Processo nº 486/2023
(Acção para determinação da Prática de Actos Administrativos Legalmente Devidos)
Data do Acórdão: 27 de Março de 2025
ASSUNTO:
- Advogados
- Processo Disciplinar
- Prescrição
____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 486/2023
(Acção para determinação da Prática de Actos Administrativos Legalmente Devidos)
Data: 27 de Março de 2025
Autor: A
Réu: Conselho Superior da Advocacia
Assistente: Associação dos Advogados de Macau
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
A, com os demais sinais dos autos,
veio instaurar acção para determinação da Prática de Actos Administrativos Legalmente Devidos, contra,
Conselho Superior de Advocacia, doravante CSA, também com os demais sinais dos autos,
Pedindo que seja determinado ao réu, CSA, a prática do acto vinculado legalmente devido e recusado pelo CSA pela sua deliberação junta como doc. nº 3 (art. 104º/1 do CPAC), acto vinculado esse a proferir pelo CSA consubstanciado na declaração, pelo CSA, da prescrição do procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA e, consequentemente, a infracção e condenação disciplinares respectivas, devendo determinar-se especificamente ao CSA, o que também se pede, que deverá aprovar deliberação, no prazo fixado pelo Tribunal, que extinga o processo disciplinar em causa por motivo de prescrição do mesmo.
Para tanto invoca o Autor que o Réu ao tomar a deliberação nas sessões de 26 e 29 de Julho de 2022 e que constitui o documento de fls. 34 a 40 estava vinculado nos termos das normas legais que invoca a declarar a prescrição do procedimento disciplinar em causa o que não fez, pelo que, se impõe o recurso a esta acção e a sua condenação a praticar o acto com o sentido indicado.
Citado o Réu e a Assistente Associação dos Advogados de Macau vieram estes invocar a excepção do caso julgado e da falta de interesse processual, pugnando pela improcedência da acção caso as excepções não procedam.
O Autor replicou.
Em sede de Despacho Saneador foi julgada improcedente a excepção do caso julgado.
O processo contém todos os elementos para que se passe a conhecer das demais questões suscitadas as quais consistem em:
- Da falta de interesse processual do Autor;
- Se o Réu Conselho Superior de Advocacia ao tomar a deliberação indicada nos autos não praticou acto a que estava vinculado estando verificados os pressupostos para a sua condenação a fazê-lo nos termos em que é pedido.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer com o seguinte teor:
«1.
A, melhor identificado nos presentes autos, instaurou no Tribunal de Segunda Instância a presente acção para a determinação da prática de acto legalmente devido contra o Conselho Superior de Advocacia, pedindo a condenação do Réu a declarar a prescrição do procedimento disciplinar n.º 22/2010/CSA e, consequentemente, a prescrição da infracção e da condenação disciplinares respectivas.
Foi apresentada contestação.
2.
(i)
Se bem vemos, a questão essencial que se coloca e discute na presente acção é apenas uma: a de saber se ocorreu ou não a prescrição do procedimento disciplinar instaurado pelo Réu contra o Autor e na sequência do qual aquele aplicou a este uma pena disciplinar de suspensão, pena essa que foi suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, estamos em crer que a resposta a essa questão deve ser negativa e que, por isso, o Autor não tem razão. Pelo seguinte.
(ii)
(ii.1)
Não é controvertido que, quando a sanção disciplinar foi aplicada ao Autor o respectivo procedimento disciplinar não estava prescrito.
O ponto do dissídio é outro. Segundo o Autor, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar a que se referem o artigo 7.º do Estatuto do Advogado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, de 6 de Maio («1. Constitui infracção disciplinar a violação culposa, por acção ou omissão, dos deveres consignados no presente Estatuto, no Código Deontológico e nas demais disposições aplicáveis. 2. O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos a contar da data da infracção. 3. As infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento criminal, quando este for superior») e o artigo 11.º do Código Disciplinar dos Advogados (CDA) («1. O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos a contar da data da infracção. 2. As infracções disciplinares que constituam simultaneamente ilícito penal prescrevem no mesmo prazo que o procedimento criminal, quando este for superior. 3. A prescrição é de conhecimento oficioso, sem prejuízo de o arguido poder requerer o prosseguimento do processo»), começa a correr desde a data em que se consumou a infracção, por aplicação, ex vi artigo 65.º do CDA, do disposto no artigo 111.º, n.º 1 do Código Penal, e termina o seu curso na data em que, relativamente ao acto de aplicação da sanção disciplinar, se de forma caso decidido, sendo que, se tiver havido recurso contencioso desse acto, isso coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso. Ou seja, para o Autor, que invoca em favor da sua tese jurisprudência do Tribunal de Última Instância (v. g. os acórdãos proferidos nos processos n.º 37/2015 e 49/2015), o prazo de prescrição do procedimento disciplinar corre na pendência do recurso contencioso do acto punitivo. Por isso, ainda de acordo com o entendimento do Autor, por aplicação da norma do n.º 3 do artigo 113.º do Código Penal (segundo a qual, «a prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; mas quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos, o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo»), seria de concluir que, no caso, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar se consumou na pendência do recurso contencioso, mais concretamente em 12 de Agosto de 2020, pelo que deveria o Réu ser condenado a declarar essa prescrição.
Como dissemos, esta argumentação do Autor, apesar de douta, não pode, em nosso modesto entender, ser acolhida. Iremos procurar, em apertada síntese, demonstrar porquê.
(ii.2)
(ii.2.1)
Com a decisão punitiva aplicada ao Autor, como decorre disposto no artigo 99.º do Código do Procedimento Administrativo, o procedimento disciplinar findou, extinguiu-se. Mostra-se, por isso, difícil conceber que, numa tal situação, em que o procedimento disciplinar se extinguiu em virtude da prolação da decisão final, ainda se possa declarar esse procedimento extinto por via da prescrição.
Note-se. Face ao nosso CPAC e, mesmo antes dele, a partir da entrada em vigor da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos, deve ter-se por definitivamente adquirido que o recurso contencioso não é um prolongamento do procedimento administrativo. O recurso contencioso, apesar do nome poder induzir nalguma confusão, constitui um verdadeiro e próprio processo jurisdicional, completamente autonomizado do procedimento administrativo no qual é praticado o acto impugnado, uma verdadeira acção judicial. É este aliás um entendimento que temos por consensual quer entre os autores quer nos tribunais (veja-se, por exemplo, neste sentido, CARLA AMADO GOMES, Sobre a não preclusão do direito de invocar novos vícios no recurso contencioso por referência ao recurso hierárquico, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/Dezembro 1996, p. 29, e na jurisprudência, o acórdão do STA de 15.12.2004, processo n.º 797/04, com texto integral disponível online).
Ora, só nesse pressuposto, definitivamente ultrapassado, de que o recurso contencioso corresponderia a uma continuação do procedimento administrativo é que, como todo o respeito por opinião contrária, se poderia conceber, como parece evidente, que o prazo da prescrição do procedimento administrativo pudesse continuar a correr na pendência do recurso contencioso (ainda que possa ser tentador estabelecer, neste concreto contexto, um paralelo entre o recurso contencioso dirigido contra um acto punitivo disciplinar e o recurso jurisdicional perante um tribunal superior das decisões proferidas por um tribunal de instância inferior no âmbito de um processo penal, tal não se mostra, pelo que vimos, dogmaticamente aceitável).
Mais. Estaremos todos de acordo em que a prescrição visa obviar a que o procedimento punitivo se estenda por tempo demasiado, quiçá indefinidamente, representando, nesse sentido, um importante constrangimento ao exercício do chamado ius puniendi. Todavia, no caso do ilícito disciplinar, a partir do momento em que a Administração pratica o acto punitivo e, desse modo, coloca um ponto final no respectivo procedimento administrativo disciplinar, parece claro, ao menos para nós, que, a partir daí, fica excluído que o procedimento continue, uma vez que se extinguiu, e, portanto, deixa de poder durar excessivamente. É da natureza das coisas que não pode durar o que, entretanto, terminou (cfr., neste mesmo sentido, na jurisprudência comparada, o acórdão do STA de 15.12.2004, processo n.º 797/04, com texto integral disponível online que acompanhámos de muito perto).
De resto, aceitando-se, como é pacífico, que a prescrição do procedimento disciplinar se projecta sobre a validade do acto punitivo, na medida em que esse acto será anulável se praticado depois do decurso do prazo da prescrição, vê-se mal como é que uma prescrição cujo prazo só vem a esgotar-se depois de o acto ter sido praticado ainda pode afectar a respectiva validade.
Tudo para concluir, portanto, que, em nosso humilde ver, ao invés do que é doutamente sustentado pelo Autor, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar não pode correr na pendência do recurso contencioso que eventualmente venha a ser interposto do acto administrativo que aplicou uma pena disciplinar. Com a prática do acto punitivo, a prescrição do procedimento deixa, pois, de ser relevante, a que passa a importar é, exclusivamente, a que tange à pena disciplinar (isto sem prejuízo, em todo o caso, do que diremos já de seguida em relação às situações em que o acto punitivo é anulado e a Administração pode, ainda assim, renová-lo).
(ii.2.2)
De resto, ainda se considere que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar continua a ser relevante mesmo depois do acto administrativo punitivo que coloca um ponto final no procedimento administrativo (relevância essa que, como veremos infra, só pode resultar da circunstância de o procedimento disciplinar, antes findo, renascer em resultado da anulação contenciosa, em virtude de esta, ainda assim, permitir à Administração renovar o acto punitivo) parece-nos que não pode deixar de se entender que, mesmo nesse conspecto, na pendência do recurso contencioso, tal prazo não pode deixar de sofrer uma suspensão até ao trânsito em julgado da respectiva decisão. A não ser assim, estar-se-á a admitir algo que, com todo o respeito, constitui um patente contra-senso: que um prazo de prescrição de um procedimento administrativo, que visa, como antes dissemos, constranger o exercício do ius puniendi disciplinar por parte da Administração possa correr na pendência de um processo que tem natureza exclusivamente jurisdicional e no qual a Administração tem o estatuto de parte e não, como no procedimento administrativo disciplinar, o estatuto de dominus. Com efeito, enquanto estiver pendente o recurso contencioso da decisão punitiva, a Administração está impedida, como é óbvio, de exercer, de alguma forma, o seu direito de punir disciplinarmente, e daí que, constituindo um princípio geral em matéria de prescrição, que se extrai do n.º 1 do artigo 299.º e do n.º 1 do artigo 313.º do Código Civil, o de que respectivo prazo não corre quando o direito não puder ser exercido, se deva considerar que o prazo de prescrição do procedimento não corre enquanto o recurso contencioso estiver pendente (veja-se, neste sentido, neste sentido, veja-se, entre nós, o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 4.12.2014, processo n.º 185/2014 que acompanhou, neste ponto, jurisprudência consolidada do STA português: cfr. o antes citado acórdão de 15.12.2004, processo n.º 797/04, com texto integral disponível online e, na doutrina, MANUEL LEAL-HENRIQUES, Direito Disciplinar de Macau, 2020, p. 383).
É justamente essa suspensão do prazo da prescrição do procedimento disciplinar enquanto estiver pendente o recurso contencioso dirigido à impugnação do acto punitivo, que permite, em múltiplas situações, o legítimo reexercício do poder disciplinar por parte da Administração na sequência de eventual anulação daquele acto. É essa, aliás, a sua relevância. Com efeito, o procedimento administrativo disciplinar, apesar de findo com o acto administrativo punitivo pode renascer. É o que acontece quando esse acto é anulado pelo tribunal, mas, não obstante, no respeito pelo caso julgado, pode ser renovado pela Administração. Ora, em tais situações, se não se entender que o prazo de prescrição do procedimento sofre uma paralisação suspensiva da sua contagem no decurso do recurso contencioso ficará, o mais das vezes, e sem razão material que o justifique (uma vez que, como dissemos, na pendência do recurso contencioso, a Administração esteve impedida de exercer o ius puniendi), comprometida a possibilidade de a Administração, legitimamente, repetimos, renovar o acto punitivo, eliminando a concreta ilegalidade que tenha conduzido à anulação contenciosa do acto anteriormente praticado.
Parece-nos um entendimento lógico e equilibrado este que sustentamos, segundo o qual, se o procedimento administrativo disciplinar, que, mercê da decisão punitiva proferida pela Administração, estava extinto, renasce e revive na sequência da sentença anulatória, sendo retomado pela Administração tendo em vista a renovação do acto, também a partir desse momento, mas só a partir dele, seja retomada a contagem do prazo de prescrição. Deste modo, caso a Administração tenha a efectiva intenção de renovar o acto terá de o fazer dentro do prazo prescricional remanescente.
(ii.3)
Deste modo, estando ainda pendente o recurso contencioso da deliberação do Réu, Conselho Superior de Advocacia, que puniu o Autor com a pena disciplinar de 2 anos de suspensão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, interposto pela Direcção da Associação dos Advogados de Macau e que corre termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 776/2017, e uma vez que, como vimos de sustentar, na sua pendência o prazo da prescrição do procedimento disciplinar não corre, consideramos que a pretensão que o Autor deduziu na presente acção não pode proceder.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve a presente acção ser julgada improcedente e, em consequência, ser a Ré absolvida do pedido.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
Foram colhidos os vistos.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A. Dos Factos
Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte factualidade:
a) O Autor é advogado inscrito na AAM;
b) O processo disciplinar a que estes autos respeitam foi instaurado por deliberação do CSA de 16.09.2010 – cf. fls. 2 e 3 do processo disciplinar -;
c) Em 23.12.2010 foi expedida carta registada ao aqui Autor com o teor de fls. 654 que aqui se dá por reproduzido:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 51º do Código Disciplinar dos Advogados, venho comunicar a V. Exa. que dei início, a instrução do processo disciplinar de inquérito nº 22/2010/CSA.
Mais informo V. Excia. que fica notificado para, querendo, consultar os autos durante as horas de expediente, nas instalações do C.S.A., e responder sobre a respectiva matéria no prazo de dez (10) dias, contados a partir da recepção deste ofício.» – cf. fls. 654 do processo disciplinar -;
d) Em 05.01.2011 o Aqui Autor pediu a prorrogação do prazo para responder à matéria da participação o que foi deferido – cf. fls. 659 do processo disciplinar -;
e) Em 18.06.2012 o agora Autor invocou no processo disciplinar a prescrição do procedimento disciplinar – cf. fls. 713 e sgts. do processo disciplinar -;
f) Por deliberação do CSA de 21.06.2013 foi decidido suspender o processo disciplinar contra o aqui Autor porquanto «9. Ora, o actual Instrutor desconhece, até este momento, quais foram os concretos factos e crime (ou crimes) pelo qual(is) o 2º Participado foi pronunciado nos supra referidos autos no. PCI-055-12-2.
Porém, estando presentemente a correr, em paralelo com estes autos de inquérito, um processo crime no qual é apenas arguido o aqui 2º Participado e que tem por base a matéria constante da Participação, crê o aqui Instrutor que tal processo crime é o meio próprio, por excelência, para se aquilatar, em primeira mão, da eventual responsabilidade, quer do 2º Participado, quer (eventualmente também) do 1º Participado, em relação os factos constantes da Participação.
Só após a conclusão desse processo crime se poderá avaliar, em face do que aí for provado e decidido, a eventual existência de responsabilidade disciplinar de ambos os Participados, como advogados.», tudo conforme consta de fls. 762 do processo disciplinar que aqui também se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
g) Pelo CSA em 23.01.2014 foi deliberado que o processo disciplinar não havia prescrito e determinado o prosseguimento do mesmo com dedução de acusação – cf. fls. 934 e 935 do processo disciplinar -;
h) Em 14.05.2014 foi deduzida acusação no processo disciplinar conforme consta de fls. 937 a 941 do mesmo e aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais tendo o aqui Autor sido notificado daquela por carta registada com aviso de recepção em 23.05.2014 – cf. fls. 948 do processo disciplinar -.
i) Pelos factos praticados em 2002, o Autor foi criminalmente condenado, em última instância, por Acórdão do TSI, de 14.07.2016, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos (cujo processo correu termos sob o nº 78/2014, sendo o crime pelo qual foi condenado o p.p. no artº 11 - nº 1 e 2 da Lei nº 2/90 – cf. fls. 1102 a 1143 do processo disciplinar -;
j) Por carta registada de 13.03.2017 recebida pelo aqui Autor em 14.03.2017 foi este notificado para prestar declarações em 21.03.2017 – c.f. fls. 1175 do processo disciplinar -;
k) No dia 19.04.2017 foi o aqui Autor ouvido em auto de declarações no processo disciplinar – cf. fls. 1242 e 1243 do processo disciplinar -;
l) No âmbito do procedimento disciplinar contra ele instaurado, por deliberações do CSA datadas de 06.07.2017 e pelos factos que motivaram a condenação criminal, o ora Autor foi punido disciplinarmente pelo CSA com a pena de suspensão do exercício da advocacia pelo período de dois anos, suspensa, na sua execução por um período de três anos – cf. fls. 1264 a 1276 do processo disciplinar;
m) Da mesma sanção, a AAM reclamou para o CSA, tendo pedido a agravação da pena disciplinar – cf. fls. 1294 do processo disciplinar -;
n) Em sede de reclamação, o CSA deliberou em 27.07.2017 manter a pena reclamada – cf. fls. 1294 do processo disciplinar -;
o) Contra a deliberação do CSA que manteve a sanção disciplinar, foi interposto pela AAM recurso contencioso de anulação para o TSI, onde foi registado sob o nº 776/2017 e se encontra actualmente pendente;
p) Mediante o requerimento datado de 01.09.2020, o Autor suscitou junto do CSA a prescrição do procedimento disciplinar;
q) Mediante o requerimento datado de 01.12.2020, o Autor voltou a suscitar junto do CSA a prescrição do procedimento disciplinar;
r) O CSA não conheceu daqueles requerimentos;
s) O Autor intentou contra o CSA a acção que correu termos neste Tribunal de Segunda Instância sob o nº 1157/2020 na qual foi proferido Acórdão a condenar “o Réu a praticar o acto devido nos termos requeridos pelo Autor no prazo máximo de 60 dias, contados a partir da data de trânsito em julgado desta decisão, salvo se existir outro obstáculo legal”.
t) Por deliberação do CSA tomada nas sessões dos dias 26 e 29 de Julho de 2022 foi decidido que “o procedimento disciplinar que teve como Arguido o Dr. A, não prescreveu em 12/08/2002(sic), ao contrário do que é defendido por este, e que a pena disciplinar também não se encontra prescrita porquanto tal prazo ainda não começou a decorrer, por força de não existirem decisões transitadas em julgado dos recursos contenciosos interpostos”, tudo nos termos que constam de fls. 34 a 40 e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Relativamente aos factos das alíneas a), o) a t) a convicção do tribunal resultou da factualidade constante da deliberação indicada na alínea t), factualidade esta que também corresponde à factualidade que foi fixada no processo que correu termos neste Tribunal sob o nº 1157/2020, ali não tendo sido impugnada, sendo certo que as partes são as mesmas que neste processo.
A demais factualidade apurada resulta da consulta do processo disciplinar como se indica.
B. Do Direito
Vem invocada a falta de interesse processual do Autor dado que já havia instaurado acção de condenação à prática do acto devido e acção executiva com vista à execução do acto em que o ora Réu foi condenado.
Esta excepção improcede pelos mesmos fundamentos com base nos quais improcedeu a excepção do caso julgado e para os quais remetemos.
A anterior acção em que se pedia a condenação no acto devido visava um indeferimento tácito – artº 103º nº 1 al. a) do CPAC -.
A Acção que agora nos ocupa tem por fundamento a alínea b) do nº 1 do artº 103º do CPAC por ter sido praticado um acto com conteúdo vinculado em sentido distinto daquele que resultava da lei.
Ora, como já se explicou aquando da decisão da excepção do caso julgado, não ocorrendo aquela e havendo sido praticado um acto de conteúdo vinculado com um sentido distinto daquele que a lei impunha tem o Autor interesse processual em que seja proferida decisão no sentido de ser o Réu condenado a praticar o acto com o sentido que a lei impõe.
Destarte, pelos fundamentos já invocados no que concerne à decisão da excepção do caso julgado e pelos agora aduzidos, dada a simplicidade da questão, nada mais se impõe invocar, impondo-se julgar a excepção invocada improcedente.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Conhecendo do mérito da acção.
Cabe agora apreciar a segunda questão suscitada, isto é, saber se o Réu CSA praticou um acto de conteúdo vinculado em sentido distinto àquele a que estava obrigado.
O que está em causa nestes autos é a prescrição de um procedimento disciplinar instaurado pelo Conselho Superior da Avogacia contra um Advogado.
Invoca-se seja na Deliberação do CSA seja no Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público uma passagem de Manuel Leal-Henriques em Direito Disciplinar de Macau, 2020, pág. 383, onde afirma que “O recurso contencioso produz efeitos sob o prazo de prescrição. Assim, como vêm decidindo os Tribunais, «obsta ao decurso do prazo prescricional a pendência de recurso contencioso interposto de acto punitivo, segundo o princípio geral de direito de que a prescrição não corre durante o tempo em que o titular do direito de punir esteve impossibilitado de exercê-lo» (vd.,v.g. o Ac. STA de Portugal, de 22.03.1990, Ap D.R. de 12.01.1995).”1.
Importa, contudo, realçar que toda a boa Doutrina constante do Manual de Direito Disciplinar de Macau de Manuel Leal-Henriques tem em vista o regime disciplinar do ETAPM, sendo que no que concerne ao Código Disciplinar dos Advogados de Macau como o próprio Autor afirma a fls. 113 da obra citada o regime deste Código Disciplinar não é igual ao ETAPM.
Veja-se a propósito a afirmação:
«O TSI de Macau vem entendendo, porém, que o Código Disciplinar dos Advogados, porque não contém normas expressas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, impõe que se tenha que recorrer subsidiariamente ao regime do Código Penal de Macau (vd., v.g., os Acs. de 05.03.2015, Proc. n.º 114/2013, de 21.01.2016, Proc. n.º 429/2014 e de 06.06.2017, Proc. n.º 1011/2015).».
No que concerne à Jurisprudência comparada citada do Acórdão do STA Português de 15.12.04 proferida no processo nº 797/04 que é transposta seja para o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público seja para a deliberação do CSA e que decorre do Acórdão do Pleno do STA Português de 18.02.1998 proferido no processo que correu termos naquele Tribunal sob o nº 35737, a mesma acompanha a posição de que durante o recurso contencioso o prazo de prescrição não corre, ali se afirmando que “Durante a pendência do recurso contencioso contra acto punitivo não corre o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, por forma que, anulada aquela decisão, a Administração se possa ver confrontada com a impossibilidade de renovar o acto, isto por força do principio geral do direito, com consagração nos arts. 306 n. 1 e 321 do CCIV 66 e aplicável por conseguinte em processo disciplinar, de que a prescrição não corre enquanto o titular do direito estiver impossibilitado de exercê-lo. Enquanto a situação estiver dependente de recurso de anterior decisão punitiva, deve entender-se que a Administração se encontra impedida de praticar no procedimento os necessários actos de impulsionamento”.
Porém, nas situações subjacentes aos indicados Acórdãos, tal como na obra de Leal-Henriques, os regimes disciplinares em causa não remetem para o Código Penal no que concerne ao regime da suspensão e ou da prescrição do procedimento disciplinar, pelo que, de acordo com aqueles outros regimes disciplinares faz sentido aplicar as indicadas normas do C.Civ. (naquele caso as do Português mas que o C.Civ. de Macau tem idênticas nos artº 299º e 313º).
Contudo, a situação “sub judice” não se configura como aquelas outras.
Por força da al. a) do artº 65º do Código Disciplinar dos Advogados de Macau ao processo disciplinar ali previsto aplicam-se as regras da prescrição do procedimento criminal do Código Penal.
Aplicando-se supletivamente ao Código Disciplinar dos Advogados de Macau o regime de prescrição do procedimento criminal previsto no Código Penal faz sentido o entendimento que o nosso mais alto Tribunal tem vindo a preconizar de que, à semelhança do que acontece num processo criminal o prazo de prescrição começa a correr desde a prática do facto até ao trânsito em julgado da decisão final, continuando a correr mesmo durante a pendência do recurso contencioso.
Jurisprudência que não se vê razões para alterar.
Veja-se a propósito Acórdão do TUI de 17.06.2015 proferido no processo que ali correu termos sob o nº 37/2015:
«Trata-se de saber se o acórdão recorrido violou o artigo 11.º do Código Disciplinar dos Advogados ao considerar que, proferida a decisão final no processo disciplinar, o procedimento se extingue, pelo que a prescrição não continua a correr.
A primeira parte da pronúncia está certa. A segunda não.
O procedimento disciplinar extingue-se com a decisão, tal como a instância se extingue com a sentença. O que não quer dizer que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar não continue a correr até à formação do caso decidido, sendo que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso. Tal como o prazo de prescrição do procedimento criminal continua a correr até ao trânsito em julgado da sentença, salvo casos de suspensão ou interrupção do procedimento.
A partir da formação do caso decidido da decisão disciplinar ou do trânsito em julgado da sentença começa então a correr o prazo de prescrição da pena [artigos 110.º, 111.º e 114.º, n.º 2, do Código Penal, aplicável por força do artigo 65.º, alínea a) do Código Disciplinar dos Advogados].
Como explica FIGUEIREDO DIAS2, referindo-se às duas espécies de prescrição, uma delas começa no preciso momento que a outra termina.
Assim, a fundamentação do acórdão recorrido não é exacta, mas a decisão é. Vejamos porquê.
Os tribunais, no recurso contencioso de anulação, apreciam vícios do acto administrativo. Assim, como é evidente, os tribunais só conhecem de questões, relativamente às quais os factos que estejam na sua base tenham ocorrido até à data da prática do acto administrativo. Os vícios do acto, pela natureza das coisas, têm de preceder ou ser contemporâneos do acto. Não podem ser posteriores. Tal como os vícios do negócio jurídico.
Relativamente à prescrição do procedimento disciplinar, como a questão é de conhecimento oficioso do órgão decisor (artigo 11.º, n.º 3, do Código Disciplinar dos Advogados), se ela se verificar e o órgão decisor não tiver conhecido da mesma, o advogado punido pode suscitar a questão no recurso contencioso, alegando a omissão de pronúncia. Se tiver conhecido da prescrição, negando-a, pode o interessado imputar-lhe vício de violação de lei, se for o caso.
Pois bem, sendo o prazo de prescrição do procedimento disciplinar de três anos a contar da data da infracção (artigo 11.º, n.º 1, do Código Disciplinar dos Advogados) e tendo os factos, alegadamente violadores de deveres funcionais, ocorrido a 19 de Maio e 10 de Junho de 2009, sendo a deliberação punitiva do Conselho Superior da Advocacia de 4 de Maio de 2012, é manifesto que o órgão decisor não violou a lei ao não ter declarado a prescrição do procedimento disciplinar, mesmo não considerando eventuais causas de suspensão ou interrupção do procedimento. É que os três anos ainda não tinham decorrido então.
Logo, bem andou o acórdão recorrido ao ter entendido que não havia prescrição do procedimento disciplinar.
Mas como se compatibiliza esta asserção com aqueloutra, atrás mencionada, de que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar continua a correr até à formação do caso decidido, salvo casos de suspensão ou interrupção do procedimento?
Neste caso, tendo-se esgotado a competência dispositiva do órgão decisor com a decisão punitiva - e é este o sentido do disposto no artigo 99.º do Código do Procedimento Administrativo, quando estatui que o procedimento se extingue pela tomada de decisão final3 - cabia ao interessado ter suscitado a questão ao órgão decisor, por se tratar de matéria superveniente, isto é, causa de extinção do procedimento posterior à decisão, e sendo esta desfavorável, tê-la impugnado contenciosamente.
O interessado, ao invés, confundindo o contencioso administrativo com o contencioso processual penal, pediu directamente uma decisão ao Tribunal, quando não o podia fazer, por falta de jurisdição do Tribunal.
Nada, portanto, a censurar ao acórdão recorrido, no que concerne ao sentido da decisão.».
No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do TUI de 09.03.2016 proferido no processo que ali correu termos sob o nº 49/2015.
Como já se disse, de ambas as decisões indicadas resulta que mandando a alínea a) do artº 65º do Código Disciplinar dos Advogados aplicar supletivamente o Código Penal, as regras a aplicar à prescrição do procedimento disciplinar consagrada no artº 11º do mesmo diploma são as do Código Penal.
Como resulta das citadas decisões do TUI o prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar desde a data da prática da infracção – artº 111º do CP – e não se pode completar antes da decisão se tornar definitiva.
Aplicando-se as regras do Código Penal ao regime do processo disciplinar dos Advogados de Macau e sendo o Recurso Contencioso a forma de reagir contra aquelas decisões nos termos do Código Disciplinar dos Advogados – artº 44º do mesmo diploma – outra leitura não pode haver que não seja aquela que resulta da indicada Jurisprudência do TUI que até que haja uma decisão transitada em julgado pode completar-se o prazo de prescrição.
Aqui chegados, como resulta da factualidade apurada o crime pelo qual o Autor foi condenado criminal e disciplinarmente p.p. nos nº 1 e 2 do artº 11º da Lei 2/1990 é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, pelo que, o prazo de prescrição é igual a 10 anos nos termos da al. c) do nº 1 do artº 110º do CP.
Nos termos do nº 3 do artº 113º do CP a prescrição do procedimento disciplinar tem sempre lugar quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão.
Por “ressalvar” entende-se por a salvo, acautelar, garantir.
A expressão “ressalvado o tempo de suspensão” só pode significar que se garante, que se protege o prazo durante o qual a contagem esteve suspensa, pelo que, o tempo durante o qual se suspendeu a contagem do prazo de prescrição não se considera para efeitos do cômputo do prazo máximo de prescrição. Ou seja, ao prazo máximo de prescrição – prazo normal acrescido de metade – acresce ainda o tempo durante o qual a contagem do prazo (de prescrição) esteve suspensa.
Nos termos da al. b) do nº 1 e nº 2 do artº 112º do CP deduzida a acusação, suspende-se o prazo de prescrição não podendo essa suspensão ultrapassar 3 anos.
Como resulta da factualidade apurada entre a notificação da acusação em 23.05.2014 e a decisão da aplicação da pena em 06.07.2017 decorreram mais de 3 anos, pelo que no dia 23.05.2017 cessou a suspensão do prazo e voltou a correr o prazo de prescrição.
Na data em que é notificada a acusação – 23.05.2014 -, desde a data da prática dos factos – 12.08.2002 – já haviam decorrido 11 anos, 9 meses e 11 dias, pelo que a prescrição – 10 anos no caso em apreço - só não teria ocorrido se tivesse havido interrupção da mesma.
A prescrição do procedimento disciplinar por força das indicadas normas do Código Disciplinar dos Advogados e artº 113º do CP interrompe-se nos seguintes termos:
Artigo 113.º
(Interrupção da prescrição)
1. A prescrição do procedimento penal interrompe-se:
a) Com a notificação para interrogatório do agente como arguido;
b) Com a aplicação de uma medida de coacção;
c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente; ou
d) Com a marcação do dia para julgamento no processo de ausentes.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; mas quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos, o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.
Note-se a diferença entre o artº 113º do CP e o nº 1 do artº 315º do C.Civ..
É preciso ter em consideração que a interrupção do procedimento criminal não se confunde com a interrupção do prazo em cível.
Nos termos do nº 1 do artº 315º do C.Civ. a “prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Em processo criminal a prescrição interrompe-se pela prática de actos específicos e determinados praticados no processo criminal, actos esses definidos no artº 113º do CP.
Nomeadamente a prescrição não se interrompe pela apresentação de queixa. A prescrição não se interrompe por se instaurar o processo de inquérito. A prescrição não se interrompe por se notificar o arguido de que foi deduzida queixa, por se instaurar o processo de inquérito ou por lhe terem sido tomadas declarações nesse processo ou outro de onde resulte querer instaurar contra ele o processo crime.
O primeiro acto de onde pode resultar a interrupção da prescrição é a “notificação para interrogatório como arguido”.
A própria constituição de arguido está regulada na lei como um acto autónomo nos termos do artº 46º e seguintes do CPP.
Interrogatório não se confunde como exercer o direito de defesa e pronunciar-se sobre a acusação ou o que lhe é imputado.
Interrogatório é um acto presencial entre o inquiridor e o arguido em que este já está constituído como tal.
Ora, neste processo isso só aconteceu em 14.03.2017 já depois de ter sido deduzida a acusação.
Logo, ainda que tenha havido a manifestação de intenção e vontade de instaurar o processo contra o aqui Autor, dado que estamos em matéria a que se aplicam as regras do crime, a notificação de 23.12.2010 não tem a virtualidade de interromper a prescrição.
Face à letra deste preceito, de tudo o que consta do processo disciplinar, o único acto que poderia ter interrompido o prazo de prescrição era a notificação do interrogatório do agente como arguido.
A “notificação do interrogatório do agente como arguido” só aconteceu em 21.03.2017, muito para além de se terem completado o prazo de prescrição de 10 anos o que aconteceu em 12.08.2012 quando ainda não havia sido deduzida acusação.
A notificação do arguido em 23.12.2010 nos termos do artº 51º a dar conhecimento de que se tinha iniciado a instrução de um processo disciplinar, que podia consultar o processo e responder à matéria em 10 dias não se equipara de modo algum a “um interrogatório como arguido”.
Esta notificação que a dado passo das deliberações do CSA resulta ser a que alude o artº 21º do Código Disciplinar dos Advogados não tem semelhança alguma com o interrogatório como arguido.
Como resulta do artº 128º do CPP o arguido tem de ser informado os factos que lhe são imputados.
Ora, como resulta da deliberação do CSA de 21.06.2013 ainda não se sabia muito bem que factos lhe seriam imputados, conhecendo-se apenas que havia um processo crime, que seria submetido a julgamento e aguardando-se pelo resultado desse, razão pela qual se voltou a deliberar pela suspensão do processo.
Destarte, nunca antes da conclusão do processo crime poderia o aqui Autor ter sido ouvido como arguido pois nem de que factos lhe eram imputados sabia o CSA.
Nestes autos o Autor só foi ouvido como arguido depois de ser deduzida a acusação em 2017.
Destarte, compulsado o processo disciplinar, contrariamente ao entendimento expresso numa das deliberações do CSA as notificações nos termos do artº 21º do Código Disciplinar dos Advogados não têm a virtualidade de interromper o prazo de prescrição.
Não tendo ocorrido facto algum dos previstos no artº 113º do CP que interrompesse a prescrição esta completou-se em 12.08.2012, antes ainda de haver decisão criminal e muito antes da acusação.
Contudo como resulta da factualidade apurada por deliberação de 23.01.2014 foi decidido que o processo disciplinar não havia prescrito.
Sendo posteriormente deduzida acusação, tal como resulta dos Acórdãos do TUI supra citados caso o agora Autor entendesse que quando lhe foi aplicada a pena disciplinar o processo disciplinar já havia prescrito, tal matéria constituiria um vício do acto e haveria de ter sido invocada em sede de recurso contencioso interposto do mesmo.
Contudo o agora não recorreu do acto que lhe aplicou a pena disciplinar pelo que, não cabe nesta sede apreciar dessa prescrição, estando prejudicada a matéria.
Porém, como também já se deixou dito, com base na indicada Jurisprudência do TUI a interposição do Recurso Contencioso não suspende o prazo de prescrição, pelo que em face do acto do CSA que deliberou que esta ainda não se havia completado, cabe analisar e decidir.
Como já se disse desde a data da prática dos factos – 12.08.2002 – até à data em que é notificada a acusação – 23.05.2014 -, já haviam decorrido 11 anos, 9 meses e 11 dias.
Desde a data em que cessou a suspensão do prazo – 23.05.2017 - até a data da prática do acto pelo CSA que deliberou no sentido do procedimento não ter prescrito em 29 de Julho de 2022 decorreram mais 5 anos, 2 meses e 6 dias.
Ou seja, incluindo o prazo de suspensão, desde a data da prática dos factos – 12.08.2002 - até à tomada daquela deliberação – 29.07.2022 - já haviam decorrido 19 anos, 11 meses e 17 dias e deduzido o prazo de suspensão, 16 anos, 11 meses e 17 dias.
Seja qual for a interpretação que se tenha quanto ao nº 3 do artº 113º do CP no que concerne ao que significa “ressalvado o prazo de suspensão”, quando aquela deliberação foi tomada, há muito que já se completou o prazo máximo de prescrição de 15 anos, seja ele incluindo os 3 da suspensão ou acrescido destes 3 e igual a 18.
Donde se conclui que o prazo de prescrição estaria em qualquer das situações excedido.
Reiterando-se que, sem prejuízo da posição quanto à interrupção do prazo de prescrição que entendemos nunca ter acontecido, independentemente das interrupções do prazo da prescrição que possam ocorrer, nos termos do nº 3 do artº 113º do CP este prazo completa-se sempre que decorra o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que no caso em apreço seria igual a 15, pelo que, uma vez completo, desnecessário se tornaria averiguar se houve interrupções da prescrição.
Pelo que, em face de todo o exposto, dúvidas não há de que o procedimento disciplinar contra o Autor já estava prescrito aquando da deliberação de 29.07.2022, por ter já decorrido há muito o prazo de prescrição acrescido de metade.
Nos termos do artº 11º do Código Disciplinar dos Advogados o conhecimento da prescrição do procedimento disciplinar é oficioso, impondo-se ao CSA declará-la.
Destarte, estando em causa um acto vinculado, quando em 2022 o Réu decidiu que ainda não se havia completado a prescrição, traduz-se o acto em causa numa recusa expressa da prática do acto de conteúdo vinculado a que estava obrigado.
Assim sendo, está preenchido o pressuposto da alínea b) do nº 1 do artº 103º CPAC para, julgando a acção procedente, condenar o Réu a praticar o acto pedido no sentido de declarar prescrito o procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA instaurado contra o Autor.
No que concerne ao prazo para a prática do acto, 30 dias mostra-se adequado para o efeito.
III. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, condena-se o Réu Conselho Superior da Advocacia a no prazo de 30 dias contados da data do trânsito em julgado desta decisão, deliberar no sentido de declarar prescrito o procedimento disciplinar nº 22/2010/CSA instaurado contra o Autor.
Sem custas por delas estar isento o Réu.
Registe e Notifique.
RAEM, 27 de Março de 2025
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)
Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)
Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)
(Vencido nos termos da declaração de voto que junto.)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
Declaração de voto
Voto vencido o Acórdão.
Antes de mais, concordo com o entendimento exposto no Acórdão antecedente no sentido de que não cabe nesta acção apreciar de eventual prescrição ocorrida antes da deliberação proferida pelo Conselho Superior da Advocacia (CSA), uma vez que, se, à data da deliberação, houvesse completado o prazo de prescrição mas ainda assim o CSA, por qualquer razão, dela não conheceu, inquinaria o acto de punição disciplinar de vício de violação de lei, traduzida na omissão de pronúncia sobre uma questão de conhecimento oficioso (art. 11º do Código Disciplinar dos Advogados, doravante por CDA), vício esse que deveria ser impugnado tempestivamente por via de recurso contencioso interposto contra a deliberação ou outros meios legais, não se mostrando possível suscitar-se o vício só agora nesta acção.
Independentemente desta questão, afigura-se-me que a carta de 23 de Dezembro de 2010, contrariamente ao que sufraga a posição vencedora, tem a virtualidade de interromper a prescrição, porquanto o Sr. Advogado, Requerente da presente acção, ao recebê-la, tomou necessariamente conhecimento do processo disciplinar contra si instaurado, o qual tinha como origem o depoimento prestado por uma testemunha numa audiência em Tribunal. Aplicando-se supletivamente (i.e., com as devidas adaptações face à natureza e tramitações previstas para esse tipo de procedimento) o disposto no art. 113º n.º 1 al. a) do Código Penal, é da minha opinião de que a emissão da carta oferece dignidade bastante para manifestar a vontade de o CSA pretender impulsionar o procedimento que visava a responsabilização disciplinar do Requerente face à participação do Tribunal.
*
Ainda que, em termos gerais, não haja obstáculo a que, numa acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos como a presente, se suscitem factos ou circunstâncias posteriores à tomada da deliberação do CSA, tendentes a demonstrar uma suposta prescrição superveniente do procedimento disciplinar durante a pendência do recurso contencioso, obrigando-se deste modo o CSA a tomar uma decisão (porventura num determinado sentido até) cuja prática tinha sido recusada, estou em crer que a presente acção não mereceria procedência.
É verdade que tenha o Venerando TUI afirmado, no Acórdão de 9 de Março de 2016, proc. n.º 49/2015, que “o prazo de prescrição do procedimento disciplinar começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou, nos termos do artigo 111.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 65.º, alínea a) do Código Disciplinar dos Advogados, e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso.”
Contudo, salvo melhor opinião, parece-me que no citado Acórdão do TUI não se abordou a questão de saber se o período de tempo que medeia entre a prática do acto punitivo e o trânsito em julgado da sentença de recurso contencioso deve ou não deve contar.
Sobre esta questão, frisa-se que – não obstante a remissão do art. 65º do CDA no sentido de o direito penal vigente, entre outras regras aí elencadas, ser aplicável supletivamente, no âmbito da interpretação e integração das lacunas do Código – as normas previstas no Código Penal não deverão ser aplicadas pura e simplesmente, ou seja, sem quaisquer adaptações ou restrições que se mostram devidas tendo em conta a natureza deste tipo de procedimento consagrado no CDA, a processos disciplinares instaurados contra advogados.
Acompanhando a posição exposta pelo Digno Delegado Coordenador do MP no seu douto parecer onde citou, aliás, jurisprudência comparada do STA de Portugal para reforçar a sua tese, entendo que, uma vez praticado o acto punitivo e durante a pendência do recurso contencioso, deve o prazo de prescrição considerado suspenso porquanto nesse período está o titular do direito de punir (i.e., o CSA) impossibilitado de exercê-lo.
Refira-se, mais uma vez, que o facto de o prazo de prescrição dever terminar na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar (que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso) não é o mesmo dizer que antes desse momento não poderia ter lugar qualquer suspensão do prazo, por exemplo, com base em qualquer das situações previstas no art. 113º do Código Penal.
Afigura-se-me que não há possibilidade de ser o procedimento administrativo ser declarado prescrito depois da prática do acto punitivo e durante a pendência do recurso contencioso, tempo em que a Administração nada pode fazer, segundo o art. 299º n.º 1, e art. 313º n.º 1 do Código Civil, em conjugação com o art. 112º al. a), primeira parte do Código Penal (onde faz referência ao tempo em que o “processo não puder legalmente continuar”) que aqui se aplica supletivamente.
Pelo exposto, deveria a acção ser julgada improcedente.
*
27 de Março de 2025
Seng Ioi Man
1 Veja-se o sumário do indicado Acórdão para se perceber como de acordo com o Direito Administrativo ao tempo a questão era interpretada: “I - Obsta ao decurso do prazo prescricional a pendencia de recurso contencioso interposto de acto punitivo, segundo o principio geral de direito de que a prescrição não corre durante o tempo em que o titular do direito de punir esteve impossibilitado de exerce-lo.
II - Mas anulado contenciosamente o despacho punitivo, e renovado o processo disciplinar, já não pode correr a prescrição do procedimento disciplinar nos termos do n. 2 do artigo 4 do E.D., podendo verificar-se apenas a prescrição a que alude o n. 1 do mesmo artigo 4 se, apos o transito em julgado do acórdão anulatório decorrer o prazo de 3 anos sem que o seu decurso se interrompa pela pratica de actos instrutórios com efectiva incidência na marcha do processo.
III - Não incorre em violação de lei por infracção a alínea dd) do artigo 1 da Lei n. 16/86 de 11/6 o despacho impugnado que puniu com a pena de inactividade infracção disciplinar que se entendeu estar prevista no n. 1 alíneas b) e c) do n. 2 do artigo 24 do E.D. aprovado pelo Decreto-Lei n. 191-D/79, de 25 de Junho.
IV - A entender-se que os factos imputados ao arguido integram infracções puníveis com a pena de suspensão e não de inactividade, o despacho que o punira com esta pena enfermaria de violação de lei por infracção dos preceitos referidos na última parte do ponto III e não da alínea dd) do artigo 1 da Lei n. 16/86 de 11 de Junho.
V - Não e de conhecer de vicio arguido por um dos recorrentes só na petição e a que renunciou tacitamente, nos termos do n. 3 do artigo 684 do C.P.C. não o invocando nas conclusões da alegação final.
VI - E na petição que o recorrente deve arguir todos os vícios, pelo que não e de conhecer daquele que só foi arguido nas conclusões da alegação final quando já bem conhecia os factos que o integram quando apresentou a petição.
VII - Verifica-se a nulidade insuprível resultante da falta de audiência dos arguidos em artigos de acusação quando nestes artigos os mesmos são acusados de, com vista a serem gratificados, lavraram escrituras, com caracter de continuidade, a interessados que as não tinham marcadas, com preterição ou demoras excessivas das que já estavam marcadas.
VIII - Tais acusações não contem factos integrantes e precisos da infracção pelo que os arguidos nas suas defesas ficaram impossibilitados de impugnar eficazmente essas acusações formuladas em termos vagos e imprecisos, sem expressão factual concreta, sem concretizar os interessados "preferidos" e os "preteridos", com formulação de juízos conclusivos sobre a motivação das gratificações sem indicação de factos que tal revelem.
2 FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª reimpressão, 2009, p. 699.
3 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 1997, p. 472.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
486/2023 ADM 1