Processo nº 2/2025(I)
(Autos de recurso jurisdicional) (Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
I. Nos presentes autos de recurso jurisdicional, em 20.02.2025 proferiu este Tribunal de Última Instância o seguinte Acórdão:
“Relatório
1. “A”, (“甲”), e “B”, (“乙”), sociedades comerciais melhor identificadas nos autos, instauraram no Tribunal de Segunda Instância o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia do acto praticado pelo CHEFE DO EXECUTIVO que adjudicou ao “Consórcio” formado pelas sociedades “D”, (“丁”), “E”, (“戊”), e “F”, (“己”), o contrato de prestação de “Serviços de Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau”; (cfr., fls. 2 a 25 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Citada a entidade recorrida, (e sem que invocada tenha sido a “situação” a que se refere o art. 126°, n.° 2 do C.A.P.C.), a mesma contestou e, a final, formulou pedido no sentido de se:
“- indeferir o pedido de suspensão de eficácia por o acto de adjudicação ter conteúdo negativo, sem vertente positiva; ou,
- considerar não verificados, muito menos cumulativamente, qualquer dos requisitos a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 121.° do CPAC,
- Por não terem sido provados ou sequer sido invocados prejuízos de difícil reparação para as Requerentes ou para os seus interesses; e
- Por a suspensão da eficácia do acto em causa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido;
E, em consequência, indeferir o presente pedido de suspensão de eficácia”; (cfr., fls. 310 a 314-v).
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Também o contra-interessado – “Consórcio” formado pelas sociedades “D”, “E”, e “F” – contestou, batendo-se pela improcedência da pretensão apresentada; (cfr., fls. 316 a 332).
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Seguidamente, juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público douto Parecer opinando igualmente no sentido da improcedência do aludido pedido de suspensão de eficácia; (cfr., fls. 349 a 351).
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Oportunamente, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 07.11.2024, (Proc. n.° 743/2024/A), decidiu-se indeferir o pedido deduzido; (cfr., fls. 354 a 355-v).
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Inconformadas, trazem as requerentes – “A” e “B” – o presente recurso, alegando para, a final, pedir a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que suspenda o referido acto administrativo de adjudicação atrás já identificado; (cfr., fls. 364 a 399).
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Respondendo, batem-se a entidade recorrida e o referido “Consócio” contra-interessado pela integral confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 428 a 432 e 444 a 462-v).
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Nesta Instância, e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“As duas requerentes da suspensão da eficácia interpuseram o recurso em apreço, solicitando a revogação do Acórdão do Venerando TSI e a substituição desse Acórdão por veredicto que vá suspender a eficácia do despacho identificado no Requerimento Inicial.
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Repare-se que no Requerimento Inicial, as duas requerentes e ora recorrentes deduziram o chamamento, a título da intervenção principal provocada, da C (丙), que foi admitido (cfr. fls.225 dos autos).
Importa realçar que tendo sido citada, a C expressou a inequívoca declaração da “sua confiança na justeza da douta decisão a proferir pelo Tribunal, a qual, naturalmente, respeitará” (vide. fls.269 dos autos).
Com todo o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que tal declaração da C denota seguramente a vontade de não interpor recurso do Acórdão em questão e, deste modo, explica cabalmente que ela não acompanhou o recurso interposto apenas pelas duas requerentes.
Nesta linha, colhemos modestamente que a intervenção principal provocada da C não justifica nem sustentar a legitimidade das duas requerentes para interpor o recurso do supramencionado Acórdão.
Subscrevemos a jurisprudência do douto TUI, no sentido de que a desistência da instância, por um dos membros do consórcio concorrente no concurso público em sede do recurso contencioso já interposto por ambos os membros do consórcio, provoca a ilegitimidade superveniente activa do outro membro para o mesmo recurso contencioso, que determina a absolvição da instância. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º16/2020)
Na medida em que é ab initio a não intervenção da C nesse recurso, opinamos que é originária a ilegitimidade das duas requerentes para interpor o presente recurso, portanto e por maioria da razão, há lugar à não admissão do mesmo recurso ou à absolvição da instância.
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É verdade e não se nega que as duas requerentes da suspensão da eficácia tinham sido operadores de serviços públicos de Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau.
Porém, isso não implica que a suspensão da eficácia do despacho de adjudicação identificado no Requerimento Inicial não vá causar grave lesão ao interesse público. Ressalvado devido respeito, parece-nos que em boa verdade, colide com a jurisprudência pacífica dos Venerandos TUI e TSI a tese das duas requerentes no seu recurso, no sentido de que elas poderiam, caso deferida a pretendida suspensão da eficácia e durante a pendência do correspondente recurso contencioso, manter transitoriamente o normal funcionamento dos serviços públicos supra aludidos.
De outro lado, a cautelosa reponderação dos elementos constantes dos autos conduz-nos a manter a nossa modesta opinião de que as duas requerentes não demonstraram convincentemente o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do n.º1 do art.121º do CPAC.
Com efeito, afigura-se-nos que objetiva e equilibradamente avaliados, não são de difícil reparação os prejuízos arrogados no Requerimento Inicial, quais são a “posição inglória” e a perda da oportunidade de adquirir a experiência e incremento de know how ou ganhos de imagem e de implantação no mercado inerente à prestação de serviços na RAEM.
E colhemos tranquilamente que são prudentes e fundados os argumentos nos arts.72.º a 74.º da contestação das contrainteressadas (cfr. fls.316 a 332 dos autos), a saber: 72. 對立利害關係人亦在此強調,根據承投項目的《承投規則》第9.1.1點的規定,“獲判給人必須全數聘用〔100%〕現時任職於澳門垃圾焚化中心和澳門特殊和危險廢物處理的澳門居民僱員,並在“澳門垃圾焚化中心和澳門特殊和危險廢物處理站的營運及保養”服務合同開始時,倘該些員工表達其留任的意願時維持其原職位,且不可設試用期。”(見文件1) 73. 因此聲請狀第122條所指的中止執行被上訴行為會導致數百名員工失業的情況,只是聲請人的危言聳聽,根本不會發生。 – “72. Os contra-interessados salientaram aqui que, de acordo com o ponto 9.1.1 do “Caderno de Encargos” do concurso, “o adjudicatário obriga-se a contratar (100%) todos os trabalhadores residentes de Macau, actualmente empregados na Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e no tratamento de resíduos especiais e perigosos de Macau, e, no início do contrato de prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau”, manter os seus postos de trabalho originais caso esses trabalhadores manifestem a sua vontade de permanecer, sem estabelecer qualquer período experimental”. (vide o documento 1) 73. Portanto, o caso que se refere o art.º 122.º do requerimento de que a suspensão da execução do acto recorrido levaria ao desemprego de centenas de trabalhadores constitui apenas um alarmismo exagerado e infundado do requerente, não correspondendo à realidade”; (com tradução por nós efectuada) –
Bem, é de ter presente que no actual ordenamento jurídico de Macau, constitui jurisprudência firmemente consolidada o entendimento de que os três requisitos consignados no n.º1 do art.121º do CPAC são, em regra geral, cumulativos e reciprocamente independentes, por isso a falta de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes. (a título meramente exemplificativo, vide. Acórdão do TUI no Processo n.º2/2009)
Nestes termos e dado que não há margem para dúvida de que se aplica in casu a sobredita regra geral, entendemos que decidindo sobre o mérito da causa (art.159.º, n.º3 do CPAC), o Venerando TUI pode directamente negar o provimento ao recurso das duas requerentes.
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Por todo o expendido acima, promove o M.ºP.º:
- A não admissão do presente recurso ou a absolvição da instância por ilegitimidade das duas requerentes, ou;
- O não provimento do mesmo recurso”; (cfr., fls. 501 a 502-v).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, urge decidir.
Fundamentação
Questão (prévia) da legitimidade das recorrentes
2. No seguimento do expediente pela “C”, (“丙”), apresentado, (cfr., fls. 548), e após do mesmo se ter dado conhecimento a todos os intervenientes processuais, por despacho do relator dos presentes autos que se consignou motivos não haviam para se considerar que às ditas recorrentes não assistia legitimidade para o presente recurso, (cfr., fls. 565), e, mostrando-se o assim entendido adequado, passa-se sem mais demoras para o seu conhecimento.
Dos factos
3. Em sede da sua decisão sobre a “matéria de facto” tem o Acórdão recorrido o teor seguinte:
“1. No dia 27 de Abril de 2023, a A e a B, celebraram com o I, formado por G e H, o contrato de prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau”.
2. A A, a B, e a C, formaram consórcio e participaram no concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau”.
3. Em 31 de Julho de 2024, a entidade recorrida proferiu despacho adjudicando o supracitado projecto às contra-interessadas, isto é, “D-E-F em consórcio” (formado por D, E, e F)”; (cfr., fls. 354-v e 4-v do Apenso).
Do direito
4. Como resulta do que se deixou relatado, trazem as sociedades “A” e “B” o presente recurso que tem como objecto o Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância proferido onde se decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia que aí apresentaram do acto identificado no “ponto 3°” da atrás retratada matéria de facto dada como provada.
Vejamos então se lhes assiste razão.
Pois bem, no Acórdão agora recorrido, (e após elencar a atrás transcrita factualidade dada como provada), assim ponderou o Tribunal de Segunda Instância:
“ IV. Fundamentação
(1) Da questão de legitimidade:
A intervenção de todos os membros do consórcio constitui a relação de litisconsórcio necessário. O procedimento cautelar de suspensão de eficácia deve ser requerido por todos os membros do consórcio em conjunto, e a C já foi provocada a intervir no presente procedimento cautelar (vide as fls. 225 dos autos), ficando, assim, sanada a falta de legitimidade.
(2) Da questão de mérito:
Nos termos do artigo 120.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, a eficácia só pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
In casu, a decisão da entidade recorrida é um acto de conteúdo positivo, porque a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau” foi anteriormente adjudicada às requerentes, e a decisão de adjudicação em causa altera a situação jurídica original das requerentes.
Dispõe-se no artigo 121.º, n.º 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso que a suspensão de eficácia exige a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Analisemos se o pedido reúne os requisitos acima referidos.
(1) Do requisito legal exigido na alínea b):
Como é sabido, para a sociedade, os serviços de tratamento de lixos e resíduos especiais e perigosos é muito importante e imparável, e se for suspensa a eficácia do respectivo acto administrativo, deixarão de funcionar a Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e a Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau, o que implica a acumulação contínua do lixo doméstico e dos resíduos especiais e perigosos, causa problemas de poluição ambiental e de higiene, e determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo referido acto, resultando num prejuízo muito superior ao alegado pelas requerentes.
Com base nisso, não se verificando o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Processo Administrativo Contencioso e o pressuposto previsto no n.º 4 do mesmo artigo, deve ser indeferida a providência cautelar de suspensão de eficácia, requerida pelas requerentes.
Fica prejudicado o conhecimento das outras questões.
(…)”; (cfr., fls. 355 a 355-v e 5 a 5-v do Apenso).
–– Ultrapassada estando a questão relativa à “legitimidade” das recorrentes, vejamos se o assim decidido se deve manter, cabendo desde já dizer que acertada se nos apresenta a apreciação efectuada quanto à “natureza do acto administrativo suspendendo”, embora mais adequado se nos pareça de o considerar um “acto negativo, com vertente, ou efeitos positivos”; (sobre a matéria, cfr., v.g., V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, 2015, pág. 341, podendo-se também ver o Ac. deste T.U.I. de 27.09.2018, Proc. n.° 69/2018).
Isto visto e dito, continuemos.
–– Nos termos do art. 121° do C.P.A.C.:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto”.
No caso dos presentes autos, e nos termos que se deixaram transcritos, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que verificado não estava o pressuposto enunciado no “n.° 1, alínea b)” do transcrito comando legal, ou seja, que a pretendida suspensão de eficácia do acto administrativo em questão acarretava “grave lesão do interesse público”.
E, nesta conformidade, indeferiu a pretensão que lhe foi apresentada.
Porém, (e com todo o muito respeito que nos merece o assim entendido), cremos que não o podemos subscrever, não se nos mostrando desta forma possível a manutenção do decidido dado que se nos afigura que lhe falta o necessário (e imprescindível) apoio da “factualidade” no Acórdão recorrido dada como “provada”.
Compreende-se, (obviamente), o raciocínio subjacente à pelo Tribunal de Segunda Instância proferida decisão no sentido de que a pretendida suspensão cause a aludida “grave lesão do interesse público”.
De facto, em questão está o (normal) funcionamento de uma “Central de Incineração de Resíduos Sólidos”, assim como de uma “Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos”, e, assim, (como é evidente para qualquer pessoa na posse das suas normais qualidades intelectuais), trata-se de “matéria” que se identifica como um dos aspectos (essenciais) relativos à “saúde pública” e “qualidade de vida” de todos os que em Macau residem e trabalham, dúvidas também não parecendo que possam igualmente existir no sentido de que tais “valores” constituem, efectivamente, relevantes dimensões do aludido “interesse público”; (sobre o sentido e alcance de “interesse público”, e com abundantes referências doutrinárias, cfr., v.g., Lino Ribeiro e Cândido Pinho in, “Código de Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado”, pág. 68 e segs., Alice Gonzales Borges in, “Interesse Público: um conceito a determinar”, podendo-se também ver o Ac. deste T.U.I. de 04.03.2020, Proc. n.° 61/2017).
Porém, não se pode olvidar que a dita “grave lesão do interesse público” – e, saliente-se, aqui, que não é “qualquer lesão”, mas apenas a que for “grave” – não deixa de integrar um “conceito jurídico” (indeterminado), cuja decisão quanto à sua efectiva verificação implica, inevitavelmente, uma base factual clara, objectiva e precisa, e uma sua apreciação “casuística” e em sintonia com as “circunstâncias concretas – do momento e – da situação” e da “natureza do interesse público a prosseguir”, apresentando-se-nos assim que, in casu, em face do que “provado” se considerou, (e que atrás se deixou retratado), prematura é a decisão proferida.
Não se duvida que à “saúde pública” dizem respeito todas as medidas adoptadas e executadas com o objectivo de proporcionar e garantir o “maior bem-estar mental, físico e social de toda a população”, (promovendo a sua qualidade de vida com acesso a bens e serviços essenciais, e reduzindo a sua vulnerabilidade e eventuais riscos).
Contudo, de onde – ou seja, de que segmento da “factualidade dada como provada” – se retira, (ou pode retirar), que a suspensão do acto de adjudicação do contrato de prestação dos serviços em questão implica a necessária – e total – interrupção do (normal) funcionamento da dita “Central” e “Estação”, inexistindo uma, (ou até várias outras) “forma(s)” de se poder “solucionar a situação”, reduzindo, (ou minimizando), os possíveis prejuízos que possam vir a surgir e a ocorrer?
E, a ser assim – e, em nossa opinião, “provado” não está que não o possa ser – serão, na mesma, os ditos prejuízos efectivamente “graves” ao ponto de implicar e justificar uma decisão como a pelo Tribunal de Segunda Instância proferida e que agora vem impugnada?
Na verdade, importa ter presente que o “interesse público” a que se refere o preceituado no comando legal em questão – art. 121°, n.° 1, al. b) – não se trata de um (mero e qualquer) “interesse público”, “abstracto, pessoal ou subjectivamente considerado”, devendo, antes, tratar-se, (cremos nós), de um interesse público “concreto e objectivo”, e que se traduza em “vantagens reais e materiais para o bem-estar social”.
E, em nossa opinião, (e com todo o muito respeito devido), é neste – preciso – “ponto” que o Acórdão recorrido se apresenta “curto” e não coincidente com o percurso (e raciocínio) que devia seguir para (poder) chegar à melhor e mais adequada solução para a situação dos autos, pois que a “matéria” referente à (concreta) “inexistência”, (ou não), de tal “grave lesão do interesse público” foi, oportunamente, alegada e contestada pelos intervenientes processuais, e sobre a mesma devia o Tribunal recorrido emitir, como lhe competia, clara, expressa e fundamentada pronúncia.
Aliás, basta uma leitura ao teor da petição inicial apresentada para se constatar que as requerentes da providência aqui em questão, e ora recorrentes, observaram o ónus de especificar e tentar demonstrar a verificação dos “requisitos” (positivos e negativos) do transcrito art. 121° do C.P.A.C., (cfr., art. 92° e segs. da dita p.i.), incluindo o da (agora controvertida) “ausência de grave lesão do interesse público”, (cfr., art. 125° e segs. da mesma p.i., não sendo igualmente de esquecer o que em resposta, foi igualmente alegado, embora sem uso da faculdade prevista no art. 126°, n.° 2 do dito Código), havendo, assim, que sobre tal matéria se decidir o que (de relevante) se deve considerar que resultou efectivamente provado, (ou não).
Com efeito, e como perante situação análoga à ora em questão também já tivemos oportunidade de considerar em sede do Acórdão de 03.11.2021, (Proc. n.° 139/2021):
“A grave lesão do interesse público concretamente prosseguida pelo acto administrativo, referida na al. b) do 1.º do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes”, valendo ainda a pena atentar também que neste mesmo aresto se considerou igualmente que “Ao comando do n.º 4 do art.º 121.º do CPAC, ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente”.
Dest’arte, certo sendo que “O ónus da alegação e da prova da existência do requisito da grave lesão do interesse público para a suspensão da eficácia do acto administrativo cabe à entidade requerida, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal”, (cfr., Ac. deste T.U.I. de 14.09.2018, Proc. n.° 75/2018), pois que o mesmo “prejuízo não se presume”, (cfr., Ac. deste T.U.I. de 09.09.2020, Proc. n.° 147/2020-I, não sendo de se olvidar também que as recorrentes alegaram ainda o que consta de fls. 503 a 515), mostra-se-nos claro que, in casu, existe efectivamente “matéria de facto” (relevante) por apurar, havendo, assim, em face da referida “insuficiência”, que se proceder a uma sua ampliação nos termos do art. 650° do C.P.C.M., aqui aplicável, impondo-se anular a decisão em causa para que, nada obstando, pela Instância recorrida a tal se proceda com nova decisão sobre o pelas ora recorrentes requerido; (sobre a matéria e questão da “ampliação da matéria de facto”, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 19.12.2001, Proc. n.° 10/2001, de 18.01.2006, Proc. n.° 25/2005, de 06.03.2013, Proc. n.° 5/2013, de 18.06.2014, Proc. n.° 19/2014, de 13.11.2019, Proc. n.° 106/2019 e, mais recentemente de 29.07.2024, Proc. n.° 82/2024).
Decisão
5. Face ao expendido, em conferência, acordam anular o Acórdão recorrido para que pelo Tribunal de Segunda Instância se venha a proceder à referida “ampliação da matéria de facto” com nova decisão sobre a pretensão pelas ora recorrentes apresentada.
Sem tributação.
Registe e notifique.
(…)”; (cfr., fls. 578 a 588 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Notificado do assim decidido, veio o contra-interessado – “Consórcio” formado pelas sociedades “D”, (“丁”), “E”, (“戊”), e “F”, (“己”) – arguir a nulidade do aludido veredicto, a final, produzindo as conclusões seguintes:
“1. A presente arguição de nulidade tem como objecto a decisão de 20 de Fevereiro de 2025 do TUI.
2. Salvo o devido respeito, as contra-interessadas entendem que a decisão reclamada padece do vício da nulidade dado que “o Juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”, nos termos do art.º 571.º n.º 1 alínea d) do CPC.
3. Nos termos do art.º 121.º n.º 1 do CPAC, a suspensão de eficácia dos actos administrativos pode ser concedida pelo tribunal só quando se verifiquem cumulativamente os três requisitos previstos neste número.
4. Os 3 requisitos são mutuamente independentes, a verificação ou não dum determinado requisito não constitui condição prévia ou pressuposto que obstem ao conhecimento dos outros requisitos.
5. Entretanto, na decisão reclamada só se conheceu da questão prevista pelo art.º 121.º n.º 1 alínea b) do CPAC, não foi apreciada a verificação ou não dos outros dois requisitos do art.º 121.º n.º 1 do CPAC em resposta ao pedido das recorrentes, recorrido e contra-interessadas.
6. No caso sub judice, quer as recorrentes quer o recorrido e as contra-interessadas pediram que o TUI apreciasse se o pedido de suspensão de eficácia em causa reúne ou não todos os 3 requisitos do art.º 121.º n.º 1 do CPAC, isso constitui uma questão de que o TUI está obrigado a conhecer, bem como a causa de pedir.
7. Além disso, não podemos ignorar que, no âmbito do direito de processo administrativo contencioso, os poderes de cognição do tribunal de recurso apresentam-se consideravelmente variados em processos urgentes e em processos ordinários.
8. Nos termos do art.º 159.º n.º 3 do CPAC, no recurso de decisões proferidas em processos urgentes não se aplica o disposto nos números 1 e 2, devendo o tribunal de recurso decidir, quando possível, sobre o mérito da causa.
9. Nos termos do art.º 6.º n.º 1 alínea d) do CPAC, o presente processo é urgente.
10. O “requisito de prejuízo de difícil reparação” na alínea a) e o “requisito de fortes indícios de ilegalidade do recurso” na alínea c), ambos do art.º 121.º n.º 1 do CPAC, são completamente independentes do “requisito de grave lesão do interesse público” na alínea b), no caso, não há qualquer circunstância impediente para o TUI conhecer directamente dos dois requisitos referidos (também constitui questão pendente).
11. O TUI reúne as condições suficientes para apreciar directamente se o pedido de suspensão de eficácia em causa satisfaz os requisitos do art.º 121.º n.º 1 alíneas a) e c) do CPAC.
12. Uma vez considerado pelo TUI não verificado qualquer dos requisitos do art.º 121.º n.º 1 alíneas a) e c) do CPAC, o Tribunal pode rejeitar de imediato o pedido de suspensão de eficácia e declarar findo o procedimento cautelar, sem necessidade de reenvio do processo ao TSI para um novo julgamento com a ampliação dos factos.
13. A omissão de pronúncia sobre os requisitos do art.º 121.º n.º 1 alíneas a) e c) na decisão reclamada também constitui ofensa aos princípios da celeridade processual e da economia processual.
14. Especialmente ponderando que, o acto administrativo em apreço tem como objecto a adjudicação relativa aos serviços de operação e manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de Macau e da Estação de Tratamento de Resíduos Especiais e Perigosos de Macau, uma vez adiada a adjudicação, serão afectados a incineração e o tratamento de lixos de Macau, resultando em custo pesado que recairá sobre toda a sociedade.
15. Pelo exposto, as contra-interessadas entendem que, a decisão reclamada viola pelo menos o disposto do art.º 571.º n.º 1 alínea d) do CPC, relativo à omissão de pronúncia, aplicado por remissão do art.º 1.º do CPAC, os poderes de cognição do tribunal superior em processos urgentes, previstos pelo art.º 159.º n.º 3 do CPAC, bem como os princípios da celeridade processual e da economia processual, deste modo, vêm pedir a V. Ex.ª que seja julgado integralmente procedente a arguição das contra-interessadas e declarada nula a decisão reclamada por omissão de pronúncia e que, por conseguinte, o TUI conheça directamente da questão remanescente não apreciada in casu (nomeadamente se o pedido de suspensão de eficácia em causa reúne ou não os requisitos previstos pelo art.º 121.º n.º 1 alíneas a) e c) do CPAC).
16. E mais, as contra-interessadas mantêm, na íntegra, o teor da sua resposta ao recurso, pedindo que seja negado provimento ao recurso das recorrentes pela improcedência total”; (cfr., fls. 600 a 605 e 8 a 9 do Apenso).
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Adequadamente processados os autos, e nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
II. Como se referiu, vem o “Consórcio” contra-interessado arguir a “nulidade” do por esta Instância decidido no transcrito Acórdão de 20.02.2025.
Porém – e em face do que aí se deixou relatado e decidido – evidente é que nenhuma razão lhe existe, não se podendo acolher o entendimento e a pretensão apresentada, pois que a decisão por esse Tribunal proferida, (e que se deixou integralmente transcrita), apresenta-se-nos clara, adequadamente fundamentada, e, em nossa – modesta – opinião, inteiramente acertada.
Passa-se a expor o porque deste nosso ponto de vista.
Sob a epígrafe “Poderes de cognição do tribunal de recurso” preceitua o (pelo contra-interessado) invocado art. 159° do C.P.A.C. que:
“1. Quando o tribunal de recurso julgue que não procede o fundamento que na decisão impugnada determinou o não conhecimento do pedido e nenhum outro motivo obste à decisão sobre o mérito da causa, os autos baixam ao tribunal recorrido para esse efeito.
2. Quando a decisão impugnada seja nula, compete ao tribunal recorrido reformá-la em conformidade com o julgado.
3. No recurso de decisões proferidas em processos urgentes não se aplica o disposto nos números anteriores, devendo o tribunal de recurso decidir, quando possível, sobre o mérito da causa”.
E, citando o estatuído no n.° 3 do transcrito comando, entende o ora requerente que com o Acórdão por esta Instância proferido se incorreu em “nulidade por omissão de pronúncia”; (nos termos do art. 571°, n.° 1, al. d) do C.P.C.M.).
Porém, labora em – manifesto – equívoco; (sobre a matéria, cfr., Viriato Lima e Álvaro Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, C.F.J.J., 2015, pág. 411 a 413, e José Cândido de Pinho in, “Notas e Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. II, C.F.J.J., 2018, pág. 422 e segs.).
Importa ter presente e atentar na “razão” que levou este Tribunal de Última Instância a decidir nos termos que decidiu no Acórdão agora impugnado, (devolvendo os autos ao Tribunal de Segunda Instância), e não perder de vista que no Acórdão recorrido em causa está o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, não sendo de se olvidar igualmente dos poderes de cognição desta Instância em sede de “pronúncia relativamente a matéria de facto”; (o que resulta, claramente, do estatuído no art. 152° do referido C.P.A.C.; cfr., Viriato Lima e Álvaro Dantas in, ob. cit., pág. 403 a 405, e José Cândido de Pinho in, ob. cit., pág. 391 e 400).
Aliás, sobre questão idêntica já se pronunciou este Tribunal de Última Instância no seu Acórdão de 19.03.2014, Proc. n.° 11/2014, onde se considerou (nomeadamente) que:
“Em processos urgentes, em recurso de questão que obste ao conhecimento do mérito, o Tribunal de Última Instância (TUI) não pode conhecer do mérito da causa, nos termos artigo 159.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, se não tem poder de cognição em matéria de facto (artigos 47.º, n.º 1, da Lei de Bases da Organização Judiciária e 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso) e o TSI, entidade competente para tal, não fixou os factos pertinentes para o conhecimento da questão de mérito.
Em processos urgentes, em recurso de questão que obste ao conhecimento do mérito, o Tribunal de Última Instância não pode conhecer do mérito da causa, nos termos artigo 159.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, se o recurso subiu em separado e não no processo principal”.
Isto visto e dito, ociosas se nos apresentam mais alongadas considerações para se decidir como segue.
Decisão
III. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam indeferir o pedido deduzido.
Custas pelo requerente com taxa de justiça de 12 UCs.
Notifique.
Macau, aos 26 de Março de 2025
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
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