no local, de modo a saber do espaço real e da altura da referida loja, entre outros elementos importantes, e avaliar se a mesma satisfez as exigências da exploração de restaurante. (alínea C) dos factos assentes)
4. Durante a inspecção, o arquitecto e o engenheiro, encarregados pelo 1º Autor, também entenderam que a referida loja tinha uma área útil total de aproximadamente 250m2, de 6m de pé-direito; o piso superior tinha a área de 123m2, com altura de 2,7m, e o piso inferior tinha a área de 127m2, com altura de 3,3m, pelo que, objectivamente, o local podia ser usado para explorar um restaurante, e tinha condições para obter as licenças necessárias para o efeito, emitidas pelos serviços competentes do Governo. (alínea D) dos factos assentes)
5. Ao celebrar o “contrato provisório de compra e venda” da referida loja no dia 21 de Abril de 2020, o 1º Autor já entregou ao representante da 1ª Ré, a título de sinal, um cheque do D (com o n.º XXX), no valor de um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD$1.500.000,00), cujo tomador foi a 1ª Ré. (alínea E) dos factos assentes)
6. A 1ª Ré já apresentou a pagamento o cheque do D, entregue pelo 1º Autor, no valor de um milhão e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD$1.500.000,00). (alínea F) dos factos assentes)
7. Ao celebrar o “contrato-promessa de compra e venda” da referida loja no dia 28 de Abril de 2020, o 1º Autor já entregou à 1ª Ré, a título de reforço do sinal, uma livrança do D (com o n.º XXX), no valor de dois milhões e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$2.250.000,00), cujo tomador foi a 1ª Ré. (alínea G) dos factos assentes)
8. Para pagar o preço de venda da referida loja, os dois Autores requereram ao 2º Réu a concessão dum empréstimo hipotecário, no valor de vinte e seis milhões, duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$26.250.000,00), a qual foi posteriormente aprovada pelo 2º Réu. (alínea H) dos factos assentes)
9. A pedido do 2º Réu, os dois Autores assinaram e passaram ao 2º Réu, em 15 de Maio de 2020, uma livrança, no valor de vinte e seis milhões, duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$26.250.000,00), e a declaração de responsabilidade, como garantia do respectivo empréstimo (vide as fls. XXX a 274 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (alínea I) dos factos assentes)
10. No dia 3 de Junho de 2020, os dois Autores, o representante da 1ª Ré e o representante do 2º Réu celebraram, no escritório do advogado G, uma escritura de compra e venda e de hipoteca (adiante designada por: referida escritura de compra e venda e de hipoteca) (vide as fls. 287 a 295 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (alínea J) dos factos assentes)
11. Ao celebrar a referida escritura de compra e venda e de hipoteca, os dois Autores entregaram à 1ª Ré uma livrança do D (com o n.º XXX), no valor de sete milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD$7.500.000,00), e uma livrança do D (com o n.º XXX), no valor de vinte e seis milhões, duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$26.250.000,00), para o pagamento do restante preço de venda da referida loja; (alínea K) dos factos assentes)
12. Foi registado o direito de propriedade sobre a referida loja a favor dos dois Autores, e a hipoteca sobre a mesma foi registada a favor do 2º Réu (foram inscritas na Conservatória do Registo Predial a aquisição sob o n.º XXXG, e a hipoteca voluntária sob o n.º XXXC). (alínea L) dos factos assentes)
13. Do relatório de avaliação imobiliária emitido por [Empresa], consta o seguinte (vide as fls. 325 a 333 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
15. Área útil: aproximada de 245,23m2 ou 2.640 pés quadrados (medição e cálculo feitos em conformidade com a planta emitida pela DSSOPT em 13 de Outubro de 2013)
16. Compartimentos: rés-do-chão: loja; sobreloja: loja
19. Fachada da loja: a fachada do prédio dá para o [Rua(2)] e a [Rua(1)].
24. Opinião geral: após inspecção do exterior do prédio feita no local, verifica-se o mesmo encontra-se desocupado. O prédio tem duas fachadas, respectivamente, com altura de 16,40 pés (5,00 metros), virada para a [Rua(1)], e de 17,98 pés (5,48 metros), virada para o [Rua(2)]. Dentro do prédio, há uma escada que liga o rés-do-chão à sobreloja.
27. Valor de mercado: cinquenta e cinco milhões de dólares de Hong Kong (HKD$55.000.000,00) (alínea N) dos factos assentes)
14. O 2º Réu é instituição de crédito em Macau, e antes da admissão do pedido de empréstimo dos Autores, perguntou aos mesmos sobre a finalidade do seu pedido. (alínea O) dos factos assentes)
15. O 2º Réu sabia que os Autores só pediram o empréstimo envolvido para a aquisição da loja envolvida. (alínea P) dos factos assentes)
16. E o 2º Réu só emprestou a respectiva quantia elevada aos Autores por ter conhecimento de que o empréstimo era destinado à aquisição da loja envolvida. (alínea Q) dos factos assentes)
17. Por a loja (com finalidade comercial) ter valor superior a trinta e sete milhões de dólares de Hong Kong (HKD$37.000.000,00), o 2º Réu fixou o rácio do empréstimo hipotecário em 70%, ou seja, o 2º Réu só emprestou uma quantia equivalente a 70% do preço do prédio hipotecado. (alínea R) dos factos assentes)
18. Se não houvesse o contrato de mútuo, o 2º Réu não teria exigido aos Autores a emissão da livrança, nem teria celebrado com os Autores a escritura pública de hipoteca. (alínea S) dos factos assentes)
19. Os dois Autores são casados no regime de comunhão geral de bens (vide as fls. 245 a 248 dos autos). (alínea T) dos factos assentes)
20. A 1ª Ré é uma companhia limitada constituída em Macau, e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX SO, que tem como objecto o investimento imobiliário (vide as fls. 20 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (alínea U) dos factos assentes)
21. Em 03 de Junho de 2020 o ora Segunda Réu e os ora Autores celebraram um contrato de mútuo (cf. Doc. 15 junto com a petição inicial e que se dá aqui, para todos os efeitos legais, por integralmente reproduzido). (alínea V) dos factos assentes)
22. Nos termos do contrato de mútuo celebrado entre ora Segundo Réu e os ora Autores, o ora Segundo Réu concedeu aos ora Autores um mútuo no valor, em capital, de HKD26.250.000,00 para aquisição de um imóvel. (alínea W) dos factos assentes)
23. Sobre o mútuo concedido incidia uma taxa de juro de 2,75% abaixo da Prime Rate (Prime Rate – 2,75%), que corresponde a uma taxa de juro efectiva, na presente data, de 2,5%. (alínea X) dos factos assentes)
24. Em 03 de Junho de 2020 o Segundo Réu, em cumprimento do contrato de mútuo celebrado entre o ora Segundo Réu e os ora Autores, emitiu e entregou aos Autores a ordem de caixa referida em K. (alínea Y) dos factos assentes)
25. Nos termos do contrato de mútuo e da própria ordem de caixa (“cashier’s order”), com o número XXX, o beneficiário da ordem de caixa era o Primeiro Réu, tendo este recebido directamente na sua conta bancária o valor correspondente a HKD26.250.000,00 a título de pagamento do remanescente do preço devido pelos ora Autores. (alínea Z) dos factos assentes)
26. Até à data (02.12.2020), o ora Segundo Réu recebeu dos Autores a quantia total de HKD243.290,28 a título de pagamento de juros. (alínea AA) dos factos assentes)
27. Em 16 de Outubro de 1977, E (戊), na qualidade de proprietário dos prédios n.ºs XXX e XXX-A da [Rua(1)], submeteu à apreciação dos, então, Serviços de Obras Públicas um projecto de construção de um novo prédio, em regime de propriedade horizontal (Doc. n.º 2, 1 fl frente e verso, ora junto). (alínea BB) dos factos assentes)
28. Documento este que acompanhou o projecto de construção de um prédio no terreno proveniente da demolição dos prédios n.ºs XXX e XXX-A da [Rua(1)], propriedade de E, no que se refere à FINALIDADE consta: “o prédio a construir terá o r/c destinado a passagem para veículos e os andares superiores destinados a habitação em regime de propriedade horizontal” (Doc. n.º 3, com 5 fls, ora junto). (alínea CC) dos factos assentes)
29. Em 10 de Agosto de 1979, o técnico responsável pela direcção e fiscalização da obra de construção do mesmo prédio, requereu junto das Obras Públicas, a alteração nessa obra, isto é, alterando a “passagem para automóveis” para “loja”, submetendo o projecto de alterações. (alínea DD) dos factos assentes)
30. Na mesma data, isto é, em 10 de Agosto de 1979, o Engenheiro técnico apresentou a “Discriminação das fracções autónomas”, em que figura no rés-do-chão a finalidade Loja com sobreloja, com uma área de 149,73m2, para essa fracção autónoma (loja com sobreloja), correspondente a 20,81% do valor total do prédio, que, somando as demais áreas destinadas à habitação, atinge a área total de 719,41m2, mais constando dessa relação, textualmente, a menção: “será propriedade comum a todo o bloco a cobertura-terraço acessível e as escadas de acesso” (Doc. n.º 6, 1 fl, ora junto). (alínea EE) dos factos assentes)
31. Em 16 de Outubro de 1979, foi emitida a certidão n.º XXX/79, para vários efeitos e designadamente para efeitos do registo na “Conservatória dos Registos” que o prédio pertencente a E, construído no terreno proveniente da demolição dos prédios XXX e XXX-A da [Rua(1)], em regime de propriedade horizontal, é composto de rés-do-chão e quatro pisos superiores, tendo no rés-do-chão uma loja com sobreloja e em cada andar superior, duas moradias, num total de nove fracções autónomas, mostrando-se discriminado o valor relativo de cada uma das fracções autónomas, expresso em percentagem (Doc. n.º 7, 1 fl frente e verso, ora junto). (alínea FF) dos factos assentes)
32. Na mesma data, isto é, em 16 de Outubro de 1979, foi emitida a certidão n.º 386/79, com o mesmo teor (Doc. n.º 8, a fl frente e verso, ora junto). (alínea GG) dos factos assentes)
33. Da Licença para ocupação N.º XXX/79, emitida em 3 de Setembro de 1979, consta que E tem licença para ocupar a loja com sobreloja do rés-do-chão, destinado a fins comerciais, mais constando de tal licença de ocupação que o terraço é parte comum do prédio – cfr. fls. 311 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea HH) dos factos assentes)
34. A 1.ª Ré incumbiu a agência “F” (doravante designada por “F”), em representação, para vender/arrendar a referida loja ora indicada nos factos assentes da al. A). (resposta ao art.º 1.º do factum probandum)
35. A 1.ª Ré revelou à agência “F” os dados de identificação, a situação jurídica, a finalidade, a área útil, a composição do imóvel e o preço da venda pretendido. (resposta ao art.º 2.º do factum probandum)
36. A 1.º Ré descreveu a referida loja à agência “F”, o seguinte:
a) Loja comercial;
b) Composta de todo o piso do rés-do-chão e todo o piso da sobreloja, com a área de construção de 4,604 pés quadrados, e área útil de 250m2;
c) A porta principal localizava-se na [Rua(1)], n.ºs XXX-XXXA, a porta traseira situava-se no [Rua(2)], n.ºs XX-XX; e
d) O inquilino anterior utilizou a loja para explorar uma oficina/loja de veículos. (resposta ao art.º 3.º do factum probandum)
37. A agência “F” promoveu a referida loja conforme a informação e descrição prestada pela 1.ª Ré. (resposta ao art.º 4.º do factum probandum)
38. No início do ano 2020, o 1.º Autor pretendia abrir um restaurante na [Zona], o qual devia ter capacidade para um número não inferior a 30 pessoas, daí o 1.º Autor foi à procura de uma loja comercial adequada para explorar o restaurante. (resposta ao art.º 5.º do factum probandum)
39. Posteriormente, o 1.º Autor tomou conhecimento de que a loja situada em Macau, no [Rua(2)], n.º XX, [Edifício], r/c-A se destinava a vender/arrendar, através da agência “F”. (resposta ao art.º 6.º do factum probandum)
40. O agente imobiliário da agência “F” forneceu ao 1.º Autor a brochura publicitária do imóvel que se encontra junta a fls. 253 a 258 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. (resposta ao art.º 7.º do factum probandum)
41. Provado o que consta da resposta dada ao quesito 7º. (resposta ao art.º 8.º do factum probandum)
42. A referida brochura publicitária mostrava ainda a planta aprovada pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e fotografias tiradas no local da fachada da referida loja. (resposta ao art.º 9.º do factum probandum)
43. Além disso, o referido agente imobiliário disse ao 1.º Autor que a porta principal da referida loja ficava virada à [Rua(1)], n.ºs XXX-XXXA. (resposta ao art.º 10.º do factum probandum)
44. Mais revelou que o referido agente imobiliário ao 1.º Autor o seguinte:
- que a área da referida loja constante da busca só representava a área do piso do rés-do-chão e não a área da sobreloja;
- que, no entanto, já na altura da construção do prédio a promotora submeteu o projecto de construção da sobreloja, tendo sido apreciado e aprovado pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (só que não constava na busca);
- que, deste modo, a área real da referida loja não tinha apenas a área descrita na busca, mas tinha uma área total de 4,064 pés quadrados;
- que a referida loja (incluía o piso do rés-do-chão e da sobreloja) tinha finalidades comerciais. (resposta ao art.º 11.º do factum probandum)
45. Durante a consulta com o referido agente imobiliário, o 1.º Autor disse-lhe claramente que pretendia uma loja para explorar um estabelecimento de comida, que o piso do rés-do-chão devia ter capacidade para um número não inferior a 30 pessoas, ou seja um restaurante devia ter um piso de rés-do-chão para servir os clientes à mesa. (resposta ao art.º 12.º do factum probandum)
46. Durante a visita ao local, o referido agente imobiliário revelou ao 1.º Autor acompanhado com arquitecto e engenheiro, o seguinte:
a) A porta principal e a de traseira tinham acesso de entrada e saída, a porta principal ficava virada à [Rua(1)], n.ºs XXX-XXXA e a porta traseira ao [Rua(2)] n.ºs XX-XX;
b) A referida loja era composta por um piso do rés-do-chão e sobreloja, depois de calcular as medidas, esta tinha a área útil total de 250m2, de 6m pé-direito: o piso superior com 123m2 e de altura 2,7m; o piso inferior com 127m2 e de altura 3,3m;
c) A referida loja (incluía os pisos do rés-do-chão e da sobreloja) tinha finalidades comerciais. (resposta ao art.º 13.º do factum probandum)
47. O 1.º Autor visitou o local e o ambiente estava conforme a descrição da brochura de publicidade da agência “F”. (resposta ao art.º 14.º do factum probandum)
48. O 1.º Autor celebrou com a 1.ª Ré, esta, através do seu representante, o “contrato provisório de compra e venda” que se encontra junto a fls. 259 e 260, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em 21 de Abril de 2020, sob a providência do referido agente imobiliário da “F”, e mediante a celebração do referido documento, a 1.ª Ré prometeu vender ao 1.º Autor e este prometeu comprar a loja acima referida, pelo preço de trinta e sete milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD37.500.000,00). (resposta ao art.º 15.º do factum probandum)
49. As partes assinaram os documentos juntos a fls. 257 e 258 dos autos confirmando que a venda da referida loja abrangia o espaço do piso do rés-do-chão e o espaço da sobreloja assinalados pelos quadrados de cor vermelha a fls. 257, e que a porta assinalada a fls. 258 estava virada à [Rua(1)], n.ºs XXX-XXXA. (resposta ao art.º 16.º do factum probandum)
50. No dia 28 de Abril de 2020, o 1.º Autor e a 1ª Ré, esta, através do seu representante, deslocaram-se ao escritório do advogado, G, para celebrar o “contrato promessa de compra e venda” que se encontra junto a fls. 264 e 265 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que está estipulado que o objecto da compra e venda era a referida loja, pelo preço de trinta e sete milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD37.500.000,00), e que o 1.º Autor era o comprador e a 1.ª Ré era a vendedora. (resposta ao art.º 18.º do factum probandum)
51. Para cumprir a obrigação do pagamento de imposto, em 4 de Maio de 2020, o 1.º Autor apresentou à Direcção dos Serviços de Finanças a Declaração do Imposto do Selo, de modelo M/1, devido à aquisição da referida loja, e no dia 07 do mesmo mês, ele efectuou o pagamento no valor de um milhão, cento e cinquenta e três mil, seiscentas e oitenta e oito patacas (MOP1.153.688,00) do Imposto do Selo sobre a Transmissão de Bens. (resposta ao art.º 19.º do factum probandum)
52. Após a celebração da escritura de compra e venda e de hipoteca da referida loja ora mencionada nos factos assentes da alínea J), a 1.ª Ré entregou a referida loja aos dois Autores. (resposta ao art.º 20.º do factum probandum)
53. Nesse mesmo dia, os dois Autores pagaram ao referido agente imobiliário da “F” uma comissão de cem mil dólares de Hong Kong (HKD100.000,00). (resposta ao art.º 21.º do factum probandum)
54. Nesse dia, os dois Autores pagaram ao escritório do advogado, G, os honorários e despesas devidas à celebração da escritura de compra e venda e de hipoteca da referida loja, no valor de quatrocentas e trinta e seis mil, quatrocentas e vinte e oito patacas (MOP436.428,00). (resposta ao art.º 22.º do factum probandum)
55. Depois de ter adquirido e registado a propriedade da referida loja, numa data não concretamente apurada, o 1.º Autor dirigiu-se à mesma com o arquitecto e o designer das obras de decoração incumbidos de tirar as medidas, planear o concretizar a criação do restaurante, assim como discutiram o assunto do pedido de alvará de restaurante. (resposta ao art.º 23.º do factum probandum)
56. No dia 26 de Junho de 2020, pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes foi emitida ao 1.º Autor a certidão que se encontra junta a fls. 309 a 323 dos autos (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), donde consta documentos extraídos do processo de construção do prédio em causa. (resposta ao art.º 24.º do factum probandum)
57. Os documentos arquivados na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes revelam que apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja é que se destinam a uso comercial, sendo a restante parte do rés-do-chão uma passagem para automóveis. (resposta ao art.º 25.º do factum probandum)
58. A área real da fracção autónoma referida na al. A) dos Factos Assentes inclui apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja, mas não inclui o espaço da passagem para automóveis. (resposta ao art.º 26.º do factum probandum)
59. O espaço real do piso do rés-do-chão da referida loja não era suficiente para colocar um número mínimo de 30 pessoas, nem podia obter a emissão de um alvará de restaurante. (resposta ao art.º 27.º do factum probandum)
60. O 1º Autor não teria adquirido a referida loja, se a área útil da parte da loja no piso do rés-do-chão não atingisse 127m2 e na sobreloja 123m2, se a área de construção total não atingisse 427,7116m2 (4.604 pés quadrados), bem como, se o piso do rés-do-chão não se destinasse para um restaurante para servir a clientes à mesa, sem capacidade para um número não inferior a 30 pessoas. (resposta ao art.º 28.º do factum probandum)
61. O 2.º Réu procedeu à avaliação da referida loja antes de aprovar o empréstimo em causa aos Autores. (resposta ao art.º 29.º do factum probandum)
62. O 2.º Réu concordou que a referida loja tinha um valor não inferior a trinta e sete milhões e quinhentos mil dólares de Hong Kong (HKD37.500.000,00). (resposta ao art.º 30.º do factum probandum)
63. Se os Autores soubessem que a escritura de compra e venda celebrada com a 1.ª Ré, por algum motivo, seria revogada ou anulada, os Autores não iam assinar o contrato de mútuo com o 2.º Réu. (resposta ao art.º 31.º do factum probandum)
64. Se os Autores soubessem que o contrato de empréstimo assinado com o 2.º Réu não era válido, os Autores não iam celebrar com o 2.º Réu a escritura de hipoteca e emitir uma livrança para garantir a obrigação. (resposta ao art.º 32.º do factum probandum)
65. O 2.º Réu tinha conhecimento das aludidas pretensões dos Autores antes de assinar os referidos acordos. (resposta ao art.º 33.º do factum probandum)
66. Se o 2.º Réu soubesse que a escritura de compra e venda celebrada entre os Autores e a 1.ª Ré, por algum motivo, seria revogada ou declarada nula, este não ia conceder o empréstimo, nem celebrar o contrato de mútuo com os Autores. (resposta ao art.º 34.º do factum probandum)
67. Em 02 de Dezembro de 2020 o crédito do ora Segundo Réu sobre os ora Autores ascendia ao valor de HKD18.199.334,44 – correspondente, para efeitos fiscais, a MOP18.475.314,47 – correspondente ao valor de capital de HKD18.198.087,99 e juros no valor de HKD1.126,44. (resposta ao art.º 35.º do factum probandum)
68. Até à data de 02.12.2020, o 2º Réu já recebeu dos Autores juros remuneratórios pagos por estes no valor total de HKD243.290,28. (resposta aos art.ºs 36.º e 37.º do factum probandum)
69. O requerimento referido em DD veio a ser deferido em 13 de Agosto de 1979. (resposta ao art.º 38.º do factum probandum)
70. O rés-do-chão da fracção autónoma referida na al. A) dos Factos Assentes, originariamente, era composto exclusivamente por uma “passagem de automóveis”, e posteriormente, em 1979, a pedido e no interesse do construtor e proprietário do prédio, a fracção autónoma passou a constituir uma “loja com sobreloja” com a área e o destino consignados nas respostas dadas aos quesitos 25º e 26º. (resposta ao art.º 39.º do factum probandum)
71. Provado apenas o que consta das respostas dadas aos quesitos 25º, 26º e 39º. (resposta ao art.º 42.º do factum probandum)”; (cfr., fls. 669-v a 677 e 918-v a 925-v).
Do direito
3. Como resulta do que se deixou transcrito, o presente recurso pela 1ª R. “C” interposto tem como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base cujo dispositivo se deixou transcrito; (cfr., pág. 2 e 3 deste aresto).
Atentas as conclusões pela dita recorrente produzidas no presente recurso, verifica-se que é a mesma de opinião que o aludido Acórdão do Tribunal de Segunda Instância padece de:
- “nulidade (art.º 571.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC), por não se ter pronunciado de forma fundamentada sobre a matéria de facto impugnada”, (cfr., concl. 3ª);
- “violação da lei ao não aplicar ao caso o art.º 365.º do Código Civil, que atribui força probatória aos documentos autênticos”, (cfr., concl. 4ª); e,
- “violação da lei substantiva ao fazer uma interpretação errada dos art.ºs 1313.º (sob a epígrafe princípio geral da propriedade horizontal) e 1315.º (sob a epígrafe objecto da propriedade horizontal) do Código Civil”, (cfr., concl. 5ª); pedindo, a final que:
“(a) Ao abrigo do n.º 2 do art.º 649.º do CPC, se julgue que a natureza jurídica da fracção autónoma do rés-do-chão do imóvel sito em Macau, na [Rua(1)] n.ºs XXX-XXX A, [Rua(2)], n.ºs XX-XX é a que resulta da certidão do registo predial a fls 232 a 244 dos autos, um documento autêntico, cuja autenticidade não foi ilidida, sendo com base nesse pressuposto de facto que deve ser reapreciada e julgada a restante matéria de facto impugnada.
E, simultaneamente,
(b) Porque foi negado à Recorrente um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, quando estão reunidos todos os requisitos legais para que beneficie do mesmo, e, portanto, foi violada alínea a) do n.° 1 do artigo 629.° do CPC, deve ser revogado o Ac. de 30 de Novembro de 2023 do TSI e, consequentemente, ordenada a remessa dos autos ao douto Tribunal a quo para que conheça da impugnação da matéria de facto e, reconhecida que seja a natureza jurídica da fracção autónoma que resulta da certidão predial de fls 232 a 244, se conclua que não se verifica venda de coisa defeituosa, ficando afastada a possibilidade de os Autores/Recorridos verem anulado o contrato de compra e venda, por erro”; (cfr., fls. 979 a 979-v).
Identificadas e expostas que se deixaram as “questões” pela recorrente trazidas à apreciação desta Instância, vejamos então que solução lhes dar.
–– Comecemos pela apontada “nulidade (art.º 571.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC), por não se ter pronunciado de forma fundamentada sobre a matéria de facto impugnada”.
Pois bem, sobre tal “matéria” e “questão” consignou-se no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância o que segue:
“Do recurso interposto pela 1ª Ré:
1. Impugnação da decisão da matéria de facto
A 1ª Ré impugnou os quesitos 25º, 26º, e 39º a 42º da base instrutória, cujo conteúdo a seguir se transcreve:
25º
O documento do processo de construção da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes referia que apenas a área do piso do rés-do-chão da referida loja até ao espaço das escadas que ligava à sobreloja era para uso comercial, a restante parte era uma passagem para automóveis. (vide as fls. 324 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)?
26º
A área real do piso do rés-do-chão da referida loja incluía apenas o espaço de parte da loja, não incluía o espaço da passagem para automóveis?
39º
O rés-do-chão do prédio sito na [Rua(1)], n.ºs XXX e XXX-A, originariamente, era destinada a “passagem de automóveis” – a pedido e no interesse do construtor e proprietário do prédio, em 1979 –, em 1979, passou a construir uma “loja com sobreloja”, com a finalidade: comércio?
40º
Apenas “o terraço e as escadas de acesso” constituem parte comum do bloco (prédio)?
41º
A ora 1ª Ré, só, após a sua citação para os termos da presente acção, se apercebeu de que há inexactidão do registo relativamente ao prédio aqui em apreciação, pois para si, a fracção autónoma AR/C do prédio é constituída por uma loja com sobreloja e tem uma área aproximada de 250 metros quadrados, para uso comercial, não existindo nenhuma parte comum do prédio destinada a “passagem para automóveis”, no rés-do-chão do prédio?
42º
Ao contrário do que consta do registo predial já não existe nenhuma entrada (ou saída) pelo n.º 15 do [Rua(2)], a fracção é composta por loja e sobreloja, não havendo qualquer zona comum no rés-do-chão que se destine a “paragem de automóveis”?
O Tribunal a quo decidiu sobre os aludidos factos nos termos seguintes:
Quesitos 40º a 41º da base instrutória: “NÃO PROVADO”.
Quesito 25º da base instrutória: “PROVADO QUE, os documentos arquivados na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes revelam que apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja é que se destinam a uso comercial, sendo a restante parte do rés-do-chão uma passagem para automóveis”.
Quesito 26º da base instrutória: “PROVADO QUE, a área real da fracção autónoma referida na al. A) dos Factos Assentes inclui apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja, mas não inclui o espaço da passagem para automóveis”.
Quesito 39º da base instrutória: “PROVADO QUE, o rés-do-chão da fracção autónoma referida na al. A) dos Factos Assentes, originariamente, era composto exclusivamente por uma “passagem de automóveis”, e posteriormente, em 1979, a pedido e no interesse do construtor e proprietário do prédio, a fracção autónoma passou a constituir uma “loja com sobreloja” com a área e o destino consignados nas respostas dadas aos quesitos 25º e 26º”.
Quesito 42º da base instrutória: “Provado apenas o que consta das respostas dadas aos quesitos 25º, 26º e 39º”.
Entendeu a 1ª Ré que não deviam ser dados como provados os quesitos 25º, 26º e 39º da base instrutória, enquanto devem ser dados como provados os quesitos 40º a 42º da base instrutória.
Cumpre apreciar.
Como é sabido, o tribunal a quo aprecia livremente as provas nos termos legais, pelo que não é absolutamente ilimitada a jurisdição sobre matéria de facto do tribunal de recurso, que por sua vez, só pode intervir nos casos de desvio, violação da prescrição sobre a eficácia probatória legal ou violação da lei de experiência comum na apreciação das provas por parte do tribunal a quo.
Neste sentido, vide os Acórdãos do TSI de 18/02/2016, de 28/05/2015, de 21/05/2015, de 27/04/2006 e de 19/10/2006, respectivamente, nos Processos n.º 702/2013, n.º 332/2015, n.º 668/2014, n.º 2/2006 e n.º 439/2006, bem como o Acórdão do STJ de Portugal, de 21/01/2003, proferido no Processo n.º 02A4324 (www.dgsi.pt).
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
“…
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas.
Em especial, no que respeita aos quesitos 1º a 16º, 18º, 20º, 23º, 24º, 28º os documentos juntos a fls. 253 a 258, 260, 264 a 265, 309 a 323, em conjugação com os depoimentos de H, I, J, K, L, M e N (nomeadamente os depoimentos do agente imobiliário M que depôs com coerência, espontaneidade e serenidade merecendo daí a sua credibilidade) constituíram a base da convicção do Tribunal. As provas acima assinaladas comprovam cabalmente que o 1º Autor tinha a intenção de estabelecer um restaurante com a envergadura descrita nos quesitos, que o agente imobiliário ofereceu e transmitiu os documentos e informações indicadas nos quesitos ao 1º Autor (sobre este ponto, cumpre salientar que a 1ª Ré vem invocar na sua contestação que na sua convicção a fracção autónoma é constituída por uma loja com sobreloja e tem uma área aproximada de 250 metros quadrados, alegação esta – em conjugação com as fls. 257 e 258 – não deixa de reforçar a credibilidade do depoimento do agente imobiliário M no sentido de ter sido a vendedora que lhe transmitiu as informações sobre o imóvel), bem como, que o 1º Autor não teria adquirido o imóvel se soubesse que o mesmo não tinha a área e a capacidade para servir certo número de clientes tal como indicadas nos quesitos.
O Tribunal apreciou os quesitos 19º, 21º, 22º com base nos documentos juntos a fls. 270, 272, 305, 306, 307.
Os quesitos 25º, 26º, 38º e 39º foram apreciados com base nos documentos oficiais juntos aos autos, nomeadamente o ofício junto a fls. 576 que é esclarecedor e elucidativo. Já quanto ao quesito 27º, refira-se que, como ficou comprovado pelos documentos oficiais juntos aos autos, apenas a área da escada sita no rés-do-chão que dá acesso à sobreloja e a área da sobreloja é que se destinam a uso comercial, sendo a restante parte do rés-do-chão uma passagem para automóveis, passagem essa que nem pertence à loja. Atendendo à área do rés-do-chão utilizável pelo legítimo proprietário da loja e ao que relatou H, afigura-se perfeitamente concebível que o espaço real do piso do rés-do-chão da referida loja não era suficiente para colocar um mínimo de 30 pessoas, nem podia obter a emissão de um alvará de restaurante, pelo que se considera provado o quesito 27º.
Sobre os quesitos 30º a 34º, os documentos juntos a fls. 325 a 331 bem como os depoimentos das testemunhas arroladas pelo 2º Réu (a propósito, veja-se também as alíneas P, Q, R e S dos Factos Assentes) constituíram a base da convicção do Tribunal. Ora, afigura-se perfeitamente compreensível e razoável que os Autores e o 2º Réu celebraram o contrato de mútuo e a escritura pública de hipoteca partindo do pressuposto da validez da compra e venda da loja em causa, pelo que, não teriam os Autores pedido empréstimo nem teria o 2º Réu concedido o respectivo empréstimo se todos eles tivessem sabido desde logo que a compra venda não seria válida. Assim, foram os quesitos 31º a 34º considerados provados. Foram os quesitos 29º, 35º, 36º e 37º apreciados tendo como base nos documentos juntos a fls. 325 a 331, e 381, estes lidos articuladamente com as testemunhas arroladas pelo 2º Réu, consignando-se que a matéria conclusiva existente nos quesitos 36º e 37º não foi considerada como facto.
Em relação ao quesito 40º, nos autos não há prova consistente a demonstrar que apenas “o terraço e as escadas de acesso” é que constituem parte comum do prédio pelo que se considera o quesito não provado.
O quesito 41º também deve ser dado por não provado, uma vez que, por um lado, contrariamente ao que está consignado no quesito, o que ocorreu não é apenas uma inexactidão do registo (a este respeito, as informações dadas pela DSSOPT a fls. 576 são elucidativas e esclarecedoras, no sentido de a passagem para automóveis sita no rés-do-chão não faz parte da loja); por outro lado, não existe nos autos provas consistentes para demonstrar que a 1ª Ré só passou a tomar conhecimento da alegada “inexactidão do registo” referida no quesito após a sua citação (nota-se também que, conforme a certidão a fls. 237, houve averbamento oficioso da conservatória, mantendo-se no entanto inalterada a área da loja).
Já quanto ao quesito 42º, cabe referir, antes de mais, que, pelos depoimentos de H, M e N em conjugação com as fotografias a fls. 258 e 331, a “loja” em questão tem duas portas de enrolar e uma aparência física semelhante a uma loja normal (isto porque o rés-do-chão não tem sido utilizado para a circulação ou passagem de automóvel). Contudo, segundo aquilo que a DSSOPT informa mediante o ofício a fls. 576, não há dúvida que conforme as plantas aprovadas, para além de ter duas portas, uma dianteira e outra traseira, existe realmente uma passagem para automóveis no rés-do-chão que, no entanto, não faz parte da loja. Pelo que, independentemente do uso concreto que o ocupante do imóvel lhe tem dado, ou da aparência física que o imóvel actualmente tem, isto nunca alterou nem poderá alterar a situação jurídica do imóvel. Nesta sequência, o quesito 42º nunca pode ser dado como provado integralmente, uma vez que, contrariamente ao consignado no quesito, há, conforme as plantas aprovadas, realmente uma zona no rés-do-chão que se destina a “passagem de automóveis”.
Em fim, sobre o quesito 17º, note-se que não há provas a demonstrar que tiveram contactos directos entre os Autores e a 1ª Ré. Tendo em conta que provas consistentes não existem para revelar o conhecimento da 1ª Ré, ficou o quesito não provado.
…”
Do teor da decisão acima transcrito resulta que, o Tribunal a quo fez uma fundamentação detalhada da sua convicção, na qual não se verifica qualquer erro notório ou desvio na apreciação da prova. Ao invés, a respectiva apreciação foi realizada em conformidade com o princípio da prova legal e as regras da experiência comum.
De facto, quanto aos quesitos 25º a 26º, 39º, 40º e 42º da base instrutória, o documento constante das fls. 458 dos autos (Discriminação das fracções autónomas) revela que a fracção R/C é constituída por Pass. + S/1, tem uma área de 248,16m2, e representa 24% do valor total do prédio.
As referidas informações mostram claramente que a fracção R/C é constituída por duas partes, o piso do rés-do-chão (ou seja a passagem para automóveis) e a sobreloja, com uma área total de 248,16m2.
Conforme a planta constante das fls.313 dos autos, a sobreloja tem a área de 8,4m x 16,1-16,3m, ou seja, aproximada de 135,24-136,92m2. Deduzida da área total de 248,16m2 a referida área de 135,24-136,92m2, temos a área do piso do rés-do-chão de, aproximadamente, 112,92-111,24m2.
No ano 1979, o anterior proprietário apresentou um requerimento de alteração e o mesmo foi deferido, depois, a fracção R/C deixou de incluir a passagem para automóveis, e passou a ser constituída por Loja + S/1, com a área reduzida para 149,73m2, representando 20,81% do valor total do prédio (fls. 460 dos autos).
Importa notar que, a alteração feita no ano 1979 limitou-se a remover a passagem para automóveis da fracção R/C (cuja área foi reduzida), e alterar a finalidade da fracção R/C para comércio (Loja). Sem introdução de qualquer alteração no piso da sobreloja (com área aproximada de 136m2), o piso do rés-do-chão, após a redução da área da passagem para automóveis, passou a ter uma área aproximada de 13,73m2 (149,73m2 – 136m2), incluindo a da escada que dá acesso à sobreloja.
Por outro lado, a planta constante das fls.312 dos autos revela que a passagem para automóveis, com as dimensões de 5,5-6,7m x 16,3m, tem uma área aproximada de 98m2.
Deduzida da área original de 248,16m2 a referida área de 98m2, temos uma área de 150,16m2, a qual é basicamente igual à área da fracção R/C após alteração feita no ano 1979 (149,73m2).
Daí que, a decisão feita pelo Tribunal a quo sobre a base instrutória é acertada e deve ser mantida.
No que diz respeito ao quesito 41º da base instrutória, a 1ª Ré não forneceu qualquer outra prova suficiente para comprovar o facto nele constante”; (cfr., fls. 925 a 928-v e 57 a 65 do Apenso).
Ora, basta uma mera leitura ao segmento decisório do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que se deixou transcrito para, sem esforço, se concluir ser evidente que a assacada “nulidade” não existe, pois que no veredicto agora recorrido não se deixou de apreciar e decidir, clara, expressa e fundamentadamente, a pela ora recorrente (então) impugnada decisão da matéria de facto do Tribunal Judicial de Base.
Pode-se não concordar com a análise efectuada assim como com a decisão proferida, porém, e como se apresenta manifesto, tal “discordância”, (ou “inconformismo”), não constitui a imputada “nulidade”, impondo-se assim a improcedência do presente recurso na parte em questão.
Continuemos.
–– Passemos agora para a também assacada “violação da lei ao não aplicar ao caso o art.º 365.º do Código Civil, que atribui força probatória aos documentos autênticos”.
Que dizer?
Ora, com todo o respeito, cremos que incorre a recorrente em manifesto equívoco, (fazendo uma grande confusão numa situação que, em nossa opinião, até se apresenta bastante simples).
Com efeito, e antes de mais, cabe desde já dizer que não se vislumbra nenhuma “violação ao art. 365° do C.C.M.”, pois que não corresponde à verdade o que sobre este aspecto diz a recorrente, e, muito especialmente, que: “foi dado por provado pelas Instâncias que o imóvel vendido pela Recorrente aos Autores é uma fracção mista porque tem duas finalidades [(i) a sobreloja para desenvolver actividade comercial e (ii) o espaço a nível térreo para passagem de automóveis], sendo a primeira propriedade privada e, portanto, utilizável pelos AA, e a segunda propriedade comum, a ser partilhada pelos demais condóminos, tratando-se, pois, de um facto incompatível com o teor do documento autêntico acima indicado, que é a certidão do registo predial a fls 232 a 244 dos autos (art.º 363.º do CC)”; (cfr., concl. 13ª).
E, para se constatar que assim é, basta (também aqui apenas) atentar que em parte alguma da “matéria de facto” se diz que a “fracção autónoma” em questão tem “duas finalidades…”, tendo-se, contrariamente, tão só afirmado, (logo na alínea A) dos factos assentes), que: “O prédio envolvido é: a fracção autónoma, para comércio, designada por AR/C do prédio sito em Macau, na [Rua(1)] n.ºs XXX-XXX-A, [Rua(2)], n.ºs XX-XX, registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXX, e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º XXX (adiante designada por “referida loja”) (vide as fls. 232 a 244 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)”, cabendo aqui notar e salientar que as referidas “fls. 232 a 244 dos autos”, são, exactamente, a “certidão de registo predial” a que se refere a ora recorrente.
Portanto, e como sem esforço se nos mostra de concluir, e, inversamente ao que diz a recorrente, o que sucedeu foi que as Instâncias respeitaram, (totalmente), o estatuído no aludido comando legal – do art. 365° do C.C.M. quanto à “força probatória dos documentos autênticos” – tendo mesmo chegado ao ponto de incluírem uma expressa referência que se dava como integralmente reproduzido o teor dos aludidos documentos – ou seja, a pela recorrente aludida “certidão” – na própria decisão sobre a matéria de facto.
E, assim, importa pois dizer que muito mal se compreende o que sobre esta “matéria” (e questão) alega a ora recorrente, que mais nos parece que, sob a “capa” do imputado vício – que, como se viu, não existe – pretende esconder, (ou disfarçar), o que bem deve saber, (ou devia saber), num muito infeliz esforço de – a todo o custo, (inclusivé, com “manobras de diversão” – obter uma inversão do que decidido foi que, como se deixou transcrito, lhe é desfavorável).
Enfim, sem mais demoras, e, ainda que de forma algo abreviada, passa-se a (tentar) explicitar este nosso ponto de vista.
Pois bem, como se deixou transcrito, (e em síntese), visto está que o Tribunal Judicial de Base anulou o negócio de compra e venda da “fracção autónoma” em questão entre o 1° A. e a ora recorrente celebrado, ordenando o cancelamento do respectivo registo de aquisição, e condenando esta no pagamento do preço pelo qual a vendeu, (HKD$37.500.000,00), o que, como igualmente se deixou relatado, constitui decisão que foi integralmente confirmada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
E, em face do assim decidido, adequado se mostra então de explicitar também da sua “razão”.
Ora, como na sentença do Tribunal Judicial de Base se deixou consignado, a referida decisão “anulou” o dito negócio dado que do julgamento efectuado resultou “provada” a matéria na petição inicial alegada relativamente à “compra e venda da aludida fracção” como um negócio de “venda de coisa defeituosa”, explicitando-se ainda que:
“(…)
De acordo com o ponto 58 dos factos provados, a loja envolvida é constituída pela sobreloja e pelo espaço da escada no piso do rés-do-chão, mas o espaço da passagem para automóveis no rés-do-chão não pertence à loja.
Porém, como atrás já se referiu, através do documento constante das fls. 257 a 258 dos autos, a 1ª Ré garantiu aos dois Autores que a loja envolvida era composta de todo o piso do rés-do-chão e todo o piso da sobreloja.
(…)”; (cfr., fls. 677-v, 929 e 67 do Apenso).
E, em face disto, de nada vale tentar complicar, pois que vista está a solução a adoptar.
Com efeito, o que efectivamente em causa está, é, simples: tão só da correcta identificação da “fracção autónoma” objecto do negócio de compra e venda celebrado, e, mais concretamente, a área do “piso do rés-do-chão” que, na verdade – e em conformidade com o respectivo “registo” – é apenas constituído pelo “espaço da escada para a sobreloja”, tendo, porém a R., ora recorrente, na qualidade de vendedora, garantido que era composta por “todo o piso do rés-do-chão”, (incluindo o espaço da passagem de automóveis).
Dest’arte, verificada estando uma “situação” a que se refere o art. 905°, n.° 1 do C.C.M. – onde se prescreve que “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, deve observar-se, com as devidas adaptações, o prescrito na Secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”, remetendo-se assim para o art. 896° do mesmo Código onde se prevê a possibilidade de “anulação do negócio” – evidente se mostra de concluir que correcta foi a decisão do Tribunal Judicial de Base, assim como a sua posterior confirmação pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância agora recorrido, visto estando assim que inútil e igualmente “falsa” (também) é a “3ª questão” pela ora recorrente colocada no presente recurso, (quanto ao “reenvio do processo para novo julgamento”), impondo-se, desta forma, a sua total improcedência.
Decisão
4. Nos termos de tudo o que se deixou expendido, em conferência, acordam negar provimento ao presente recurso.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Macau, aos 26 de Fevereiro de 2025
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
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