打印全文
Processo nº 400/2024/A
(Autos de Impugnação Contenciosa)

Data do Acórdão: 20 de Março de 2025

ASSUNTO:
- Apoio Judiciário
- Impugnação Contenciosa do indeferimento
- Mérito da acção/recurso
- Direito a interpor recurso


____________________
Rui Pereira Ribeiro









Processo nº 400/2024/A
(Autos de Impugnação Contenciosa)

Data: 20 de Março de 2025
Requerente: A
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO

A, com os demais sinais dos autos,
Deduziu impugnação contenciosa contra o indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de isenção de preparos e custas e nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário.
Para tanto invoca que não se quer divorciar do marido e que o que se passou entre si e o seu cônjuge é desculpável.

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

Foram dispensados os vistos.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Recebida a impugnação pela Comissão do Apoio Judiciário foi mantida a decisão com base no seguinte parecer:
«Com referência à impugnação contenciosa de A (adiante “impugnante”), requerente no pedido ao apoio judiciário n.º 2024-A-0258 concernente à decisão de indeferimento do pedido, a qual entrou na Comissão de Apoio Judiciário (adiante “Comissão”) em 07/02/2025, vimos pelo presente, em resposta à impugnação, emitir o nosso parecer nos termos do art.º 28.º da Lei n.º 13/2012 – Regime geral de apoio judiciário (adiante “Regime”):
I. A impugnante pediu apoio judiciário à Comissão em 30/10/2024 e no Boletim de Pedido ao apoio judiciário marcou apenas “isenção de preparos” e “isenção de custas”. Dizia no “Relato sumário do pedido formulado no processo judicial” que “agora recorre-se para o TUI (caso de divórcio) e a minha advogada é Dra. XXX” (vd. fls. 2v a 3 dos autos); entregou-se, em acompanhamento, o acórdão do TSI no recurso civil n.º 400/2024 de 17/10/2024 (vd. fls. 16 a 27 dos autos).
II. Na declaração apresentada para a Comissão em 31/10/2024, a impugnante dizia “Eu, A, queria que o serviço me dê de volta a Dra. XXX. A requerente queria acrescentar a nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário”, pretendendo integrar no pedido a “nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário” (vd. fls. 74 dos autos).
III. Pelo ofício n.º 1368/X/CAJ/2024 datado de 05/11/2024, a Comissão informou-se junto do TSI sobre a data do trânsito em julgado do acórdão no recurso civil n.º 400/2024, a eventual renúncia ao mandato da mandatária da impugnante e a data da apresentação ao tribunal do título do pedido ao apoio judiciário formulado pela impugnante (vd. fls. 75 dos autos).
IV. Em 06/11/2024, quando a impugnante se encontrava na Comissão a declarar, os funcionários avisaram-na dos efeitos jurídicos das suas alegações a prestar, pelo que havia de responder segundo a verdade. À pergunta de se tinha arranjado ela mesma um advogado que cuidasse do seu caso e ao pedido de sintetizar os motivos de recurso, a impugnante dizia “Arranjei sim por minha conta um advogado que se ocuparia do caso. Tenho esperança de que a Comissão me nomeie a Dra. XXX. Não é que eu troque de advogado… Queria só viver com meu marido. Que o Juiz me dê uma oportunidade e eu ficaria reconhecida. O meu marido já tem uma certa idade. Precisa de mim que tomo conta dele. Oxalá que o Juiz nos perdoe e que use de indulgência. O meu marido tem sempre desejado viver comigo. Só que não se atreve a vir. Ao tribunal, nunca fez o que quer que fosse” (extracto do original, vd. fls. 76 a 80 dos autos).
V. Em 12/11/2024, o TSI respondeu à Comissão, dando a conhecer que a Dra. XXX (da parte da impugnante) apresentara petição de recurso para o tribunal em 05/11/2024; que, portanto, o acórdão ainda não havia transitado em julgado; que a Dra. XXX, mandatária da impugnante, não pedira para renunciar ao mandato. De resto, a impugnante entregou o título do pedido ao apoio judiciário em 01/11/2024 ao TJB, que foi dirigido para o TSI em 05/11/2024 (vd. fls. 91 dos autos).
VI. Em 7 de Janeiro de 2025, a impugnante veio à Comissão para ser ouvida em auto de declaração, indicou que apresentara o pedido de apoio judiciário sob instruções da Advogada XXX, e afirmou à Comissão que interpusera o recurso simplesmente por considerar injusto e irrazoável o acórdão, e por não querer o divórcio (vide as fls. 250 a 251 dos autos).
VII. Em 9 de Janeiro de 2025, por volta das 12h00, a impugnante apresentou à Comissão sua declaração, dizendo que “Eu explico à Comissão porque é que interpus o recurso … na altura, nós estávamos a brigar por uns problemas triviais, agora o meu marido é velho e não há ninguém a cuidar dele, a filha e o filho dele não o visitam, e ele precisa do meu cuidado. Quero, com toda a sinceridade, passar a vida inteira com meu marido, e não importa como ele me trate, não o vou culpar. Já reconciliamo-nos. Peço à Comissão e ao Juiz que me dê mais uma oportunidade, e manifesto aqui minha gratidão” (extracto do texto original, vide as fls. 260 dos autos). Mais tarde, pelas 13h20 do mesmo dia, a impugnante apresentou à Comissão uma outra declaração, acrescentando que: “acrescento que, na altura, eu não podia voltar devido à pandemia, pelo que coloquei à porta um cadeado, mas o meu marido, que se encontrava na sua terra natal Fujian, voltou a Zhuhai naquele período de tempo, durante o qual eu não podia voltar? Ele chamou a polícia, e não havia nada que eu podia fazer. Quando eu saí, o meu marido não estava em casa, pelo que coloquei à porta um cadeado, isso é certo. Não o fiz de propósito, e peço à Comissão e ao Juiz que sejam indulgentes” (extracto do texto original, vide as fls. 261 dos autos).
VIII. Após análise dos documentos apresentados pela impugnante e dos elementos constantes dos autos, a Comissão entende que a impugnante só pode recorrer para o TUI quando se reúnam os dispostos no art.º 639.º do CPC (incluindo a violação ou a errada aplicação da lei substantiva ou da lei de processo; a nulidade do acórdão recorrido; ou a decisão tiver sido proferida contra jurisprudência obrigatória), e no art.º 649.º do mesmo Código, dispõe-se expressamente que não pode o TUI alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto; porém, a matéria pretendida pela impugnante já foi apreciada no TJB e no TSI, não tendo sido invocada, pela impugnante, qualquer uma das situações previstas pelo referido art.º 639.º. Por isso, em 24 de Janeiro de 2025, a Comissão tomou a deliberação n.º 19/AJ/2025, determinando o indeferimento do pedido de apoio judiciário da impugnante (vide as fls. 274 dos autos) nos termos do art.º 11.º, al. 4) do «Regime» (é indeferido o pedido de apoio judiciário, independentemente da insuficiência económica, se for evidente a insubsistência do pedido, ou das razões, da propositura do processo judicial em que se pretende beneficiar do apoio judiciário).
IX. Em 28 de Janeiro de 2025 (data constante do carimbo postal), a Comissão notificou a impugnante da respectiva decisão (vide as fls. 275 a 276 e 278 dos autos), e recebeu, em 7 de Fevereiro de 2025, a impugnação contenciosa da referida decisão que não concedera o apoio judiciário, intentada pela impugnante. A Comissão admitiu o pedido de impugnação por ser apresentado no prazo legal, e procedeu à apreciação do pedido conforme o disposto no n.º 3 do art.º 28.º do «Regime» (vide as fls. 282 a 286 dos autos).
X. No seu «pedido de impugnação contenciosa», a impugnante alegou o seguinte: “Eu, A, BIR n.º 1******(5), inconformada, impugna a “decisão de indeferimento” da Comissão de Apoio Judiciário de Macau. Peço que me sejam compreensivos. Não quero divorciar-me do marido. Que a Comissão use de complacência para connosco. Foi um despeito que passou logo. Ninguém saiu ferido. Nem foi violência doméstica. Todos os anos voltamos à terra natal. Vemo-nos todos os dias. Falamos todos os dias por telefone. Que a Comissão e o douto juiz nos poupem. Errar é humano, cedo ou tarde se corrige. Bagatelas do género que não justificam o divórcio. É uma matéria de direito controversa. (ref. n.º 2024-A-0258) Peço que a Comissão me nomeie um advogado. Sou desempregada e de má saúde. Não levasse umas coisitas para Gongbei, nem saberia com que ganhar a vida” (extracto do texto original, cfr. o pedido de impugnação contenciosa).
XI. Depois, em 7 de Fevereiro de 2025, a Comissão recebeu a carta enviada pela parte contrária no pedido de apoio judiciário B, que afirmou o seguinte: “… ela disse ao patrão dela a pagar o vencimento em numerário, e não por transferência bancária, pelo que não se pode encontrar qualquer dinheiro na conta bancária dela … espero que a Comissão comunique, com toda a brevidade e por ofício, ao TUI o indeferimento do pedido de apoio judiciário de A, para que o TUI profira a sua decisão o mais cedo possível. Sincera gratidão pelos seus esforços! … solicito que oficie e comunique ao TUI o resultado de “indeferimento” do pedido de apoio judiciário de A o mais cedo possível!” (extracto do texto original, vide as fls. 288 dos autos).
XII. A convite da Comissão, B dirigiu-se à Comissão no dia 10 de Fevereiro de 2025 para ser ouvido em auto de declaração, alegando que a sua carta, datada de 7 de Fevereiro de 2025, não foi um pedido de impugnação contenciosa, mas sim a completa concordância com a decisão de indeferimento tomada pela Comissão. B disse que não sabia se a impugnante tinha ou não qualquer outro bem valioso em Macau ou no exterior. A par disso, B declarou que ele e a impugnante já se separaram há mais de 2 anos, não se reconciliou com a impugnante, nem a perdoou, e até agora, ainda mantém firmemente a vontade de se divorciar da impugnante, por entender que A constitui ameaça contra a vida dele (vide as fls. 290 a 292 dos autos).
XIII. No seu «pedido de impugnação contenciosa», a impugnante utilizou a expressão “matéria de direito controversa”, mas não especificou qual a matéria de direito é que controverteu. Para apurar se a impugnante tinha razões para interpor recurso para o TUI nos termos legais, os trabalhadores convidaram mais uma vez a impugnante a ir ao escritório da Comissão no dia 10 de Fevereiro de 2025, para ser ouvida em auto de declaração. A impugnante afirmou no auto que, o teor do seu «pedido de impugnação contenciosa», ou seja “Foi um despeito que passou logo. Ninguém saiu ferido. Nem foi violência doméstica. Todos os anos voltamos à terra natal. Vemo-nos todos os dias. Falamos todos os dias por telefone”, constituiu as razões pelas quais interpôs o recurso para a Comissão e o TUI. A impugnante continuou a dizer que escrevera “matéria de direito controversa” sob instruções da Advogada XXX, que por sua vez, explicou-lhe que a aludida frase significava “legalmente, é impossível o divórcio, a impugnante não lesionou B, pelo que o tribunal não pode decretar o divórcio entre a impugnante e B”. Reiterou a impugnante que, o que aconteceu entre ela e B foi “um despeito que passou logo. Ninguém saiu ferido. Nem foi violência doméstica” (vide as fls. 294 a 297 dos autos).
XIV. Após a apreciação do teor da impugnação contenciosa intentada pela impugnante, a Comissão entende que, quer no pedido de apoio judiciário inicialmente apresentado, quer na impugnação contenciosa posteriormente intentada, os fundamentos invocados pela impugnante revelaram que ela simplesmente não estava satisfeita e não se conformou com os factos dados como provados pelo TJB e pelo TSI após julgamento (nomeadamente o facto ocorrido na noite do dia 7 de Setembro de 2021, ou seja a impugnante lesionou B), limitando-se a reiterar à Comissão e ao TUI que “Foi um despeito que passou logo. Ninguém saiu ferido. Nem foi violência doméstica”. Daí que, desde a apresentação do pedido de apoio judiciário até ao presente, a impugnante nunca apresentou à Comissão qualquer razão fundada para interpor recurso para o TUI. Neste caso, a Comissão entende que é manifestamente improcedente o fundamento da impugnante.
XV. Particularmente, como o TJB indicou no acórdão de 5 de Fevereiro de 2024, que determinou o divórcio entre a impugnante e B: “o facto essencial que apoia o deferimento do pedido de divórcio do autor ocorreu em Setembro de 2021, deste modo, os factos ocorridos antes desse momento e definidos pela ré como “desculpa” não afectam os efeitos do facto de Setembro de 2021, outrossim, mesmo que o autor e a ré provavelmente se encontrassem ou tomassem refeições juntos depois de Setembro de 2021, não se implica que o autor “desculpou” a ré em relação às condutas descritas nos pontos 9 e 10 dos factos provados. No caso, o autor adopta uma atitude no sentido de nunca ter “desculpado” a ré e ter sempre persistido em promover o processo de divórcio” (vide a fls. 272 dos autos). No presente caso do pedido de apoio judiciário, a impugnante salientou à Comissão que ela e B já se conciliaram, afirmando que “todos os anos voltamos à terra natal. Vemo-nos todos os dias. Falamos todos os dias por telefone”, até entregou uns bilhetes para provar que ela e B voltaram juntos à terra natal, mas o último já declarou expressa e firmemente a sua vontade de manter o divórcio na sua carta apresentada à Comissão e no auto de declaração, até considerou que a impugnante produzia ameaças à sua segurança da vida. Pelo que, a invocação da “conciliação” pela impugnante e as alegadas “provas” evidentemente não constituem causa justificativa para interpor recurso ao TUI.
XVI. E mais, embora constem do requerimento de apoio judiciário as palavras de “é uma matéria de direito controversa”, a impugnante indicou expressamente no subsequente procedimento do auto de declaração que, as palavras foram escritas sob instruções da anterior mandatária judicial por ela própria constituída, que as interpretou como “legalmente indivorciável”, “a impugnante não agrediu B, portanto, o Tribunal não pode determinar o divórcio entre a mesma e B”, pelo que, segundo ela, a mandatária judicial comportou-se igualmente à impugnante, não passando de discordar dos factos dados provados pelo TJB e pelo TSI.
XVII. O apoio judiciário substancia-se em concretizar o direito à igualdade conferido pela lei aos cidadãos, mas o art.º 11.º do Regime enumera expressamente os casos de indeferimento do pedido de apoio judiciário, independentemente da insuficiência económica, nos quais “Se for evidente a insubsistência do pedido, ou das razões, da propositura do processo judicial em que se pretende beneficiar do apoio judiciário”, este artigo visa garantir o acesso justo ao apoio judiciário, evitar o abuso e o desperdiçamento dos recursos judiciários. O Tribunal também assinalou na jurisprudência (recurso contencioso n.º CV1-24-0013-CRJ) que, “o apoio judiciário não é facultado ilimitadamente, antes pressupõe a qualificação do impugnante segundo uns determinados critérios e padrões. No caso de insubsistência do pedido, incumbe à Comissão de Apoio Judiciário recusar o acesso ao apoio e, consequentemente, negar o pedido de apoio judiciário”, “os recursos de apoio judiciário são limitados, portanto, devem ser distribuídos prioritariamente aos processos em que realmente urgem e têm fundamentação razoável…… cabe à Comissão de Apoio Judiciário atender-se prudentemente a esses factores para garantir a distribuição eficaz dos recursos públicos”. Pelo que, na apreciação dos pedidos de apoio judiciário, a Comissão tem que averiguar, de acordo com os documentos e elementos entregues pela impugnante, se se manifesta a insubsistência ou não do pedido, ou das razões, da propositura do processo judicial, sendo o devido juízo que compete à Comissão nos termos da lei; além disso, a Comissão pugna pelo equilíbrio entre a defesa do direito dos cidadãos de acesso aos tribunais e a evitação do abuso do Regime, dado que, uma vez abusado o Regime, para além do agravamento dos encargos de trabalho dos tribunais, vai resultar em mais litígios na sociedade e impactos ao ambiente harmónico e pacífico.
XVIII. Sendo indispensável verificar-se o disposto do art.º 639.º do CPC para a impugnante interpor recurso ao TUI, a Comissão compreende que a impugnante não tem ensino no sector do Direito profissional, portanto, não é certamente capaz de especificar no seu pedido de apoio judiciário os fundamentos da interposição de recurso ao TUI mesmo sob instruções do patrono, por isso, depois de ter recebido o seu pedido de apoio judiciário que carece de fundamentos justos, a Comissão convidou-a e voluntariamente inquiriu-lhe a sua motivação do recurso, de forma a apurar se a pretensão da impugnante reúne as condições legais para recorrer ao TUI. Todavia, no procedimento do auto de declaração, a impugnante ainda se limitou a repetir o que disse no passado.
XIX. Pelo exposto, das declarações e teor do auto resulta que, a impugnante não passa de não se conformar com os factos dados provados pelo TJB e pelo TSI após realizado o julgamento e o resultado da sentença, não se verifica caso de recorribilidade ao TUI nos termos legais acima invocados. Ao abrigo do art.º 47.º n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária, salvo disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito. Pelo que, os fundamentos de recorrer para o TUI, deduzidos pela impugnante ao longo do período, evidentemente não constituem a situação prevista pelo art.º 639.º do CPC, deste modo, ao abrigo do art.º 11.º alínea 4) do Regime, é de manter a decisão de rejeição da concessão do apoio judiciário à impugnante, proferida na deliberação n.º 19/AJ/2025.».
Dada vista dos autos ao Ilustre Magistrado do Ministério Público pelo mesmo foi emitido o seguinte parecer:
«(i)
A, melhor identificada nos autos, inconformada com a decisão da Comissão de Apoio Judiciário (doravante, Comissão) que deliberou indeferir o seu pedido de apoio judiciário na modalidade de isenção de preparos e de custas e de nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário, deduziu a presente impugnação contenciosa.
A Entidade Impugnada manteve a sua decisão.
(ii)
Da leitura da decisão impugnada resulta que, segundo a Comissão, a Requerente, que pretende recorrer para o Tribunal de Última Instância do douto acórdão proferido nos presentes autos, apenas pretende questionar, nesse recurso, o julgamento sobre a matéria de facto feito pelas Instâncias pelo que a situação não é enquadrável no artigo 639.º do Código de Processo Civil (CPC) e daí que, nos termos da alínea 4) do artigo 11.º da Lei n.º 13/2012, se justifique o indeferimento o pedido de apoio judiciário.
Vejamos.
(ii.1)
De acordo com o disposto na referida norma legal da alínea 4) do artigo 11.º da Lei n.º 13/2012, o pedido de apoio judiciário é indeferido pela Comissão, independentemente da insuficiência económica, «se for evidente a insubsistência do pedido, ou das razões, da propositura do processo judicial em que se pretende beneficiar do apoio judiciário».
Independentemente do alcance que, por via interpretativa se lhe possa imputar, em nosso modesto entendimento, e salvo o devido respeito, a transcrita norma de competência em caso algum habilita a Administração a indeferir um pedido de apoio judiciário com base num fundamento que implique uma apreciação jurídica que, por lei, esteja exclusivamente deferida aos Tribunais (cremos, em todo o caso, que, apesar de a norma legal em causa corresponder à que se encontrava no n.º 2 do artigo 17.º do revogado Decreto-Lei n.º 41/94/M, de 1 de Agosto, ela não pode ser interpretada com o mesmo alcance com esta o poderia ser, pela simples razão de que, no regime anterior, a competência para a concessão do apoio judiciário cabia, nos termos do artigo 8.º daquele Decreto-Lei, ao juiz e não à Administração).
É isso o que, manifestamente, parece-nos, sucede no caso presente.
Com efeito, a Administração recusou o pedido de apoio judiciário por considerar que o fundamento do recurso que aquela pretende interpor, por se cingir a matéria de facto, não suporta um recurso para o Tribunal de Última Instância à luz do artigo 639.º do CPC e do artigo 47.º, n.º 2 da Lei de Bases da Organização Judiciária. Ora, como é bom de ver, essa apreciação, por isso que contende com o concreto alcance dos poderes de cognição do Tribunal de Última Instância, enquanto tribunal de recurso, só a este cabe e no momento processualmente adequado. De resto, como resulta do disposto no artigo 594.º do CPC, que rege sobre o despacho de admissão do recurso, nem o juiz do tribunal a quo, neste caso, o juiz relator do Tribunal de Segunda Instância, se pode pronunciar sobre tal matéria, uma vez que a interposição de recurso apenas pode ser indeferida com base na irrecorribilidade da decisão, extemporaneidade do recurso ou ilegitimidade do recorrente.
Não é, note-se, que, face aos elementos de que dispunha, a Comissão tenha decidido mal. O ponto não é esse. É antes o de que, na modesta interpretação que fazemos da norma contida no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 13/2012, ela não confere á Comissão competência para se pronunciar sobre a matéria em causa e com base nessa pronúncia indeferir o pedido formulado pela Requerente.
Portanto, com todo o respeito, estamos em crer que a Comissão ao interpretar e aplicar a dita norma legal nos termos sobreditos incorreu em violação de lei que deve conduzir à procedência da presente impugnação.
(ii.2)
Além disso, no caso apreço, também nos parece que a Comissão, não estava legalmente habilitada a deliberar no sentido do indeferimento da pretensão da Requerente com base num juízo de evidência, único a que a norma do n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 13/2012 dá guarida, no que tange à insubsistência do pedido ou das razões do mesmo.
Na verdade, com todo o respeito, através do simples requerimento de apoio judiciário subscrito pela própria Requerente e não, pois, por um advogado, não cremos que seja viável a formulação, ex ante, de um juízo seguro, como é próprio dos juízos de evidência, sobre os termos do próprio recurso e sobre as questões que nas respectivas alegações venham a ser concretamente pleiteadas pela Requerente através do seu patrono judiciário, nomeadamente para, com base nesse juízo, se concluir que as questão que nele concretamente se colocam são insusceptíveis de apreciação pelo Tribunal de Última Instância por versarem sobre matéria de facto.
Também por esta razão deve, pois, proceder a presente impugnação.
(ii.3)
Uma última nota. Para apontar que a interpretação feita pela Comissão sobre o âmbito da competência que para ela resulta da norma contida na alínea 4) do artigo 11.º da Lei 13/2012 tem, a nosso ver, na situação que aqui se discute, mas não só, uma implicação que, pelo menos nas situações de comprovada insuficiência económica do requerente do apoio judiciário, a torna inaceitável por ser incongruente com a garantia impugnatória prevista na lei processual em relação às decisões do tribunal a quo que não admitem o recurso interposto das decisões desse tribunal, pois que é disso que, materialmente, aqui se trata (parece insofismável: a Requerente pretende interpor recurso para o Tribunal de Última Instância de um acórdão do Tribunal de Segunda Instância, alega que não tem meios económicos para o fazer, e a Administração veda esse recurso por considerar que o mesmo, com o fundamento indicado por aquela, é legalmente inadmissível). Na verdade, essa decisão de não admissão do recurso, a tolerar-se, ficaria subtraída à apreciação por um tribunal diferente do e superior na hierarquia judiciária ao tribunal que proferiu a própria decisão, porquanto a impugnação contenciosa da decisão de indeferimento do pedido de concessão de apoio judiciário é apreciada pelo tribunal onde a causa se encontra pendente, sendo que a decisão dessa impugnação é insusceptível de recurso, tal como decorre das disposições legais dos artigos 25.º, n.º 1, 27.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 da Lei n.º 13/2012. Ora, como sabemos, a lei, na norma do n.º 1 do artigo 595.º do CPC, assegura, justamente, a possibilidade de reclamação do despacho que não admita o recurso para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer dele.
(iii)
Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve ser julgada procedente a presente impugnação contenciosa.».

Sobre esta matéria diz-se no Parecer nº 6/IV/2012 da 2ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa o seguinte:
«26. Artigo 11.º - Indeferimento do pedido de apoio judiciário – Aqui trata-se de uma matéria imprescindível com vista a lidar com o apoio judiciário com justiça e sem abusos.
(…)
Finalmente, a alínea 4) estatui que se for manifestamente evidente a insubsistência do pedido, ou das razões, da propositura do processo judicial em que se pretende beneficiar do apoio judiciário, o pedido é indeferido. Ora, também aqui deverá imperar o bom senso – da parte da Comissão como da parte do pretendente – não devendo a Comissão aplicar critérios demasiadamente rigorosos já que não é um tribunal, não lhe competindo aferir da bondade da causa ou seu acerto. Somente em situações limite, de absoluta e declarada insubsistência do mérito da causa deve a Comissão fazer uso deste seu poder, o qual, uma vez mais se prova, não se reconduz a meras operações maquinais de aritmética.».

No caso em apreço está em causa o direito da requerente do Apoio Judiciário a recorrer da decisão proferida por este Tribunal, a qual sendo matéria de direito não cabe ao particular definir os termos em que o faz, sendo certo que a decisão é recorrível.
Concordamos integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta, sob pena de estar o Tribunal recorrido a decidir previamente do mérito do recurso de si interposto.

Destarte, pelos fundamentos constantes do Douto Parecer entendemos ser de julgar procedente a impugnação apresentada.
Contudo nada se tendo apreciado quanto aos demais requisitos para que seja concedido o apoio judiciário entendemos que deve ser remetido novamente a decisão à Comissão do Apoio Judiciário a qual deverá apreciar dos demais pressupostos do apoio judiciário, concedendo-o ou negando-o como for o caso.

IV. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos julgando-se procedente a impugnação no que concerne ao fundamento com base no qual foi indeferido o pedido, revogando-se a respectiva decisão, cabendo novamente à Comissão do Apoio Judiciário apreciar dos demais pressupostos para que seja concedido o apoio judiciário decidindo em conformidade que não seja com o fundamento agora julgado improcedente.

Sem custas.

Registe e Notifique.

RAEM, 20 de Março de 2025

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Seng Ioi Man
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)

Álvaro António Mangas Abreu Dantas
(Delegado Coordenador)

400/2024/A 1
(IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA)