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Processo nº 144/2024
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes elementos identificativos dos autos, propôs, no Tribunal Administrativo, “acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual” contra a REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU e o B1, (agora, B, 乙), pedindo, a final, que fossem os RR. condenados a pagar ao A.:

“a) uma indemnização por violação do direito moral do A., em resultado da omissão ilícita da consulta ao autor do projecto originário que foi alvo de modificação, indemnização essa que deverá fixada pelo douto Tribunal com base na equidade, a qual nunca deverá ser inferior a MOP646.735,65;
b) uma indemnização a título de dano de perda de chance, equivalente a 50% do valor do projecto de arquitectura apresentado para a Obra de Construção que incide sobre o edifício da "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", correndo seus termos junto da D.S.S.O.P.T. sob o n.° 19/MF/2018/L, valor esse que se computa em MOP1.293.471,29, ou, em alternativa. uma indemnização a fixar pelo douto tribunal com base na equidade;
(…)”; (cfr., fls. 2 a 48 e 836 a 844 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, após adequada tramitação processual, proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo decisão absolvendo os RR. de todos os pedidos deduzidos; (cfr., fls. 873 a 880 e 1264 a 1270).

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Do assim decidido recorreu o A. (“A”); (cfr., fls. 1280 a 1296).

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E, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 04.07.2024, (Proc. n.° 352/2024), negou-se provimento ao recurso.

Tem este Acórdão o seguinte teor:

“I – RELATÓRIO
A – Recurso interlocutório:
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância, datado de 10/05/2021 (fls.875v a 877), veio, em 27/05/2021, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 942 a 963, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O objecto do presente recurso cinge-se ao teor da decisão constante de fls. 875v. a 877, relativo ao conhecimento parcial do pedido formulado pelo Recorrente, nos termos da qual o Tribunal a quo absolveu os Recorridos quanto ao pedido de indemnização a título de dano de perda de chance, nos termos oportunamente formulados na Petição Inicial.
2. A causa de pedir da presente acção radica nas modificações à Biblioteca Internacional da [Universidade(2)] que o Recorrente veio a conhecer em visita ao local (por todo o edifício, incluindo obviamente o seu interior, em visita guiada a convite e com responsáveis do B1), no dia 15 de Dezembro de 2015, assim como nas modificações posteriores a essa mesma data, as quais chegaram ao conhecimento do Recorrente por via da consulta ao processo n.º 19/MF/2018/L, em 31 de Julho de 2018, processo esse que corre seus termos junto da DSSOPT.
3. Apesar de ser o autor da obra ora em apreço, o Recorrente foi totalmente alheio às alterações e modificações na sua obra de arquitectura, nunca lhe tendo sido comunicado o ensejo de as entidades responsáveis pretenderem proceder a alterações ou modificações na sua obra, nem tão-pouco sido consultado previamente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 144.º do Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/99/M e republicado pela Lei n.º 5/2012 (doravante, o "RDADC").
4. Com a omissão do dever de consulta prévia por parte dos Recorridos ao autor da obra, foi retirada ao Recorrente a chance, a real e efectiva hipótese, de obter os proventos desse mesmo trabalho, uma vez que a legalização das modificações efectuadas à obra em apreço foi desenvolvida por terceiros, tendo o Recorrente sido deixado totalmente à margem do procedimento.
5. Em Macau, as obras arquitectónicas gozam de tutela jurídica expressa na alínea g), do n.º 1 do artigo 2.º do RDADC, sendo tal tutela independente do seu mérito (artigo 1.º n.º 1 do mesmo diploma legal).
6. Enquanto criador intelectual da obra "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", o Recorrente é o titular originário dos direitos de autor sobre a mesma, sendo titular de um direito pessoal e de um direito patrimonial sobre a obra protegida (artigos 9.º, n.º 1 e 7.º, parágrafo 1, ambos do RDADC).
7. Nos termos do artigo 46.º do RDADC, uma das vertentes da tutela do direito de autor é o direito à integridade da obra, estatuindo-se no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC a única excepção a tal direito, no que às obras de arquitectura concerne, nos seguintes termos: “O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos" (sublinhado e negrito nossos).
8. A omissão do direito de consulta plasmado no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC é uma omissão ilícita e que acarreta para o Dono da Obra um dever de indemnizar o autor da obra de arquitectura.
9. Com os actos ilícitos praticados pelos Recorridos, viu-se o Recorrente impossibilitado de desenvolver e apresentar a sua proposta de compatibilização e harmonização das modificações perpetradas à obra de arquitectura "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", tendo sido retirada a chance ao Recorrente, a real e efectiva hipótese de obter os proventos desse mesmo trabalho, uma vez que essa intervenção foi desenvolvida por terceiros, sem nunca o Recorrente ter sido consultado para o efeito, conforme exigência legal.
10. A vantagem cuja possibilidade de alcance se gozava inicialmente, e que desapareceu pela actuação dos Recorridos, reveste o cariz de vantagem económica.
11. O dano de perda de chance terá de ser integrado e indemnizado em termos probabilísticos, ou seja, em percentagem, face ao dano final, pelo que a sua reparação deverá ser medida com relação à chance perdida, tendo sempre como pedra de toque o grau de probabilidade de obtenção da vantagem, algo que no presente caso se cifra em, pelo menos, 50%.
12. Ou seja, o dano da perda de chance que o Recorrente sofreu será equivalente a 50% do valor do projecto de arquitectura apresentado para a Obra de Construção que incide sobre o edifício da "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", correndo seus termos junto da D.S.S.O.P.T. sob o n.º 19/MF/2018/L.
13. Caso o Tribunal assim não o considere, por conceber um diferente grau de probabilidade, algo que apenas se concebe por mero dever de patrocínio, ainda assim deverá o douto Tribunal fixar um diferente quantum indemnizatório, através do recurso à equidade, conforme previsão constante do n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil.
14. Todos os requisitos próprios da responsabilidade civil extra-contratual se encontram verificados no caso sub judice.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado. Consequentemente, deve a decisão constante de fls. 875v. a 877 ser revogada, substituindo-se por outra que condene os Recorridos nos termos oportunamente propostos, a título do pedido de indemnização por dano de perda de chance, determinando-se em consequência os ulteriores termos do processo até final.
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A Recorrida, B (乙) (anteriormente designada B1 (乙一)), veio, 11/08/2021, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1056 a 1066, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Após a entrega da antiga Biblioteca Internacional da [Universidade(2)] ao B1 em 7 de Outubro de 2015, o Recorrente foi devidamente informado pelo 2.° Recorrido sobre os novos planos de utilização do espaço e teve deles integral conhecimento, tendo sido convidado pelo 2.º Recorrido a visitar as instalações em Janeiro de 2016;
2. Em 12 de Maio de 2016 foi adjudicado directamente ao Recorrente o "Consultancy Service for B1 New Taipa Campus (Library Building) Renovation Project" para elaborar um parecer técnico sobre a viabilidade de serem adicionadas mais divisões interiores para servirem como salas de aulas, salas de professores, gabinetes de apoio técnico, para instruir um pedido de obras de modificação à DSSOPT;
3. Em 23 de Maio de 2016, o Recorrente apresentou ao B1 o parecer técnico favorável à viabilidade de serem realizadas obras de modificação na antiga Biblioteca que permitissem a ampliação do número de divisões interiores destinadas a salas de aulas, gabinetes de professores e de apoio técnico;
4. O Recorrente não só foi consultado sobre os planos do B1 para a utilização, modificação e optimização do antigo edifício da Biblioteca da [Universidade(2)], desde o início de 2016, como deu parecer favorável às obras de modificação no pedido formulado pelo 2.° Recorrido à DSSOPT;
5. Em 5 de Dezembro de 2016, o B1 adjudicou ao Recorrente o "Service for design and application of floor plan of the replacement of chiller (air conditioning)" para efectuar o projecto de substituição do sistema de refrigeração do edifício e da sua configuração;
6. O B1 convidou o Recorrente e mais três entidades para apresentarem propostas para o "Service for updating floor plans of construction and fire control", projecto que foi adjudicado à sociedade E, em 29 de Dezembro de 2016, por ter sido esta que apresentou a proposta que obteve melhor avaliação;
7. O Recorrente tomou prévio conhecimento e foi consultado nos três projectos de obras de modificação do edifício da responsabilidade do B1, como tal, não é verdade que o Recorrente tenha sido impedido de apresentar a sua proposta para o referido projecto, nem que tenha ocorrido omissão ilícita do dever de consulta prévia por parte dos Recorridos ao Recorrente, tendo-lhe sido retirada a chance, a real e efectiva hipótese de obter os proventos desse mesmo trabalho;
8. Precisamente para demonstrar que existe uma subordinação da integridade da obra à funcionalidade que o dono da obra pretende obter, determina o n.º 2 do artigo 144.º do DL n.º 43/99/M, que o dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos;
9. Como se explica no Despacho recorrido, a consulta prévia ali referida não tem por finalidade obter qualquer autorização do autor para as alterações visadas, pois mesmo que o autor não consinta a concretização das alterações introduzidas, por entender desvirtuarem a sua obra, nada pode fazer senão repudiar a paternidade desta, não aceitando que a autoria continue a ser-lhe imputada, como dispõe do n.º 2 do referido artigo 144.°;
10. Ainda assim, a falta de consulta prévia ao autor do projecto, uma vez provada, cobre danos não patrimoniais mas não os lucros cessantes do arquitecto em consequência de não ter sido encarregado do projecto, pois a lei não confere ao arquitecto um exclusivo no projecto de modificações;
11. Consequentemente, depois de consultado o autor do projecto original, o dono da obra pode decidir prosseguir a obra com outro arquitecto;
12. Doutro passa, o n.º 1 do artigo 9.º do Código dos Direitos de Autor, em vigor à data da do contrato da empreitada de "Concepção-construção da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", celebrado em 1997, entre a Fundação Macau e a C, determina que se resultar dos termos ou circunstâncias do acordo que o direito de autor fica a pertencer à entidade que custear a obra, o seu criador nada poderá exigir além da remuneração que tiver sido ajustada;
13. A este propósito, esclarece o n.º 2 do artigo 9.° do mencionado CDA que a ausência do nome do autor da obra no local destinado para o efeito estabelece a presunção de que o direito de autor pertence à entidade que custear a obra, sendo certo que no edifício em causa nunca figuraram os nomes da C ou do Recorrente;
14. Não deve proceder o raciocínio adoptado pelo Recorrente para reclamar uma indemnização a título de dano de perda de chance equivalente a 50% do valor do projecto de arquitectura apresentado para a Obra de Construção que incide sobre o edifício da antiga Biblioteca, pretensão que é totalmente irrazoável para além de se tratar de um quantitativo indeterminado que o Tribunal a quo já censurou;
15. Não compete ao Tribunal realizar os cálculos probabilísticos propostos pelo Recorrente para quantificar um valor que competia apenas ao Recorrente determinar e justificar; e
16. Certo é que a lei não confere ao Recorrente nenhum direito exclusivo no projecto de modificações da obra, sendo que o dono da obrar após a consulta ao autor do projecto original, é livre de realizar a obra com outro arquitecto.
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Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區), representada pelo MP, ofereceu a resposta constante de fls. 1069 a 1074, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Nos termos do artigo 144.º do Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/99/M, a protecção jurídica dos direitos de autor sobre as obras de arquitectura e as obras plásticas incorporadas em obras de arquitectura, não impede o direito dos proprietários de alterarem as edificações, durante ou após a sua construção.
B. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe claramente que “é livre de introduzir nela as alterações que desejar”, embora esta norma preveja que as alterações devem ser precedidas de consulta prévia ao autor do projecto, o legislador não atribui directamente ao autor o direito de indemnização pela simples falta de consulta prévia.
C. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o autor do projecto só tem o direito de recusar o reconhecimento como autor da obra modificada se não houver qualquer acordo entre ele e o dono da obra, antes ou no momento da consulta prévia, ficando vedado ao proprietário invocar, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial. Este direito corresponde precisamente à protecção do direito pessoal de autor consagrada no art.° 7.° do referido Decreto-Lei - designadamente no que respeita à identificação do autor na obra, à garantia da sua genuinidade e integridade da obra, bem como à oposição à desvirtuação da obra que afecte a honra ou reputação do autor.
D. Embora a lei permita ao proprietário da construção o direito de proceder livremente às respectivas alterações, tal não implica necessariamente a destruição completa do conteúdo mínimo de protecção dos direitos de autor, o autor do projecto tem o direito de não reconhecer a construção alterada como a sua obra e não utilizar a identidade do autor após a alteração.
E. É precisamente após a violação da garantia jurídica desse direito que se verifica o requisito da ilicitude e se pede a indemnização.
F. A mera falta de consulta prévia não constitui ilicitude por violação de direitos subjectivos, uma vez que a consulta prévia não faz parte do conteúdo do direito de autor, sendo apenas um procedimento ou uma formalidade que o dono da obra deve seguir antes da sua alteração, por forma a permitir ao autor ponderar se a construção, uma vez alterada, continua a ser reconhecida como sua obra e se permite que o dono da obra volte a utilizar a sua qualidade de autor relativamente à construção alterada.
G. Os factos invocados pelo recorrente na petição inicial não são aqueles em que os 1.º ou 2.º recorridos continuam a utilizar o recorrente como autor após as obras de modificação da Biblioteca da ex-[Universidade(2)], ou se opõem ao não reconhecimento das alterações por parte do recorrente, mas sim apenas a perda dos alegados lucros das obras de alteração adjudicadas, sem prévia consulta.
H. É manifesto que não se verifica o alegado requisito da “ilicitude”, isto é, a violação do direito pessoal de autor do recorrente.
I. O artigo 144.º do referido Decreto-Lei não prevê que o autor do projecto da construção tenha o direito de realizar ou adquirir as obras de alteração, pelo que a consulta prévia não visa, de modo algum, dar ao autor a oportunidade de adquirir ou facilitar as obras de modificação.
J. Nos termos gerais do n.º 2 do artigo 7.º e do artigo 26.º do mesmo Decreto-Lei, o direito patrimonial de autor do projecto de arquitectura limita-se a autorizar a utilização da obra por terceiro mediante retribuição, não inclui, nem se estende aos honorários ou despesas decorrentes das obras de alteração do projecto que se venham a verificar no futuro.
K. Uma vez autorizada a utilização da obra por terceiros mediante retribuição, o conteúdo do seu direito patrimonial de autor fica esgotado, não sendo possível invocar a existência de direito patrimonial ou a sua extensão.
L. Não restam dúvidas de que, quer na letra da norma, quer na interpretação jurídica em geral, não existe consulta prévia para que o autor adquira ou facilite a aquisição de obras modificativas ou para que o direito patrimonial de autor possa ser exercido.
M. Como responsabilidade civil extracontratual de indemnização, é necessário preencher o requisito do nexo de causalidade adequado entre a acção e o resultado danoso previsto no art.° 2.° do Decreto-Lei n.° 28/91/M e o art.° 557.° do Código Civil.
N. Na obrigação de indemnização, o Código Civil de Macau adopta a teoria do nexo de causalidade adequado, isto é, o facto tem de ser idóneo para causar o dano, sendo este o efeito adequado do facto.
O. Quer nos termos do art.º 144.º do mesmo Decreto-Lei, quer nos factos alegados pelo recorrente na petição inicial, não se verifica a obrigação legal ou contratual do 2.º recorrido de adjudicar ao recorrente as obras de alteração da construção em causa.
P. A consulta prévia prevista no art.° 144.º, n.° 2 do referido Decreto-Lei não tem por fim dar ou facilitar ao autor a oportunidade de adquirir obras de alteração, mas apenas dar-lhe a possibilidade de ponderar sobre o exercício ou não do direito pessoal de autor previsto no n.° 3 do mesmo artigo. Por outras palavras, não existe nexo de causalidade ou conexão necessária entre esta consulta prévia e a eventual adjudicação ou eventual adjudicação da obra de alteração ao autor do projecto inicial no futuro.
Q. Não se verifica o nexo de causalidade adequado previsto no art.º 557.º do Código Civil entre a falta de consulta prévia ao autor do projecto inicial, nos termos do n.º 2 do artigo 144.º do Decreto-Lei acima referido e a invocação do recorrente de perder a oportunidade de lhe serem adjudicadas as obras de alteração e até de perder 50% dos lucros das obras de alteração dos autos.
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B – Recurso da decisão final:
A, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 15/12/2023, veio, em 15/01/2024, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de 1281 a 1296, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O objecto do presente recurso respeita ao teor da sentença proferida pelo Tribunal a quo constante de fls. 1264 e seguintes dos autos (doravante, a "Sentença"), nos termos da qual aquele Tribunal decidiu absolver os ora Recorridos do pedido formulado pelo Recorrente, com base nos danos não patrimoniais por este sofridos, em resultado da omissão ilícita da consulta prévia devida ao Recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 144.º do Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos (doravante, "RDADC").
2. Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, o Recorrente entende que a Sentença ora colocada em crise padece do vício de insuficiência e deficiência da matéria de facto integrada quer nos factos assentes, quer na base instrutória, algo que impediu o Tribunal a quo de dispor da base factual necessária e suficiente que lhe permitisse haver chegada a uma decisão justa e adequada relativamente ao caso sub judice, nos termos oportunamente apontados pelo Recorrente em sede de Reclamação contra a Selecção da Matéria de Facto, constante de fls. 895 e seguintes.
3. A factualidade vertida no Facto Assente D) contém em si mesmo uma conclusão de facto errada, conclusão essa que foi devidamente ressaltada pelo Recorrente, uma vez que a obra de arquitectura ora em apreço não é caracterizada, em termos técnico-arquitectónicos, pela concepção de uma combinação de "três livros e um disco".
4. A caracterização da obra de arquitectura deverá emergir da concepção da mesma - entenda-se, a caracterização da obra nos termos feitos pelo seu criador intelectual -, pelo que qualquer consideração a esse respeito deveria ter-se cingido ao teor do discurso plástico produzido pelo Recorrente em sede da Memória Descritiva da referida obra, constante de fls. 589 e 590 dos autos.
5. A reapreciação deste facto em sede do presente Recurso é essencial porquanto a Sentença ora em crise formou o nexo de que as alterações perpetradas à obra de arquitectura não afectaram os elementos (supostamente) característicos da "concepção de 'três livros e um disco' (conforme apurado na alínea d) dos factos assentes, e resposta ao quesito 10.º da base instrutória)", logo "não ocorreu a mutilação nem a deformação da obra da sua autoria (do ora Recorrente), nem qualquer outro acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor, susceptível de lesar o direito à integridade da obra", daí concluindo que "inexistiam, neste caso, danos ressarcíveis como decorrentes de lesão do direito moral do Autor (em especial, o direito à integridade da obra), por modo a conferir-lhe o direito à indemnização (páginas 12 e 13 da Sentença), residindo aí improcedência do pedido.
6. Mutatis mutandis, impunha-se a reformulação do Quesito 10.º da base instrutória, uma vez que revela a errónea percepção por parte do Tribunal a quo no que concerne à concreta concepção e elementos caracterizadores da obra de arquitectura em apreço nos presentes autos, algo que teve influência na (incorrecta, salvo melhor e fundamentada opinião) decisão da causa.
7. O interesse do ora Recorrente "em propor aquela versão diversa da que consta do despacho saneador" foi por a versão do Quesito n.º 10 que constou do despacho saneador não permitir gerar resposta com interesse para a boa decisão da causa, conforme se veio a verificar.
8. Em sentido diametralmente oposto, afigura-se extremamente relevante determinar se as mesmas alterações à obra de arquitectura "impuseram um partido plástico e estético estranho" àquele que o autor da mesma (o Recorrente) concebeu, gizou e preconizou, partido esse que se pode retirar da Memória Descritiva constante de fls. 589 e 590, concretizados no teor do projecto original, conforme desenhos a tinta preta constantes de fls. 576 a 580.
9. Por outro lado, ao não ter admitido a inserção ou aditamento à Base Instrutória dos artigos 6.º, 8.º e 15.º da Petição Inicial, conforme oportunamente requerido em sede de Reclamação contra a Selecção da Matéria de Facto, o Tribunal a quo - salvo melhor e fundamentada opinião - não permitiu a produção e/ou valoração de prova, bem como a sua devida apreciação, acerca de matéria de importância inegável para a boa decisão da causa.
10. O Tribunal a quo deveria ter procedido à alteração da formulação adoptada no que concerne ao Facto Assente D) e Quesito n.º 10 da Base Instrutória, constante de fls. 878 e seguintes, nos termos oportunamente requeridos em sede de Reclamação contra a Selecção da Matéria de Facto, a fls. 895 e seguintes. Ademais, e conforme igualmente alegado em sede de Reclamação contra a Selecção da Matéria de Facto, o Tribunal a quo deveria ter aditado os factos decorrentes dos artigos 6.º. 8.º e 15.º da Petição Inicial à Base Instrutória, enquanto factos controvertidos, com importância inegável para a boa decisão da causa.
11. Não o fazendo, salvo o devido respeito por entendimento diverso, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 430.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
12. Constatando-se que à matéria de facto seleccionada pelo Tribunal a quo falta matéria relevante para a boa decisão da causa, salvo melhor e fundamentada opinião, o despacho que procedeu à selecção da matéria de facto e, em consequência, a própria Sentença objecto do presente recurso, ficaram inquinadas do vício de deficiência e insuficiência da matéria de facto seleccionada, previsto nas normas ínsitas no n.º 4 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
13. Nos termos previstos no n.º 3 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, "o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final".
14. O Recorrente teve oportunidade de apresentar Reclamação contra a Selecção da Matéria de Facto, conforme decorre de fls. 895 e seguintes, tendo tal reclamação sido indeferida por (alegadamente) infundada, nos termos pugnados em sede do despacho constante de fls. 915 e 915v.
15. No modesto entendimento do Recorrente, afigura-se que este último citado despacho se encontra ferido de ilegalidade, por violar a norma ínsita no n.º 1 do artigo 430.º do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal a quo não corrigiu os factos assentes e os factos constantes da Base Instrutória, nem aditou factos à mesma, nos termos oportunamente explicitados e peticionados em sede de Reclamação contra a Selecção da Matéria de Facto.
16. Atendendo à matéria factual constante do Quesito n.º 10, apesar de a mesma se afigurar como excessiva e sem jamais conceder quanto a esse ponto, ainda assim se deverá arguir que o teor factual do referido quesito (a saber, "as supra referidas alterações impuseram um partido plástico e estético estranho à obra originária. com a supressão dos respectivos elementos característicos da Biblioteca") merecia resposta positiva ("provado") por parte do Tribunal a quo, tendo em conta o teor dos Factos Assentes P) e R), bem como a resposta aos Quesitos n.º 7 e 11.
17. Do mesmo modo, tal conclusão encontra sustentação nos dos documentos suporte das alterações à obra de arquitectura (maxime, os desenhos constantes de fls. 576 a 580 dos autos, assim como a Memória Descritiva constante de fls. 587 e seguintes - em particular, fls. 589 e 590).
18. A desconformidade entre a prova ora nomeada e a decisão proferida pelo Tribunal a quo denota um erro de julgamento notório, uma vez que os elementos probatórios ora em apreço impõem uma decisão diferente àquela perfilhada pelo Tribunal a quo, na senda do entendimento perfilhado e exposto pelo Tribunal ad quem por exemplo, no acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 251/2019.
19. Novamente à cautela, sem jamais prescindir e tendo apenas por base a matéria de facto seleccionada pelo Tribunal a quo, ainda assim considera o Recorrente que a subsunção dos factos ao Direito impunha decisão diversa àquela tomada em sede da Sentença.
20. Enquanto criador intelectual da obra "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", o Recorrente é o titular originário dos direitos de autor sobre a mesma (artigo 9.º, n.º 1 do RDADC).
21. À luz do RDADC - cfr. parágrafo 1 do seu artigo 7.º -, o autor é titular de um direito pessoal e de um direito patrimonial sobre a obra protegida.
22. O direito pessoal de autor compreende os poderes, entre outros, de "assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor" - cfr. alínea d), do n.º 3 do artigo 7.º do RDADC.
23. No que toca à solução a oferecer ao caso concreto, não deverá ser chamado à colação o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do RDADC, uma vez que as alterações em causa nos presentes autos não se circunscrevem a meras adaptações necessárias à utilização da obra - i.e. à sua construção -, antes sendo verdadeiras alterações à obra de arquitectura designada “Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", já depois de construída – i.e depois de utilizada -, merecedoras da protecção especial conferida ex vi do n.º 2 do artigo 144.º do RDADC.
24. No que concerne especificamente às obras de arquitectura, o legislador consagrou um regime especial, nos termos do qual se estatui que "o dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar; mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos" (cfr. n.º 2 do artigo 144.º do RDADC, sublinhado e negrito nossos).
25. Mal andou (salvo melhor e fundamentada opinião) o Tribunal a quo ao tentar introduzir uma avaliação de cariz subjectivo às modificações introduzidas na obra passíveis de encontrarem guarida no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC, algo que não foi previsto pelo legislador.
26. Dúvidas inexistem de que, efectivamente, foram introduzidas alterações na obra de arquitectura da qual o Recorrente é autor, sem que o mesmo fosse previamente consultado acerca das mesmas.
27. Jamais poderá valer a pretensão de que, para tais alterações serem juridicamente relevantes, deveriam ter ocorrido na fachada (vulgo, no exterior) do edifício. A existência de espaço interior um pressuposto essencial de uma obra de arquitectura, que a distingue de uma obra de escultura, ainda para mais tendo em conta o propósito específico da concepção e utilização do edifício, projectado como uma biblioteca, onde a utilização e apreciação pelo público teria, forçosamente de passar pelo interior da mesma.
28. Assim, no caso sub judice, o dever de indemnizar encontra-se já fundamentado na omissão de efectivar a consulta ao autor da obra de arquitectura - o Recorrente - cuja responsabilidade impende sobre os Recorridos, nos termos legalmente aplicáveis.
29. Ao não ter condenado os Recorridos ao pedido formulado pelo Recorrente, com base nos danos não patrimoniais por este sofridos, em resultado da omissão ilícita da consulta prévia devida ao Recorrente quanto às alterações introduzidas na obra de arquitectura em apreço nos presentes autos, nos termos pugnados em sede de Petição Inicial e Aperfeiçoamento do Pedido, o Tribunal a quo violou o disposto nas disposições contidas no artigo 7.º, n.º 1 e 3, alínea d), bem como no artigo 144.º, n.º 2, ambos do RDADC, nos artigos 489.º, n.º 3 e 490.º do Código Civil, bem como do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser declarado como procedente, por provado, determinando-se, em consequência, a anulação da decisão recorrida, com fundamento na deficiência e insuficiência da matéria seleccionada e integrada nos Factos Assentes e Base Instrutória, determinando a sua ampliação e correcção, em conformidade, remetendo-se o processo para novo julgamento, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, que seja revogada a decisão sobre a matéria de facto, no que concerne especificamente ao Quesito n.º 10, determinando-se o referido querido como "Provado", devendo a Sentença ser revogada, substituindo-se a mesma por decisão que imponha a condenação dos Recorridos nos termos oportunamente expostos em sede de Petição Inicial.
Subsidiariamente, caso igualmente também se entenda não ser possível a alteração da resposta à matéria de facto constante do Quesito n.º 10, deverá de todo o modo a Sentença ser revogada, substituindo-se a mesma por decisão que imponha a condenação dos Recorridos nos termos oportunamente expostos em sede de Petição Inicial.
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A Recorrida, B (乙) (anteriormente designada B1 (乙一)), veio, 05/04/2024, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1304 a 1337, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O Recorrente invoca que a decisão recorrida de fls. 1264 sofre do vício de insuficiência e deficiência da matéria de facto integrada na matéria de facto assente e na base Instrutória, por não reflectir o seu pensamento;
2. Certo é que foi o Recorrente que escreveu no artigo 17.º da petição inicial, 3 longas folhas, onde disserta sobre a combinação de "três livros e um disco", aceitando como correcta a caracterização que transcreveu de websites anónimos e sem visualizações;
3. No artigo 20.º da douta petição, o Recorrente alega que existe um hino oficial do Edifício da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)], com menção expressa às suas características arquitectónicas, sendo que a letra do hino fala de "três livros e um disco";
4. No artigo 10.º da réplica, A fls. 625, acrescenta que "a letra do hino dedicado ao edifício não deve ser desconsiderada, visto que a referência ao partido plástico e arquitectónico da obra de arquitectura do A. é algo que não conhece paralelo em qualquer outro dos edifícios públicos da RAEM;
5. Acresce que o Recorrente escreveu, no seu Portfolio, a fls. 1467v. dos autos, que a expressão plástica predominante do edifício é a sua estrutura longilínea constituída por três corpos paralelepípedos, separados nos seus interstícios, como se de três tomos se tratasse, pontuados por um corpo elíptico;
6. Traduzindo a narrativa técnica que o Recorrente faz das características arquitectónicas da sua obra, para a linguagem comum: o design do edifício parece uma combinação de 3 livros (três tomos) e um disco (um corpo elíptico);
7. Na resposta à reclamação do Autor de fls. 915, o Tribunal esclareceu que encontra-se apenas vinculado à matéria de facto alegada pelas partes nos articulados, mas não à formula concreta da formulação ou à expressão por elas utilizada, conclusão que vale para o facto assente D) e para o quesito 10.º, que faz referência aos quesitos 6.° e 9.°, que igualmente não ficaram provados;
8. O Autor pretende que o Acórdão recorrido seja anulado e o julgamento repetido para incluir na Base Instrutória os artigos 6.º a 8.º e 15.º da petição inicial; uma vez que não concorda com a que determinou que os aditamentos requeridos não incidiam sobre matéria de facto relevante com interesse para a boa decisão da causa;
9. Ao contrário do alegado, saber se o Recorrente é um arquitecto conhecido e prestigiado (artigo 6.º da petição inicial) não é relevante para a boa decisão da causa";
10. O que interessa, neste caso, é saber que o Autor é arquitecto, que fez parte da equipa projectista e que foi o coordenador do projecto de arquitectura - factos assentes A) e C) e resposta ao quesito 2.°);
11. A sua alegada fama não é, obviamente, um facto com interesse relevante para a boa decisão da causa;
12. Também o alegado no artigo 8.º da petição inicial não é um facto com interesse relevante, pelo que andou bem o Tribunal a quo ao não incluir a lista dos vários concursos de arquitectura que o Recorrente diz ter vencido e ser o responsável pela concepção global;
13. Sabe-se que o Recorrente foi o arquitecto que assinou e submeteu os desenhos de arquitectura à antiga Direcção dos Serviços de Solos Obras públicas e Transportes, mas não é relevante saber se o Recorrente é prestigiado e se a Biblioteca é um edifício de referência da RAEM;
14. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, a percepção do Tribunal a quo foi a correcta e assentou no que foi escrito na petição inicial, na réplica e no Portfolio do Autor/Recorrente;
15. Como tal, deve ser negado provimento ao recurso que interpôs;
16. A 2.ª Recorrida requer a ampliação do objecto do recurso nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 590.°, n.º 4 do artigo 599.° e n.º 5 do artigo 613.° do Código do Processo Civil;
17. A 2.ª Recorrida indicou na sua alegação quais os pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes dos autos, que impunham decisão diversa, como determinam as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 599.°;
18. Entende a 2.ª Recorrida que o Tribunal a quo errou ao dar como provados os quesitos 4.º, 5.º, e 8.º - tal como consta da resposta aos quesitos de fls. 1254 e do Acórdão ora em escrutínio, de fls. 1267;
19. No quesito 3.º o Tribunal recorrido deu como não provado que a Arquitecta D tenha intervindo como auxiliar do autor, depois da proposta, integrada pelo respectivo anteprojecto da obra de arquitectura, ter sido submetida a concurso;
20. No quesito 5.°, o Tribunal a quo deu com provado que a obra de arquitectura foi divulgada como projectada pelo autor em duas revistas, com base nos docs. n.ºs 4 e 5, juntos com a petição inicial;
21. Contudo, existe um erro manifesto na leitura que o Tribunal a quo fez desses documentos, pois nenhuma das revistas menciona que o Recorrente foi o único arquitecto da obra de arquitectura em questão;
22. A informação contida nessas revistas conceituadas, bem como o que o Recorrente escreveu na réplica de fls. 625, tem de servir, necessariamente, para dar como provado o quesito 3.º e por não provado o quesito 5.°;
23. Uma leitura atenta da revista World Architecture 9912 publicada pela Tsinghua University & Research Institute of Architectural Design, Beijing; permite ver na primeira página dessa revista de arquitectura (a fls. 81 dos autos) que o edifício da Biblioteca é uma obra dos arquitectos A e D;
24. Na revista Macau Contemporary Architecture, editada pela Fundação Macau a fls. 85 dos autos, também é mencionado que se trata de uma obra da responsabilidade dos arquitectos A e D;
25. O próprio Recorrente escreveu no seu Porfolio, a fls. 1046, na parte que respeita à Biblioteca Internacional da [Universidade(2)], que a equipa do projecto incluía os arquitectos A e D;
26. Para além de que o Recorrente confessou no artigo 32.º da réplica (a fls. 625), que a Arquitecta D interveio como sua auxiliar;
27. É inegável que as duas revistas registam os nomes de ambos os arquitectos como responsáveis pelo projecto de arquitectura, pelo que é errada a conclusão do Tribunal a quo de que as revistas dizem que o Recorrente é o autor do projecto;
28. Salvo o devido respeitai o documento mais importante que um arquitecto tem de apresentar, para o licenciamento de uma obra, não é o anteprojecto (que é um esboço inicial a juntar a outros documentos para avaliação de propostas), mas sim os vários projectos de execução, que só foram apresentados após a assinatura do contrato pela Fundação Macau e pela C;
29. Impõe-se, assim, que seja alterada a decisão de facto nos dois segmentos, determinando-se que se dê por provado o quesito 3.° e, ao mesmo tempo, corrigido o quesito 5.º; uma vez que as duas revistas registam, sem margem para dúvidas, que a obra foi projectada pelos arquitectos A e D;
30. Além disso, o Recorrente confessou no artigo 32.° da Réplica e no seu Portfolio a participação da Arquitecta D na equipa do projecto;
31. Doutro passo, o Tribunal a quo referiu no Acórdão de fls. 1254 que fundou a sua convicção, para dar como provado o quesito 4.°, nos documentos de fls. 969 a 1044, que consistem em folhas impressas de páginas da internet;
32. Algumas dessas páginas têm datas de publicação posteriores à data em que a presente acção foi intentada, veja-se, por exemplo, o Documento de fls. 969, datado de 15 de Março de 2020 que só foi lido por 3 pessoas, com fotografias que não são da antiga Biblioteca da Universidade, nem de qualquer outro edifício da RAEM - documento que o Tribunal a quo referiu no Acórdão de fls. 1254 ter servido para dar como provado o quesito 4;
33. Na generalidade, tratam-se de páginas de internet anónimas, sem visualizações, sem identificação dos seus criadores e autores de conteúdos, que adoptam designações extravagantes para ocultar a sua origem (vg. jjl; zsyz; tl.swewe; 390p; 33dm.net; zhm.100ke, edu.bjtzsm.com, baike.sougou.com);
34. Quando se diz que alguma pessoa ou acontecimento mereceu destaque em sítios da internet, aguarda-se pela indicação de websites com credibilidade, conhecidos dos diferentes sectores da sociedade, com audiência e facilmente referenciáveis, como sucede com os websites oficiais do Governo, de entidades oficiais, de organismos ou associações profissionais e culturais, de revistas da especialidade nacionais ou internacionais.
35. Ninguém espera ser surpreendido por websites, de curta duração, com nomes codificados e bizarros como jjl; zsyz; tl.swewe: 390p; 33dm.net; zhm.100ke, edu.bjtzsm.com; baike.sougou.com; etc.;
36. É verdade que o Tribunal pode valorar a prova com base no âmbito da "livre convicção", como registou a fls. 1254v., mas a prova documental deve ser credível e a sua origem e autoria facilmente identificáveis;
37. In casu, as páginas repetem o mesmo conteúdo, palavra por palavra, a única coisa que as distingue são as inusitadas designações, todas compostas por letras misturadas com números, sem qualquer significado - precisamente porque os autores dessas réplicas electrónicas quiseram manter o anonimato;
38. Páginas de internet com este tipo de designações codificadas causam, em geral, desconfiança quanto à sua origem e receio de contaminação com vírus informáticos;
39. Entende a 2.ª Recorrida que páginas com denominações extravagantes, de origem e autoria desconhecidas não podem servir para fazer prova do quesito 4.°.
40. Impõe-se, assim, modificar essa decisão, determinando-se que se dê por não provado o quesito 4.º;
41. Finalmente, o Tribunal a quo considerou provado o quesito 8.°, que menciona que a 2.ª Ré não efectuou a consulta prévia ao Autor, relativamente ao projecto de alteração em apreço nos autos;
42. Esclarece o Tribunal a quo, na decisão ora em crise, que o n.º 2 do artigo 144.° do DL n.º 43/99/M determina que o dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos;
43. Explica, de seguida, o Tribunal a quo, a fls. 1268 e ss., que se trata aqui não de qualquer modificação da obra - mas tão-só daquela que "a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor" - conforme o artigo 7.°, n.º 3, alínea d) do DL - em suma, as modificações aptas a lesar o direito à integridade da obra e provocar os danos consequentemente. Na situação vertente, invertemos a ordem das questões a apreciar e começamos por dizer que as verificadas alterações da obra não atribuem o direito de indemnização ao respectivo autor, ainda que tivesse sido comprovada a omissão indevida da consulta prévia. Portanto, nada permite concluir nos termos que o Autor alega nos artigos 170.º a 175.º da petição inicial: não ocorreu a mutilação nem a deformação da obra da sua autoria, nem qualquer outro acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor, susceptível de lesar o direito à integridade da obra, mas sim apenas as alterações no espaço interior do edifício. Em que medida as ditas alterações puramente funcionais sejam ainda da honra e reputação do Autor, ele próprio não alegou, nem existe elemento trazido ao processo para responder;
44. Terminando por concluir que inexistiam, neste caso, danos ressarcíveis como decorrentes de lesão do direito moral do Autor (em especial, o direito à integridade da obra), por modo a conferir-lhe o direito à indemnização.
45. Não obstante, resulta dos autos que a 2.ª Recorrida consultou previamente o autor do projecto antes de introduzir quaisquer alterações, como sublinhou a Digna Magistrada do Ministério Público na sua contestação de fls. 288 e demonstrou nos documentos que juntou aos autos;
46. As alterações da responsabilidade da 2.ª Recorrida tiveram início a partir do ano de 2016, no âmbito de três projectos: a) Consultancy service for B1 New Taipa Campus (Library Building) Renovatian Project", que foi directamente adjudicado ao Autor, em 18 de Maio de 2016, pelo valor de MOP50.000,00 (cinquenta mil Patacas), b) Service for design and application of floor plan of the replacement of chiller (air conditioning)", que foi adjudicado ao Autor após consulta a outras entidades, em 5 de Dezembro de 2016, pelo valor de MOP177.000,00 (cento e setenta e sete mil Patacas) e c) Service for updating floor plans of constructian and fire control", adjudicado à sociedade E (e não ao Autor) após consulta a diversas entidades, em 29 de Dezembro de 2016, pelo valor de MOP250.000,00 (duzentas e cinquenta mil Patacas) - conforme resulta da Proposta n.º 592/SC/2016, de 28 de Dezembro de 2016, junta como 183;
47. O Autor foi consultado para todos esses serviços e deu nota, nos orçamentos apresentados, que concordava com as obras de alteração no interior do edifício da antiga Biblioteca da Universidade, tal como resulta, com cristalina evidência, dos documentos juntos a fls. 175, 258 e 260, para o primeiro projecto; dos documentos juntos a fls. 179, 264 e 266, para o segundo projecto; e dos documentos juntos a fls. 183, 270 e 272, para o terceiro projecto;
48. A 2.ª Recorrida é totalmente alheia às alterações efectuadas pela [Universidade(2)] na Biblioteca em data anterior a 15 de Dezembro de 2015, data em que o Autor diz ter tomado conhecimento das mesmas;
49. Certo é que o Autor tomou prévio imediato conhecimento dos três projectos da responsabilidade da 2.ª Ré, desde o ano de 2016, e apresentou propostas onde manifestou total concordância com as alterações;
50. Entende a 2.ª Ré que a consulta prevista no n.º 2 do artigo 144.º do DL n.º 43/99/M foi cumprida durante os procedimentos abertos para os três projectos em que o Recorrente participou e manifestou a sua expressa concordância;
51. Não obstante, a 2.ª Recorrida também consultou o Autor, em 9 de Fevereiro de 2018, para os termos do artigo 144.º, n.º 2 do DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto – conforme consta fls. 277 dos autos;
52. O Autor pediu esclarecimentos adicionais à consulta realizada e a 2.ª Ré enviou uma segunda carta com explicações em 4 de Abril de 2018 (fls. 280), para depois, em 27 de Julho de 2018, enviar uma terceira carta (fls. 283), para lembrar ao Autor que o convite enviado, às diferentes entidades escolhidas para apresentarem propostas, dava nota de que os concorrentes não seriam informados da adjudicação a outros concorrentes;
53. Ou seja, o Autor transformou a consulta realizada numa demorada troca de correspondência, com respostas sucessivas, em 9 de Fevereiro (a fls. 278), em 1 de Maio (a fls. 281) e em 24 de Agosto de 2018 (a fls. 285), com argumentos sobre o seu alegado direito;
54. A consulta formal, nos termos do artigo 144, n.º 2 do citado diploma, foi realizada antes de serem autorizadas quaisquer obras pela DSSOPT, como o próprio Recorrente reconhece no artigo 41.° da sua douta petição inicial;
55. Como tal, é falso afirmar que o Autor não foi consultado nos termos do artigo 144.°, n.º 2 do DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto;
56. Determina o artigo 629.°, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, que o Tribunal de Segunda Instância pode alterar a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa - o que sucede nestes autos.
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Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區), representada pelo MP, ofereceu a resposta constante de fls. 1339 a 1349, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O recorrente sustenta a manifesta improcedência por existência do erro na parte “três livros e um disco”, constante da alínea D) dos factos assentes e do quesito 10º.
B. Em primeiro lugar, no art.º 17.º da petição inicial, o autor alegou e invocou a descrição da figura da construção em causa: “... parece uma combinação de três livros e um disco...”, a ideia do design que enfatiza e reconhece, de forma expressa e repetida, a forma e o estilo estético da construção em causa é a de “três livros e um disco”.
C. Os 1º e 2º réus reconheceram e alegaram, nas respectivas contestações, a ideia de “três livros e um disco” (art.º 87.º da contestação do 1º réu e art.º 70.º da contestação do 2º réu), ou seja, no caso sub judice, todas as partes concordaram expressamente com a ideia conceptual de que a construção em causa se caracteriza por uma combinação de “três livros e um disco”.
D. Além disso, em relação ao conteúdo do “Discurso Plástico” referido na “Memória Descritiva” da construção em causa (fls. 589 a 590 dos autos) e ao projecto de construção constante de fls. 576 a 580 dos autos, é com base nas conclusões documentais constantes do art.º 17.º da petição inicial do recorrente que o 1.º réu considera que a ideia conceptual da construção dos autos pode ser expressa em “combinação de três livros e um disco”.
E. Tal documento foi junto à contestação do 1º réu e o recorrente nunca pôs em causa a genuinidade e o conteúdo do documento.
F. De acordo com a referida “Memória Descritiva”: “a expressão plástica predominante do edifício é a sua estrutura longilínea constituída por três corpos paralelepipédicos separados nos seus interstícios, como se de três tomos se tratassem, pontuados por um corpo elíptico que enuncia o auditório principal, e por um espaço vestibular.”
G. Apesar de não se ter utilizado a mesma expressão de “combinação de três livros e um disco” no conteúdo acima referido, não restam dúvidas de que se recorreu apenas a uma forma estrutural tridimensional para esclarecer o desenho exterior da construção, não é diferente de “combinação de três livros e um disco”, que é uma forma mais figurativa da sua expressão.
H. Por isso, o Tribunal a quo, com base na inexistência de controvérsia entre as partes, considerou o facto “a obra de arquitectura da Biblioteca é caracterizada pela concepção de uma cominação de “três livros e um disco” como facto provado D) e apontou o quesito 10.º que a construção dos autos tem “concepção de uma cominação de três livros e um disco”, o que não padece de nenhum erro.
I. É de notar que o recorrente alegou que o quesito 10.º deve ser alterado para o artigo 171.º da petição inicial, no entanto, este artigo apenas pretende, de forma vaga e abstracta, impor à construção em causa “um partido plástico e estético estranho à obra originária”, reprimindo os “elementos característicos da Biblioteca”.
J. É evidente que não é possível indicar concreta e claramente qual é a forma e o estilo estético da obra original? Quais são as diferenças entre as alterações ou modificações impostas e a obra original? Como se compara? Quais são os elementos característicos da construção?
K. É manifesto que o artigo 171.º da petição inicial é um facto meramente conclusivo, que o recorrente não pode provar se assim o pretender.
L. Pelo que, o Tribunal a quo indicou expressamente no ponto D) dos factos assentes e no quesito 10º a ideia do projecto de “combinação dos três livros e um disco” da construção em causa, o que é obviamente favorável à prova do recorrente e constitui matéria de facto indispensável para a boa decisão da causa.
M. A alínea D) dos factos assentes e o quesito 10.º não padecem do erro omisso ou insuficiente imputado pelo recorrente, não se verifica o pressuposto da “ampliação da matéria de facto” prevista no art.° 629.º, n.° 4 do CPC para o reenvio do processo para novo julgamento.
N. Por outro lado, o recorrente sustenta que os factos dos artigos 6.º, 8.º e 15.º da petição inicial devem ser incluídos na base instrutória, uma vez que são relevantes para a boa decisão da causa.
O. Também não concordamos com a pretensão do recorrente.
P. O art.º 6.º da petição inicial defende que o autor é um arquitecto de renome em Macau; o art.º 8.º da petição inicial sustenta que o autor obteve vários concursos públicos para a concepção de construções, assumindo-se como criadora do conceito geral das mesmas; o art.º 15.º da petição inicial defende que a construção em causa é uma construção emblemática de Macau.
Q. Quanto aos artigos 6.º e 15.º da petição inicial, por um lado, são factos conclusivos e que envolvem o juízo subjectivo, por outro lado, os factos da alínea A) dos factos provados e do quesito 5º são fundamentos de facto suficientes para a boa decisão do tribunal; quanto ao artigo 8.º da petição inicial, que obviamente não tem qualquer utilidade para a decisão da causa, o recorrente carece completamente da alegação dos factos concretos sobre a forma como os ilícitos pretendidos prejudicaram o seu alegado direito pessoal de autor e a sua gravidade.
R. Da mesma forma, também não se verifica o pressuposto da necessidade de “ampliação da matéria de facto” previsto no art.º 629.º, n.º 4 do Código de Processo Civil - aditamento dos artigos 6º, 8º e 15º da petição inicial aos factos da base instrutória - para reenvio do processo ao tribunal para novo julgamento.
S. Com base nisso, improcede a alegação do recorrente de que o Tribunal a quo enferma de insuficiência e deficiência de selecção da matéria de facto nos artigos D) dos factos provados, 10) dos quesitos e 6º, 8º e 15º da petição inicial.
T. O recorrente entende que o despacho proferido pelo Tribunal a quo a fls. 915 e verso não fez rectificação de acordo com a reclamação dele e indeferiu a reclamação, violando assim o disposto no art.º 430.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
U. Evidentemente, isto não é diferente da alegação do recorrente sobre a insuficiência e a deficiência da matéria de facto, pelo que, com base na análise acima referida, sem mais demoras, improcede também a invocação da violação do disposto no art.º 430.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
V. Quanto ao erro de julgamento invocado pelo recorrente na resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 10º, antes de mais, não se verifica qualquer erro, omissão ou excesso na redacção do quesito 10º. Ademais, pode-se ver em “... designadamente os que integram a concepção de ‘três livros e um disco’”, o que significa é que “designadamente” se refere à aparência de “três livros e um disco”, não sendo excluídos os elementos característicos do interior do edifício.
W. É de notar que o quesito 11º já incidiu sobre se a alteração ou modificação se refere ao espaço interior do edifício em causa. “As supra-referidas alterações eram circunscritas ao espaço interior do edifício da Biblioteca?” E o Tribunal a quo deu a resposta dada como provada.
X. Em relação ao quesito 10º, o Tribunal a quo indicou correctamente no fundamento da sua convicção que com base no depoimento que a testemunha F prestou na audiência de julgamento e tendo exibindo à testemunha a referida planta dos autos, o projecto de modificação da obra referido na alínea P) dos factos assentes incidiu apenas sobre o interior do edifício, com o objectivo de legalizar as instalações de segurança interna do edifício em causa, satisfazendo os critérios legais.O recorrente não questionou qual a parte do depoimento da referida testemunha era incorrecta ou falsa.
Y. Além disso, o recorrente também não, conforme o art.º 599.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, indicou qual a parte do depoimento da referida testemunha podia comprovar que a alteração ou modificação do interior do edifício dos autos afectava a forma ou o estilo estético do edifício indicado pela recorrente.
AA. Ademais, invocando a descrição do espaço interior referida nas “Instruções”, o recorrente limitou-se a indicar genericamente que o espaço interior era uma disposição vertical. A recorrente não invocou nem alegou, em toda a sua petição inicial, factos concretos sobre a forma ou o estilo estético do espaço interior do edifício dos autos, nem invocou qualquer conteúdo das "Instruções" ou explicou quais eram os elementos característicos da construção do espaço interior nas "Instruções", naturalmente não conseguindo fazer prova.
BB. Na petição inicial, a recorrente não invocou nem alegou factos concretos sobre a forma como as alterações ou modificações afectaram o estilo do espaço interior do edifício dos autos ou sobre o grau de influência, naturalmente não conseguindo fazer prova.
CC. É evidente que o recorrente se limitou a fazer posteriormente referência vaga ao espaço interior através das “Instruções”, questionando simplesmente a convicção formada pelo Tribunal a quo sobre o quesito 10º.
DD. Sem mais demoras, improcede manifestamente o erro, alegado pelo recorrente, de julgamento do Tribunal a quo no quesito 10º.
EE. Por fim, quanto a invocação do recorrente sobre a violação do art.º 144.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M por parte do acórdão recorrido, também não podemos concordar.
FF. Nos termos do art.º 144.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M, para as obras de arquitectura ou para as obras de modelagem incorporadas nas obras de arquitectura, a protecção jurídica do direito de autor não impede o direito do proprietário de alterarem o edifício durante ou após a sua construção. Tal como resulta claramente do n.º 2 do mesmo artigo, “é livre de … introduzir nela as alterações que desejar”.
GG. Apesar de este artigo prever que as alterações devem ser precedidas de consulta ao autor do projecto, da interpretação global do artigo citado resulta que, o legislador não atribui directamente ao autor o direito de indemnização pela simples falta de consulta prévia.
HH. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, não havendo acordo entre o dono da obra e o autor do projecto anteriormente ou no momento da consulta prévia, só pode este repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial.
II. Este direito corresponde precisamente à protecção do direito pessoal de autor consagrada no art.º 7.º do referido Decreto-Lei, designadamente no que respeita à identificação do autor, à garantia da sua genuinidade e integridade, bem como à oposição à deformação da obra que afecte a honra ou reputação do autor.
JJ. Por outras palavras, apesar de a lei permitir que o proprietário do edifício tenha o direito de efectuar livremente as respectivas alterações, tal não implica necessariamente uma completa opressão do conteúdo mínimo de protecção do direito de autor. Uma vez efectuada a alteração, o autor do projecto tem o direito de não reconhecer o edifício alterado como sua obra e de não permitir a utilização da sua qualidade de autor no edifício alterado.
KK. É precisamente a partir da violação da garantia jurídica desse direito que se verifica o requisito da ilicitude para se exigir a indemnização.
LL. É de salientar que a mera falta de consulta prévia não constitui ilegalidade da violação de direito subjectivo, uma vez que a consulta prévia não faz parte do conteúdo do direito de autor, sendo apenas um procedimento ou uma formalidade que o dono da obra deve seguir antes da sua alteração, a fim de o autor poder decidir se reconhece o edifício alterado como sua obra e se permite o dono da obra a utilizar a qualidade de autor em relação ao edifício alterado.
MM. Mesmo sem consulta prévia, o autor não perde o direito de exercer o disposto no n.º 3 do art.º 144.º, ou seja, tem o direito de recusar a confirmar o edifício alterado como sua obra ou de decidir se permite o dono da obra continuar a utilizar a qualidade de autor. Tal como acima referido, esta é a garantia jurídica que a lei atribui ao direito de autor sobre os edifícios.
NN. Para este efeito, só quando o autor, por não ter sido consultado previamente, não consegue opor-se oportunamente a alterações que causem deformação ou desvirtuação da intenção original e recusa a reconhecer o edifício alterado, tais actos de alteração ou modificação de violação do direito pessoal de autor causam a indemnização como consequência.
OO. É de acrescentar que, nos termos do art.º 489.º, n.º 1 do Código Civil, a responsabilidade por danos não patrimoniais pressupõe que os direitos e interesses legalmente protegidos sejam violados por razões de gravidade.
PP. O direito pessoal de autor, enquanto direito de natureza não patrimonial, atinge necessariamente o grau de merecer a tutela do direito por gravidade da ofensa invocada pelo titular do direito, mas nem sempre a ofensa invocada conduz à indemnização.
QQ. No caso sub judice, como supra se analisa, a consulta prévia ao autor prevista no n.º 2 do art.º 144.º visa permitir o autor a exercer atempadamente o direito previsto no n.º 3 do mesmo artigo, sem ter havido alteração ou modificação, evitando-se assim que a alteração que deforme ou desvirtue a genuinidade da obra cause uma impressão negativa aos terceiros ou ao público sobre o nome do autor.
RR. Para este efeito, sendo um direito de natureza não patrimonial, o direito pessoal de autor só pode ser considerado digno de protecção por lei em razão da gravidade nos seguintes casos: primeiro, verifica-se a situação prevista na alínea d) do n.º 3 do art.º 7.º do Decreto-Lei acima referido, ou seja, existe qualquer alteração ou modificação que cause mutilação da genuinidade ou integridade da obra, deformação ou desvirtuação da obra; segundo, tais alterações ou modificações afectam negativamente o nome ou reputação do autor.
SS. É evidente que a mera falta de consulta prévia não constitui lesão directa desse direito não patrimonial, nem se verifique a situação de “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, nos termos do art.º 489.º, n.º 1 do Código Civil.
TT. Com base nisso, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não violou o art.º 7.º, n.ºs 1 e 3, alínea d) e o art.º 144.º, n.º 2 do Regime do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/99/M.
* * *
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
* * *
II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor é um arquitecto que exerce a sua profissão em Macau (alínea A) dos factos assentes).
- Em 1997, a Fundação de Macau, em resultado de um concurso de Concepção/Construção, adjudicou à C (designada por C1) a execução da empreitada de “Concepção –construção da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]”, e contratou com a mesma (conforme o doc. junto a fls. 161 dos autos) (alínea B) dos factos assentes).
- O projecto de arquitectura da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)] (doravante designada por Biblioteca) foi concluído por uma equipa projectista coordenada pela C1, em que participou o Autor como arquitecto (alínea C) dos factos assentes).
- A obra de arquitectura da Biblioteca é caracterizada pela concepção de uma combinação de “três livros e um disco” (alínea D) dos factos assentes).
- O nome do Autor não constou do edifício da Biblioteca (alínea E) dos factos assentes).
- Em 7/10/2015, foi cedido o edifício da Biblioteca ao 2.º Réu, presentemente, designado por “[Edifício]” ou “[Edifício]” em inglês “[Edifício]” (conforme o doc. junto a fls. 166 dos autos) (alínea F) dos factos assentes).
- Em 18/5/2016, foi adjudicado ao Autor o serviço de consultadoria “氹仔新校區(圖書館大樓)空間規劃之顧問服務” no valor de MOP50,000.00 (conforme os docs. juntos a fls. 535 a 540 dos autos) (alínea G) dos factos assentes).
- O serviço de consultadoria supra-referido tem os seguintes contornos:
“…1. A feasibility study on modifying current space usage from mainly Library use to a mixed of Library (ground floor only), classrooms and offices use.
2. Site observation and evaluation and testing, if necessary.
3. Per related building laws and B1 requirement, provide preliminary design drawings including explanation and the whole renovation work schedule.
4. Estimation of cost of renovation work, design and work supervision fees as per the formula recognized…” (conforme os docs. ibid. dos autos) (alínea H) dos factos assentes).
- Em 23/5/2016, o Autor submeteu ao 2.º Réu o estudo de viabilidade conforme contratado (conforme o doc. junto a fls. 541 a 564 dos autos) (alínea I) dos factos assentes).
- Em 5/12/2016, foi adjudicado ao Autor o serviço para “[建築物]更換冷水機組之設計及入則服務” no valor de MOP177,000.00 (conforme os docs. juntos a fls. 565 a 570v dos autos) (alínea J) dos factos assentes).
- O serviço supra-referido tem como o alcance no seguinte:
“…1. Issuance of Technical Specifications and conditions for purchasing Two New Air Condition Chillers, having in view items 1 to 12 [[建築物]更換冷水機組之設計及入則服務(更正)] of your ref. 2604/075385/PT-PQL/2016 dated 07/11/2016, but not limited (all services ruled as well as per The Instructions, of acquisition of project services).
...
2. Equipment layout having in viewed future roof top uses;
3. Constructive specifications for civil works, namely supporting plinth slabs for the new equipment;
4. Alternatively, improved solution on raised steel members supports mounted on the existing concrete framework of the roof slab and walls (see sketches bellow), having in view improved mechanical absorption of the equipment, constructive continuity of thermal isolation and water proofing, easier overall cleaning, access and maintenance;
5. In the absence of a schedule of functions and occupancy, but having in view the life expectancy of the new equipment and the scope of future renovation of the [Edifício], the cooling requirement assessment of the building [item 8 of [建築物]更換冷水機組之設計及入則服務(更正), of your ref. 2604/075385/PT-PQL/2016 dated 07/11/2016], will have in consideration "maximum occupancy" as accessed in document our ref. 33-2016-B1-DT02 dated 23.05.2016, unless advised otherwise.
6. Phases:
Phase 1: Items 1. to 12. [[建築物]更換冷水機組之設計及入則服務(更正)] of your ref. 2604/075385/PT-PQL/2016 dated 07/11/2016 to be submitted within 30 days following the issuing of B1’s PO (purchase order) as confirmation.
Phase 2: During tender and installation.
․Analysis of supply proposals;
․Assistance in inspecting site works and testing after installation;...”
(conforme os docs. ibid.) (alínea K) dos factos assentes).
- Em 28/11/2016, o 2.º Réu convidou o Autor para apresentar a proposta relativamente ao serviço de “Serviços de actualização dos projectos de arquitectura e de combate a incêndios do [Edifício]” (conforme o doc. junto a fls. 573 dos autos) (alínea L) dos factos assentes).
- O supra-referido trabalho tem o teor seguinte:
“…1. O [Edifício] do B1 é um edifício de cinco andares com uma área bruta de construção de cerca de 18.812 m2.
2. A empresa projectista obriga-se a concluir os projectos de arquitectura e de combate a incêndios do [Edifício], incluindo a apresentação de parecer à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) e ao Corpo de Bombeiros (CB).
3. A empresa projectista obriga-se a apresentar todas as sugestões de melhoramento relativas à alteração das divisórias por incumprimento das regras
4. A empresa projectista obriga-se a apresentar a declaração de responsabilidade e acompanhar todos os assuntos mencionados nos projectos.
5. A empresa projectista obriga-se a fornecer os dados dos técnicos do quadro registados.
6. O período de serviço é de aproximadamente 90 dias.
7. Os projectos originais incluíam apenas plantas.
8. A empresa projectista obriga-se a pagar todas as despesas decorrentes da assinatura de projecto, da documentação e de outros encargos…” (conforme o doc. junto a fls. 573v dos autos) (alínea M) dos factos assentes).
- Em 12/12/2016, o Autor apresentou sua proposta ao 2.º Réu (conforme o doc. junto a fls. 574 a 575v dos autos) (alínea N) dos factos assentes).
- Em 28/12/2016, o referido serviço foi adjudicado à “E” (conforme o doc. junto a fls. 571 a 572 dos autos) (alínea O) dos factos assentes).
- Em 19/1/2018, o 2.º Réu dirigiu o pedido de aprovação do projecto (de alteração) da obra de modificação do “[Edifício]”, na fase de projecto, à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que correu os seus termos no processo n.º 19/MF/2018/L (conforme o doc. junto a fls. 317 a 351 dos autos) (alínea P) dos factos assentes).
- Em 8/8/2018, o Chefe da Divisão de Licenciamento do Departamento de Urbanização da DSSOPT proferiu o despacho de concordância na proposta n.º 3220/DURDEP/2018, em que se propôs no ponto 7, o seguinte teor “…7. Conclusão: Tendo em conta que o arquitecto desta Divisão não emitiu um parecer viável, propõe-se que o planejamento de alteração da obra DMS-13447/2018 de 24/1 deve respeitar os pontos 7.1 a 7.3 abaixo indicados e propõe-se pela advertência ao dono da obra: O vosso Instituto pode requerer ao Sector de Arquivo Geral destes Serviços os projectos de especialidade, cujo número de processo é 426/1997/L (Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]). Além disso, deve ser consultado o parecer da Direcção dos Serviços de Finanças sobre a alteração.
7.1 Parecer constante dos pontos 3.1 a 3.2 e 11.1 a 11.4 da proposta do arquitecto desta Divisão;
7.2 Parecer constante dos pontos 6.2 a 6.4 desta proposta;
7.3 Pareceres dos Serviços constantes dos pontos 4 a 5 supraditos, de entre os quais o ponto φ2, alínea g) no parecer do CB pode ser executado de acordo com o “Regulamento de Segurança contra Incêndios” alterado…” (conforme o doc. junto a fls.103v a 104 dos autos) (alínea Q) dos factos assentes).
- Em 18/12/2018, o 2.º Réu apresentou o segundo pedido de aprovação do projecto (de alteração) da obra de modificação do “[Edifício]”, instruído na modalidade de “modificação/legalização” (conforme o doc. junto a fls. 355 a 388 dos autos) (alínea R) dos factos assentes).
- Relativamente à matéria requerida pelo 2.º Réu na alínea P), a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes não efectuou nenhuma consulta prévia ao Autor (alínea S) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- A participação do autor na equipa projectista referida na alínea C) dos factos assentes foi de coordenador apenas do projecto de arquitectura (resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
- O Autor é o único arquitecto identificado ao longo de todos os projectos de arquitectura relativos à obra de arquitectura da Biblioteca (resposta ao quesito 2.º da base instrutória).
- A obra de arquitectura em apreço tem sido indicada como projectada pelo Autor, nos diversos sítios electrónicos da internet (resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
- A mesma obra de arquitectura foi divulgada como projectada pelo Autor nas seguintes revistas publicadas:
- World Architecture, tomo n.º 9912 e 1999, publicada pela Tsinghua University & Research Institute of Architectural Design, Beijing, e
- Macau Contemporary Architecture, da China Architecture & Building Press, Beijing (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
- O projecto de alteração cuja aprovação se requer na alínea P) dos Factos Assentes já se encontrava executado antes da apresentação do respectivo pedido (resposta ao quesito 7.º da base instrutória).
- Relativamente ao projecto de alteração acima referido, o 2.º Réu não efectuou a consulta prévia ao Autor (resposta ao quesito 8.º da base instrutória).
- As alterações documentadas nas bases digitais das plantas e as incluídas no requerimento da alínea P) dos factos assentes eram circunscritas ao espaço interior do edifício da Biblioteca (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).

* * *
IV - FUNDAMENTOS
A – Recurso interlocutório:
(...)
O conhecimento parcial do pedido formulado – a indemnização a título de dano de perda de chance no valor de MOP 1,293,471.29 ou equitativamente fixado – alínea b) do pedido:
Conforme o alegado na petição inicial, que se reitera repetidamente nos seus posteriores articulados, o Autor limita-se a arrogar como criador da concepção global relativamente à obra da arquitectura em causa, tendo o direito de autor na vertente pessoal (veja-se, entre os outros, os artigos 10.º, 74.º, 75.º, 131.º e 132.º da p.i., os artigos 18.º, 23.º e 24.º da réplica), tanto mais que invocou, como causa de pedir, a introdução das alterações pelos dois Réus à obra de arquitectura sem consulta prévia ao mesmo, supostamente lesiva do referido direito pessoal de autor, com base no artigo 144.º, n.º 2 do DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto, com o conteúdo republicado pela Lei n.º 5/2012 (veja-se, entre os outros, os artigos 25.º a 27.º e 43.º a 50.º da p.i.).
Com base nisso, vem-se formulando o pedido comtemplado na alínea b) – a indemnização a título de dano e perda de chance. Na tese do Autor, tal perda ocorreu uma vez que o mesmo “se viu impossibilitado de desenvolver e apresentar a sua proposta de compatibilização e harmonização das modificações perpetradas à obra de arquitectura… para o edifício “Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]…”, “Tendo-sido retirada a chance, a real e efectiva hipótese de obter os proventos desse mesmo trabalho, uma vez que essa intervenção foi desenvolvida por terceiros, sem nunca o A. ter sido consultado, conforme exigência legal.” (conforme alegado nos artigos 146.º e 147.º da p.i.).
Cremos, salvo melhor opinião, que não obstante a permanência da matéria de facto controvertida, considerando as várias soluções jurídicas plausíveis da questão de direito, o conhecimento do peticionado nesta parte conduzirá, necessariamente, à improcedência do pedido, motivo pelo qual se antecipa, sem necessidade de mais provas, a decisão sobre o mérito da causa, nos termos do artigo 429.º n.º 1 alínea b) do CPC.
Vejamos então.
Tratando-se do direito pessoal de autor, o seu titular em geral goza dos poderes contemplados no disposto do artigo 7.º, n.º 3 do DL n.º 43/99/M:
- a) Manter a obra inédita (direito ao inédito);
- b) Reivindicar a paternidade da obra e ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade (direito à paternidade de obra);
- c) Retirar a obra de circulação (direito de retirada);
- d) Assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor (direito à integridade da obra).
Em matéria do direito à integridade da obra, a regra geral aplicável é qualquer modificação da obra necessita do acordo do seu autor. Como se depreende da norma citada do artigo 7.º n.º 3 do DL, as alterações que desvirtuem a obra, ou a prejudiquem, ou atinjam a honra ou a reputação do autor são consideradas violadoras da obra, o que permite ao respectivo autor, se não tiver dado o seu consentimento nos termos do artigo 46.º, n.º 1 do referido DL, exercer o poder de oposição às modificações ocorridas.
Por outro lado, as alterações que não desvirtuam a obra, necessárias à sua utilização pela forma autorizada não carecem do consentimento ou autorização do autor da obra. Trata-se das alterações exigidas pela adaptação da obra, nos termos do artigo 46.º, n.º 2 do referido DL.
No entanto, fixa-se, a propósito das obras de arquitectura, o regime excepcional, conforme estabelecido no artigo 144.º do DL n.º 43/99/M o seguinte:
“1. O autor de obra de arquitectura, ou de obra plástica incorporada em obra de arquitectura, tem o direito de fiscalizar a respectiva construção ou execução em todas as fases e pormenores, de maneira a assegurar a exacta conformidade dessa construção ou execução com o projecto, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2. O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos.
3. Não havendo acordo entre o dono da obra e o autor do projecto, pode este repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial.”
Conjugadas as normas acima citadas, em especial, os n.ºs 2 e 3 do referido preceito, estando em causa uma obra de arquitectura, ao contrário do que sucede no regime geral, o dono de obra em princípio é livre de introduzir nela as alterações desejadas, sendo obrigado à consulta prévia ao autor do projecto.
Importa, porém, que a consulta prévia aqui referida não tem por finalidade obter qualquer autorização do autor para as alterações visadas, pois mesmo que o autor não consente a concretização das alterações introduzidas por entender desvirtuarem sua obra, nada pode fazer senão repudiar a paternidade desta, ou seja, podendo o mesmo não aceitar que a autoria continue a ser-lhe imputada, “ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial”. Uma vez repudiada a paternidade da obra, o dono de obra só viola o respectivo direito à integridade se continuar a usá-la como criação do autor original.
Portanto, verifica-se, aqui, uma subordinação da integridade da obra à respectiva funcionalidade. Ou melhor dizendo, fica reduzida a protecção do autor das obras de arquitectura, que se encontra na dependência das exigências técnicas do construtor e do gosto do dono de obra. Nesta linha, parece-nos que os danos indemnizáveis que se reclama ao abrigo do citado artigo 144.º, n.º 2 não pudessem ter o mesmo alcance daqueles provocados ao direito à integridade da obra nas situações fora do problemático especial da obra de arquitectura.
Se assim é, a indemnização é devida não pelo facto de a construção não se realizar segundo o projecto do autor, mas “por causa a falta de consulta prévia ao autor do projecto...Observe-se enfim que esta indemnização, porque se integra no direito pessoal, cobre os danos não patrimoniais mas não os lucros cessantes do arquitecto em consequência de não ter sido encarregado do projecto. A lei não confere ao arquitecto um exclusivo no projecto de modificações. Por isso pode o dono de obra, consultado o autor do projecto inicial, decidir prosseguir a obra com outro arquitecto” (cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, pp. 185 a 187).
E a posição mais radical é assumida por Luís Menezes Leitão, para quem o arquitecto não adquire direito à indemnização, entendendo que este artigo 60.º (correspondente ao artigo 144.º da nossa Lei), “reconhece ao arquitecto o direito de fiscalizar a construção e execução da obra de arquitectura, em ordem a assegurar a exacta conformidade com o projecto, não podendo o dono da obra efectuar modificações sem consulta prévia ao arquitecto, sob pena de indemnização por perdas e danos, mas não permite ao arquitecto opor-se a essas modificações. Efectivamente, não faria sentido que o arquitecto pudesse opor-se às modificações de um edifício, uma vez que naturalmente, em caso de conflito entre o direito do proprietário do edifício e o direito de autor sobre o projecto arquitectónico, deverá prevalecer aquele, que é consideravelmente mais importante. Basta, para resolver o conflito, permitir-se ao autor repudiar a concepção do edifício após a modificação do projecto, caso em que o proprietário deixa de poder invocar em seu benefício o nome do autor do projecto original (art. 60º, nº 3). Nesse caso naturalmente que o arquitecto não adquire direito a indemnização…” (Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito de Autor. 2.ª Edição, Almedina, pp. 157 a 158).
Atento ao que antecede, consensual nas posições doutrinárias, e se bem interpretamos o alcance da norma do artigo 144.º, n.º 2 do referido DL, pese embora a menção expressa da “indemnização por perdas e danos ”, termo habitual para se referir aos danos ocorridos em geral, não há que falar aqui senão na indemnização pelos danos emergentes em sentido técnico jurídico civil, sendo excluídos do seu âmbito os lucros cessantes eventualmente ocorridos por causa da falta da consulta prévia.
Nestes termos expostos, absolve-se os dois Réus deste pedido formulado pelo Autor.
(...)
*
Quid juris?
Perante o decidido e o fundamentado do Tribunal recorrido, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC, é de manter a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso interposto pelo Autor/Recorrente nesta parte.
*
Prosseguindo:

B – Recurso contra a decisão que decidiu o pedido de não aditar as matérias constantes do artigo 6º a 8º e 15º da PI à Base de Instrução, interposto pelo Autor:

Os artigos em causa contêm o seguinte teor:
“(...)
6.º
O A. é arquitecto conhecido e prestigiado em Macau,
7.º
Exercendo a sua profissão na R.A.E.M. há mais de 25 anos, no seu próprio atelier, com dedicação, mérito e brio.
8.º
Ao longo da sua carreira, o A. venceu vários concursos públicos de arquitectura, sendo criador da concepção global, assim como do respectivo projecto, a título exemplificativo, das seguintes obras de arquitectura:
- Estações do Sistema de Metro Ligeiro do segmento C250, de onde foi escolhido o modelo de estação tipo para os restantes segmentos da ilha da Taipa C260 e C270.
(vd. http://www.mdduq.com/macau/105/LRT.htm);
- Hospital Psiquiátrico do Centro Hospitalar Conde de S. Januário
(vd. http://www.mdduq.com/macau/79/Taipa-hospital.htm);
- Nova Sede da Assembleia Legislativa da R.A.E.M
(vd. http://www.mdduq.com/macau/47/legaas1.htm);
- Edifício dos Tribunais Superiores da R.A.E.M.
(vd. http://www.mdduq.com/macau/32/tribunais1.htm);
- Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]
(âmbito desta acção).
(vd. http://www.mdduq.com/macau/33/internlib.htm);
- [Jardim de Infância]
(vd. http://www.mdduq.com/macau/18/kindergarten1.htm);
- Edifício das instalações do Grande Prémio de Macau
(vd. http://www.mdduq.com/macau/GP/grandprix.htm), entre outros (Documento 2).
(...)”

Neste ponto, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
“Fls. 884 a 886, 895 a 900, 909 a 912 e 913 a 914 dos autos:
De acordo com o disposto no artigo 430.°, n.º 1 do CPC, o juiz selecciona a matéria de facto, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. E no n.º 2 do mesmo preceito legal, prevê-se a possibilidade da reclamação da matéria de facto seleccionada com fundamento em deficiência, excesso ou obscuridade.
Com base na regra acima plasmada, vejamos se as reclamações ora deduzidas são ou não justificadas.
Quanto à reclamação deduzida pelo Autor:
Na parte que respeita aos factos assentes:
Não se admite a correcção requerida em relação às alíneas D), E) e O), os factos aí vertidos são da formulação clara e suficiente. Aliás, o juiz encontra-se apenas vinculado à matéria de facto alegado pelas partes nos articulados, mas não à forma concreta da formulação ou à expressão por elas utilizada.
Não se admite também, por tratar-se da matéria irrelevante "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", a reformulação requerida para as alíneas A), N) e o aditamento em relação às alíneas DD), NN) e QQ).
Em relação à alínea C), pese embora a impugnação do Autor na sua réplica, o que ele quis realçar é nada mais do que o papel essencial de coordenador técnico que ele ocupava naquela equipa projectista, facto esse que já foi atendido na alínea 1) da Base Instrutória e que não é incompatível com a formulação aqui adoptada.
Quanto à alínea S), importa que a referência aqui feita para alínea P) não se reporta ao acto de requerimento apresentado em 19/1/2018, mas ao assunto abordado naquele acto, sendo redundante a inclusão da alínea R), por se tratar aí do "segundo pedido de aprovação do projecto".
Na parte que toca à base instrutória fixada:
O quesito vertido na alínea 6) é esclarecedor, aliás não se vê o interesse do Autor em propor aquela versão diversa da que consta do despacho saneador.
Quanto aos quesitos incluídos nas alíneas 7), 8), 9) e 10), pela mesma razão acima assinalada, não se admite as alterações propostas.
Em relação à inclusão dos novos quesitos 12.° e 13.°, correspondentes aos artigos 35.° e 36.° da petição inicial, e 14.° a 18.°, em correspondência aos artigos 6.° a 8.°, 15.° e 16.° da petição inicial, mais uma vez, os aditamentos aqui sugeridos não incidem sobre a matéria de facto relevante com interesse para boa decisão da causa.
Nestes termos, é indeferida a reclamação do Autor por ser infundada.
*
Quanto à reclamação deduzida pelo 2.° Réu:
Em relação aos dois quesitos novos cujo aditamento se requer, entendemos o seguinte:
A matéria proposta no quesito 12.º “O 2.º Réu é totalmente alheio a quaisquer alterações efectuadas na Biblioteca em data anterior a 15 de Dezembro?” a qual constitui uma mera impugnação dos factos já alegados pelo Autor, não carece da quesitação autónoma, sendo possível ao Réu fazer contraprova do facto constante do quesito 6.°.
Quanto à matéria proposta no quesito 13.°, “O 2.º Réu é apenas responsável pelos três projectos referidos nas alíneas G, J e L dos Factos Assentes, tendo o Autor deles tomado prévio conhecimento, uma vez que foi convidado pelo 2.º Réu a apresentar propostas para adjudicação dos três serviços em causa?”, a formulação proposta é conclusiva, naquele sentido de tentar definir por esta via o alcance da responsabilidade do 2.° Réu, assim como no de concluir se o Autor tomou prévio conhecimento dos referidos factos, pelo que não se pode aceitar. Aliás, a sua inclusão não se nos afigura necessária porquanto em relação a tal matéria, não deixa de ser possível chegar a uma conclusão num ou noutro sentido, face à globalidade dos factos condensados.
Pelo que, a sua reclamação também não merece o nosso acolhimento.
*
Notifique, nos termos do art.º 431.º, n.º 1 do C.P.C, ex vi do art.º 99.°, n.º 1 do C.P.A.C.
D.N.”

Tem razão o Tribunal a quo, efectivamente as matérias constantes do artigo 6º a 8º e 15º são irrelevantes para apreciar os pedidos formulados pelo Autor e para efeitos da aplicação do artigo 144º/3 do DL nº 43/99/M, 16 de Agosto.
Não está em causa a fama profissional do Autor, mas sim as alterações introduzidas na obra em causa justifica ou não as indemnizações reclamadas pelo Autor.
Pelo que, na ausência de fundamentos, julga-se improcedente esta parte do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Relativamente ao pedido da alteração da resposta dada ao quesito 10º, este tem o seguinte teor:
As supra-referidas alterações impuseram um partido plástico e estético estranho à obra originária, com a supressão dos respectivos elementos característicos da Biblioteca, designadamente os que integram a concepção de “três livros e um disco”?
Não provado.

O Colectivo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“(…)
Quanto ao quesito 7º (alteração/legalização de obras anteriormente feitas fora dos trâmites legais) foi determinante o depoimento da testemunha F, a qual, apesar de ter sido demandada pelo autor noutra acção, prestou depoimento claro, pormenorizado, coerente, firme (contrariamente a alguns outros depoimentos produzidos que foram de pendor defensivo, evasivo, interessado e conclusivo) e revelador de razão de ciência por ter sido ela quem, como arquitecta, fez os desenhos necessários à referida “legalização”, os quais manifestavam as obras de alteração que haviam sido executadas.
Relativamente aos quesitos 9º a 11º (repercussão das alterações em termos estéticos) foi determinante para a formação da convicção o depoimento da testemunha F, avaliado nos termos referidos e em conjugação dos os desenhos juntos aos autos por ela elaborados e por ela pormenorizados e explicados em sede de audiência de julgamento.”

Ora, importa destacar os seguintes aspectos:
1) – Não se encontram elementos probatórios suficientes constantes dos autos que imponham uma decisão diversa da fixada pelo Colectivo;
2) – Igualmente não se encontram elementos que apontem para erro na apreciação de provas pelo Tribunal recorrido, nomeadamente a resposta atacada é incompatível com os elementos que serviram de base à convicção do julgador;
3) – O que o Recorrente está a fazer é atacar a convicção do julgador, o que não é motivo suficiente para que o Tribunal ad quem altere a resposta.
4) – Pelo que, é de julgar igualmente improcedente esta parte do recurso, mantendo-se a resposta dada ao quesito 10º da BI.
*
Por cautela e nos termos do disposto no artigo 590º e 599º/4 do CPC, a 2ª Recorrida veio pedir a ampliação do objecto do recurso no que se refere à matéria constante dos quesitos 4º, 5º e 8º da BI.
Ora, como o recurso de impugnação da matéria de facto interposto pelo Autor foi julgado improcedente e mantém-se a decisão sobre a matéria de facto, fica prejudicado o conhecimento desta parte do recurso interposto pela Ré por inútil.
*
Prosseguindo,
C – Recurso da decisão final:
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório
Autor A, melhor id. nos autos,
Vem intentar a presente
Acção para Efectivação da Responsabilidade Civil Extracontratual
Contra
1.ª Ré REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU e
2.º Réu B1
com os fundamentos apresentados constantes da p.i. de fls. 2 a 48 e 836 a 844,
Concluiu pedindo que:
“a) uma indemnização por violação do direito moral do A., em resultado da omissão ilícita da consulta ao autor do projecto originário que foi alvo de modificação, indemnização essa deverá fixada pelo douto Tribunal com base equidade, a qual nunca deverá inferior a MOP646.735,65;
b) uma indemnização a título de dano de perda de chance, equivalente a 50% do valor do projecto de arquitectura apresentado para a Obra de Construção que incide sobre o edifício da “Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]”, correndo seus termos junto da DSSOPT sob o n.º 19/MF/2018/L, valor esse se computa em MOP1.293.471,29, ou em alternativa, uma indemnização a fixar pelo douto tribunal com base na equidade;
c) assim como sejam os Réus condenados a suportar quaisquer custas e encargos processuais, aos quais deverá acrescer os custos com procuradoria condigna.
*
O 2.º Réu contestou a acção com os fundamentos de fls. 123 a 159 dos autos.
A 1.a Ré contestou com os fundamentos de fls. 288 a 303v dos autos.
*
O Autor replicou com os fundamentos de fls. 625 a 658 dos autos.
*
Pelo despacho proferido a fls. 875v a 877 dos autos, foram os Réus absolvidos do pedido indemnizatório respeitante ao dano de perda de chance no valor de MOP1,293,471.00.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
*
Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II. Fundamentação
1. De Facto
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
(...)
***
2. De Direito
Conforme se alega na petição inicial, o ora Autor arroga-se ser autor do projecto de arquitectura da obra do Edifício da “Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]”, submetido pela C por ocasião do concurso público realizado no ano de 1996, em que a solução arquitectónica foi por ele produzida. Nestes termos ditos, ele, enquanto criador intelectual do projecto arquitectónico em causa, sofreu danos em virtude da lesão do seu direito moral, alegadamente, em resultado das modificações ou alterações que haviam sido introduzidas em 2015 pelos Réus sem tê-lo consultado previamente, devendo portanto ser estes chamados à responsabilização ao abrigo do disposto no artigo 144.º, n.º 2 do DL n.º 43/99/M.
Importa antes determinar a titularidade do direito de autor associado a esta obra arquitectónica, designadamente, do respectivo direito moral.
Desde logo, o que está em causa é a obra que foi concluída em 1997, por uma equipa projectista coordenada pela C na execução da empreitada que lhe foi adjudicada pela Fundação de Macau (conforme alíneas B) e C) dos factos assentes). Tratando-se do direito constituído antes da entrada em vigor do DL n.º 43/99/M de 16 de Agosto, a titularidade determina-se com base na lei anterior, isto é, o Código do Direito de Autor aprovado pelo DL n.º 46980, de 27 de Abril de 1966, estendido a Macau pela Portaria n.º 679/71, de 7 de Dezembro, mas com o alcance de protecção concedida por novo diploma, com ressalva dos “negócios jurídicos validamente celebrados face à legislação anterior”, segundo o previsto na norma transitória - o artigo 221.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 43/99/M.
De acordo com o previsto no artigo 8.º, n.º 1 do Código do Direito de Autor, “O direito de autor pertence ao criador intelectual da obra.” E tal direito não fica excluído segundo o n.º 3 do preceito legal pelo facto de “ela ser feita por encomenda ou por conta alheia ou mesmo no cumprimento de um dever funcional ou de um contrato de trabalho.” No caso em concreto, apesar de ser o trabalho de projecto concluído pela equipa coordenada por C1, adjudicatária da empreitada, foi o ora Autor o criador intelectual da obra, por ser ele que desempenhava função do coordenador do projecto de arquitectura, sendo aliás o único arquitecto identificado ao longo de todos os projectos apresentados (conforme resposta aos quesitos 1.º e 2.º da base instrutória).
Assim sendo, na ausência da convenção das partes de que “o direito de autor fica a pertencer à entidade que custear a obra ou a publicar”, a que se refere no artigo 9.º, n.º 1 do Código do Direito de Autor, o Autor enquanto criador intelectual da obra, permanece titular originário do direito de autor associado à mesma, em especial, dos direitos morais ou pessoais nele abrangidos, que são apenas transmissíveis nos termos previstos na lei (cfr. o art. 5.º, n.º 2 do referido Código).
No alcance dado pela norma do artigo 7.º, n.º 3 da nova Lei - DL n.º 43/99/M, o direito pessoal de autor compreende, o direito ao inédito de “manter a obra inédita; (alínea a)), o direito à paternidade da obra, de “reivindicar a paternidade da obra e ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade” (alínea b)), o direito de retirada, de “retirar a obra de circulação, nos termos do artigo 48.º” (alínea c)), o direito à integridade da obra, de “assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor” (alínea d)). (A propósito da tipicidade dos direito pessoais, veja-se José de Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, pp. 167 a 169).
Os danos cuja indemnização aqui é peticionada, resultavam das lesões do direito moral do autor, designadamente na vertente do direito à integridade da obra, em consequência das supostas modificações e alterações introduzidas na obra de projecto de arquitectura da “Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]”, sem ser precedida da consulta ao respectivo autor.
Em matéria da tutela do direito à integridade da obra, a regra geral que se aplica é qualquer modificação da obra necessita do acordo do seu autor. Mas convém não ignorar que “a lei não quer aqui estabelecer nada que se pareça com uma soberania do autor sobre a utilização da obra. Não são todas e quaisquer modificações que são consideradas violações da integridade da obra, mas apenas aquelas que prejudiquem a obra ou atinjam a honra ou a reputação do autor” (cfr. obra. cit. p.180).
Nesta linha, conforme se depreende da norma do artigo 7.º, n.º 3 do DL, as alterações que desvirtuem a obra, ou a prejudiquem, ou atinjam a honra ou a reputação do autor são consideradas como violadoras do direito à integridade da obra e legitimam o respectivo autor, que não tenha dado o seu consentimento, a exercer o poder de oposição às modificações ocorridas, nos termos previstos na alínea d) do preceito legal.
Por outro lado, as alterações ou melhor, adaptações que não desvirtuem a obra, necessárias à sua utilização pela forma autorizada não carecem mais do consentimento ou autorização por parte do autor, segundo o estabelecido no artigo 46.º, n.ºs 1 e 2 do referido DL.
No entanto, sendo a obra protegida a de arquitectura, situamo-nos no âmbito do regime excepcional. Dispõe o artigo 144.º do DL n.º 43/99/M o seguinte:
“1. O autor de obra de arquitectura, ou de obra plástica incorporada em obra de arquitectura, tem o direito de fiscalizar a respectiva construção ou execução em todas as fases e pormenores, de maneira a assegurar a exacta conformidade dessa construção ou execução com o projecto, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2. O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos.
3. Não havendo acordo entre o dono da obra e o autor do projecto, pode este repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial.” (sublinhado nosso).
Pois bem, ao contrário do que sucede no regime geral, o dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem, é livre de introduzir nela as alterações, quer modificações, quer meras adaptações, por ele desejadas, sendo este apenas incumbido do dever de consulta prévia ao autor – conforme disposto no n.º 2 do preceito legal. Importa, porém, que a consulta prévia aqui exigida não visa obter nenhuma autorização ou consentimento do autor para as alterações desejadas, porquanto ainda que o autor se contenda com as mesmas, nada poderá fazer senão repudiar a paternidade desta, isto é, não aceitar que a autoria da obra continua a lhe ser imputada, assim “ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial” – segundo se prevê no n.º 3. Tendo sido repudiada a paternidade, só ocorrerá violação do direito à integridade da obra, se esta continuar a ser usada pelo dono da obra como criação do autor original.
Como tal, constata-se, no conflito entre o direito de autor do projecto de arquitectura e o direito de propriedade sobre o suporte, uma subordinação da integridade da obra à respectiva funcionalidade. Ficará mais reduzida a protecção do autor das obras de arquitectura do que em termos gerais, que se encontra na dependência das exigências técnicas do construtor e do gosto do dono de obra. (cfr. António de Sá e Melo, Manual de Direito de Autor e Direitos Conexos, pp.160 a 161)
Se assim é, os danos ressarcíveis que se possa reclamar ao abrigo do citado artigo 144.º, n.º 2 do DL são relativamente limitados. A indemnização é devida não pelo facto de a construção não se realizar segundo o projecto do autor, mas por causa da falta de consulta prévia ao autor do projecto. Em termos mais precisos, é em consequência dessa falta da consulta prévia, que não foi ao autor dada a oportunidade de repudiar a paternidade da obra modificada, e desse modo, a autoria da mesma continua a ser lhe imputada. Aí para efeito indemnizatório, o nexo de imputação que se deva estabelecer entre a omissão indevida da consulta prévia e os danos daí decorrentes. Por outras palavas, a existência da norma do artigo 144.º n.º 2, donde resulta o direito de indemnização do autor do projecto pela falta da consulta prévia não prescinde do apuramento da verificação da lesão do direito moral e dos danos efectivos provocados, como seu pressuposto.
E ademais, recapitulando, do que se trata aqui não é de qualquer modificação da obra – mas tão-só aquelas que “a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor” – conforme o artigo 7.º, n.º 3, alínea d) do DL – em suma, as modificações aptas a lesar o direito à integridade da obra e provocar os danos consequentemente.
Na situação vertente, invertemos a ordem das questões a apreciar e começamos por dizer que as verificadas alterações da obra não atribuem o direito de indemnização ao respectivo autor, ainda que tivesse sido comprovada a omissão indevida da consulta prévia.
Pois, segundo a matéria de facto dada como provada, as alterações introduzidas à obra de arquitectura, designadamente, as “documentadas nas bases digitais das plantas de todos os pisos de actual edifício do Campus do B1”, eram “circunscritas ao espaço interior do edifício da Biblioteca” (conforme resposta aos quesitos 6.º e 11.º da base instrutória). Por outro lado, resultou não provado que “As supra-referidas alterações impuseram um partido plástico e estético estranho à obra originária, com a supressão dos respectivos elementos caraterísticos da Biblioteca, designadamente, os que integram a concepção de “três livros e um disco” (conforme apurado na alínea d) dos factos assentes, e resposta ao quesito 10.º da base instrutória). Neste sentido, as alterações realizadas mostram-se irrelevantes para os efeitos indemnizatórios pretendidos.
Portanto, nada permite concluir nos termos que concluiu o Autor conforme se alega nos artigos 170.º a 175.º da petição inicial: não ocorreu a mutilação nem a deformação da obra da sua autoria, nem qualquer outro acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor, susceptível de lesar o direito à integridade da obra, mas sim apenas as alterações no espaço interior do edifício. Em que medida as ditas alterações puramente funcionais sejam ainda lesivas da honra ou reputação do Autor, ele próprio não alegou, nem existe elemento trazido ao processo para responder.
Nestes termos, somos de concluir que inexistiam, neste caso, danos ressarcíveis como decorrentes de lesão do direito moral do Autor (em especial, o direito à integridade da obra), por modo a conferir-lhe o direito à indemnização.
Em segundo lugar, apesar de ter sido o 2.º Réu, a quem foi cedido o edifício da Biblioteca em 7/10/2015, e quem dirigiu em 19/1/2018 o primeiro pedido de aprovação do projecto de modificação, na fase de projecto, à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, assim como o segundo pedido de aprovação, em 18/12/2018, instruído na modalidade de “modificação/legalização (conforme apurado nas alíneas F) e P), R) dos factos assentes), não foi dado como provado que “até à data 15/12/2015, sem consulta prévia ao Autor, foram introduzidas pelos dois Réus as alterações documentadas nas bases digitais das plantas de todos os pisos do actual edifício do Campus do B1” (conforme resposta ao quesito n.º 6 da base instrutória). Aliás, “o projecto de alteração cuja aprovação se requer na alínea P) dos Factos Assentes já se encontrava executado antes da apresentação do respectivo pedido” (conforme resposta ao quesito 7.º da base instrutória).
Pelo que, além da inexistência das alterações susceptíveis de causar danos ao Autor, é ainda evidente que as mesmas não são comprovadamente imputáveis aos dois Réus aqui demandados, o que impõe a absolvição destes dos pedidos formulados pelo Autor.
***
III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar improcedente a acção e em consequência, absolver a 1.a Ré RAEM e o 2.º Réu B1 dos pedidos formulados pelo Autor A.
*
Custas pelo Autor.
*
Registe e notifique.
*
Quid juris?
Ora, bem vistas as coisas, é de verificar-se que, praticamente, todas as questões levantadas pelo Recorrente já foram objeto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, e nesta sede, não encontramos vícios que demonstrem a incorrecta aplicação de Direito, muito menos os alegados vícios invalidantes da decisão atacada.
Perante o decidido e o fundamentado do Tribunal recorrido, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC, é de manter a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso interposto pelo Autor/Recorrente.
*
Síntese conclusiva:
Para efeitos da indemnização prevista no nº 2 do artigo 144.º (2. O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos.) do DL n.º 43/99/M, de 16 de Agosto, entre outros elementos, é preciso apurar o nexo de imputação entre a omissão indevida da consulta prévia e os danos daí decorrentes. Por outras palavas, o artigo 144.º n.º 2, do citado DL (direito de indemnização do autor do projecto pela falta da consulta prévia) não prescinde do apuramento da verificação da lesão do direito moral e dos danos efectivos provocados.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos (interlocutório e contra a decisão final) interposto pelo Autor/Recorrente, confirmando-se a sentença recorrida do TA.
*
Custas pelo Recorrente.
*
Notifique e Registe.
(…)”; (cfr., fls. 1364 a 1387 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado com o assim decidido, interpôs o referido A., e recorrente, (A), novo recurso para este Tribunal de Última Instância, imputando, em síntese, ao transcrito Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, os vícios de “nulidade por omissão de pronúncia”, “insuficiência da matéria de facto para a decisão” e “erro na aplicação do direito”; (cfr., fls. 1404 a 1427-v).

*

Após contra-alegações da entidade recorrida, (REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU), pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 1434 a 1439), vieram os autos a esta Instância.

*

Adequadamente processados, e nada parecendo obstar, cumpre apreciar e decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

2. Pelo A., (A), vem interposto o presente recurso do Acórdão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatado que, como se deixou referido, confirmou a decisão do Tribunal Administrativo que absolveu os RR. de todos os seus pedidos aí deduzidos.

A final da sua motivação de recurso, conclui que deve:

“a) Ser declarada a nulidade do Acórdão na parte em que omitiu pronúncia devida sobre a matéria supra identificada, determinando-se a remissão do processo ao Tribunal a quo, a fim de se proceder à reforma do Acórdão;
b) Ser aditada a matéria constante dos artigos 6.º, 8.º e 15.º da Petição Inicial, por relevante para a boa decisão da causa, determinando-se o seu julgamento junto do Tribunal a quo, nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, ou subsidiariamente, caso assim não se entenda,
c) Deverá o Acórdão ser revogado e substituído por outro que, através da aplicação do Direito nos termos supra elencados, determine a condenação dos Recorridos conforme oportunamente peticionado em sede de Petição Inicial e Aperfeiçoamento do Pedido”; (cfr., fls. 1427-v).

Porém, da reflexão que sobre o decidido e agora alegado nos foi possível efectuar, e antes de mais, cremos que não se podem acolher as duas primeiras pretensões apresentadas.

Em apertada síntese, eis o porque deste nosso ponto de vista.

–– Quanto à assacada “nulidade por omissão de pronúncia”.

Pois bem, como sabido é, tal nulidade apenas ocorre quando o Tribunal deixe de emitir pronúncia sobre questão que devesse conhecer; (cfr., v.g., entre muitos, os Acs. deste T.U.I. de 04.11.2022, Proc. n.° 79/2022, de 09.11.2022, Proc. n.° 98/2022, de 30.06.2023, Proc. n.° 138/2020, de 14.07.2023, Proc. n.° 137/2020, de 17.04.2024, Proc. n.° 28/2023, de 08.05.2024, Proc. n.° 12/2024-I, de 29.07.2024, Proc. n.° 17/2021 e de 03.10.2024, Proc. n.° 5/2022).

In casu, na opinião do ora recorrente, a dita nulidade prende-se com a falta de pronúncia sobre os vícios que o mesmo tinha imputado à decisão da matéria de facto do Tribunal Administrativo, e, como sem esforço se pode ver do teor do Acórdão agora recorrido do Tribunal de Segunda Instância (que se deixou integralmente transcrito), no mesmo não se deixou de emitir pronúncia sobre tal “matéria”, bastando para tal conferir o que se consignou na “Parte B” do aludido aresto, a pág. 24 a 27 da presente decisão.

Admite-se que o aludido segmente decisório podia ser mais abundante, (ou generoso), porém, cremos que, no que se apresentava de essencial, (ou relevante), decidido foi.

Insiste porém o recorrente com a falta de pronúncia sobre a sua pretensão quanto à “alínea D” e “quesito 10°” da matéria de facto, batendo-se assim pela reclamada “nulidade”, e pedindo, a final, a devolução do processo ao Tribunal a quo para se proceder à reforma do Acórdão; (cfr., pedido da al. a) da motivação apresentada).

Ora, compreende-se – e respeita-se o esforço e – o entendimento do ora recorrente.

Contudo, se bem ajuizamos, tendo presente toda a restante “matéria de facto” nos presentes autos já discutida, assim como a que resultou provada, e a “solução jurídica” que a mesma, (em nossa opinião, necessariamente), implica para o “litígio” origem de todo o até aqui processado, cremos que não se justifica o inconformismo do ora recorrente relativamente ao teor da dita “alínea D” e “quesito 10°”.

Na verdade, e em nossa opinião, as pretendidas “alterações” – nos termos da “reclamação” apresentada a fls. 895 a 900 e pelo Tribunal Administrativo já apreciadas e decididas a fls. 915 – atenta a (verdadeira) “matéria” e “questão” em causa nos presentes autos, mais não são do que meros “preciosismos (técnicos)” que, embora – obviamente – legítimos, não interferem, nem influenciam, a solução que nos presentes autos se nos mostra como justa e adequada, e que, assim, importa efectivamente adoptar.

Daí, em face do que se deixou exposto, e até mesmo por respeito ao estatuído no art. 87° do C.P.C.M., mais não se mostra de dizer sobre o ponto em questão.

–– Passemos para a alegada “insuficiência da matéria de facto para a decisão”.

Aqui, volta o A., ora recorrente, a pedir que seja “aditada a matéria constante dos art°s 6°, 8° e 15° da sua petição inicial”.

Ora, tal pretensão, como do Acórdão recorrido se retira, foi já objecto de duas apreciações e decisões (conformes).

E, em nossa opinião, cremos que as soluções pelas Instâncias recorridas adiantadas se apresentam razoáveis e acertadas, não merecendo a censura que o ora recorrente lhes dirige.

Uma vez mais, e com todo o respeito o dizemos, a “divergência” em questão não se justifica, pois que, em face do “objecto” e “questão” nos presentes autos em causa, não se apresenta “relevante para a boa decisão da causa”.

Não se olvida que nos termos do art. 430°, n.° 1 do C.P.C.M., deve o Tribunal seleccionar “a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”.

Todavia, (e tal como já se entendeu), os pretendidos “aditamentos” não se apresentam “relevantes”, pois que, em face da “questão” colocada e a apreciar, e, assim, para a “decisão” a proferir, não se mostra útil apurar das qualidades pessoais ou profissionais do A., dos prémios que obteve ao longo da sua carreira, assim como se o “edifício” cujas obras constituem a origem do presente litígio é admirado ou apreciado…

Com efeito, o que em bom rigor, e em boa verdade – e, efectivamente – importa saber, é tão só se, o ora recorrente, enquanto autor do projecto de arquitectura do edifício da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)], sofreu “danos” ou “prejuízos” pela sua alegada violação do seu “direito de autor” do referido imóvel em consequência da “conduta” que o mesmo nestes autos alega e imputa às RR., e que, essencialmente, consiste na decisão de realização de “obras” no dito edifício sem a sua prévia consulta.

Nesta conformidade, (e constituindo esta uma outra questão a decidir, no caso, a 3ª), vista está também a solução para este fundamento do presente recurso.

–– Por fim, vejamos então desta última questão, relativamente ao alegado “erro de direito”.

Sobre este ponto, e nas suas conclusões, afirma o A., ora recorrente, que:

“21. Enquanto criador intelectual da obra "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", o Recorrente é o titular originário dos direitos de autor sobre a mesma (artigo 9.º, n.º 1 do RDADC), sendo titular de um direito pessoal e de um direito patrimonial sobre a obra protegida.
22. O direito pessoal de autor compreende os poderes, entre outros, de i) reivindicar a paternidade da obra e ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade, assim como de ii) assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor - cfr. alíneas b) e d), do n.º 3 do mesmo artigo 7.º.
23. O direito à integridade da obra é uma das vertentes da tutela do direito de Autor, conforme decorre do artigo 46.º do RDADC e do artigo 6.º bis da Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas de 1886.
24. No que concerne às obras de arquitectura, a disposição normativa constante do n.º 2 do artigo 144.º do RDADC estabelece a única excepção ao disposto no n.º 1 do 46.º do mesmo diploma legal, nos termos da qual se estatui que: "2. O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos" (sublinhado e negrito nossos).
25. Tal disposição legal jamais poderá ser entendida como o afastamento da regra ínsita na alínea d), do n.º 3, do artigo 7.º do RDADC, sob pena de se colocar a integridade e a genuinidade de uma obra de arquitectura irremediavelmente em crise.
26. Conclui-se assim que o direito pessoal de autor não é afastado. É antes sacrificado em caso de conflito com outros direitos efectivamente oponíveis e desproporcionais, na impossibilidade de se estabelecer um equilíbrio, sendo que o legislador, atentos os interesses em causa, determinou a exigência de consulta prévia ao autor da obra, antes de tal modificação ser perpetrada, o primeiro passo para esse equilíbrio (artigo 144.º, n.º 2 do RDADC).
27. Apesar disso, tal materialização não deixa de comportar um real e efectivo sacrifício a expensas do autor da obra (in casu, o Recorrente), pelo que, inerentemente, acarreta um dano para o mesmo.
28. A doutrina é unânime em considerar que a omissão do direito de consulta plasmado no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC é uma omissão ilícita e que acarreta para o Dono da Obra um dever de indemnizar o autor da obra de arquitectura.
29. No caso sub judice, nenhuma actuação do Dono da Obra convergiu em sentido da conciliação dos interesses supra mencionados, sendo que a capacidade de "conciliar" é exactamente uma vocação e uma especialidade da actividade administrativa, logo uma aptidão que se espera do Dono de Obra institucional.
30. A consulta prévia prevista no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC configura uma legítima expectativa do autor da obra, cuja iniciativa compete ao Dono da Obra, nela formulando a sua pretensão, devendo tal consulta prévia ser feita em boa-fé, de modo a não se revestir de mera formalidade e necessariamente antes de o Dono da Obra assumir compromissos com terceiros atinentes a lograr tal propósito.
31. O Recorrente foi totalmente alheio às alterações e modificações na sua obra de arquitectura, nunca lhe tendo sido comunicado o ensejo de as entidades responsáveis pretenderem proceder a alterações ou modificações na sua obra, nem tão- pouco sido consultado previamente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC.
32. Ao contrário do pugnado pelo Tribunal a quo, ao aceitar a argumentação expendida a este respeito pelo Tribunal Administrativo, a solução a oferecer quanto a este concreto ponto jamais poderá passar pela aplicação da disposição ínsita no n.º 2 do artigo 46.º do RDADC, uma vez que as alterações em causa nos presentes autos não se circunscrevem a meras adaptações necessárias à utilização da obra – i.e. à sua construção -, antes sendo verdadeiras alterações à obra de arquitectura designada "Biblioteca Internacional da [Universidade(2)]", já depois de construída – i.e depois de utilizada –, merecedoras da protecção especial conferida ex vi do n.º 2 do artigo 144.º do RDADC.
33. Do mesmo modo, mal andou (salvo melhor e fundamentada opinião) o Tribunal a quo ao sufragar a posição do Tribunal Administrativo quando este parece sugerir a introdução de uma avaliação de cariz subjectivo às modificações introduzidas na obra passíveis de encontrarem guarida no n.º 2 do artigo 144.º do RDADC, algo que o legislador não fez.
34. As esferas pessoal e profissional do Recorrente foram sacrificadas por via do incumprimento da lei por parte da ora 1.º Recorrido, ou dos seus agentes, conhecimento esse que se lhes impunha, até por dever funcional, assim como por obrigação legalmente cristalizada no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo qual o ora 2.º Recorrido também se pauta, o qual estatui que "os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos" (princípio da legalidade), afigurando-se tal actuação ilícita e culposa.
35. Com a actuação ilícita dos Recorridos, o Recorrente sofreu vários danos na sua esfera jurídica, uma vez que este se viu impossibilitado de desenvolver e apresentar o seu projecto de compatibilização e harmonização das modificações perpetradas à sua obra de arquitectura, algo que com certeza teria feito caso tivesse sido previamente consultado, conforme imperativo legal, tendo-lhe sido retirada a chance de obter os proventos desse mesmo trabalho, uma vez que a legalização das modificações efectuadas à obra em apreço foi desenvolvida por terceiros, tendo o Recorrente sido deixado totalmente à margem do procedimento.
36. Não condenar os prevaricadores a indemnizarem o Recorrente pelos danos por este sofridos pela perda de chance de desenvolver e apresentar o seu projecto arquitectónico para a obra em apreço, seria anular o valor e o mérito premiados no passado e respaldar, no presente, a actuação ilícita dos Recorridos, algo que configuraria uma flagrante injustiça, contrária à própria essência do Direito, ainda para mais tendo em conta que o dano de perda de chance é um dano digno de indemnização, devendo tal dano ser integrado e indemnizado em termos probabilísticos, ou seja, em percentagem, face ao dano final, pelo que a sua reparação deverá ser medida com relação à chance perdida, tendo sempre como pedra de toque o grau de probabilidade de obtenção da vantagem.
37. No caso em concreto, sopesando o facto i) da confiança depositada no Recorrente, pelo então Território de Macau para assegurar a realização da obra original em apreço, ii) de este ser o autor originário da obra, iii) de ter o seu próprio escritório, iv) de a mesma obra ter merecido apreço e reconhecimento público, v) de o Recorrente ser a pessoa que melhor conhece a obra, vi) do seu profundo conhecimento da realidade urbanística vigente na RAEM, mas sem nunca descurar a possibilidade de a Administração poder sempre inovar a prática e preferir adjudicar licitamente o projecto de ampliação a outros, com a obrigação de outros recorrerem ao Recorrente para acompanhamento do mesmo, na qualidade de autor da obra original, ainda assim o Recorrente considera que a chance de vir a obter a vantagem patrimonial supra descrita era de pelo menos 50%.
38. Porém, caso este Venerando Tribunal assim não o considere, por conceber um diferente grau de probabilidade, algo que apenas se concebe por mero dever de patrocínio, ainda assim deverá o douto Tribunal fixar um diferente quantum indemnizatório, através do recurso à equidade, conforme previsão constante do n.º 6 do artigo 560.º do Código Civil.
39. Para além do dano de perda de chance – ou mesmo ainda que tal se entenda não existir no caso concreto, o que jamais concede e apenas cogita por mero dever de patrocínio –, dos elementos supra descritos resulta ainda a existência de um efectivo dano não patrimonial causado ao Recorrente, em virtude da violação do seu direito de autor.
40. Dano esse que, pela sua gravidade, mormente em face do direito em causa, deverá merecer a tutela do direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 489.º do Código Civil.
41. Entende o Recorrente que, no caso sub judice, a obrigação de indemnizar forma-se não só pela função ressarcitória, mas pela interacção com as funções punitiva e preventiva da responsabilidade civil.
42. Não havendo uma fórmula legal que conceda solução à quantificação dos danos morais sofridos pelo Recorrente por omissão do dever de consulta prévia em apreço nos presentes autos, ter-se-á então de recorrer a um juízo equitativo capaz de oferecer uma solução razoável aos interesses em conflito, nos termos do disposto nos n.º 1 e 3 do artigo 489.º do Código Civil.
43. Ao não ter condenado os Recorridos ao pedido formulado pelo Recorrente, com base no dano de perda de chance e nos danos não patrimoniais por este sofridos, em resultado da omissão ilícita da consulta prévia devida ao Recorrente quanto às alterações introduzidas na obra de arquitectura em apreço nos presentes autos, nos termos pugnados em sede de Petição Inicial e Aperfeiçoamento do Pedido, o Tribunal a quo violou o disposto nas disposições contidas no artigo 7.º, n.º 1 e 3, alínea d), bem como no artigo 144.º, n.º 2, ambos do RDADC, nos artigos 489.º, n.º 1 e 3 e 490.º do Código Civil, bem como do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril”; (cfr., fls. 1424-v a 1427).

Aqui chegados, que dizer?

Como se colhe das conclusões da motivação do presente recurso que atrás se deixaram transcritas, considera – essencialmente – o ora recorrente que lhe deve ser paga uma “indemnização” dado que, enquanto autor do projecto de arquitectura do edifício da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)], sofreu danos em consequência da omissão da sua prévia consulta relativamente a obras no dito edifício efectuadas.

E, identificando tais “danos” afirma que “se viu impossibilitado de desenvolver e apresentar o seu projecto de compatibilização e harmonização das modificações perpetradas à sua obra de arquitectura, algo que com certeza teria feito caso tivesse sido previamente consultado, conforme imperativo legal, tendo-lhe sido retirada a chance de obter os proventos desse mesmo trabalho, uma vez que a legalização das modificações efectuadas à obra em apreço foi desenvolvida por terceiros, tendo o Recorrente sido deixado totalmente à margem do procedimento”, (cfr., concl. 35ª), e que, “Para além do dano de perda de chance – ou mesmo ainda que tal se entenda não existir no caso concreto, o que jamais concede e apenas cogita por mero dever de patrocínio –, dos elementos supra descritos resulta ainda a existência de um efectivo dano não patrimonial causado ao Recorrente, em virtude da violação do seu direito de autor”; (cfr., concl. 39ª).

Pois bem, ainda recentemente teve este Tribunal de Última Instância oportunidade de assim ponderar:

“(…) a necessidade de tutela da criação pelo autor vem-se afirmando nos últimos séculos, iniciando-se, tanto quanto julgamos saber, a partir do Século XV, especialmente, em 1710, com a entrada em vigor da primeira Lei sobre direitos autorais, conhecida como o “Estatuto da Rainha Ana” que dizia apenas respeito a obras literárias.
Constituindo hoje o “Direito de Autor” um ramo do direito em pleno e constante desenvolvimento, (pense-se, tão só, nos efeitos das “novas tecnologias”), e, assim, de crescente relevância jurídica, social e económica, adequado parece de o compreender como uma modalidade de “propriedade intelectual”, integrando mesmo um “direito fundamental”; (cfr., a propósito, o art. 125°, § 2° da L.B.R.A.E.M., onde se estatui que: “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau protege, nos termos da lei, os resultados alcançados pelos autores nas criações literárias, artísticas e outras, bem como os seus legítimos direitos e interesses”, e, a nível de direito ordinário, o Decreto Lei n.° 43/99/M de 16.08, com o qual se aprovou o “regime do direito de autor e direitos conexos” e que já foi várias vezes citado ao longo dos presentes autos, podendo-se, sobre o tema, ver, v.g., L. M. Menezes Leitão in, “Direito de Autor”, 2011; J. de Oliveira Ascensão in, “Direito de Autor e Direitos Conexos”, 2012; e, com especial interesse para o litígio dos presentes autos, Pontes Neto in, “O direito autoral e o arquitecto”, Revista de Direito, U.S.P., Vol. 77, 1982, pág. 165 a 176; A. Cordeiro in, “Direito de Autor e Obra Arquitectónica”, na Separata da Lusíada-Revista de Ciência e Cultura, n.° 1, Agosto, 1992; Luciana Freire Rangel in, “O direito de autor na obra de arquitectura”, U.S.P., 1998; M. Victoria Rocha in, “Obras de arquitectura como obras protegidas pelo Direito de Autor”, in “Contratos de Direito de Autor e de Direito Industrial”, 2011; e, mais recentemente, Anna A. V. de Figueiredo in, “A proteção autoral na obra arquitetónica”, U.S.P., 2020).
Ora, como cremos que sabido é, o objeto primário da proteção conferida pelo Direito de Autor é a “obra”, ou seja, a “exteriorização da criação intelectual”, integrando um conjunto de prerrogativas reconhecidas e conferidas à pessoa física (ou jurídica) sua criadora, podendo estas dividir-se, (essencialmente), em “literárias” e “artísticas”, (com origem nos domínios literário, artístico ou científico, sendo, qualquer que seja o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação ou o objectivo; cfr., art. 1°, n.° 1 do D.L. n.° 43/99/M), protegidas pelo “direito de autor” as seguintes obras:
- as “literárias”, que compreendem as peças de teatro, romances, poemas, letras de canções, publicações científicas, programas de computador; etc…, (não sendo, v.g., protegidas pelo direito de autor, as notícias diárias e os relatos de factos com caráter meramente informativo, os discursos políticos, e os textos oficiais de caráter legislativo, administrativo ou judiciário, bem como as traduções oficiais destes textos); e,
- as “artísticas”, onde surgem como exemplos, as obras cinematográficas, programas de televisão, programas de rádio, composições musicais, cartazes publicitários, pinturas, esculturas, e, com particular relevo para a situação dos presentes autos, as obras de arquitetura; (cfr., art. 2° do citado diploma legal, valendo a pena aqui referir que a “Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas” de 09.09.1886, in B.O. n.° 29, de 19.07.1999, passou também a proteger “a obra arquitectónica” com a sua revisão ocorrida em 1908).
A proteção legal conferida pelo “direito de autor”, (no art. 7° do mesmo D.L. n.° 43/99/M considerado como seu “conteúdo”), traduz-se em faculdades de caráter patrimonial, os chamados “direitos patrimoniais”, e de natureza pessoal, os chamados “direitos morais”; (cfr., n.° 1).
Os primeiros, (“patrimoniais”), dizem especialmente respeito à utilização e exploração económica da “obra (intelectual)”, podendo ser, total ou parcialmente, transferidos e/ou cedidos a outras pessoas; (cfr., n.° 2).
Os segundos, (“morais”), asseguram a autoria e integridade da criação ao autor da obra, e são, em geral, intransmissíveis e irrenunciáveis; (cfr., n.° 3).
Exemplificando, diríamos que os “direitos patrimoniais” sobre uma música (original) podem ser cedidos ou transmitidos para terceiro para efeitos da sua exploração comercial, e, mesmo assim, os “direitos morais” (ou pessoais), continuam a ser reconhecidos ao seu autor, mantendo este o direito de como tal ser reconhecido; (foi, aliás, e v.g., o que sucedeu com a música dos “Beatles” que, não obstante vendidas para a sua exploração comercial, não deixam de continuar a ser reconhecidas como da sua autoria).
(…)
Especificamente sobre estes “direitos morais ou pessoais”, aqui agora em causa, prescreve o já referido art. 7°, n.° 3 do referido D.L. n.° 43/99/M que:
“O direito pessoal de autor compreende os poderes de:
a) Manter a obra inédita;
b) Reivindicar a paternidade da obra e ser identificado como autor no original, em cada exemplar e em qualquer publicidade;
c) Retirar a obra de circulação, nos termos do artigo 48.º;
d) Assegurar a genuinidade e integridade da obra e opor-se a qualquer mutilação ou deformação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra ou reputação do autor”.
Pronunciando-se sobre estas “faculdades” nota A. Chaves que as mesmas correspondem ao direito que “tem o autor de ver reconhecida a sua "paternidade" da obra, de ver preservada a intangibilidade da mesma, no sentido de que não possa ser modificada, alterada, mutilada ou adaptada, a não ser mediante o seu expresso consentimento. É como que o reflexo da sua personalidade na parte mais nobre, que é a atividade criadora”; (in “Direito de Autor do Arquiteto, do Engenheiro, do Urbanista, do Paisagista, do Decorador”)”; (cfr., Ac. de 12.09.2024, Proc. n.° 99/2023).

Nesta conformidade, continuemos.

Pois bem, in casu, está nomeadamente provado que:
- “Em 19/1/2018, o 2.º Réu dirigiu o pedido de aprovação do projecto (de alteração) da obra de modificação do “[Edifício]”, na fase de projecto, à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que correu os seus termos no processo n.º 19/MF/2018/L (conforme o doc. junto a fls. 317 a 351 dos autos)”, (cfr., alínea P) dos factos assentes); e que,
- “Relativamente à matéria requerida pelo 2.º Réu na alínea P), a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes não efectuou nenhuma consulta prévia ao Autor”; (cfr., alínea S) dos factos assentes).

Ora, resulta assim evidente que foi efectivamente “omitida a consulta” ao ora recorrente relativamente às ditas “obras”.

E, prescrevendo o art. 144°, n.° 2 do D.L. n.° 43/99/M que: “O dono de obra construída ou executada segundo projecto da autoria de outrem é livre de, quer durante a construção ou execução, quer após a sua conclusão, introduzir nela as alterações que desejar, mas deve consultar previamente o autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e dano”, que dizer?

Considera Nuno Santos Rocha que:

“Além do mais, com a mudança operada no instituto da responsabilidade civil, através da superação do princípio da culpa, progredindo-se para um sistema cada vez mais solidário e menos individualista – onde o enfoque passa a ser dado à vítima e já não à conduta do agente –, o conceito de dano reparável evoluiu, ampliando-se a certas realidades que antes não se admitia que pudesse conter. Entre nós, danos como invasão da privacidade, ofensas à honra, angústia, quebras de confiança e de expectativas jurídicas, ou da violação do dever de dar conselhos, recomendações ou informações, são já assumidamente reparáveis”; (in “A «Perda de Chance» como uma nova espécie de dano”, pág. 96).

Ora, o instituto da “perda de chance”, e a sua problemática, surgiram com mais intenso debate, na década de 60, em França – “perte d’une chance”, estando agora prevista no art. 1383° do Code Civil – estando relacionada, sobretudo, com casos de “responsabilidade médica” e essencialmente associada à circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.

Opiniões existem no sentido de que:

“(…) a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória... Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito... Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda dum bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso.
Trata-se de situações em que a chance já se “densificou” o suficiente” – sendo “mais provável a sua realização do que a sua não verificação” – “para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de “uma quase propriedade”, um “bem””; (cfr., v.g., Júlio Gomes in, “Sobre o Dano de Perda de Chance”, Revista Direito e Justiça, Vol. XIX, tomo 2, 2005, pág. 9 e segs.).

Considera também Rute Teixeira Pedro, (in “A Responsabilidade Civil do Médico”, pág. 179 e segs.), que:

“A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os Autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem” (página 232). E, mais adiante: “Também são especialmente pertinentes, a este propósito, as decisões relativas a casos de responsabilidade civil em que se inclui no montante reparatório aquilo que o lesado poderia vir a ganhar quando completasse a formação universitária que frequenta no momento em que se produziu a lesão”; (cfr., ainda v.g., Paulo Mota Pinto in, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol. I, pág. 1103 que considera não existir base jurídico-positiva que suporte a indemnização da perda de chance, o mesmo parecendo entender Menezes Cordeiro in, “Tratado de Direito Civil II, Parte Geral”, pág. 288, que considera que a mesma implica uma redistribuição do risco não permitida, próxima estado ainda a posição de Rui Cardona Ferreira in, “Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance”, Coimbra, 2011, pág. 53 e “A perda de chance revisitada”, in Rev. Ordem dos Advogados, Ano 73, n.° 4, pág. 1301 e segs.).

E, por sua vez, é ainda Carlos Cadilha de opinião – in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado”, Coimbra, 2011, pág. 98 a 99 – que inexistindo qualquer indicação legal quanto aos termos em que a perda de chance poderá ser aceite no direito português, a figura deveria ser encarada com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se pudesse caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo, defendendo também Menezes Leitão a admissibilidade da perda de oportunidade como dano, sendo a indemnização fixada com base na determinação das probabilidades que a oportunidade tinha de se verificar, apelando à necessidade de um mínimo de probabilidade séria de verificação da oportunidade, sendo de excluir a indemnização caso assim não suceda; (in “A perda de oportunidade como dano no direito português”, I.J.F.D.U.C., 2018, pág. 141 a 152).

Seja como for, firme se nos apresenta o entendimento no sentido de que a dita “perda de chance” terá de ser “concreta”, “objectiva”, “plausível”, “significativa”, “consistente”, e, como também tem sido considerado, “séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo”, (provavelmente capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia; cfr., v.g., Sérgio Savi in, “Responsabilidade civil por perda de uma chance”, São Paulo, Atlas, 2006, pág. 3), decisões judiciais havendo também em que se considera que “É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir”; (cfr., Ac. do S.T.J. de 14.03.2013, Proc. n.° 78/09, de 06.03.2014, Proc. n.° 23/05 e de 01.07.2014, Proc. n.° 824/06, podendo-se sobre o tema ver também o interessante trabalho de Patrícia Cordeiro da Costa, com o título “A perda de chance – dez anos depois”, com abundante análise da doutrina e jurisprudência, na Revista Julgar, n.° 42, 2020, pág. 151 e segs.).

In casu, e sem prejuízo de melhor entendimento, somos de opinião que a “matéria de facto dada como provada” não permite dar como verificada uma (efectivamente) séria “perda de chance” que justifique a pelo ora recorrente reclamada indemnização.

Com efeito, inexiste (qualquer) matéria de facto que permita considerar que o ora recorrente, se (previamente) consultado, teria mais possibilidade que qualquer outro interessado em se responsabilizar pelas obras em questão, (o que, poderia por exemplo suceder se estas fossem muito especiais e específicas, sendo o recorrente um dos poucos invulgarmente qualificados para opinar sobre as mesmas), não sendo de se olvidar também que está até mesmo provado que foi consultado relativamente a outras obras, e que, após apresentação do seu estudo e projecto, não lhe foram as mesmas adjudicadas, (cfr., factos provados da “alínea N e O”), o que não deixa de ser bastante demonstrativo do que se deixou consignado relativamente à alegada “perda de chance”.

E, quanto aos reclamados “danos não patrimoniais”?

Pois bem, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a “personalidade”, o “corpo” ou a “vida”, na sua dimensão (complexa) biológica e mental, física e psíquica, e que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito” nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M..

Sobre esta matéria teve já este Tribunal de Última Instância oportunidade de se pronunciar, considerando, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que em matérias como as em questão inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 01.07.2020, Proc. n.° 9/2020, de 18.12.2020, Proc. n.° 187/2020, de 27.07.2022, Proc. n.° 71/2022, de 22.03.2023, Proc. n.° 52/2019 e de 01.11.2023, Proc. n.° 55/2023).

Na verdade, e como é sabido, a reparação dos danos não patrimoniais não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma possibilidade compensatória, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais” confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias “situações concretas” e atento o estatuído nos art°s 489° e 487°.

In casu, visto está que houve uma “omissão” no que toca à consulta do ora recorrente enquanto autor do projecto de arquitectura do edifício da Biblioteca Internacional da [Universidade(2)], inegável se nos apresentando assim que tal falta não deixa de constituir uma clara colisão com o seu “direito moral de autor” do aludido edifício.

Ora, como sabido é, os “direitos da personalidade” são direitos (civis) que preservam a individualidade de cada pessoa.

Em geral, quando se fala em “direitos da personalidade”, pretende-se, essencialmente, referir ao “direito à vida”, ao “nome”, à “imagem”, à “privacidade”…

Porém, (esses “direitos”) não se resumem a isso, (pois que não se trata de um rol taxativo), na medida em que os mesmos relacionam-se com o “direito natural”, e constituem aquilo que se poderia identificar como o “mínimo necessário do que há na própria personalidade”, sendo assim “direitos essenciais à dignidade e integridade”, não dependentes da capacidade civil da pessoa, protegendo, por isso, tudo o que lhe é próprio.

Nesse contexto, a maioria da doutrina classifica os direitos da personalidade em três grupos:
- “direitos à integridade física”: como por exemplo direito sobre o corpo, a alimentos, à saúde, etc.;
- “direitos à integridade psíquica”: privacidade, sigilo, sociabilidade, liberdade, etc.;
- “direitos à integridade moral”: honra, intimidade, privacidade, propriedade intelectual, neste âmbito situando-se também os direitos de invenção, os direitos de autor, e outros.

Dest’arte, constituindo tal “direito de autor” um “direito fundamental”, assim como um “direito de personalidade” – cfr., art°s 67° e segs. do C.C.M., sendo pois de se ter também como inquestionável a natureza jurídica da relação autor-obra como substrato para a tutela de diversos aspectos da personalidade intelectual no respeitante à intimidade, à honra, e à reputação, justificando-se, evidentemente, o resguardo desses bens inerentes à pessoa do autor – e que nos termos já expostos, ao ora recorrente foi, ilicitamente “restringido” e “coarctado”, adequado se mostra de concluir que padeceu o ora recorrente de um “dano moral” – mental e psíquico – digno de tutela do direito, pelo qual, em face do que dos presentes autos consta, se tem como justa e adequada uma indemnização no montante de MOP$200.000,00, às RR. cabendo a responsabilidade solidária pelo seu pagamento.

Decisão

3. Nos termos e fundamentos que se deixaram expendidos, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao presente recurso.

Custas pelo recorrente quanto ao seu decaimento, com a taxa de justiça que se fixa em 10 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 15 de Janeiro de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan
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