Processo n.º 378/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data: 13/Março/2025
Assuntos:
- Irrecorribilidade de acto
- Acto opinativo
SUMÁRIO
Em princípio, são passíveis de recorribilidade os actos administrativos que produzem efeitos concretos e imediatos. Portanto, se um acto não tem caráter decisório e não afecta directamente a esfera jurídica de um administrado, mas se limita a emitir uma opinião com a qual o interessado discorda, tal acto não é contenciosamente recorrível.
No caso dos autos, a Administração decidiu que: “Assim, do exposto somos da opinião que devem as portas corta-fogo ser substituídas por outras que cumpram as exigências do concurso, sendo que tal substituição deve ser executada a expensas do consórcio adjudicatário.”
A exigência da Administração quanto à substituição das portas corta-fogo por outras, no que diz respeito ao cumprimento das exigências do concurso (ou à possibilidade de constituir uma obra adicional) e à responsabilidade pelas despesas dessa substituição a serem arcadas pelo consórcio adjudicatário, configura-se como uma mera opinião decorrente da interpretação de cláusulas contratuais, e não como uma decisão ou estatuição autoritária propriamente dita.
Uma vez que se trata de um acto opinativo, tal não é contenciosamente recorrível, devendo, assim, absolver-se a entidade recorrida da instância por falta de objecto, conforme o disposto no artigo 173.º do CPA e 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo n.º 378/2020
(Autos de recurso contencioso)
Data: 13/Março/2025
Recorrente:
- Consórcio A
Entidade recorrida:
- Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Consórcio A (doravante designado por “recorrente”), conforme identificado nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que indeferiu o recurso hierárquico por ele interposto, com o qual não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação de acto, formulando na petição de recurso as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto do despacho do Exm.º Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 13 de Março de 2020, exarado na Informação n.º 032/DEPDPO/2020, de 10/03/2020, notificado ao ora Recorrente em 2 de Abril de 2020 por Ofício n.º 0467/DEPDPO/2020, de 30/03/2020, relativa à Empreitada de Construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença sito em Ká-Hó (obra n.º 114/2014), na qual foi proposto ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas o indeferimento do recurso hierárquico e a consequente substituição de 8 portas corta-fogo com capacidade de resistência ao fogo CRF 120.
II. No âmbito do concurso público para a “Empreitada de Construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença, sita no Ká-Hó”, o ora Recorrente veio apresentar a sua proposta, nela contendo a especificação de todas as condições e preço.
III. Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, datado de 5 de Novembro de 2014, exarado na proposta n.º 571/DEPDPO/2014, foi adjudicada a empreitada aqui em causa ao Recorrente.
IV. Relativamente às portas corta-fogo a serem instaladas a Administração não exigiu, à data do concurso, que fosse cumprido o requisito de isolamento.
V. Quando foi apresentada a proposta a concurso em 18 de Agosto de 2014, e mesmo quando veio a ser aprovada a instalação das portas corta-fogo em 23 de Março de 2017, em Macau ainda não existia produto que cumprisse esse requisito.
VI. E por isso era prática comummente aceite a instalação nas obras de cariz público do tipo de portas e cortinas contra incêndio sem o parâmetro de isolamento, por serem por todos aceites como equivalentes às cortinas e portas contra incêndios da classe CFR120 com requisito de isolamento.
VII. Foi publicamente reconhecido pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas até 2019 o Regulamento de Segurança Contra Incêndios, em vigor desde 1995, não era aplicado na íntegra, mas que, recentemente “os serviços entenderam que era melhor aplicar o regulamento totalmente”, acrescentando ainda que os serviços estavam empenhados em evitar surpresas na fase de vistoria das obras.
VIII. Em 14 de Fevereiro de 2017, e já durante a execução da empreitada, seguindo os procedimentos estipulados por lei e no Caderno de Encargos, o Recorrente submeteu à aprovação da Dona da Obra as portas corta-fogo 電動防火閘及菲士防火閘, 防火閘: 恒隆.
IX. A Ficha de Aprovação de Materiais do empreiteiro foi apresentada à Entidade Projectista e à Entidade Fiscalizadora para que estes emitissem o seu Parecer, sendo estas nomeadas pela Administração na gestão desta empreitada.
X. Tendo em conta os materiais em causa, o empreiteiro submeteu as portas corta-fogo a testes levados a cabo pelo Instituto para o Desenvolvimento e Qualidade, Macau para respectivo parecer.
XI. Os pareceres do Projectista, da Entidade Fiscalizadora e do IDQ foram no sentido de aprovação das portas corta-fogo propostas pelo Recorrente.
XII. O Projectista atesta que aqueles materiais submetidos a aprovação cumprem os requisitos do projecto e dos desenhos, a Fiscalização atesta que aqueles materiais submetidos a aprovação cumprem o caderno de Encargos, e o IDQ atesta que aqueles materiais submetidos a aprovação cumprem os requisitos de segurança e integridade exigidos por lei.
XIII. Na sequência dos pareceres supra referidos, a Dona da Obra veio a aprovar os referidos materiais, tal como consta também da ficha de aprovação de materiais, tendo ordenado a sua instalação, o que veio a ser prontamente feito pelo Recorrente.
XIV. Já com a obra praticamente concluída, em 26 de Março de 2018 e 4 de Abril de 2018 o Corpo de Bombeiros veio a proceder à competente inspecção, a qual precede a vistoria da Dona da Obra.
XV. Segundo o Relatório do Corpo de Bombeiros n.º 0812/DVI/DPI/2018, não foi possível apurar se o material instalado preenche a classe CRF120, sugerindo que sobre esta matéria fosse ouvida a DSSOPT.
XVI. Sobre aquelas especificas portas corta-fogo o Corpo de Bombeiros não emitiu parecer desfavorável, apenas remetendo para a DSSOPT a tomada de opinião.
XVII. Por Oficio n.º 1203/DEPDPO/2018, de 8 de Maio de 2018 recebido pelo Recorrente em 14 de Maio de 2018, a DSSOPT veio notificar o Recorrente para apresentar o respectivo orçamento relativo aos trabalhos que não estão previstos no contrato inicial, ou seja, a DSSOPT encarou a necessidade de substituição das portas corta-fogo como um trabalho a mais, e por essa razão solicitou o respectivo orçamento.
XVIII. Surpreendentemente, no Auto de Vistoria de 14 de Maio de 2018, a DSSOPT veio a elencar o item relativo às portas corta-fogo como se tratando de um defeito, suportando-se para tento no referido relatório do Corpo de Bombeiros.
XIX. Em resposta, por carta com a referência n.º L18127, datada de 23 de Maio de 2018, em reclamação à posição da DSSOPT, o Recorrente refutou a mesma e afirmou que os referidos trabalhos, por não se tratarem de trabalhos estipulados inicialmente no caderno de encargos, constituem trabalhos a mais.
XX. Até aquela data, em Macau nunca havia sido exigido pelo Corpo de Bombeiros o cumprimento do requisito de isolamento que consta do art. 2, 2.1, al. 11) do Regulamento de Segurança contra Incêndios.
XXI. Quando foi apresentada a proposta a concurso em 18 de Agosto de 2014, e mesmo quando veio a ser aprovada a instalação das portas corta-fogo em 23 de Março de 2017, em Macau ainda não existia produto que cumprisse esse requisito, como vem reconhecido pelo Projectista e pela Entidade Fiscalizadora ao longo de todo o processo administrativo.
XXII. Era prática comummente aceite a instalação nas obras de cariz público do tipo de portas e cortinas contra incêndio sem a verificação da característica de isolamento, por serem por todos aceites como equivalentes às cortinas e portas contra incêndios da classe CFR120.
XXIII. Também o IDQ não exigia naquela altura a verificação do requisito de isolamento.
XXIV. A solução apresentada pelo Recorrente serviu e tem sido comummente aceite pelo Governo da RAEM, pelas empresas de fiscalização, pelo Corpo de Bombeiros e pelos empreiteiros.
XXV. À data da abertura do presente Concurso e da apresentação da proposta por parte do Recorrente, era impossível ao Recorrente propor um preço para a realização da presente empreitada que englobasse o real valor a pagar pelas portas contra incêndio da classe CRF120 com isolamento, pois que tal material não se encontrava disponível no mercado, como era conhecimento da DSSOPT.
XXVI. O preço constante da proposta apresentada pelo Recorrente e aceite pela Dona da Obra foi estipulado tendo apenas por base o valor a suportar pelas portas contra incêndio sem a característica de isolamento, existindo na altura uma verdadeira impossibilidade de apresentar um preço que tivesse em conta o custo de um material que na altura não existia.
XXVII. As portas corta-fogo com característica de isolamento têm dimensões completamente diferentes daquelas que foram inicialmente previstas, e por isso a sua instalação era incompatível com o desenho original e acarretava necessariamente a alteração de elementos de arquitectura e instalações eléctricas previstas no desenho original.
XXVIII. Em face dos desenhos da obra que suportaram o concurso e condicionaram a proposta do Recorrente quanto aos materiais a serem instalados, a solução das portas corta-fogo com classe CRF120 nunca havia sido prevista pela Dona da Obra desde o início, já que se mostraria contrária ao próprio desenho, e apenas surgiu no momento da recepção provisória da obra.
XXIX. Os custos pela instalação das portas corta-fogo de classe CRF120 exigidas pela DSSOPT são muito superiores aos inicialmente previstos com a instalação das portas corta-fogo sem característica de isolamento, e não poderão ser imputados ao Recorrente por se tratarem de trabalhos a mais.
XXX. Essa foi também a decisão da Administração em outras empreitadas de obras públicas quando se deparou com a mesma questão.
XXXI. Os materiais que o Recorrente se prepôs a instalar cumprem os requisitos dos desenhos originais do concurso e os requisitos que eram então exigidos pela Administração, designadamente, o parâmetro da integridade.
XXXII. A Administração sabia, nem tinha como não saber, que a proposta do Recorrente, nos termos em que foi apresentada quanto ao seu preço e condições, previa a instalação das portas corta-fogo que efectivamente vieram a ser instaladas, e essa proposta veio a ser aceite, tendo sido a final adjudicada ao ora Recorrente a empreitada em causa.
XXXIII. Com a adjudicação a Administração reconhece que a proposta do Recorrente correspondia aos requisitos impostos pelo caderno de encargos e os materiais que o ora Recorrente se propôs instalar cumpriam com as especificações impostas pelo mesmo caderno de encargos.
XXXIV. Não pode pois a Administração, vir impor ao Recorrente, uma obrigação distinta daquela que aceitou contratar.
XXXV. A DSSOPT reconheceu expressamente que esses trabalhos de substituição eram trabalhos que não estavam inicialmente contratualizados e que por isso mereceriam da parte do Recorrente a respectiva cotação.
XXXVI. A própria entidade fiscalizadora concordou que os trabalhos de substituição das portas corta-fogo tratam-se de trabalhos adicionais.
XXXVII. Pelo facto de na referida ficha de aprovação de materiais constar que os materiais são aprovados sob a condição de ter “que cumprir com as exigências das normas do concurso”, tal não poderá significar qualquer condicionante para o Recorrente.
XXXVIII. É que tal menção, para além de constituir má prática dos serviços, é de tal forma genérica e abstracta que não permite ao empreiteiro aferir desse documento a que exigências se refere.
XXXIX. Dizer que os materiais são aprovados sob a condição de ter “que cumprir com as exigências das normas do concurso” equivale a dizer nada.
XL. Na aposição das cláusulas acessórias terá de ser verificado o requisito da compatitbilidade com a lei, não devendo afectar elementos vinculados do comportamento da administração.
XLI. Neste caso concreto, a Administração está vinculada a uma decisão de aprovação ou não aprovação, como resulta dos artigos 147º e 148º do RJCEOP.
XLII. O RJCEOP não prevê a aprovação sujeita a condições.
XLIII. A condição aposta na Ficha de Aprovação de Materiais está em contradição com a lei, não se verificando o requisito da compatibilidade.
XLIV. Os procedimentos de aprovação de materiais numa qualquer empreitada não se compadecem com incertezas nem com sujeições a eventos futuros e incertos.
XLV. A verificação de que os materiais cumprem os requisitos das normas do concurso pode ser feita de imediato, no próprio momento da verificação, porque não estão sujeitas a um evento futuro, mas antes aos requisitos já estipulados no passado.
XLVI. Vir dizer que a aprovação da lista de materiais ficou subordinada à verificação de um evento futuro e incerto é manifestamente incompatível com o fim a que se destina.
XLVII. A condição aposta na Ficha de Aprovação de Materiais teria de ser fundamentada.
XLVIII. A fundamentação consiste em indicar, expressamente as premissas em que assenta o acto, ou em que se exprimem os motivos porque se decide de determinada forma e não de outra.
XLIX. Este dever de fundamentar funciona, assim, como um meio fundamental de garantia de legalidade da actividade da administração (resultante do artigo 3º do CPA), e também de defesa dos direitos dos administrados.
L. No caso concreto, a condição aposta no acto de aprovação dos materiais, ainda que seja admissível, o que não se concede, é de tal forma genérica e abstracta que equivale a uma absoluta falta de fundamentação, nos termos plasmados no art. 115º, n.º 2 do CPA.
LI. Apesar de ser ilegal, a condição aposta na Ficha de Aprovação de Materiais não afecta a validade do acto praticado na parte em que este corresponde à vinculação legal, o que significa que os materiais submetidos à aprovação da Dona da Obra foram aprovados sem qualquer condição.
LII. A vinculação da Administração à decisão de aprovação ou não aprovação prende-se também necessariamente com o princípio da transparência.
LIII. A tese da Entidade Recorrida viola de forma flagrante o princípio da boa-fé e da confiança que vinculam a Administração na sua actuação para com os particulares e que constitui uma garantia preventiva da imparcialidade.
LIV. A Administração, na sua actuação, labora em conceitos vagos e genéricos, cuja interpretação abusiva e unilateral pode levar necessariamente à obstrução do bom andamento dos trabalhos e à quebra de confiança do contratante particular, o ora Recorrente.
LV. Perante a formulação “須滿足招標規範要求” com que o Recorrente se depara na Ficha de Aprovação de Materiais, a interpretação lograda por um declaratário normal colocado na posição do Recorrente era a de que o material apresentado foi aprovado.
LVI. Em coerência com o entendimento de que qualquer declaratário normal, na posição do Recorrente, interpretaria a declaração da Dona da Obra como uma aprovação dos materiais, andou, igualmente, a posterior conduta da Administração.
LVII. A Dona da Obra aprovou e ordenou a instalação das referidas portas corta-fogo e o Recorrente procedeu efectivamente à sua instalação, sem que houvesse qualquer oposição, fosse de quem fosse.
LVIII. A Dona da Obra reconheceu expressamente perante o ora Recorrente que a instalação de portas corta-fogo com a classe CRF120 com isolamento não está inicialmente prevista no contrato, como resulta claro do Oficio n.º 1203/DEPDPO/2018, de 8/5/2018, através do qual veio notificar o Recorrente para apresentar o respectivo orçamento relativo aos trabalhos que não estão previstos no contrato inicial.
LIX. A própria Entidade Fiscalizadora entendeu que a exigida alteração das portas contra incêndio deveriam ser consideradas como trabalhos a mais.
LX. Os materiais foram aprovados por todas as entidades competentes para esse efeito, incluindo a Dona da Obra e o Corpo de Bombeiros que nunca deram parecer desfavorável.
LXI. Não pode vir a Entidade Recorrida, já depois de ter concordado com a instalação das portas propostas pelo Recorrente, e de ter dado instruções para a sua colocação, vir na vistoria para a recepção provisória da obra invocar que essa instalação constitui um defeito de obra, ainda para mais quando o faz a despeito de um Parecer do Corpo de Bombeiros que em nada é desfavorável aos referidos materiais.
LXII. Ao vir agora a responsabilizar o Recorrente pela substituição desses materiais, actua de forma manifestamente ilegal, e atenta contra os princípios da boa-fé e confiança que vinculam a administração.
LXIII. Vir em sede de auto de recepção provisória exigir ao Recorrente que faça prova de que os materiais instalados cumprem os requisitos das portas corta-fogo de classe de residência ao fogo CRF120, quando a obra estava praticamente concluída e pronta a ser entregue, é completamente abusivo e ilegal.
LXIV. A comprovação de que os materiais instalados cumpriam com o requisito de isolamento não era exigível pelo programa do concurso, nem pela proposta do Recorrente que foi aceite pela Dona de Obra, nem pela Ficha de Aprovação de Materiais, após a qual foi ordenada a instalação dos referidos materiais.
LXV. Vir impor ao empreiteiro, em fase muito posterior à adjudicação da obra, a substituição de materiais que haviam sido já instalados e que tinham passado pelo crivo da Dona da Obra, por outros materiais com especificações, parâmetros e preços completamente diferentes daqueles que haviam sido previamente aceites, impondo encargos adicionais que não estavam inicialmente previstos, constitui uma gritante violação do princípio da equilíbrio económico-financeiro dos contratos, do princípio da boa-fé e do princípio da estabilidade dos elementos que vinculam a administração na execução dos contratos.
LXVI. A substituição das portas corta-fogo ordenadas pela Entidade Recorrida deverá ser considerada como trabalho a mais, em obediência ao disposto no art. 26º, n.º 1 do RJCEOP.
LXVII. O Desenho original do concurso não permitia a instalação das portas de classe CRF120 com a característica de isolamento.
LXVIII. O requisito de isolamento das portas corta-fogo não é exigido pelo Regulamento de Segurança contra Incêndios.
LXIX. A decisão recorrida viola também o princípio da igualdade já que a Administração já veio a decidir de forma diferente em outras empreitadas de obras públicas quando se deparou com a mesma questão, como é o caso da construção do Edifício do Bairro de Ilha Verde, onde a administração pública veio a assumir os encargos adicionais com a desmontagem de portas corta-fogo ali existentes e com a instalação de portas em modelos novos que preenchessem a eficácia de resistência ao fogo.
LXX. A substituição dos portões corta-fogo na habitação social do Bairro da Ilha Verde não se tratou de uma actuação ilegal da Administração, mas antes do reconhecimento que foi por responsabilidade sua que os materiais instalados naquela obra não obedeciam integralmente à legislação em vigor em Macau, o que era tolerado na altura.
LXXI. Para situações idênticas a administração decidiu de forma diferente, em prejuízo manifesto do ora Recorrente, o que viola o princípio da igualdade consagrado no art. 3º do CPA.
LXXII. O pressuposto de que o acto recorrido partiu – isto é, de que a responsabilidade pela substituição das portas corta-fogo deve ser imputada ao Recorrente – não se mostrava verificado, pelo que o mesmo se encontra inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
LXXIII. Ao decidir como decidiu, a Entidade Recorrida desrespeitou os mais elementares princípios fundamentais do direito que regem a actividade da Administração Pública, nomeadamente o princípio da legalidade, da transparência, da boa-fé e da confiança, e da igualdade.
LXXIV. Mais ignorou o preceituado no Código de Procedimento Administrativo e fez tábua rasa do contrato e do Caderno de Encargos, do qual é parte integrante.
LXXV. E violou o disposto no Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro – Regulamento Jurídico do Contrato de Empreitada de Obras Públicas, mormente os artigos 26º, 147º e 148º.
LXXVI. Estamos assim perante uma manifesta discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis, o que constitui um vício de violação de lei, vício esse assumindo in casu a vertente de erro de direito.
LXXVII. Donde resulta o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e erro de Direito, o que gera a anulabilidade do acto, como resulta do artigo 124º do CPA, que aqui se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos do estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
Nestes termos e nos melhores de direito requer-se seja proferido Douto Acórdão por esse Venerando Tribunal que, nos termos do disposto no artigo 21º, n.º 1 do CPAC, anule o acto recorrido de indeferimento do Recurso Hierárquico, por se mostrar inquinado de:
a) vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e por erro de direito;
b) vício de violação de lei por violação dos arts. 228º do Código Civil, dos arts. 111º e 115º do CPA e dos arts. 26º, 147º e 148º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8 de Novembro, e
c) vício de violação de lei por violação dos princípios da legalidade, da transparência, da boa-fé e da confiança, e da igualdade.
Para tanto, requer a V. Ex.a se digne ordenar a citação da Entidade Recorrida, para responder querendo, no prazo legal, e juntar aos autos o original do processo administração respectivo.”
*
Regularmente citada, apresentou a entidade recorrida contestação, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Oportunamente, o recorrente apresentou alegações facultativas, tendo reiterado as razões já aduzidas na petição de recurso.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
Foi adjudicada ao recorrente a empreitada de Construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença, sitos em Ká-Hó, em Coloane.
A técnica superior dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes elaborou a informação n.º 65/DJU/2019, de 15 de Julho de 2019, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais, tendo salientado o seguinte: (fls. 111 a 115 do P.A. n.º 1/1)
“…
58. Logo, o consórcio adjudicatário tem de proceder à substituição das portas corta-fogo, para que estas passem a cumprir as exigências previstas no caderno de encargos.
59. Por outro lado, não lhe é legítimo afirmar que existe violação do princípio da igualdade, porquanto, segundo a sua opinião, a Administração Pública já veio decidir de forma diferente em outras empreitadas de obras públicas em que se deparou com a mesma situação.
60. Desde logo, convém referir que, além de ser uma exigência legal e regulamentar, a colocação daquele tipo de portas corta-fogo é também exigência deste procedimento concursal, sendo que, agora, o Corpo de Bombeiros apenas emite parecer favorável às portas corta-fogo que cumpram os requisitos de estabilidade, integridade e isolamento, o que não acontece no presente caso.
61. Razão pela qual não pode a entidade adjudicante aceitar manter as portas corta-fogo já colocadas pelo empreiteiro.
62. Lembra-se, contudo, por outro lado, que aceitar as portas corta-fogo já colocadas significaria uma violação das normas regulamentares em vigor, nomeadamente, o Regulamento de Segurança contra incêndios, sendo que o princípio da igualdade não pode prevalecer em situações de ilegalidade.
63. Assim, do exposto somos da opinião que devem as portas corta-fogo ser substituídas por outras que cumpram as exigências do concurso, sendo que tal substituição deve ser executada a expensas do consórcio adjudicatário.”
Submetida a informação ao superior, emitiu o Director Substituto dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em 17 de Julho de 2019, o seguinte despacho:
“Visto. Ao DEP para proceder em conformidade com o #63 da informação.” (fls. 111 do P.A. n.º 1/1)
O recorrente foi notificado, por ofício de 20 de Agosto de 2019, do conteúdo do referido despacho do Exm.º Senhor Chefe de Departamento Substituto do Departamento de Edificações Públicas dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Inconformado, o recorrente apresentou, em 3 de Setembro de 2019, recurso hierárquico, conforme o requerimento de fls. 479 a 489 do P.A. n.º 1/1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais.
Naquele requerimento, o recorrente pediu o seguinte:
“Nestes termos e nos melhores de Direito doutamente aplicáveis, requer-se a V. Ex.ª seja revogada a decisão recorrida proferida pelo Chefe de Departamento Substituto do Departamento de Edificações Públicas da Direcção que V. Ex.ª doutamento dirige, e consequentemente, seja proferida por V. Ex.ª decisão que:
a) Faculte ao ora recorrente todos os elementos que a lei prevê como obrigatórios no artigo 70.º do CPA, designadamente a menção sobre (i) qual a disposição legal que permite impugnar o acto por via de recurso administrativo, (ii) qual o tipo de recurso administrativo, (iii) qual o prazo para esse recurso, (iv) e qual o órgão competente para o apreciar; ou
b) Determine que a substituição das 8 portas corta-fogo já instaladas na obra da construção do Lar ade Idosos e do Hospital de Convalescença sito em Ká-Hó (obra n.º 114/2014), por outras tantas com a referência CRF120, constitui uma obra adicional e que, por isso, os respectivos custos deverão ser suportados pela Administração.”
Em resposta ao recurso hierárquico, a técnica superior dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes elaborou a seguinte informação: (fls. 492 a 497 do P.A. n.º 1/1)
“Assunto: Recuro hierárquico apresentado pelo Consórcio A, da decisão de substituição das portas corta-fogo instaladas na obra de construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença de Ká-Hó, em Coloane (Proc. n.º EOP/40.3)
Informação n.º: 110/DJU/2019
Data: 22/11/2019
1. O Consórcio A apresentou ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) recurso hierárquico necessário do despacho, datado de 17 de Julho de 2019, do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes Substituto, que ordenou a substituição das portas corta-fogo instaladas na obra de construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença de Ká-Hó, em Coloane, sendo tal substituição realizada a expressas do recorrente.
2. Cumpre assim emitir o solicitado parecer.
Antecedentes:
3. Por despacho do Chefe do Executivo, datado de 5 de Novembro de 2014, exarado na proposta n.º 571/DEPDPO/2014, foi adjudicada a presente empreitada ao recorrente Consórcio Companhia de Construção Urbana A.
4. No âmbito desta empreitada de construção era necessária a colocação de portas corta-fogo, tendo estas que respeitar as normas técnicas e regulamentares em vigor relativamente às suas características, devendo, por isso, manter as características de estabilidade, integridade e isolamento durante 120 minutos.
5. Por esse motivo, o caderno de encargos exigia a colocação de portas corta-fogo de classe de resistência ao fogo CFR120.
6. Como também o exigiam, tanto a memória descritiva das normas técnicas de execução da obra relativas ao projecto do sistema de prevenção contra incêndios, como o mapa das quantidades.
7. É de referir que a proposta apresentada pelo adjudicatário também contempla a colocação de portas corta-fogo de classe de resistência ao fogo CRF120.
8. E, na declaração de garantia de qualidade dos materiais, constante daquela proposta, aquele comprometeu-se a adoptar apenas os materiais que cumprissem e preenchessem as especificações previstas nos documentos do concurso.
9. Aquando da submissão da lista de materiais para aprovação, aqueles materiais foram aprovados condicionalmente, desde que cumprissem as exigências previstas no concurso.
10. Acontece, contudo, que, aquando da abertura do presente procedimento concursal, bem como da adjudicação da obra a este consórcio, não existiam em Macau portas corta-fogo que cumprissem todas as características da classe de resistência ao fogo CRF120, dado que as existentes não cumpriam o parâmetro de isolamento.
11. Tal só passou a existir durante o ano de 2017.
12. Assim, no que respeita à colocação de portas-corta fogo, o recorrente apenas colo.cou as de tipo BS:476 parte 20
13. Sucede, porém, que o Corpo de Bombeiros, na vistoria realizada à obra, veio afirmar que aquelas não cumprem os requisitos inerentes às características de isolamento.
14. Em 14 de Maio de 2018, foi elaborado auto de recepção provisória da obra, o qual veio reconhecer a existência de deficiências na obra, pelo que a obra foi recebida condicionalmente, sujeita à conclusão da correcção das deficiências encontradas até 14 de Julho de 2018.
15. Refere-se que, conforme consta do auto de vistoria (ponto 5), o tipo de porta corta-fogo colocado pelo recorrente foi considerado uma deficiência da obra, tendo sido aquele advertido que as deveria substituir por outras que cumprissem os requisitos das portas corta-fogo de classe de resistência ao fogo CRF120 ou, em alternativa, apresentar informação que prove que as portas corta-fogo colocadas obedecem àqueles requisitos.
16. No seguimento do despacho do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, datado de 22 de Março de 2019, exarado na proposta n.º 065/DEPDPO/2019, foi notificada ao recorrente, pelo ofício n.º 1081/DEPDPO/2019, de 12 de Abril, a intenção de ordenar a substituição, a expensas daquele, das portas corta-fogo instaladas na obra de construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença de Ká-Hó, em Coloane, concedendo prazo ao recorrente para o exercício do direito de audiência.
17. Em 24 de Abril de 2019 o recorrente veio exercer, mediante defesa escrita, a audiência de interessados.
18. Por despacho do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes Substituto, de 17 de Julho de 2019 veio confirmar-se a decisão de ordenar a substituição, a expensas do recorrente, das portas corta-fogo instaladas na obra referida.
19. Tendo o recorrente apresentado recurso hierárquico necessário daquela decisão.
Análise:
20. O recurso é próprio e está em tempo, o órgão para que foi interposto é competente para conhecer do recurso e a recorrente tem legitimidade.
21. Começa por dizer-se que o recorrente praticamente se limita a carrear para o presente recurso hierárquico os factos e fundamentos apresentados em sede de audiência prévia e que foram já rebatidos aquando da emissão da decisão ora recorrida.
22. De facto, volta o recorrente a insistir que as portas corta-fogo estão em conformidade com a proposta apresentada, correspondendo aos requisitos impostos pelo caderno de encargos, tendo aqueles materiais sido aprovados pela entidade adjudicante.
23. Pelo que, na sua opinião, impor agora ao recorrente novos encargos com a substituição das portas corta-fogo constitui uma violação do princípio do equilíbrio económico-financeiro dos contratos, do princípio da boa-fé e do princípio da estabilidade dos elementos.
24. E, por essas razões, entende que a decisão ora recorrida incorre em erros sobre os pressupostos de facto e de direito.
25. Porém, tal não é verdade, sendo o acto recorrido completamente válido, sem qualquer dos vícios que o recorrente lhe aponta, devendo, por isso, ser de manter o acto proferido.
26. Primeiramente, há que averiguar se os trabalhos de substituição que ora estão a ser ordenados estavam ou não incluídos no contrato de empreitada ou se, por outro lado, são considerados trabalhos a mais.
27. Ora, como já se disse, em sede de audiência prévia no acto ora recorrido e se mantém, dada a definição do que são, para efeitos do regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas, trabalhos a mais, dúvidas parecem não existir quanto ao facto de a substituição destas portas corta-fogo não poder assim ser considerada.
28. Porquanto, apenas são considerados trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não tenham sido incluídas no contrato.
29. Ademais, não podemos olvidar que o caderno de encargos exigia a colocação de portas corta-fogo de classe de resistência ao fogo CFR120, como também o exigiam, tanto a memória descritiva das normas técnicas de execução da obra relativas ao projecto do sistema de prevenção contra incêndios, como o mapa de quantidades.
30. Pelo que é de manter, contrariamente ao defendido pelo recorrente, que esta substituição não consubstancia um encargo adicional para o consórcio adjudicatário, dada a sua previsão desde o início.
31. Razão pela qual não pode ser considerado um encargo adicional a ser suportado pela entidade adjudicante.
32. Na verdade, o artigo 150º do regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas dispõe que os materiais devem ser aplicados pelo empreiteiro em absoluta conformidade com as especificações técnicas do contrato, pelo que, referindo o caderno de encargos, como refere, que as portas corta-fogo tinham que ter as características CRF120, o empreiteiro estava obrigado à sua colocação, não ficando a obrigação devidamente cumprida com a colocação de materiais de qualidade ou características diferentes, nem que, como afirma o recorrente, tal pudesse ter sido prática corrente.
33. Ideia que sai reforçada pelo artigo 143º do mesmo diploma legal, uma vez que aquele preceito legal, no seu n.º 1, vem estipular que todos os materiais que se empreguem nas obras devem ter a qualidade, dimensões, forma e demais características designadas no respectivo projecto, com as tolerâncias regulamentares ou admitidas no caderno de encargos.
34. Aliás, de acordo com o estipulado no n.º 2 do mesmo artigo, se o recorrente julgasse que as características dos materiais fixados no caderno de encargos não seriam as mais convenientes, deveria ter comunicado esse facto ao dono da obra, fazendo uma proposta fundamentada de alteração. O que nuca ocorreu.
35. E, assim sendo, em sentido inverso ao defendido pelo recorrente, não tendo havido qualquer alteração das características técnicas destas portas corta-fogo, têm de ser colocadas aquelas cujas características já constavam do caderno de encargos, sem possibilidade de aumento dos encargos ou do preço da empreitada.
36. Afirma ainda o recorrente que impor agora novos encargos com a substituição das portas corta-fogo constitui uma violação do princípio do equilíbrio económico-financeiro dos contratos, situação que entendemos não verificar.
37. Na verdade, aquele princípio reconduz-se a uma contrapartida indemnizatória ao adjudicatário sempre que a relação contratual inicial seja desvirtuada por actos do contraente público ou pela sua actuação.
38. Sendo que a necessidade de equilíbrio económico-financeiro se circunscreve às situações em que as expectativas económico-financeiras do adjudicatário possam sair frustradas pela actuação posterior do contraente público.
39. O que não sucedeu neste contexto, porquanto, desde o início da relação contratual que o recorrente é conhecedor da exigência de colocação de portas corta-fogo com as características CFR120, não existindo, portanto, qualquer alteração posterior dos materiais empregues por qualquer causa que seja imputável à entidade recorrida.
40. Como não há, portanto, qualquer obra adicional que não estivesse já prevista ou que implicasse custos adicionais que o recorrente não estivesse contar.
41. Pelo que não existe qualquer violação do princípio do equilíbrio financeiro dos contratos, como também não se mostra violado o princípio da estabilidade dos elementos, dado que os exactos termos em que a entidade recorrida se dispôs a celebrar o contrato de empreitada foram desde logo especificados nas peças do concurso, nunca tendo sido alvo de qualquer alteração, ou seja, as “regras do jogo” foram as mesmas desde a abertura do concurso e da adjudicação daquela empreitada ao recorrente.
42. Por outro lado, defende-se o recorrente dizendo que a proposta por si apresentada, nos exactos termos em que foi feita, constitui uma declaração negocial, através da qual informou a Administração dos precisos termos em que pretendia contratar, tendo esta, com a aceitação da proposta demonstrado vontade de contratar nos termos apresentados pelo recorrente.
43. Todavia, não pode a entidade recorrida deixar de discordar completamente com tal argumento.
44. Com efeito, os exactos termos da contratação são definidos pela Administração e não pelos concorrentes e constam, sem possibilidade de alteração, do aviso de abertura, do programa do procedimento e do caderno de encargos.
45. Sendo que são os concorrentes que, conformando-se com as condições constantes das peças procedimentais acima referidas, caso cumpram os requisitos e pretendam contratar nos termos aí estipulados, apresentam uma proposta, que mais não constitui do que a declaração expressa da sua vontade de contratar com a Administração.
46. Apesar de a proposta apresentada pelos concorrentes poder especificar o modo como aqueles pretendem contratar com a Administração, tal não significa que o possam fazer a seu bel-prazer, portanto, o modo como pretendem contratar tem de se conformar com os termos estipulados nas peças do procedimento concursal.
47. Não tendo, por isso, o recorrente qualquer razão neste seu argumento.
48. Como, também, não pode o recorrente vir afirmar que aquando da aprovação dos materiais a entidade recorrida aprovou portas corta-fogo com características diferentes das CRF120.
49. Efectivamente, a lista de materiais apresentada pelo recorrente foi aprovada, mas esta aprovação ficou sujeita a uma condição – os materiais teriam de cumprir as exigências previstas no concurso, ou seja, teriam de ser colocadas portas corta-fogo com as características de resistência ao fogo CFR120.
50. Dir-se-á, portanto, contrariamente ao defendido pelo recorrente, que a aprovação daquela lista de materiais ficou subordinada à verificação de um evento futuro e incerto – o facto de os materiais terem de cumprir as exigências previstas no concurso.
51. Não se tratando, por isso, de uma aprovação tout court, na medida em que aqueles materiais nunca seriam aceites se não cumprissem as exigências previstas no contrato.
52. Logo, o recorrente não podia desconhecer que estava obrigado à colocação de portas com aquelas características, sendo irrelevante a afirmação de que o regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas não prevê este tipo de aprovação dos materiais.
53. É certo que não prevê expressamente a aprovação condicional dos materiais, todavia, nem sequer era necessário que tal ocorresse, dado ser possível sujeitar qualquer acto ou negócio jurídico a condição ou termo, independentemente dessa possibilidade estar expressa e especialmente prevista em legislação específica.
54. Reiterando-se, por essa razão, que não vinga a alegação do recorrente de que foram aprovadas portas corta-fogo de características diferentes das exigidas no caderno de encargos. Tendo, ao invés, a obrigação de colocar portas corta-fogo com as características de resistência ao fogo CRF120.
55. Sendo verdade, como é, que foram aprovados os materiais apresentados pelo recorrente sob a condição de cumprirem as exigências previstas naquele concurso, isto é, serem colocadas portas corta-fogo com as características de resistência ao fogo CRF120, não podem ser colocadas outras que não cumpram estes requisitos, pois essa alteração só pode ser imputável ao recorrente, sendo que, se isso assim ocorrer, aquele fica obrigado à sua substituição, a suas expensas, por materiais que cumpram os requisitos do concurso, como exige o n.º 3 do artigo 149º do regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas.
56. Ademais, convém, não esquecer que nos termos dos artigos 150º e 151º do regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas, os materiais aplicados pelo empreiteiro têm de o ser em absoluta conformidade com as especificações técnicas do contrato, sob pena de, se tal não se verificar, estes serem rejeitados, removidos e substituídos por outros com os necessários requisitos, sendo os custos de todo este procedimento por conta do empreiteiro.
57. Quanto ao facto de o recorrente vir alegar não existir no mercado, em Macau, aquando da abertura do concurso ou da adjudicação da obra, portas corta-fogo com as características de resistência ao fogo CRF120, sempre se dirá que, sendo aquela uma exigência do procedimento concursal, se aquele considerava, desde logo, que seria difícil a sua colocação, não deveria ter apresentado proposta na qual se comprometesse a executar a obra, adoptando apenas materiais que cumprissem e preenchessem as especificações previstas nos documentos do concurso.
58. Bem como, ainda que concorresse, em alternativa, deveria ter sempre recusado que aquela obra lhe fosse adjudicada por saber, à partida, não cumprir as especificações exigidas.
59. No entanto, sempre se dirá que, apesar de naquele momento não existir no mercado de Macau aquele material, certo é que o mesmo poderia ser adquirido, por exemplo, na China.
60. Mas, ainda existisse total impossibilidade de aquisição daquele material no momento da abertura daquele procedimento concursal ou da adjudicação ao recorrente, a verdade é que ainda antes de a obra estar concluída e de ser provisoriamente recepcionada, já existiam no mercado portas com aquelas características, pelo que aquele podia e devia ter diligenciado pela sua colocação.
61. Convém relembrar que, aquando da vistoria realizada para efeitos de recepção provisória da obra, foram detectadas deficiências que resultaram de infracção às obrigações contratuais, nomeadamente, a não colocação das portas corta-fogo com as características de resistência ao fogo CRF120, conforme resulta do auto de vistoria, no qual as mesmas foram detalhadamente elencadas, como exige o artigo 192º do regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas.
62.E devido a estas deficiências a obra foi recepcionada condicionalmente, exigindo-se que aquelas fossem corrigidas e, no que às portas corta-fogo concerne, substituídas por outras que cumprissem as exigências do concurso ou, em alternativa, fossem apresentados documentos que comprovassem o cumprimento daqueles requisitos.
63. Sem nunca esquecer que tanto o auto de vistoria, como o auto de recepção provisória foram assinados por representantes do recorrente pelo que estes tiveram desde logo conhecimento do seu teor.
64. Tendo sido, posteriormente, aquele auto notificado ao recorrente, notificação essa que dava conta das modificações, reparações e diligências a executar para a correcção das deficiências apontadas.
65. Por conseguinte, se o recorrente não tivesse concordado com o conteúdo daquele auto devia ter reclamado ou no próprio auto ou no prazo estipulado para o efeito, como estipula o artigo 192º do regime jurídico do contrato das empreitadas de obras públicas.
66. Porém, tal nunca ocorreu, tendo, por isso, o recorrente ficado obrigado ao cumprimento das exigências constantes daquele auto, com a cominação de, caso não cumprisse, ser a entidade recorrida a executar, por terceiros, tais trabalhos, a expensas daquele.
67. Deste modo, ficou claro que o recorrente está obrigado à substituição das portas corta-fogo, por outras que cumpram as exigências previstas no caderno de encargos.
68. Vem ainda o recorrente alegar que existe violação do princípio da igualdade porquanto a Administração Pública já veio decidir de forma diferente em outras empreitadas de obras públicas em que se deparou com a mesma situação.
69. Não podemos, contudo, aceitar tal argumentação como também não podemos esquecer que, além de ser uma exigência legal e regulamentar, aquele tipo de portas corta-fogo é exigência deste procedimento concursal, bem como o Corpo de Bombeiros, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, apenas emite parecer favorável às portas corta-fogo que cumpram os requisitos de estabilidade, integridade e isolamento, o que não acontece no presente caso.
70. E, por isso, a entidade recorrida não pode aceitar e recepcionar a obra com as portas corta-fogo colocadas pelo recorrente.
71. Além do mais, aceitar as portas corta-fogo já colocadas significaria uma violação das normas regulamentares em vigor, nomeadamente, o Regulamento de Segurança contra incêndios, sendo que o princípio da igualdade não pode prevalecer em situações de ilegalidade.
72. Por último, ainda que sem razão, vem o recorrente apontar à decisão ora recorrida o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
73. Porém, a entidade recorrida discorda completamente da existência do vívio alegado.
74. De facto, o vício de violação de lei por erros nos pressupostos de facto consiste na divergência entre os pressupostos de que partiu o autor do acto para prolatar a decisão final e a sua efectiva verificação no caso concreto, resultando do facto de se terem considerado na decisão factos não comprovados ou desconformes com a realidade.
75. Ora, de tudo o que se expendeu, parece que na decisão apenas foram tomados em conta factos que se impõem como verdadeiros e que estão devidamente comprovados.
76. Não parece, por seu turno, existir também erro nos pressupostos de direito, não tendo, como se explanou, havido violação ou errada interpretação/aplicação de qualquer dos preceitos legais invocados pelo recorrente.
77. Assim, julgamos que o acto emanado é válido e deve ser de manter.
78. Face ao exposto, propõe-se:
78.1 Que seja indeferido o recurso hierárquico, instaurado em pelo recorrente mantendo-se o despacho exarado em 17 de Julho de 2019, pelo Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes Substituto, na informação n.º 65/DJU/2019, de 15 de Julho de 2019.
78.2 O recorrente deve ser notificado da decisão que venha a recair sobre este recurso hierárquico, nos termos do disposto nos artigos 68º e 72º do CPA.
À consideração superior.”
Pelo Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
“Concordo.” (fls. 116 do P.A. n.º 1/1)
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Aberta vista ao Ministério Público, foi emitido pelo Digno Procurador-Adjunto o seguinte douto parecer:
“Nestes autos, a recorrente pediu a anulação do despacho indicado no art. 1.º da petição inicial, assacando o erro nos pressupostos de facto e de direito, a violação das disposições nos art. 228.º do Código Civil, nos arts. 111.º e 115.º do CPA bem como nos arts. 26.º, 147.º e 148.º do D.L. n.º 74/99/M, e, afinal, a ofensa da legalidade, da transparência, da boa fé e da confiança e ainda da igualdade.
*
1. Questão colocada no presente recurso contencioso
Note-se que tendo recebido a notificação do despacho lançado na Proposta n.º 483/DEPDPO/2019 pelo Senhor Director da então DSSOPT substituto (doc. de fls. C02039 do P.A.), o recorrente procedeu à substituição das 8 portas corta-fogo já instaladas na obra da construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença sito em Ká-Hó (obra n.º 114/2014), cumprindo a decisão administrativa traduzida em ordená-lo a fazer tal substituição.
E do sobredito despacho, ele interpôs recurso hierárquico para o Exmo. Senhor STOP (docs. de fls. C02896 a C02903 do P.A.), requerendo a prestação de informações e que “a substituição das 8 portas corta-fogo já instaladas na obra da construção do Lar de Idosos e do Hospital de Convalescença sito em Ká-Hó (obra n.º 114/2014), por outras tantas com a referência CRF120, constitui uma obra adicional e que, por isso, os respectivos custos deverão ser suportados pela Administração”, sem tanger a decisão de ordenar a substituição.
Bem, o art.1.º da petição inicial e os documentos de fls. 58 a 66 dos autos tornam irrefutável que o recurso contencioso em apreço incide no despacho exarado na Proposta n.º 032/DEPDPO/2020 pelo Exmo. Senhor STOP (doc. de fls. 64 a 66 dos autos), cujo texto é tão-só de “Concordo”. De acordo com a disposição no n.º 1 do art. 115.º do CPA, aquela Proposta encontra-se absorvida por esse despacho e faz parte integrante do mesmo.
Tudo isto demonstra, com clareza e certeza, que o despacho ora em causa surgiu na execução do contrato de empreitada da obra n.º 114/2014 e que a questão a resolver neste recurso contencioso pela recorrente consiste, no fundo, em saber se as despesas já pagas por ela e derivadas da substituição das 8 portas corta-fogo lhe deverão ser restituídas pela Administração na qualidade de dono da obra n.º 114/2014?
*
2. Da irrecorribilidade contenciosa do despacho em causa
Sem embargo do merecido e elevado respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, inclinamos a colher que o despacho atacado nestes autos não tem natureza de acto administrativo contenciosamente recorrível, por se tratar de acto meramente opinativo.
2.1. À luz da definição prevista no art. 165.º do CPA, subscrevemos a doutrina pacífica (a título exemplificativo, cfr. Sérvulo Correia: Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos), segundo a qual o contrato administrativo fica adstrito aos princípios da autonomia da vontade e da igualdade dos sujei-tos contratuais, embora esta adstrição esteja sob a reserva do interesse público e seja de forma delimitada e atenuada (arts. 166.º e 167.º do CPA).
De outro lado, vale realçar que a acção sobre contratos administrativos oferece, aos interessados, a tutela jurisdicional mais eficaz do que o recurso contencioso, na medida em que este fica regido pela regra geral de mera legalidade (art. 20.º do CPAC), e aquela é de plena jurisdição.
Nestes termos, inclinamos a colher que os despachos e deliberações para a execução de contratos administrativos só podem ser encaixados na definição consignada no art. 110.º do CPA (conceito de acto administrativo), quando forem emanados pela Administração, na qualidade de dono de obra, ao abrigo do disposto no art. 167.º deste diploma legal, tendo os restantes apenas a natureza de acto opinativo.
Na medida em que este art. 167.º reproduz fielmente o art. 159.° do CPA aprovado pelo D.L. n.º 35/94/M (a seguir designa-se ex-CPA), acreditamos que é, no dia de hoje, ainda válida a boa doutrina que reza (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, pp. 979 a 980): Porém, a competência genérica que o artigo 159.º atribui para constituir poderes de autoridade sobre o co-contratante particular, não implica o reconhecimento dum princípio geral que possibilite sempre à Administração contratante o poder de definir as situações emergentes do contrato através de actos administrativos executórios. Para além do estatuído no artigo 165.º relativo à interpretação e validade do contrato, há contratos administrativos em que, por determinação da lei ou da natureza do contrato, a Administração não tem competência para emitir actos administrativos.
A nosso ver, é igualmente virtuosa e pertinente a brilhante doutrina relativa ao n.º 1 do art. 166º do ex-CPA a que corresponde o art. 174º do actual CPA, que ensina (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: ob. cit., pp. 979 a 980): Este artigo vem esclarecer que a acção é o meio próprio para se obter o cumprimento forçado das prestações contratuais. Significa isto que nesta matéria a Administração não beneficie do privilégio de execução prévia, a que se refere o n.º 2 do artigo 128.º. As excepções a esta regra têm que resultar expressamente da lei, como é o caso do artigo 159.º, que admite a aplicação de sanções relativas à inexecução do contrato, e que podem revestir a natureza de actos administrativos definitivos e executórios.
Tudo isto encoraja-nos a extrair que o art. 167.º do actual CPA estatui regime excepcional, cuja correspondente regra geral conota que são opinativos os despachos e deliberações prolatados pela Administração durante e para a execução de contratos administrativos.
Na nossa óptica, aplica-se mutatis mutandis ao vertente caso a filosofia subjacente da jurisprudência mais autorizada na RAEM, segundo a qual (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 7/2015): IV - O mesmo despacho do Chefe do Executivo, na parte em que diz que a desocupação não dá direito a indemnização, não configura uma estatuição autoritária, por não caber à Administração a definição do direito nos seus litígios com os particulares, não constituindo, assim, um acto administrativo recorrível. Trata-se de mero acto opinativo. V - O mesmo despacho do Chefe do Executivo, na parte em que diz que o interessado, se não remover os seus bens, tem de assumir as despesas de remoção, fazendo, ainda, uma estimativa de quanto poderá custar tal remoção, também não constitui uma estatuição autoritária. Estamos, ainda, perante um acto opinativo.
No que respeite ao contrato de empreitada de obras públicas, cabe ter presente o sensato ensinamento doutrinal (Viriato Lima, Álvaro Dantas: Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, p. 325): no contrato de empreitada de obras públicas, o dono de obra pode alterar, em qualquer momento, o plano de trabalho em vigor, ficando o empreiteiro com o direito a ser indemnizado dos danos sofridos em consequência dessa alteração (artigo 137.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 74/99/M, de 8.11). A alteração do plano de trabalhos configura actuação por meio de acto administrativo, que deve ser impugnada por meio de recurso contencioso e não objecto de acção, salvo no caso de apenas se pretender a indemnização, caso em que o meio processual adequado é a acção.
Chegando aqui, em esteira das criteriosas doutrina e jurisprudência supra citadas e dado que a recorrente requereu, no seu recurso hierárquico, tão-só a reparação das despesas resultantes da substituição das 8 portas corta-fogo e já pagas por ela, afigura-se-nos que o despacho indicado no art. 1.º da petição inicial incorpora não acto administrativo propriamente dito, mas apenas um acto opinativo que se equivale a uma declaração negocial. Daí decorre que o recurso contencioso em apreço cai na “falta de objecto” contemplada na alínea b) do n.º 2 do art. 46.º do CPAC.
2.2. Ora, o TSI é incompetente para julgar a acção sobre contratos administrativos que, à luz da prudente doutrina supra aludida, é o meio processual adequado para se discutir e decidir a questão de saber se à recorrente couber o direito peticionado por ela, competência que pertence ao Tribunal Administrativo (art. 30.º, n.º 2, alínea 3), subalínea 3) da Lei n.º 9/1999).
De outra banda, o que importa é que na petição, a recorrente pediu inequivocamente a anulação do despacho indicado por ela como objecto do presente recurso contencioso, argumentando que tal despacho se mostra inquinado dos vícios aí assacados. O que conduz necessariamente a que se aplique ao caso sub judice a jurisprudência do Venerando TUI, no sentido de que é o pedido deduzido pela parte que determina a forma de processo a utilizar (cfr. Acórdãos nos Processos n.º 28/2006 e n.º 10/2007).
Seguindo de perto à douta orientação jurisprudencial conquistada pelo Venerando TSI no seu Processo n.º 20/2013, colhemos que a “falta de objecto” constitui excepção dilatória e conduz, consoante a fase processual de cada caso, à rejeição liminar ou à absolvição da instância.
Nestes termos e tendo por base a actual fase processual do presente recurso contencioso, inclinamos a entender que não há lugar, no vertente caso, a convolação do processo (art. 12.º, n.º 2 do CPAC), a resolução adequada consiste em absolver a entidade recorrida desta instância.
*
3. Sobre as questões de mérito
Sem prejuízo do expendido acima e por cautela, vamos analisar as questões de mérito traduzidas nos vícios invocados pela recorrente como causa de pedir, quais são o erro nos pressupostos de facto e de direito, a violação do disposto nos art. 228.º do Código Civil, arts. 111.º e 115.º do CPA, e arts. 26.º, 147.º e 148.º do D.L. n.º 74/99/M, bem como a violação dos princípios da legalidade, da transparência, da boa fé e da igualdade.
3.1. Portas corta-fogo prometidas pelo recorrente
Repare-se que é incontroverso que na Proposta apresentada ao concurso, o recorrente, como concorrente, prometeu a colocação de portas corta-fogo da classe CRF-120 (doc. de fls. 00748 do P.A., B3-3); e na sua declaração (de garantia da qualidade dos materiais) para instruir à sua Proposta, ele comprometeu-se a adoptar os materiais que preenchessem as especificações fixadas nos projecto e no caderno de encargo.
Ora, a Proposta do recorrente atesta que a dedução do art. 76.º da petição inicial é flagrantemente deturpada e que a sua instalação de portas corta-fogo distintas da classe CRF-120 germina a quebra da sua Proposta e da sua Declaração de garantia da qualidade dos materiais. O que revela a inegável falsidade da matéria alegada no art. 82.º da petição.
3.2. A base da adjudicação da empreitada ao recorrente
Dispõe o n.º 1 do art. 68.º do D.L. n.º 74/99/M: A proposta é o documento pelo qual o concorrente manifesta ao dono da obra a vontade de contratar e indica as condições em que se dispõe a fazê-lo. Este preceito legal impede peremptoriamente que a Proposta do recorrente sobre a instalação de portas corta-fogo da classe CRF-120 seja mera brincadeira, muito menos seja uma intencional manobra para ganhar a adjudicação.
Prevê categoricamente o n.º 1 do art. 94.º do mesmo D.L.: O critério no qual se baseia a adjudicação é o da proposta que ofereça melhores garantias de boa execução técnica da obra, implicando a ponderação de diversos factores, designadamente o preço, o prazo de execução, o custo de utilização, a rendibilidade, o valor técnico, e quaisquer outros que revistam especial interesse público.
Deste n.º 1 do art. 94.º decorre necessariamente que a obra pública n.º 114/2014 foi adjudicada ao recorrente com base de que ele, na sua Proposta, comprometeu a colocação de portas corta-fogo da classe CRF-120 e prestou declaração de garantia da qualidade dos materiais. O que revela a inegável falsidade da matéria aduzida nos arts. 70.º e 76.º da petição.
3.3. Vícios assacados ao caderno de encargos
Para todos os devidos efeitos, urge realçar que os documentos de fls. 143 a 145 dos autos constatam, com evidência e certeza, que desde o início do supramencionado concurso, a Administração exigiu inequivocamente a instalação de portas corta-fogo da classe CRF-120.
E a entidade fiscalizadora afirmou (doc. de fls. 92 dos autos): 現場安裝之防火捲閘技術上未能完全滿足“防火安全規章”內對“CRF”定義(詳見附件一),而按招標文件內之消防計劃施工技術規範及工程數量表(BQ)對材料皆有“CRF”防火效能的要求,所以按招標文件承建單位有責任提供滿足要求的防火捲閘.
Tudo isto torna indiscutível que é manifesta e irrefutavelmente falsa a matéria alegada nos arts. 11.º e 12.º da petição, e que as portas corta-fogo instaladas pelo recorrente antes da sua substituição, sendo diferentes da classe CRF-120, não estão conformes com as exigidas pelo dono de obra.
3.4. Vícios assacados ao Projecto
O recorrente arrogou tautologicamente a incompatibilidade do desenho original com as exigências da entidade recorrida, reiterando que os desenhos originais do concurso (da responsabilidade do dono de obra) não permitem a instalação de portas corta-fogo da classe CRF-120.
De acordo com os n.º 1 e n.º 2 do art. 52.º do D.L. n.º 74/99/M, o projecto, o caderno de encargos e o programa de concurso constituem a sua base e devem estar patentes para consulta; e determina minuciosamente o n.º 1 do art. 53.º deste diploma legal: As peças do projecto a patentear no concurso são as suficientes para definir a obra, incluindo a sua localização, a natureza e o volume dos trabalhos, o valor para efeitos do concurso, a caracterização do terreno, o traçado geral e os pormenores construtivos.
Das disposições legais acima referidas decorre que ao elaborar a sua Proposta, o recorrente podia e devia conhecer o Projecto da referida obra pública e, assim, estava habilitado a pedir esclarecimentos de acordo com o preceito no art. 57.º do D.L. n.º 74/99/M. Além disso, podia ainda deduzir reclamação nos termos do disposto no art. 13.º deste Decreto-Lei.
A todas estas luzes, e dado que o recorrente nunca demonstrou ter exercido as faculdades contempladas nos arts. 57.º e 13.º supra, ele não pode voltar a invocar qualquer erro ou inexactidão do Projecto do concurso para justificar o seu incumprimento do contrato de empreitada. O que conduz a que não possam deixar de ser desvirtuados e insignificantes os argumentos aduzidos nos arts. 70.º e 71.º da petição.
3.5. Inexistência do reconhecimento do trabalho a mais
No ofício n.º 1203/DEPDPO/2018 enviado ao recorrente (doc. de fls. 102 dos autos), o dono de obra notificou-o de que “就題述消防系統事宜,隨函附上消防局於20/04/2018函件編號3821/DPI/2018之監察報告,貴合作經營須根據監察報告意見跟進處理,不屬原合同的工程項目請於2018年5月11日前提供有關報價”.
Basta o senso comum e o rudimentar conhecimento respeitante à regra gramática para concluir que a frase “不屬於原合同的工程項目請於2018年5月11日前提供有關報價” não tem virtude de ordem da autoridade, nem sequer é afirmativa, sendo meramente informativa e subjuntiva.
Dito mais concretamente, a frase “不屬於原合同的工程項目請於2018年5月11日前提供有關報價” significa, apenas e simplesmente, que “O preço deve ser submetido até 11/05/2018, caso surja itens não incluídos no contrato de empreitada”. Trata-se, no fundo, de uma alerta. O que conduz a que seja exagerada a dedução nos arts. 84.º a 86.º e 88.º da petição.
3.6. Parecer da entidade fiscalizadora
É verdade que a entidade fiscalizadora entendeu que “6. 綜上述分析及承建單位之解釋信函,從認可產品面世的時序及工作實務中考慮,敝司認同材料未能完全滿足技術規範可不歸責於承建單位,因此建議將更換防火捲閘工程視為後加工程”, porém, não é menos certo que “1. 現場安裝之防火捲閘技術上未能完全滿足“防火安全規章”內對“CRF”定義,而按招標文件內之消防計劃施工技術規範及工程數量表(BQ)對材料皆有“CRF”防火效能的要求,所以按招標文件承建單位有責任提供滿足要求的防火捲閘”.
Recorde-se que na petição inicial, o recorrente reconheceu que ao apresentar a sua proposta no sobredito concurso público, ele soubera perfeitamente, a inexistência, nessa altura, da portas corta-fogo da classe de resistência ao fogo CRF-120 no mercado de Macau.
Sendo assim, e dado que na sua Proposta, o próprio recorrente prometeu a instalação de portas corta-fogo da classe CRF-120 (doc. de fls. 00748 do P.A., B3-3), afigura-se-nos que não é ilícito que o dono de obra não aceitou a sugestão de que “因此建議將更換防火捲閘工程視為後加工程”.
3.7. Dos vícios assacados ao despacho de aprovação condicional
Na Ficha para Aprovação de Materiais (doc. de fls. 89 dos autos), encontra-se o despacho manuscrito de “須滿足招標規範要求”. Ao qual, o recorrente assacou a violação dos preceitos nos art. 228.º do Código Civil, arts. 111.º e 115.º do CPA, arts. 147.º e 149.º do D.L. n.º 74/99/M, bem como dos princípios da transparência, da igualdade e da boa fé.
3.7.1- Sem ter apresentado comunicação e proposta (de alteração) imperativamente exigidas pelo n.º 2 do art. 143.º do D.L. n.º 74/99/M, o ora recorrente submeteu directamente porta corta-fogo diferentes da classe CRF-120 à então DSSOPT para efeitos de aprovação (doc. de fls. 89 dos autos).
Tal conduta constitui não só uma manifesta quebra do compromisso por si oferecido, mas também a ofensa do n.º 2 do art. 143.º acima. O que se explica e justifica que a Administração Pública procedeu à aprovação sob condição de “須滿足招標規範要求”. Bem vistas as coisas, essa condição é, na verdade, exigida e imposta pelo princípio da legalidade, por isso, o despacho da aprovação condicional não ofende o art. 111.º do CPA.
3.7.2- Na Ficha para Aprovação de Materiais (doc. de fls. 89 dos autos), o recorrente indicou tão-só porta corta-fogo, sem mais nada. E o material submetido pelo recorrente para aprovação não é da classe CRF-120 cuja instalação, recorde-se, foi prometida por ele na sua Proposta e constitui um dos factores determinante da adjudicação.
Como criteriosamente asseverou a entidade fiscalizadora, não há margem para dúvida de que “1. 現場安裝之防火捲閘技術上未能完全滿足“防火安全規章”內對“CRF”定義,而按招標文件內之消防計劃施工技術規範及工程數量表(BQ)對材料皆有“CRF”防火效能的要求,所以按招標文件承建單位有責任提供滿足要求的防火捲閘” (doc. de fls. 92 dos autos).
Tudo isto conduz a que a única interpretação legal da frase “須滿足招標規範要求” seja no sentido de que aprovação tem como condição sine qua non que as portas corta-fogo a instalar são da classe CRF-120 ou da classe superior, nesta medida, o significado da dita frase é inequívoco e claro – a aprovação depende vinculadamente de o material submetido pelo empreiteiro e ora recorrente ter de satisfazer as exigências das normas do concurso. Daí decorre que, no nosso prisma, o despacho da aprovação condicional não contende com o princípio da transparência, e que não faz sentido a invocação da violação do art. 228.º do Código Civil.
3.7.3- Sendo empreiteiro da referida obra pública, o recorrente podia e, sobretudo, devia compreender o significado e alcance da frase “須滿足招標規範要求”. Assim que seja, e salvo merecido respeito pelo melhor entendimento diverso, inclinamos a colher que o despacho da aprovação condicional não enferma da falta de fundamentação, sendo insubsistente a arguição da violação do disposto no art. 115.º do CPA.
E sentindo-se duvidoso quanto ao significado da frase “須滿足招標規範要求”, ele devia solicitar esclarecimento ou apresentar reclamação ao dono da obra (art. 148.º, n.º 2 do D.L. n. 74/99/M). Nestes termos e na medida em que o recorrente não solicitara esclarecimento ao dono de obra e quebrou o seu compromisso sobre as portas corta-fogo, não há lugar in casu ao deferimento tácito contemplado no n.º 2 do art. 147.º do D.L. n.º 74/99/M.
Sendo assim e nos termos do preceito no n.º 1 do art. 143.º do D.L. n.º 74/99/M (Todos os materiais que se empregarem nas obras devem ter a qualidade, dimensões, forma e demais características designadas no respectivo projecto, com as tolerâncias regulamentares ou admitidas no caderno de encargos.), não pode deixar de ser ilícito e ilegítimo que ele arrogou, nos arts. 128.º e 144.º da petição inicial, a aprovação do material indicado na Ficha para Aprovação de Materiais, e o despacho da aprovação condicional não infringe nenhum preceito dos arts. 147.º e 148.º do D.L. n.º 74/99/M, nem eiva do erro nos pressupostos de facto ou da ofensa do princípio da boa fé.
3.8. Da decisão administrativa de ordenar a substituição
Tendo recebido a notificação do despacho de aprovação condicional (doc. de fls. 89 dos autos), e sem ter requerido a alteração de portas corta-fogo da classe CRF-120 nem sequer o esclarecimento, o recorrente procedeu à instalação das portas corta-fogo diferentes da classe CRF-120.
Ora, óbvio e irrefutável é que a instalação de portas corta-fogo diversas da classe CRF-120 gera a quebra do compromisso e a violação do preceito no n.º 1 do art. 143.º referido, assim não colide com o art. 149.º do citado Decreto-Lei a decisão de ordenar a substituição.
3.9. Da inexistência do trabalho a mais
O n.º 1 do art. 26.º do D.L. n.º 74/99/M reza: São considerados trabalhos a mais aqueles cuja espécie ou quantidade não tenham sido incluídas no contrato, nomeadamente no respectivo projecto, se destinem à realização da mesma empreitada e se tenham tornado necessários à execução da obra na sequência de uma circunstância imprevista, desde que se verifique qualquer das seguintes situações: a) Quando esses trabalhos não possam ser, técnica ou economicamente, separados do contrato, sem inconveniente grave para a entidade adjudicante; b) Quando esses trabalhos, ainda que separáveis da execução do contrato, sejam estritamente necessários ao seu acabamento; c) Quando esses trabalhos resultem de erros ou omissões do projecto, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º. Estabelecem-se, neste segmento legal e deste forma, os requisitos dos quais depende a figura jurídica de trabalhos a mais, sendo evidente que um deles traduz na circunstância imprevista.
Ora, este n.º 1 tem como matriz sucessivamente o n.º 1 do art. 26.º do D.L. n.º 405/93 e o n.º 1 do art. 26.º do D.L. n.º 55/99 de Portugal. O que justifica que se chamem à colação, a título do direito comparado, a doutrina e jurisprudência respeitantes ao conceito de trabalhos a mais.
Bem, no ordenamento jurídico de Portugal, a jurisprudência tem sido unânime em entender que trabalho a mais depende de preenchimento cumulativo de 2 pressupostos: dum lado, cuja espécie ou quantidade não tenham sido incluídas no contrato e que se destine à realização da mesma empreitada; e de outra banda, tal trabalho deriva duma “circunstância imprevista” que consiste numa ocorrência superveniente e imprevisível relativamente à situação em que foi celebrado determinado contrato de empreitada de obra pública. Pois, o Tribunal de Contas tem entendido que “circunstância imprevista” é aquela que “um decisor normal, colocado na posição do real decisor, não podia nem devia ter previsto” (cfr. Acórdão do Tribunal Administrativo Central do Norte, no Processo n.º 0070/05.5.BEMDL)
No caso sub judice, recorde-se que na sua Proposta, o recorrente prometeu a instalação de portas corta-fogo da classe CRF-120, e ele reconheceu ter sabido que na altura de apresentar a sua Proposta, não existira portas corta-fogo da classe CRF-120 em Macau. O que evidencia concludentemente que não se verifica in casu “circunstância imprevista”.
E acontece que tendo recebido a notificação do despacho de aprovação condicional, e sem ter requerido a alteração de portas corta-fogo da classe CRF-120 nem o esclarecimento, o recorrente procedeu à instalação das portas corta-fogo diferentes da classe CRF-120; dessa instalação resulta que ele quebrou o compromisso, não acatou as formalidades legais e infringiu o preceito no n.º 1 do art. 143.º do D.L. n.º 74/99/M.
Tudo isto revela que não se verifica in casu nenhum dos dois pressupostos legais, e a substituição das portas corta-fogo diferentes da classe CRF-120 é imposta tanto pelo contrato de empreitada como pelo princípio da legalidade, pelo que não pode ser enquadrada no conceito de trabalho a mais e, deste modo, o despacho em escrutínio não contende com o preceituado no n.º 1 do art. 26.º do D.L. n.º 74/99/M.
3.10. Dos precedente e exemplo alegados
Nos arts. 14.º a 16.º da petição, o recorrente alegou um precedente no sentido de que “era prática comummente aceite a instalação nas obras de cariz público do tipo de portas e cortinas contra incêndio sem o parâmetro de isolamento, por serem por todos aceites como equivalentes às cortinas e portas contra incêndio da classe CFR-120 com o requisito de isolamento.” E alegou ele, no art. 183.º da mesma peça, um exemplo para abonar a arguição da violação do princípio da igualdade.
Bem vistas as coisas, o sobredito precedente representa a resolução ilegal e, em bom rigor, uma tolerância sem alternativa. E à luz da jurisprudência mais autorizada (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º 40/2007), a regra do precedente exige necessariamente a verificação da identidade objectiva das duas situações. Seja como for, é pacífico e consensual o entendimento de que o princípio da igualdade não sobrepõe o da legalidade, nem pode ser invocado contra este princípio (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 7/2007).
Em esteira, afigura-se-nos que o despacho in questio não ofende o princípio da igualdade, sendo inócuos o precedente e o exemplo arrogados pelo recorrente, dado ser certa a asserção de que “De mais a mais, certo é que antes de tal obra ser provisoriamente recepcionada, no mercado de Macau, já existiam portas com a especificidade estabelecida no caderno de encargo e na memória descritiva das normas técnicas da execução da obra relativas ao projecto do sistema de prevenção contra incêndios” (art. 33.º da contestação).
Sendo assim, o recorrente já podia e, decerto, devia providenciar a colocação das portas corta-fogo da classe de resistência CRF-120. Eis a obrigação voluntariamente assumida por ele como empreiteiro. E não se divisa nem o invocado erro nos pressupostos de facto e de direito, nem a assacada violação de qualquer dos normativos legais ou princípios citados pelo recorrente na petição e na alegação facultativa.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela absolvição da instância e, no caso de a qual não ser acolhida por Venerando TSI, pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Notificado para exercer o contraditório, o recorrente apresentou sua resposta, pugnando pela improcedência da excepção invocada pelo Ministério Público.
Conforme se decidiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo n.º 21/2004: “Simplesmente, o Magistrado do Ministério Público, no recurso contencioso de anulação, não é parte. Assim, não há norma que impeça o juiz de fundamentar decisão aderindo a texto do Ministério Público, o que se observa a cada passo…”
Analisadas as doutas e fundamentadas considerações apresentadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público que antecedem, concordamos inteiramente com a solução, acertada e sensata, no que tange à irrecorribilidade contenciosa do despacho recorrido.
Melhor vejamos.
No âmbito do recurso contencioso administrativo, o acto opinativo, por sua natureza, geralmente não é passível de recurso. Isso se deve ao facto de que tais actos opinativos não geram efeitos jurídicos directos, mas constituem meras opiniões ou sugestões.
Como observam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “o contraente administrativo há-de pedir aos tribunais que declarem ser correcta a sua interpretação sobre o conteúdo ou a (in)validade das cláusulas contratuais em causa, para a poder exigir, depois, contra a própria vontade da contraparte.”1
José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho acrescentam: “A interpretação das cláusulas contratuais quando as partes não se entendam cai igualmente no âmbito da acção. (…) Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais constituem uma mera posição do contraente público. Se o contraente particular com eles não concorda, estamos perante opiniões divergentes sobre o conteúdo de relação jurídica. Esta discordância, porque assenta em actos meramente opinativos, só pode ser resolvido pro meio de acção.”2
No Acórdão do Venerando TUI, datado de 18/3/2015, Processo n.º 7/2015, decidiu-se que, apesar de a Administração ter estipulado que o interessado não possui “direito de pedir qualquer indemnização” e que “o interessado precisa de assumir todas as despesas relativas à remoção e ao tratamento pelo Governo da RAEM dos bens que permanecem na ponte-cais n.º XX, incluindo, mas não se limitando, as despesas de transportes, armazenamento, guarda e limpeza, etc”, bem como “Conforme alguns casos semelhantes em Macau, as despesas são aproximadamente de MOP200mil a MOP600mil”, tal não configura qualquer estatuição autoritária3, razão pela qual não se considera ser acto administrativo contenciosamente recorrível.
De facto, tanto a doutrina como a jurisprudência têm vindo a entender que apenas actos administrativos que produzem efeitos concretos e imediatos são passíveis de recorribilidade. Portanto, se um acto não tem caráter decisório e não afecta directamente a esfera jurídica de um administrado, mas se limita a emitir uma opinião com a qual o interessado discorda, tal acto não é contenciosamente recorrível.
No caso em apreço, o Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes decidiu que: “63. Assim, do exposto somos da opinião que devem as portas corta-fogo ser substituídas por outras que cumpram as exigências do concurso, sendo que tal substituição deve ser executada a expensas do consórcio adjudicatário.”
Por não se conformar com essa decisão, o recorrente interpôs recurso hierárquico, pedindo que a substituição das portas corta-fogo já instaladas na obra da construção fosse considerada uma obra adicional e, portanto, que os respectivos custos deveriam ser suportados pela Administração.
Entretanto, a entidade recorrida adoptou uma posição diferente, decidindo, a final, indeferir o recurso hierárquico e, em consequência, manter o despacho do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
Em nossa opinião, a exigência da Administração quanto à substituição das portas corta-fogo por outras, no que diz respeito ao cumprimento das exigências do concurso (ou à possibilidade de constituir uma obra adicional) e à responsabilidade pelas despesas dessa substituição a serem arcadas pelo consórcio adjudicatário, configura-se como uma mera opinião decorrente da interpretação de cláusulas contratuais, e não como uma decisão ou estatuição autoritária propriamente dita.
Assim, por não se tratar de um acto administrativo contenciosamente recorrível, antes se traduz num acto opinativo, deve-se absolver a entidade da instância por falta de objecto, conforme o disposto no artigo 46.º, n.º 2, alínea b) do CPAC.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide rejeitar o recurso contencioso, absolvendo a entidade recorrida da instância, por irrecorribilidade do acto recorrido.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 13 de Março de 2025
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1º Adjunto)
Fong Man Chong
(2º Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)
1 Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Almedina, pág. 851
2 Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4.ª edição, Almedina, pág.938
3 Acórdão do TUI, Processo n.º 7/2015: “Dizer que o recorrente não teria "direito de pedir qualquer indemnização" não configura qualquer estatuição autoritária, pela simples razão de que não cabe à Administração a definição do direito nos seus litígios com os particulares, isto é, não lhe cabe definir se os particulares têm direito a pedir judicialmente indemnizações por actos ou actuações materiais da Administração. Será, quanto muito, um acto opinativo. Logo, não é acto administrativo, no sentido que este tem no artigo 28.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Quanto à parte em que diz que o recorrente tem de assumir as despesas de remoção dos seus bens, também se não trata de estatuição autoritária, limitando-se a até a dar uma estimativa de quanto poderá custar essa remoção. Estamos, ainda, perante um acto opinativo.
Já seria diferente se, tendo a Administração removido os bens do recorrente, impusesse o pagamento de uma quantia concreta ao mesmo. Aqui já se trataria de um acto visando “produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (artigo 110.º do Código de Procedimento Administrativo).
Em suma, a parte do acto administrativo recorrido mencionada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público como inovadora, sendo-o efectivamente, não é acto administrativo contenciosamente recorrível. E, por isso, essa parte não foi alvo da impugnação contenciosa, como se disse atrás.”
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Recurso Contencioso 378/2020 Página 30