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Processo n.º 824/2024
(Autos de recurso cível)

Data: 9/Abril/2025

Recorrente:
- A Limitada (ré)

Recorrido:
- B (autor)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B (doravante designado por “autor” ou “recorrido”) intentou uma acção contra a A Limitada (doravante designada por “ré” ou “recorrente”), pedindo a condenação desta a pagar àquele a quantia de HKD9.755.800,00, correspondente ao dobro do valor recebido a título de sinal, bem como a quantia de MOP20.721.373,90, a título de danos excedentes, acrescida de juros de mora.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente.
Inconformada, interpôs a ré recurso jurisdicional para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. Constitui objecto do presente recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Recorrido, no montante global de HKD$11.834.058.50, acrescida de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.
     2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
     3. Com efeito, ficou provada praticamente toda a matéria alegada pela Recorrente susceptível de estabelecer que não conseguiu aproveitar o terreno dentro do prazo contratado e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço, por razões imputáveis aos Serviços da RAEM.
     4. Todavia, com todo o respeito, a douta sentença recorrida acaba por não aprofundar as consequências jurídicas da referida factualidade provada, limitando a sua análise, à conduta da Recorrente no momento em que contratou, procurando apurar se ela actuou como um bom pai de família, fazendo depender um juízo de culpa exclusivamente desta circunstância.
     5. E entendeu que a actuação da Administração era previsível e evitável, bem como, que o risco do incumprimento corre exclusivamente por conta da Recorrente, pelo que lhe deve ser imputada a culpa pela impossibilidade do cumprimento.
     6. Ressalvado diverso entendimento, só se a impossibilidade do cumprimento não for imputável a terceiro, se poderá, deverá, partir então para a análise daquela outra questão, pelo que a douta sentença recorrida adoptou o prisma errado sob o qual deveria ter lugar a análise de direito no presente caso, com importantes reflexos na respectiva decisão.
     7. Não obstante, salvo melhor opinião, a verdade é que contrariamente ao que reza a douta sentença recorrida, uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
     8. Após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “XXX”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011 qualquer promotor imobiliário em Macau colocaria as fracções autónomas em projecto (aprovado), a construír, no mercado.
     9. Não era previsível que a DSSOPT fizesse depender a emissão dessa licença da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA, como infelizmente o fez, pela primeira vez na história de Macau.
     10. Essa falta de previsibilidade é evidente e resulta ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
     11. Muito menos era de esperar que a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
     12. Não se pode pretender.
     13. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
     14. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 360 a 369, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
     15. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
     16. Um outro facto importante é que a Recorrente é uma sociedade com experiência de longa data na área do fomento predial e chegou a desenvolver vários projectos imobiliários em Macau (resposta ao quesito 5º) tendo-os concluído sem problemas nem atrasos. Pode mesmo dizer-se sem assombros que a Recorrente, pelo seu perfil e histórico, encarna, em abstracto, o conceito jurídico de um promotor imobiliário normalmente diligente. Pelo menos, a verdade é que é esta a sua reputação no meio imobiliário de Macau, Hong Kong e China continental.
     17. E ainda um outro facto importante é que as exigências/sugestões da DSSOPT e da DSPA que estiveram na base dos atrasos supra referidos dados por provados eram inéditas em Macau, conforme ficou assente, desde logo, nas Alíneas MMM a OOO das respostas aos quesitos 19º, 22º e 58º.
     18. D´outro passo, a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
     19. A actuação da RAEM sempre seria inultrapassável. Os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
     20. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
     21. Ou seja, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
     22. Também não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco dos contratos em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
     23. Os Recorridos sabiam perfeitamente que haviam adquirido um bem que não existia à data do contrato que celebraram.
     24. A Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com ditames de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
     25. Mais: um sujeito como o Recorrido, que compra três fracções, não é um sujeito que se subsuma no padrão de mera normalidade. Não é um sujeito “carecido de protecção especial” (cfr. Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, Almedina, 2001, p. 550) e de especiais deveres de informação que recaiam sobre a Recorrente.
     26. Pelo contrário, é um sujeito que actua no mercado, que conhece o mercado e os seus contornos. Que tem integral conhecimento do risco conatural à aquisição de bens imóveis futuros.
     27. E que, de acordo com as regras da experiência comum, tinha seguramente conhecimento do prazo do contrato de concessão, o qual de resto é público constante do Registo Predial.
     28. Mais: no caso particular da fracção autónoma “G5”, o Recorrido não adquiriu à Recorrente esta fracção, mas antes a adquiriu a quem a havia adquirido à Recorrente.
     29. O risco para o Recorrido nasce com a cessão da posição contratual que celebrou com o contraente inicial, cedente, sem que tenha havido ali qualquer intervenção da Recorrente.
     30. Nesta situação, a questão da distribuição do risco em contratar diz respeito somente ao cedente e ao ora Recorrido, enquanto cessionário, mas não, salvo melhor opinião, à Recorrente, o teor do que foi previamente contratado entre eles, limitando-se a consentir na cessão.
     31. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
     32. Para a interpretação das declarações negociais relevam a letra do negócio, os textos circundantes, os antecedentes, a prática negocial, o contexto e o fim tido em vista pelas partes.
     33. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador, sendo que o artigo 228º do Código Civil (CC) resulta a consagração da Teoria da Impressão do Declaratário, preconizada por Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, pág. 303), segundo a qual relevam todas as circunstâncias que acompanhem a conclusão do contrato e possam, objectivamente, inculcar num declaratário hipotético, razoável e cuidadoso, colocado na posição do declaratário real, um determinado sentido para a declaração.
     34. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
     35. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
     36. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
     37. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
     38. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
     39. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de, compra e venda imediata de um bem futuro.
     40. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
     41. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, a certidão predial da fracção em causa, as declarações às Finanças, os recibos de pagamento e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo, apontam para uma perspectivação dos contraentes outra que não a de estarem a celebrar uma mera promessa.
     42. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
     43. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes ‘contratos-promessa’ têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
     44. In casu, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construir e lhe vai entregar.
     45. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
     46. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil.
     47. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
     48. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
     49. Deste modo, salvo melhor opinião, na perspectiva da Recorrente, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se em HKD$4.842.000,00, equivalentes a MOP$4.987.260,00, acrescido dos respectivos juros de mora, a contar desde a citação da Ré para contestar, à taxa legal de 9,75% ao ano.
     50. No entanto, a douta sentença recorrida considerou que a indemnização devia ser calculada com base no dano excedente, de acordo com a previsão do nº 4 do artigo 436º do CC.
     51. Quanto à fracção “G5”, foi decidido que não há dano excedente e têm os Recorridos direito a receber HKD$1.041.000,00 a título de restituição da quantia que pagaram à Recorrente e, ainda, valor semelhante a título de indemnização, no total de HKD$2.082.000,00.
     52. Isto, porque o dobro do sinal não seria manifestamente excessivo, o que afastaria uma decisão equitativa.
     53. No entanto, face aos Factos provados nºs. 145 a 149 da douta sentença recorrida, na prática, quase se pode dizer que não estamos perante um caso de impossibilidade do cumprimento, mas face a um caso de mora no cumprimento, embora a obrigação tenha sido cumprida por um terceiro e não pela Recorrente.
     54. A verificação desta anódina situação clama por uma solução equitativa, sendo manifestamente excessiva uma indemnização correspondente ao dobro do “sinal”.
     55. Acresce que a culpa da Recorrente na impossibilidade do cumprimento é nula ou diminuta, como já acima se relatou.
     56. Afigura-se, pois, em conclusão, que se verificam todos os pressupostos para, subsidiariamente e se for o caso, poder proferir-se uma sentença com base na Equidade, ao abrigo do disposto nos artigos 436º/5 e 801º/1 do CC.
     57. Uma decisão prudente e equilibrada seria, na óptica da Recorrente, a de fixar o quantum indemnizatório no montante que a Recorrente deve restituir ao Recorrido acima calculado, HKD$1.146.000,00, acrescido de uma compensação correspondente a metade desse mesmo valor, ou seja, HKD$573.000,00, tudo num total, portanto, de HKD$1.719.000,00.
     58. Quanto às fracções “E31” e “H31”, a douta sentença recorrida considerou que o Recorrido tinha direito a ser indemnizado pelo dano excedente, ou seja, a uma indemnização pelo dano efectivo que excede o dano predeterminado pelo sinal.
     59. No entanto, como bem se sabe, tal solução foi criada pelo legislador justamente com a declarada intenção de impedir que, por força do rápido aumento de preços do imobiliário em Macau, o vendedor seja tentado a não cumprir um eventual contrato-promessa por lhe ser mais vantajoso pagar o sinal em dobro e depois revender a fracção a terceiro.
     60. Mas no caso vertente o que ocorre é exactamente o oposto: a Recorrente sempre quis cumprir os contratos. O douto tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas, e bem, a esse respeito, podendo ler-se na douta sentença recorrida que, “a prestação a cargo da Ré tornou-se impossível contra a vontade e os esforços da mesma Ré” (pág. 47 da Decisão da Matéria de Facto). 61. Em Macau, dada a existência de uma anormalmente rápida valorização do imobiliário em tempos normais, o legislador teve essencialmente em vista punir severamente a eventual má-fé do vendedor, mas tal não ocorre, antes pelo contrário, no caso da Recorrente.
     62. E visa proteger os interesses do promitente fiel típico que procura adquirir uma fracção autónoma para nela habitar ou para a arrendar, mas não a actividade de especulação imobiliária.
     63. Daí que, ao publicar a legislação especificamente destinada a proporcionar aos compradores do “XXX” uma fracção sucedânea daquela que adquiriram à Recorrente, se haja limitado o benefício a uma só fracção, independentemente do número de fracções que um qualquer comprador houvesse adquirido - vd. Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio e cfr. Factos nºs. 145 a 149 da douta sentença recorrida.
     64. In casu, de acordo com as regras da experiência comum, a circunstância de o Recorrido haver adquirido 3 fracções constitui um indício de que ele não se enquadra naquela categoria de promitentes fiéis cuja protecção teve em vista o legislador.
     65. Deste modo, com todo o respeito devido, a douta sentença recorrida não tomou em consideração o espírito subjacente à previsão contida no nº 4 do artigo 436º do CC, aplicando-a unicamente em função da sua literalidade.
     66. Um outro factor foi desconsiderado na douta decisão recorrida: o Recorrido apenas pagou 30% do preço das fracções e não se sabe, nem pode saber, se iria ou não, pagar os restantes 70% dos respectivos preços.
     67. A situação patrimonial real do Recorrido no presente traduz-se na perda do valor correspondente a estes 30%, isto é, na perda de HKD3.801.000,00; a sua situação hipotética caso não houvessem sofrido um tal dano, traduz-se, salvo melhor opinião, num activo correspondente a 30% do valor de mercado destas fracções autónomas ao tempo do encerramento da discussão em 1ª Instância, o qual resultou provado ser o de HKD$18.621.058,50.
     68. Como tal, face ao disposto no nº 4 do artigo 560º do CC, o valor da indemnização por dano excedente deveria cifrar-se em HKD$9.387.317,55, equivalentes a MOP$9.668.937,07, calculados da seguinte forma: HKD$3.801.000,00 + HKD$5.586.317,55 (18.621.058,50 x 30%).
     69. Daí que, ao publicar a legislação especificamente destinada a proporcionar aos compradores do “XXX” uma fracção sucedânea daquela que adquiriram à Recorrente, o legislador haja limitado o benefício a uma só fracção, independentemente do número de fracções que um qualquer comprador houvesse adquirido - vd. Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio e cfr. Factos nºs. 13 a 17 da douta sentença recorrida.
     70. Deste modo, com todo o respeito devido, a douta sentença recorrida não tomou em consideração o espírito subjacente à previsão contida no nº 4 do artigo 436º do CC, aplicando-a unicamente em função da sua literalidade.
     71. A douta sentença recorrida entendeu que, apesar de baseada no dano excedente, a contagem dos juros de mora deveria ter início com a data da citação.
     72. Salvo o devido respeito, que é muito, pelo distinto tribunal a quo, parece-nos que sempre será necessário proceder à liquidação da obrigação quando o pedido radica no dano excedente.
     73. Confirmando este entendimento da Recorrente e em sentido contrário à tese da douta sentença recorrida pronunciou-se igualmente o Venerando TUI, em acórdão proferido em 29 de Novembro de 2019, no âmbito do Processo nº 58/2019, nos termos do qual, “a autora só tem direito a juros de mora sobre o valor do dano excedente, a partir da data do presente acórdão, face ao disposto no n. º 4 do artigo 794. º do Código Civil.”
     74. Temos assim, que, no caso subjudice, os juros de mora começam a contar-se com a data da prolação da sentença.
     75. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
     Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.”

Ao recurso respondeu o autor pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Feito o julgamento, a primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade constituída em Macau, que tem por objecto a exploração do comércio de importação e exportação, no exercício da actividade de agente comercial e de transportes, na indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, no fabrico de bordados, e ainda na actividade de fomento predial e na construção e reparação de edifícios (cfr. fls. 32 a 37, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. No exercício da sua actividade comercial, a Ré, na qualidade de concessionária por arrendamento do Lote P, s/n, sito em Macau, na zona da Areia Preta, promoveu a construção de um empreendimento residencial constituído por 18 torres, a que daria o nome de “XXX”.
3. No dia 16 de Julho de 2012, o Autor celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, pelo qual prometeu comprar, e a Ré prometeu vender, a futura fracção autónoma E31, 31.º andar E, do Bloco 6, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22380 (cfr. fls. 38 a 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. O preço acordado foi de HKD6,130,000.00, a pagar em seis momentos:
a. HKD613,000.00 pagos na data da celebração do contrato;
b. HKD306,500.00, pagos em 9 de Janeiro de 2013;
c. HKD306,500.00, pagos em 9 de Julho de 2013;
d. HKD306,500.00, pagos em 9 de Janeiro de 2014;
e. HKD306,500.00, pagos em 9 de Julho de 2014; e
f. HKD4,291,000.00 a pagar no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de utilização pela DSSOPT, com ou sem crédito bancário.
5. No dia 26 de Fevereiro de 2011, C celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, pelo qual prometeu comprar, e a Ré prometeu vender, a futura fracção autónoma G5, 5.º andar G, do Bloco 6, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22380 (cfr. fls. 43 a 47, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6. O preço acordado foi de HKD3,470,000.00, a pagar em dois momentos:
a. HKD1,041,000.00 pagos na data da celebração do contrato; e
b. HKD2,429,000.00 a pagar no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de utilização pela DSSOPT, com ou sem crédito bancário.
7. Nos termos da cláusula 9.ª do contrato, caso C quisesse ceder a posição contratual no contrato-promessa de aquisição da fracção autónoma antes da celebração da escritura pública de compra e venda, teria de obter o consentimento da Ré e pagar-lhe uma taxa correspondente a 1% do preço da fracção autónoma:
“9. 如乙方於簽立正式買賣公證書(俗稱“簽契”)前將單位轉售,須經甲方同意方可,轉名時按本合約價之1%繳付轉名手續費予甲方。”.
8. C pagou à Ré a quantia de HKD1,041,000.00 por conta do preço da prometida venda.
9. No dia 13 de Agosto de 2012, o Autor celebrou com C um contrato pelo qual aquele declarou ceder a favor deste a posição contratual que detinham no contrato-promessa que haviam celebrado com a Ré para a compra da futura fracção autónoma G5, cessão essa que foi aceite pelo Autor (cfr. fls. 43 a 47, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10. Nos termos do contrato, o Autor comprou e C prometeu vendeu o direito a adquirir a fracção G5.
11. Foi entre as partes deste segundo contrato acordado o pagamento do preço com a celebração do contrato de cessão da posição contratual, que o Autor cumpriu.
12. Nos termos deste contrato, C declarou ter já recebido do Autor o valor que havia pago à Ré.
13. A Ré assinou também este contrato, autorizado assim a cessão da posição contratual.
14. Na mesma data, 13 de Agosto de 2012, o Autor pagou à Ré HKD34,700.00 ao abrigo da cláusula 9.ª do contrato das fls.43 a 47 de 26 de Fevereiro de 2011, a título de taxa devida pela autorização prestada à cessão da posição contratual, correspondente a 1% do preço de venda (cfr. fls. 43 a 48, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15. Também em 13 de Agosto de 2012 o Autor pagou à Ré a quantia de MOP400,00 a título de despesas administrativas ou de documentação (cfr. fls. 49, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
16. No dia 16 de Julho de 2012, o Autor celebrou com a Ré um 樓宇買賣預約合約, pelo qual prometeu comprar, e a Ré prometeu vender, a futura fracção autónoma H31, 31.º andar H, do Bloco 6, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22380 (cfr. fls. 50 a 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
17. O preço acordado foi de HKD6,540,000.00, a pagar em seis momentos:
a. HKD654,000.00 pagos na data da celebração do contrato;
b. HKD327,000.00, pagos em 9 de Janeiro de 2013;
c. HKD327,000.00, pagos em 9 de Julho de 2013;
d. HKD327,000.00, pagos em 9 de Janeiro de 2014;
e. HKD327,000.00, pagos em 9 de Julho de 2014; e
f. HKD4,578,000.00 a pagar no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de utilização pela DSSOPT, com ou sem crédito bancário.
18. A Ré comprometeu-se, na cláusula 10.ª de todos e cada um dos contratos-promessa, a entregar as fracções autónomas respectivas no prazo de 1200 dias úteis de sol aos promitentes-compradores, o que exclui os Domingos, feriados e dias de chuva, contados a partir da conclusão das obras de cobertura do 1.º piso; caso o prazo não fosse cumprido, a Ré pagaria ao Autor juros de mora, calculados à taxa de juros das contas-poupança praticada pelos bancos, sobre o montante já recebido a título de princípio de pagamento:
“10. 由己完成上蓋工程的第一層住宅起計壹仟貳佰(1200)個工作晴天交樓(工作晴天不包括星期天、假期及雨天);倘逾期時,甲方將按已收妥之樓款以銀行儲蓄利率計算過期利息補回給乙方。”.
19. Acordaram ainda as partes, na cláusula 27.ª dos contratos, na aplicação da lei vigente em Macau:
“27. 甲、乙雙方明確互相沒有口頭協議存在,一切規定已在本合約內註明。”.
20. Nos dias 13 e 29 de Agosto de 2012, o Autor procedeu ao pagamento do imposto do selo devido pela aquisição das fracções E31, G5 e H31, no valor global de MOP339.136,00 (cfr. fls. 71 a 85, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
21. As fracções E31, G5 e H31, prometidas comprar pelo Autor, integram-se no empreendimento designado “XXX”, que vem sofrendo as vicissitudes que a imprensa repetidamente tem divulgado e que tem ocupado os tribunais da RAEM.
22. Para facilidade de exposição, segue-se a factualidade dada como provada no acórdão proferido em 23 de Maio de 2018 pelo Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 7/2018, que foi tornado público (cfr. fls. 95 a 132, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
23. Assim, por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990, alterado pelo Despacho nº 107/SATOP/91, publicado no BO, nº 26, de 1/07/1991, foi concedido à Ré o terreno, a resgatar ao mar, com a área de 60,782m2, constituído por 3 lotes com a designação de Lote “O”, para fins habitacionais, Lote “S” para fins habitacionais e Lote “Pa” para fins industriais.
24. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1, dos termos da concessão fixados naquele despacho, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da outorga da escritura pública do contrato.
25. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 2, mais se previu que “O prazo do arrendamento fixado no número anterior poderá, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049”.
26. Conforme a cláusula 5.ª, nº 7, a Administração dispunha de um prazo de 60 dias para aceitar ou rejeitar os pedidos da ora Contestante (cfr. fls. 234 a 241, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
27. Por Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb” destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único com a área global de 67.536m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
28. Através desta revisão o prazo global de aproveitamento do terreno foi prorrogado até 26 de Dezembro de 2000.
29. As parcelas “Pa” e “Pb” foram anexadas e o respectivo terreno passou a estar descrito sob o n.º 22380 do Livro B68M, com a designação de Lote “P”.
30. O “complexo industrial” foi construído no lote “P” e entrou em funcionamento, tendo as entidades competentes emitido as respectivas licenças.
31. O lote O foi aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 3 pisos sobre o qual assentam 6 torres com 29 pisos cada, afecto às finalidades de habitação, comércio, estacionamento e jardim.
32. Com vista a aferir da viabilidade da alteração da finalidade e aproveitamento, a Ré apresentou em 10/09/2004 um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar apresentado junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T-6451).
33. Por Despacho n.º 19/2006, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 9, II Série, de 1 de Março de 2006, foi “parcialmente revista, nos termos e condições do contrato em anexo, a concessão, por arrendamento, do terreno com a área global de 91.273m2, constituído por 3 lotes designado por “O”, “P” e “S”, situado nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP)” - a seguir abreviadamente “revisão de 2006”.
34. Esclareceu-se, no ponto n.º 4 dos termos e condições do contrato integrantes do Anexo ao despacho que: “…a concessionária pretende alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação, alegando prejuízos financeiros com a fábrica de têxtil aí instalada, devido à abolição das quotas de exportação dos produtos têxteis, o que levou à perda gradual de competitividade desta indústria de Macau, agravada, no caso concreto, pela suspensão do funcionamento da fábrica no período nocturno, para não prejudicar a tranquilidade dos residentes das imediações, e invocando ainda razões que se prendem com o futuro desenvolvimento daquela zona da cidade e a crescente procura de habitação”.
35. Nos termos do n.º 5 dos termos e condições do contrato que constam do Anexo ao Despacho n.º 19/2006, constituía condição para a revisão do contrato o facto de, no âmbito da análise anteriormente efectuada ao estudo prévio, se ter verificado que o mesmo era passível de aprovação.
36. Pelo referido Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 9, II Série, de 1 de Março de 2006, tendo em conta o Estudo Prévio de 2005 e as PAOs de 2004 e 2005, foi acordada a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 5 pisos, sobre o qual assentam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção (cfr. a redacção conferida à cláusula 3.ª, n.º 2.3, do contrato de concessão de arrendamento pelo n.º 3 do artigo 1.º dos termos e condições do contrato constantes do Anexo ao Despacho n.º 19/2006): - Habitação: 599.730m2 - Comércio: 100.000m2 - Estacionamento: 116.400m2 - Área livre: 50.600m2.
37. Por força desta revisão, o terreno do contrato de concessão passou a ser de 105.437m2, constituído pelos lotes O, P, S e V, este com a área de 13.699 m2.
38. Não obstante o aproveitamento ter sofrido uma alteração total, a cláusula 2.ª do contrato de concessão de terras manteve-se inalterada, seja quanto ao respectivo n.º 1 (prazo de 25 anos), seja quanto ao respectivo n.º 2 (sucessivamente renovável, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, até 19 de Dezembro de 2049).
39. Com efeito, o complexo industrial anteriormente existente foi demolido e substituído pelo reaproveitamento com o novo complexo habitacional, com comércio e estacionamento.
40. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titulasse a referida revisão (cfr. artigo 2.º do Anexo ao Despacho n.º 19/2006).
41. A alteração de finalidade e aproveitamento ocorreu a 1 de Março de 2006, pelo que, na realidade, a Ré teria cerca de 9 anos e 9 meses para concluir a obra de construção nas referidas 18 torres.
42. Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da Ré, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013.
43. Em 24/10/2013 a Ré requereu junto da DSSOPT a emissão de licença para as obras de fundações, que foi emitida em 2/01/2014.
44. Em 15/01/2014 e 30/01/2014, a Ré apresentou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, fundamentando esse requerimento com o facto de, por razões que não lhe são imputáveis, não ter podido até então proceder ao aproveitamento contratado.
45. Em 4/06/2014, a Ré voltou a requerer a prorrogação do prazo de aproveitamento.
46. Em 26/06/2014, a Comissão de terras emitiu a seguinte pronúncia:
“Proc. n.º 18/2014 - Respeitante ao pedido feito pela A, Limitada, de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno concedido, por arrendamento, com a área global de 105 437m2, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), constituído por 4 lotes, designados por «O», «P», «S» e «V», titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, revisto pelos Despachos n.ºs 123/SATOP/93, 123/SATOP/99 e pelos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) n.ºs 19/2006 e 30/2011;
Proposta de aplicação de uma multa de $180.000,00 patacas, pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do lote «P», e de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote até à data do fim do prazo de arrendamento de terreno, isto é, até 25 de Dezembro de 2015;
Emissão de parecer sobre o processo;
Relativamente à carta apresentada pela concessionária em 4 de Junho de 2014, esta Comissão realizou uma nova reunião e após o estudo e análise do processo, considerou que caso se emitisse parecer favorável à prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, mesmo sabendo da impossibilidade da concessionária concluir o aproveitamento do terreno dentro do prazo de arrendamento, criar-se-ia evidentemente na mesma a expectativa de que talvez ainda pudesse continuar a aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento. Por outro lado, a concessão provisória não poderá ser convertida em definitiva porquanto o aproveitamento do terreno não poderá ficar concluído antes do termo do prazo de arrendamento, impondo-se nessa altura declarar a caducidade da concessão. Para além disso, a Administração não pode comprometer-se a conceder novamente o terreno originário, uma vez que nos termos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a nova concessão deve ser efectuada através de concurso público. Para além disso, estima-se que mesmo que o prazo de aproveitamento seja prorrogado, a concessionária só possa concluir parte das obras de fundação, podendo no entanto isto criar indirectamente condições favoráveis à concessionária para que esta se aproveite do facto como fundamento para lograr ficar com a concessão do terreno;
Nestas circunstâncias, propõe que a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária.”.
47. Em 10/07/2014, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 18/2014 - a A, Limitada, pediu prorrogar o prazo de aproveitamento dum terreno concedido por arrendamento, situado na península de Macau, nos NATAP, constituído pelos lotes designados por “O”, “P”, “S” e “V”, com área total de 105.437m2 , cujo contrato de concessão é titulado por despacho n.º 160/SATOP/90, modificado por despacho n.º 123/SATOP/93, despacho n.º 123/SATOP/99, despachos n.º 19/2006 e n.º 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Como não se observou o prazo de aproveitamento do lote “P”, propõe-se considerar a situação real do lote “P”, nomeadamente o teor da carta da concessionária, para tomar a decisão final;
Ficou prescrito o prazo de aproveitamento do terreno referido em 28 de Fevereiro deste ano, ficará prescrito o prazo de arrendamento em 25 de Dezembro do próximo ano (2015);
A Sociedade concessionária declara que aceita a eventual multa de prorrogação, realça e compromete-se que “vai assumir todas as consequências depois da construção;
Analisado o parecer da Comissão de Terras e ponderando os 17º a 21º pontos desse parecer e a carta da concessionária constante do 24º ponto, nomeadamente o teor do ponto 24.4, concordo, em princípio, com os pontos 14.2 e 14.3 da informação n.º 090/DSODEP/2014 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, isto é, prorrogar o prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e aplicar a multa no montante de MOP$180,000.00, pressupondo que a Sociedade concessionária aceite previamente por escrito as seguintes condições, para garantir interesses públicos:
1. Se não for completado o aproveitamento antes da prescrição de arrendamento, mesmo estando preenchidos os requisitos previstos no art.º 5.º da Lei n.º 7/2013 (Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção), a Sociedade concessionária não vai pedir autorização prévia para fazer negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção no lote P, nem vai realizar esses negócios jurídicos, excepto a eventual obtenção legal de nova concessão desse terreno;
2. Se não mais lhe for concedido o terreno, a Sociedade concessionária não pode pedir à RAEM qualquer indemnização ou compensação.”.
48. Em 15/07/2014, sobre este parecer, o Chefe do Executivo despachou: “Concordo”.
49. Em 29/07/2014 foi enviado à Ré um ofício assinado pela Directora Substituta da DSTOPT, informando-a que era autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015 e aplicando a multa no valor de MOP180.000,00, devendo ainda a Ré assumir os compromissos constantes dos pontos 1. e 2. do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 10/07/2014, sendo o seguinte o teor do ofício:
“1. Nos termos da cláusula n.º 2 do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já ficou caduco aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do art.º 2.º do Despacho n.º 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai acabar aos 25 de Dezembro de 2015;
2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP$180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.º da Lei n.º 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM;
3. Nestes termos, avisa-se a vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia do pagamento da multa.”.
50. A Ré concordou em pagar a multa de MOP180.000,00.
51. Em 04/08/2014, a Ré comunicou ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte:
“..., em resposta ao pedido no ofício no. 572/954.06/DSODEP/2014, emitido pela DSSOPT aos 29 de Julho do corrente ano, declara aceitar a multa no valor de MOP 180.000,00, condenada segundo o despacho proferido aos 15 de Julho de 2014, mais declara aceitar as seguintes condições:
1.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5º da Lei no. 7/2013 ((Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção), a Sociedade concessionária não vai pedir autorização prévia para fazer negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção no lote P, nem vai realizar esses negócios jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2. Se, no futuro, o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não poderá reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM”.
52. Em 27/11/2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo o pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26/12/2015.
53. Em 30/11/2015, o Chefe do Executivo concordou com os pareceres que lhe foram colocados à consideração, cujo sentido era de indeferir o pedido de prorrogação com fundamento em que, impedindo a Lei n.º 10/2013 a renovação de concessões provisórias, não podia ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
54. Em 21/01/2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 9/2016, cujo ponto 50 apresenta o seguinte teor: “(...) esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 25 de Dezembro de 2015 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato (caducidade preclusiva). Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º). Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento). De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cfr. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), designado por lote “P”, com a área de 68 001m2, a favor da A, Limitada, cuja concessão titulada pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, revista pelos Despachos n.ºs 123/SATOP/93, 123/SATOP/99 e pelos Despachos do STOP n.ºs 19/2006 e 30/2011, pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.”.
55. Em 22/01/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer favorável à declaração de caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento.
56. Em 26/01/2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 2/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”.
57. A Ré interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 26/01/2016, do Chefe do Executivo para o Tribunal de Segunda Instância.
58. Por acórdão de 19/10/2017, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
59. Deste acórdão interpôs a Ré recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, ao qual, por acórdão de 23/05/2018, proferido no referido Processo n.º 7/2018, foi negado provimento.
60. O acórdão do Tribunal de Última Instância já transitou em julgado.
61. Em 2007 pediu e obteve uma terceira PAO, emitida em 11/05/2007 (cfr. fls. 284, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
62. Em 29/4/2008, a Ré apresentou o Plano de Consulta “Master Layout Plan”, relativo à proposta de localização das torres (T-3040) (cfr. fls. 285 a 313, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
63. Em 6/5/2008, a Ré apresentou o projecto inicial de arquitectura (T-3163) (cfr. fls. 314 a 328, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
64. Em 22/10/2009, a R. apresentou o projecto global de arquitectura (T-7191/2009) (cfr. fls. 329 a 341, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
65. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO (cfr. fls. 342, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
66. A referida PAO apenas foi notificada à Ré, em 09/04/2010, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010. (cfr. fls. 287 a 296, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
67. Porém, a nova PAO e o referido ofício diferiram das anteriores (2004, 2005 e 2007), pretendendo a DSSOPT pela primeira vez e sem que nada o fizesse prever, a contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta.
68. Em resposta, em 03/06/2010, a Ré apresentou o projecto T-5291 (cfr. fls. 352 a 356, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
69. Em 30/12/10, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009 (Ofício nº 318/DURDEP/2011, de 07/01/2011), com as alterações técnicas de pormenor introduzidas em 03/06/2010, sem o sugerido afastamento mínimo de 1/6 (cfr. fls. 357 a 359, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
70. Em 11/05/2011, a Ré apresentou os exigidos relatórios (1.º relatório) (T-5205/2011) (cfr. fls. 360 a 416, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
71. A DSPA elaborou um parecer em 22/6/2011, e que apenas foi notificado à Ré, em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011 - (cfr. fls. 417 a 428, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
72. O 2.º Relatório foi apresentado pela Ré em 19/04/2012 (T-4242/2012) (cfr. fls. 431 a 485, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
73. Em 31/08/2012, a Ré apresentado o 3º relatório de avaliação do impacte ambiental. (cfr. fls. 518 a 596, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
74. A DSPA emitiu outro parecer sobre o 3º relatório de avaliação do impacte ambiental em 16/10/2012, e este parecer foi notificado à R. quatro meses depois, em 28/12/2012 (Ofício nº 13023/DURDEP/2012) (cfr. fls. 547 a 552, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
75. Em 15/03/2013, a Ré apresentou o 4.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (T-3953/2013) (cfr. fls. 603 a 707, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
76. Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu parecer sobre o 4º relatório de avaliação do impacte ambiental – cfr. Ofício n.º 1545/071/DAMA/DPAA /2013. (cfr. fls. 710 a 713, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
77. Em 28/06/2013, a Ré apresentou o 5.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental (cfr. fls. 661 a 744, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
78. Em 07/08/2013, a Ré apresentou o 6.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (cfr. fls. 799 a 911, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
79. Em 15/10/2013, finalmente, a DSSOPT notificou a Ré informando que tinham sido aceites os relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental (cfr. fls. 914 a 925, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
80. Em 24/10/2013, a Ré requereu a licença para as obras de fundações (T-11874/2013) (cfr. fls. 926 a 947, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
81. Em 02/01/2014, a DSSOPT emitiu tal licença e com validade até 28/2/2014 (cfr. fls. 948, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
82. Tendo apresentado também logo, em 15/01/2014, pedido urgente de prorrogação do prazo de aproveitamento de 72 meses (cfr. fls. 949 a 954, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
83. Repetiu o mesmo pedido em 30/01/2014 (cfr. fls. 955 a 960, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
84. Voltou a repeti-lo em 04/06/2014, solicitando o deferimento imediato da prorrogação do prazo de aproveitamento para que a Ré pudesse requerer a emissão da licença de obra e, simultaneamente, requerer a aprovação da continuação da obra de construção após o termo do prazo de concessão, para que houvesse tempo suficiente para concluir o empreendimento aprovado para o lote “P” (cfr. fls. 961 a 963, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
85. E repetiu-o de novo em 02/07/2014 (cfr. fls. 964 a 981, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
86. Foi a prorrogação autorizada, em 29/7/2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014 (cfr. fls. 982, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
87. A ré apresentou, em 10/09/2004, um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT)(T-4803), complementado em 15/12/2014(T-6451) – artigo 31.º-c) e docs. 6 e 7, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
88. Os referidos Estudos Prévios foram aprovados pela DSSOPT em 21/01/2005, por Ofício com o n.º 747/DURDEP/2005 (artigo 31.º-d) e doc. 8, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
89. A DSSOPT emitiu três PAOs, uma em 23/12/2004, outra em 23/02/2005 e uma terceira em 11/05/2007 (artigo 52.º e docs. 4, 5 e 9, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
90. O Autor pagou à Ré, entre 28 de Junho de 2012 e 11 de Julho de 2014, por conta dos contratos entre ambos celebrados, a quantia total de HKD4,842,000.00. (Q 1.º)
91. O Autor procedeu ao registo da inscrição provisória de aquisição das fracções autónomas no dia 29 de Maio de 2014, com base nos contratos-promessa de compra e venda. (Q 2.º)
92. O empreendimento “XXX” não foi nem será concluído pela ré. (Q 3.º)
93. A Ré é uma conhecida construtora profissional com larga experiência em Macau, que contratou de forma massificada com o público. (Q 5.º)
94. Na mesma zona onde se localiza o Lote P e onde se localizaria as fracções E31, G5 e H31, se tivesse vindo a ser construída, em edifícios com características semelhantes, o metro quadrado é transacionado a preços que excedem, em médias, os MOP108.926,00. (Q 6.º)
95. A área da fracção E31 prometida vender pela Ré era de 84,8400m2. (Q 7.º)
96. A área da fracção G5 prometida vender pela Ré era de 78,4900m2. (Q 8.º)
97. A área da fracção H31 prometida vender pela Ré era de 91,2400m2. (Q 9.º)
98. Na primeira quinzena de Setembro de 2018, o metro quadrado no edifício La Marina foi transaccionado, em média, por MOP166.370,00. (Q 10.º)
99. Caso a ré a tivesse construído, o valor actual da fracção E31 seria de aproximadamente MOP9.241.281,80. (Q 11.º)
100. Caso a ré a tivesse construído, o valor actual da fracção G5 seria de aproximadamente MOP8.549.601,70. (Q 12.º)
101. Caso a ré a tivesse construído, o valor actual da fracção H31 seria de aproximadamente MOP9.938.408,40. (Q 13.º)
102. Os Projectos T-3040 e T-3163 foram apreciados pelos serviços internos da DSSOPT, até à data da apresentação do projecto global em 22/10/2009, conforme se comprova pela declaração da DSSOPT no ponto no. 42 do ofício no.4427/DURDEP/2009, de 09/04/2010. (Q 14.º)
103. Entretanto, perante a ausência de pronúncia da DSSOPT sobre os projectos apresentados e seguindo a prática habitual na instrução de projectos de obra, a Ré solicitou, em 14/08/2009, a emissão de uma PAO actualizada. (Q 15.º)
104. O projecto de arquitectura, finalmente aprovado em 30/12/2010, notificado à Ré por ofício de 07/01/2011, contemplava, outrossim, as soluções anteriormente preconizadas nas PAOs de 23/12/2004, 23/02/2005 e 11/05/2007, emitidas em harmonia com o estudo prévio e o contrato de concessão na versão revista em 2006. (Q 16.º)
105. Ainda assim, desde a data de aprovação do projecto, comunicada em 07/01/2011, até ao termo do prazo de aproveitamento ou do prazo de concessão do terreno, dispunha a Ré de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento. (Q 18.º)
106. Todavia, mais uma vez, inovadoramente, a DSSOPT, apesar de ter aprovado o projecto de arquitectura, não autorizou a emissão imediata da licença de obras, incluindo a licença para implantação de alicerces e fundações no terreno, até que fossem aprovados o relatório de circulação de ar e o relatório de impacto ambiental do empreendimento (vide ponto 19 e parte final do Ofício de 07/01/2011 da DSSOPT). (Q 19.º)
107. Nenhuma explicação foi dada à Ré sobre a necessidade destes relatórios, e sua hipotética conexão com a sugerida sugestão de afastamento de 1/6 entre as torres, referida no ofício de 09/04/2010, mas afastada pela DSSOP com a decisão de aprovação de 30/12/2010. (Q 20.º)
108. Para além de esta ser uma exigência não prevista no contrato, tratava-se de algo inédito em Macau, tendo sido a primeira vez que foi exigido. (Q 22.º)
109. Em parecer de 21/06/2011 a DSPA, com a anuência da DSSOPT, introduziu várias novas exigências, ampliando significativamente o âmbito dos estudos inicialmente exigidos pela DSSOPT, designadamente: (Q 23.º)
a. A observância das Guidelines da DSPA, emitidas na altura, para a preparação de relatórios, as quais, porém, eram imprecisas e vagas, sem indicação concreta dos métodos de avaliação (qualitativa ou quantitativa, por exemplo);
b. A obtenção do parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento (questão que devia ter sido levantada antes da revisão contratual);
c. O impacto ambiental ao logo da fase de construção;
d. Impacto sonoro;
e. Qualidade do ar;
f. Qualidade das águas;
g. Resíduos sólidos;
h. Contaminação do solo;
i. Impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento);
j. Acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado;
k. Análise da colisão das aves contra os edifícios.
110. A Ré necessitava de preparar um novo relatório para dar resposta às tais exigências. (Q 24.º)
111. Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, igualmente não previstas em qualquer norma legal ou regulamentar em vigor (cfr. ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012), cujo teor foi objecto de discussão entre a ora Ré, a DSSOPT e a DSPA, em 25/07/2012. (Q 25.º)
112. A Ré ficou, então, sujeita a preparar novo estudo para dar resposta às solicitações adicionais e supervenientes que foram feitas, sob pena de a licença de obra não ser emitida. (Q 26.º)
113. A Ré viu-se obrigada a recorrer a serviços especializados da Austrália, para a realização da “simulação informática” de circulação do fluxo de ar. (Q 27.º)
114. A DSPA voltou no seu 4º parecer a apresentar novas exigências, desta feita em relação à avaliação quantitativa, em complemento da avaliação em método qualitativo já efectuada e entregue, dos odores provenientes da ETAR, de modo que se tornasse mais esclarecido o impacto que o mau cheiro pudesse causar para o empreendimento e a avaliação da distância entre as torres do empreendimento e a ETAR. (Q 28.º)
115. Exigiu ainda uma avaliação do impacto em termos de ruído que o trânsito rodoviário dos Novos Aterros urbanos e a Ilha Artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pudesse causar para o empreendimento. (Q 29.º)
116. A própria DSPA e a DSSOPT não sabiam, desde o início, que conteúdo pretendiam fosse investigado no estudo cuja apresentação impunham à Ré. (Q 30.º)
117. E à medida que a Ré ia satisfazendo as exigências adicionais, logo surgiam novas exigências, que obrigavam à apresentação de novo estudo e assim indefinidamente. (Q 31.º)
118. Tendo em vista evitar maiores demoras, a Ré pediu uma reunião conjuntamente com a DSSOPT e a DSPA, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação deste 5.º Relatório. (Q 32.º)
119. Essa reunião teve lugar em 26/07/2013. (Q 33.º)
120. No parecer da DSPA sobre o 6º relatório apresentado pela ré, tal como sucedeu, nos pareceres produzidos sobre os relatórios anteriores apresentados pela ré, estavam em causa exigências novas … (mantendo-se tudo o restante). (Q 34.º)
121. O projecto da Ré apresentado em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 03/06/2010, porém, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 35.º)
122. Após 15/10/2013 a Administração nem sempre respondeu à ré no prazo de 60 dias a contar da apresentação dos requerimentos. (Q 36.º)
123. Apesar disso, a Ré deu de imediato início aos respectivos trabalhos. (Q 37.º)
124. A Ré utilizou o período entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015 para construir e concluir todo o trabalho de fundações (cfr. fls. 983 a 984, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Q 38.º)
125. À Ré bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento imobiliário “XXX” e entregar ao A. a fracção autónoma aqui em causa. (Q 39.º)
126. A RAEM criou na Ré a expectativa de que o prazo para a realização do aproveitamento iria ser prolongado para além da sua vigência inicial com as actuações seguintes: (Q 40.º)
a. O tempo despendido para a criação de nova condição urbanística (1/6 de afastamento mínimo) e sua ulterior dispensa, fez com que aquele tempo tivesse de ser compensado, ao abrigo de “senso comum de elementar justiça” e do disposto no artigo 167º, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, caso contrário, de boa fé, mais valia ter a DSSOPT “imposto” o cumprimento daquela condição e evitaria o compasso de espera de 22/10/2009 a 07/01/2011;
b. O tempo despendido com o procedimento de aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental entre 07/01/2011 e 15/10/2013, poderia ter sido evitado, e por isso deve ser compensado, pelas mesmas razões e fundamento;
c. Em 02/01/2014, a DSSOPT ter emitido a licença para a execução das obras de fundações;
d. Já no limiar do prazo de aproveitamento -, a RAEM não ter revelado qualquer especial diligência ou premência na emissão dessa licença, que foi solicitada em 24 de Outubro de 2013 e só emitida em 2 de Janeiro de 2014 (com o consequente impedimento do início das obras);
e. A RAEM ter estado, entre 15/01/2014 e 29/07/2014, sem se pronunciar rapidamente sobre o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento apresentado pela Ré, sabendo que, durante esse período, as obras estavam suspensas.
127. A RAEM bem sabia, não podendo deixar de conhecer, que o prazo que a ora Ré teve para o aproveitamento do projecto, após a emissão das licenças e suas prorrogações, era manifesta e dramaticamente insuficiente. (Q 41.º)
128. A ré confiava que a Administração lhe prolongaria o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão, por qualquer via, designadamente por nova concessão, designadamente em concurso público, pelo menos pelo período de tempo que a ré considerava que o aproveitamento não pôde ser concretizado por efeito directo da conduta dos Serviços da RAEM. Com base nessa confiança a ré despendeu elevados recursos materiais e humanos. (Q 42.º)
129. A Ré celebrou milhares de contratos após a aprovação do projecto de arquitectura em 30/12/2010, de ter investido avultadas verbas na preparação dos projectos da obra (arquitectura, fundações e especialidades), bem como na realização e densificação dos Estudos de Impacto Ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM, de ter custeado e executado as obras das fundações do edifício durante o último ano dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 43.º)
130. Foi com base nessas aprovações administrativas que, quer a Ré, quer os terceiros avançaram com os seus investimentos e financiamentos. (Q 44.º)
131. Em 05/07/2018, a Ré lançou dois planos de restituição das quantias que lhe foram entregues por conta dos contratos celebrados entre si e todos os compradores, abrangendo um total de cerca de 3.020 fracções autónomas do empreendimento imobiliário “XXX”. (Q 46.º)
132. Os referidos Planos foram anunciados nos meios de comunicação social e comunicados por mensagens electrónicas (“SMS”) a todos os compradores, um a um, em 15/06/2018. (Q 47.º)
133. Esses planos apresentam duas opções: ou a restituição das quantias recebidas pela Ré em numerário, ao longo de um ano e com um bónus de 2% (Plano 1), ou a restituição em espécie, através da conversão daquelas quantias em parte do preço de uma qualquer outra fracção autónoma num dos empreendimentos do Grupo Polytec escolhida pelo comprador e com um bónus de 15% sobre o preço de venda da mesma fracção para o público (Plano 2). (Q 48.º)
134. Foi realizada uma reunião em 03/06/2014 entre a DSSOPT e a Ré. (Q 49.º)
135. Na sequência desta reunião, e no dia seguinte, em 04/06/2014, a Ré escreveu para o Director da DSSOPT dizendo: (Q 50.º)
a. No ponto nº 3: “Tendo em conta que o presente empreendimento é grande, é impossível ser o mesmo concluído, em termos objectivos e técnicos, antes de 25 de Dezembro de 2015, pelo que solicita a V Exa a prorrogação do prazo de aproveitamento para que a presente Sociedade possa requerer a emissão da licença de obra para sua execução, e simultaneamente a presente Sociedade promete que irá requerer a aprovação da continuação do desenvolvimento do terreno em apreço no termo do referido prazo de concessão, para que haja tempo suficiente a concluir o presente empreendimento”;
b. E no ponto noº 4 do requerimento declarou-se: “Tendo em conta que já vendeu cerca de 3 000 fracções, para evitar provocar mais alguns prejuízos aos promitentes-compradores e afectar gravemente a estabilidade da sociedade, a presente Sociedade espera obter a autorização, com a maior brevidade possível, de V Exa da prorrogação do prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e a emissão da licença de obra, pelo que promete a presente Sociedade que é responsável por todos os resultados derivados da execução da obra”.
136. Soube-se depois, através de consulta ao processo, que a Comissão de Terras, no parecer no. 59/2014, de 03/07/2014, concluiu o seguinte: (Q 51.º)
“Reunidas em sessões de 22 de Maio, 26 de Junho e 3 de Julho de 2014, respectivamente, a Comissão de Terras, após a análise e o estudo do processo, considera que embora a concessionária esteja interessada na conclusão do aproveitamento do terreno, esta não pode concretizar-se antes do termo do prazo de arrendamento que irá terminar em breve, pelo que sendo a concessão provisória não poderá ser convertida em definitiva. Assim, findo o prazo de arrendamento, tem de declarar-se a caducidade da concessão. Nestas circunstâncias, esta Comissão propõe que a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária de 4 de Junho de 2014”.
137. No parecer de 21/06/2011, mencionado na alínea SSS) dos Factos Assentes, a DSPA exigiu ainda uma avaliação do impacto sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a sul do Projecto e a ETAR. (Q 53.º)
138. Em 14/08/2009, a ré solicitou a emissão de uma nova PAO actualizada. (Q 54.º)
139. O Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT (“DPU”) exigiu, com muitos meses de atraso, que no estudo sobre a circulação de ar, incluísse uma “Simulação Informática”, exigência não mencionada no ofício de 07/01/2011. (Q 55.º)
140. O relatório de circulação de ar tinha sido entregue, em 11/05/2011, a DSSOPT remeteu-o para a DSPA e esta, conforme ofício de 10/10/2012, declarou-se, ano e meio depois, incompetente para o apreciar. (Q 56.º)
141. Na notificação mencionada na alínea AAAA) dos Factos Assentes, a DSSOPT, acabou por limitar as imposições ambientais ao “respeito das normas legais” e à “adopção de medidas de mitigação” do impacto ambiental, algo que afinal nada de novo trouxe ao projecto anteriormente aprovado em 07/01/2011. (Q 57.º)
142. O afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta e apresentação e aprovação de relatórios de impacto ambiental não estavam previstos nem estudo prévio, nem PAOs de 2004, 2005 e 2007, nem no contrato de concessão revisto. (Q 58.º)
143. A Ré ofereceu ao público milhares de fracções autónomas por construir deste seu empreendimento em termos semelhantes àqueles que acordou com o autor no contrato em apreço nos presentes autos, com pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado. (Q 61.º)
144. Ambos os planos de restituição das quantias recebidas pela ré contemplam uma forma de restituição do preço em singelo. (Q 63.º)
145. O autor candidatou-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019, de 12 de abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 65.º)
146. Em caso afirmativo, tal requerimento foi deferido. (Q 66.º)
147. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes a uma das fracções que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à ré que vem mencionado na alínea B) dos Factos Assentes. (Q 67.º)
148. O autor apenas poderá receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque é comprador de, pelo menos, uma fracção autónoma à ré, a construir no mesmo terreno. (Q 68.º)
149. O valor de mercado dessa fracção é superior ao valor inicialmente pago pelo autor à ré por fracção idêntica. (Q 69.º)
*
A primeira instância julgou parcialmente procedente a acção movida pelo autor, resultando na declaração de resolução do contrato celebrado entre as partes e na condenação da ré ao pagamento do dobro do sinal, bem como da indemnização por danos excedentes, tudo acrescido de juros à taxa legal a contar da citação.
Está em causa a seguinte decisão:
“…
1. – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar os contratos prometidos de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar as referidas fracções. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação dizendo que mantinha pendente uma acção judicial que lhe poderia proporcionar a faculdade de construir aquela fracção. Por outro lado, a ré veio aos autos informar que já terminou por desistência a referida acção judicial que movera contra a RAEM na qual pretendia recuperar a possibilidade jurídica de construir as fracções a entregar ao autor. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir as mencionadas fracções, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: objectiva, absoluta e definitiva. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir as fracções autónomas em causa. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável . Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração dos contratos a prestação que a ré acordou prestar.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1.1. – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
1.1.1. – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
1.1.2. – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Vimos já que a prestação da ré se tornou impossível depois de estabelecida por via contratual.
As partes divergem agora sobre a imputabilidade da causa da impossibilidade da prestação da ré.
O art. 790º do CC, sob a epígrafe “imputabilidade culposa” dispõe que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
Em rigor, esta situação de impossibilidade imputável da prestação não é conceitualmente incumprimento, mas é considerada como incumprimento definitivo.
Tendo em conta a forma como a nossa lei sistematiza o regime jurídico da impossibilidade da prestação (por causa imputável ao devedor e por causa que não lhe é imputável, mas com presunção de imputabilidade), o melhor método é aquele que em primeiro lugar procura saber se a causa da impossibilidade é ou não é imputável ao devedor e só depois de concluir que não é imputável ao devedor é que apura se é imputável a outrem, designadamente ao credor, a terceiro ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior).
1.1.2.1. A causa da impossibilidade.
Já vimos que a prestação da ré é impossível, seja esta prestação a celebração de um contrato definitivo de compra e venda de um imóvel, seja essa prestação a construção do referido imóvel e a sua entrega ao autor.
Já vimos que a causa imediata da impossibilidade da prestação não é uma impossibilidade física de construir e entregar, mas jurídica, pois que a ré, tendo condições materiais para construir e entregar, não tem possibilidade jurídica por não ter direito sobre o terreno onde iria construir que lhe permita edificar o empreendimento que pretendia e que lhe permitiria cumprir a sua obrigação para com o autor.
Porém, a ré já teve em tempos o direito que lhe permitia construir, o direito do concessionário por arrendamento, direito que caducou. Assim, a causa intermédia da impossibilidade da prestação é a caducidade da concessão que causou a impossibilidade jurídica.
Ocorre que a concessão caducou porque a ré não concluiu a construção do seu empreendimento imobiliário em determinado prazo, o prazo de aproveitamento do terreno concessionado. Assim, a causa remota da impossibilidade jurídica da prestação é o atraso na execução das obras que levou à caducidade da concessão.
A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré é, pois, o facto de as obras de aproveitamento do terreno concessionado não terem sido concluídas no prazo de aproveitamento.
Interessa, pois, saber a quem é imputável esse atraso que causou a impossibilidade jurídica da prestação ao causar a caducidade da concessão que permitiria cumprir. A ré entende que o atraso não lhe é imputável porquanto fez todos os esforços para conseguir construir em prazo e evitar a caducidade da concessão, além de ter legítimas expectativas de conseguir construir mesmo depois do termo daquele prazo, por prorrogação ou renovação. E entende que o referido atraso é imputável à RAEM que “não a deixou” construir dentro do prazo de aproveitamento da concessão.
1.1.2.2. A imputação da causa da impossibilidade.
A imputação é uma operação jurídica destinada a atribuir a uma esfera jurídica os efeitos jurídicos de um facto. Normalmente, os efeitos negativos de um facto, a criação de um dever jurídico ou de uma obrigação ou a extinção de um direito ou de uma faculdade jurídica.
Os factos jurídicos têm efeitos jurídicos, ou seja, produzem alteração no mundo dos direitos e deveres jurídicos. É necessário saber em que esfera jurídica se vão produzir esses efeitos. Este é, em modo simplista, o problema da imputação.
No caso em apreço está em causa a atribuição à esfera jurídica da ré da obrigação de indemnizar o autor enquanto efeito de um facto que tornou impossível uma prestação contratual de que o autor era credor. O facto é, como se disse, a não construção das fracções contratualmente destinadas ao autor no prazo também contratualmente estabelecido para aproveitamento do terreno onde aquelas fracções estavam projectadas. Um facto negativo: não construção em prazo de caducidade do direito de construir. O efeito daquele facto que cabe atribuir a uma esfera jurídica é, o nascimento nessa esfera jurídica da obrigação de indemnizar.
A imputação é um juízo jurídico, um juízo normativo ou um juízo feito por referência a um critério normativo de imputação, um juízo feito por referência a uma razão normativa para justificar a atribuição a alguém dos efeitos jurídicos de um facto.
Segundo o nosso Direito é a culpa do titular de uma esfera jurídica devedora o critério normativo de imputação a essa esfera jurídica dos efeitos que tem um facto causador da impossibilidade da prestação, designadamente os efeitos geradores do dever de indemnizar. Com efeito, a epígrafe do referido art. 790º é “impossibilidade culposa” e o seu primeiro número determina que aquele a quem for imputada a causa da impossibilidade da prestação seja tratado (imputado) como se faltasse culposamente ao cumprimento da sua obrigação.
Se a imputação é um juízo formado por referência à culpa, a culpa é também ela própria um juízo. É um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter praticado (por acção ou omissão) um acto ilícito em vez de ter praticado um acto lícito alternativo. É a censura em termos de culpa que deve ser dirigida à conduta do agente que justifica que a sua esfera jurídica recolha os frutos da sua acção.
Em matéria de responsabilidade civil, como é a que está aqui em ponderação, tal juízo de censura, dirigido a um agente por ter praticado o acto ilícito danoso em vez do acto lícito devido e possível, pressupõe que o agente tenha capacidade de culpa, isto é, tenha capacidade de entender e querer no momento em que actuou (que não seja inimputável – art. 481º do CPC). Mas pressupõe também que o agente não inimputável não respeite um dever objectivo de diligência que sobre ele impende quando actua em sociedade com possibilidade de causar danos a outrem. Esse dever de cuidado corresponde exactamente à diligência que um bom pai de família teria nas circunstâncias que o agente actuou (Art. 480º, nº 2 do CC). O agente, na tentativa de evitar o acto ilícito, não pode intencionalmente ou de forma imprudente deixar de observar o referido dever de cuidado medido pelo padrão de diligência de um bom pai de família e não pelo padrão de diligência habitual do próprio agente. Se observar o cuidado devido e, mesmo assim, o acto ilícito ocorrer, este ilícito não lhe é imputável a título de culpa.
O acto ilícito em causa no caso sub judice é um ilícito contratual equiparado ao incumprimento contratual. É a impossibilidade da prestação. É a não construção em prazo. Nenhuma dúvida se colocando quanto à capacidade de culpa da ré (capacidade de entender e querer), há, pois, que averiguar se a prestação se tornou impossível porque a ré não actuou com o grau de diligência devido, aquele com que actuaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou.
O momento a que se reporta o juízo de culpa é aquele em que o agente praticou o acto ilícito. Cabendo aferir se no momento em que o agente actuou de modo ilícito poderia ter querido e podia ter actuado de modo lícito se, estando capaz de entender e querer, actuasse como actuaria um bom pai de família.
No caso dos autos a actuação da ré a submeter ao crivo da actuação do bom pai de família é duradoura e não de execução imediata. Com efeito, a prestação contratual devida pela ré requeria entre três a quatro anos para que pudesse ser executada/prestada. Esse período de actuação da ré a considerar em termos de juízo de culpa começa com a celebração dos contratos com o autor e com o respectivo cedente da posição contratual (16/07/2012 e 26/2/2011) e acaba no termo efectivo do prazo de aproveitamento determinante da caducidade da concessão (25 de Dezembro de 2015, depois de prorrogado de 28/02/2014). Com efeito, a impossibilidade da prestação ocorreu porque a ré não construiu após ter contraído perante o autor o dever de prestar (construir e entregar) e até ao momento em que deixou definitivamente de poder construir e de poder cumprir a sua prestação por ter terminado a concessão do terreno da construção.
Cabe, pois, aferir se no referido período temporal a ré actuou com a diligência com que actuaria um bom pai de família, uma vez que não está questionada a capacidade da ré para formar uma vontade livre e esclarecida.
A culpa da ré determinada pelo grau de diligência de um bom pai de família perspectivada nos termos de “actio libera in causa” negligente.
Dispõe o art. 481º, nº 1 do CC que “não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório”.
Esta disposição legal revela que o juízo de culpa em matérias de responsabilidade civil pode ser fundado em comportamento do agente praticado em momento anterior à prática do acto ilícito causador dos danos a indemnizar, desde que o agente não seja suscetível de censura no momento da prática desse acto mas seja susceptível dessa mesma censura no momento anterior em que foi originada a causa que impede o juízo de censura no momento da prática do acto danoso. Ou seja, pelo critério do “bonus pater famílias” o agente não está “livre” e censurável no momento da prática do acto ilícito, mas colocou-se nessa situação intencionalmente ou por imprudência, estando “livre” e censurável no momento em que ocorre a “causa” da circunstância que lhe exclui a culpa.
O caso que deu origem a este avanço da ciência do Direito provém do Direito criminal e terá sido o caso de um funcionário dos caminhos de ferro que se embriagou e estava inconsciente no momento em que tinha de “mudar as linhas” para que dois comboios seguissem orientações diferentes e, nada tendo feito, ocorreu uma colisão entre dois comboios num momento em que o funcionário estava incapaz de culpa por estar incapaz de entender e querer o comportamento lícito alternativo ao comportamento ilícito que praticara em estado de inconsciência.
A acção de não mudar as linhas dos comboios não era censurável ao funcionário por não ser em si própria uma acção livre por falta de capacidade para entender e querer no estado de embriaguez completa. Porém a sua causa foi livre, pois que o funcionário se embriagou de forma intencional para não ser censurado ou de forma apenas imprudente ou negligente. A acção não livre era, afinal, livre na sua causa e, por isso, ainda susceptível de ser dirigido ao seu autor um juízo de censura em termos de culpa por não ter optado pela acção lícita alternativa. O funcionário não era “livre” no momento da colisão dos comboios, mas era “livre” de não se embebedar quando, com possibilidade de prever que a colisão iria ocorrer, se embebedou - a “actio libera in causa”.
O funcionário devia ser censurado “in causa” ou na origem da causa da desculpação da sua acção de não “mudar as linhas” como era seu dever.
Vejamos em que medida a “ideia” da actio libera in causa pode auxiliar na decisão do presente caso, ou seja, na decisão de dirigir ou não dirigir à ré um juízo de censura em termos de culpa por a sua prestação se ter tornado impossível em vez de ter sido prestada antes de, por esgotamento do prazo de aproveitamento da concessão, ocorrer a impossibilidade de construir.
Trata-se da culpa pela causa da impossibilidade, presumindo-se em relação ao devedor e cabendo a este provar que a impossibilidade sobreveio apesar de ter feito o esforço exigível para que não sobreviesse, um esforço cuja medida de exigibilidade é determinada pelo esforço que faria um bom pai de família colocado na situação do devedor no momento da causa da acção livre (actio libera in causa), o momento da celebração do contrato com o credor, e não no momento em que a prestação se tornou impossível (causa da impossibilidade – caducidade da concessão e três a quatro anos imediatamente anteriores).
A ré diz que não conseguiu construir em tempo as fracções autónomas que devia entregar ao autor porque a RAEM não lhe permitiu ao colocar-lhe entraves ilegais que impediram a construção atempada.
Por outro lado, a ré diz ainda que a RAEM lhe criou expectativas que lhe permitiria construir mesmo para lá do fim do prazo de aproveitamento da concessão, quer não fazendo terminar a concessão, quer atribuindo-lhe uma nova concessão.
A actuação de terceiro que a ré invoca para não lhe ser imputada a título de culpa (censura) a superveniência da impossibilidade da prestação tem de ser avaliada a dois níveis. A criação de entraves ilegais respeita à possibilidade de actuação da ré e a criação de expectativas que se vieram a frustrar respeita à liberdade de decisão, designadamente à vontade não esclarecida porque formada em erro relativo às expectativas.
Digam-se desde já três coisas sobre a relevância exculpante da alegada actuação da RAEM materializada em factos objectivamente impossibilitantes (entraves) e em factos subjectivamente desculpantes (expectativas):
Relativamente à criação de entraves:
- Não estamos em sede do chamado “facto do príncipe” em que um terceiro estranho à relação contratual impede a prestação por força do seu poder de autoridade pública que o devedor não pode ultrapassar. De acordo com a alegação da ré, no caso em apreço a RAEM actuou apenas como parte num contrato de concessão por arrendamento e, por vezes, não o cumpriu e criou entraves. É certo que a ré não teria ao seu dispor meio fácil, ágil e atempado de compelir a RAEM a cumprir a cooperação contratual que alegadamente não cumpriu. Porém, para efeitos de análise, mesmo apesar das reconhecidas dificuldades da ré, ainda não se justifica qualificar a actuação da RAEM como “facto do príncipe”, o qual, por ser inultrapassável ou só ultrapassável por meios inexigíveis, torna a impossibilidade superveniente da prestação não imputável ao devedor;
- Relevam apenas para exclusão da culpa da ré os entraves criados pela actuação da RAEM (alegadamente causadora da impossibilidade da prestação) que ocorreram depois de a ré ter celebrado os contratos com o autor (16/7/2012) e com o cedente da posição contratual que o autor adquiriu (26/2/2011), pois que antes disso não havia qualquer prestação devida pela ré que a RAEM pudesse impossibilitar de cumprir. Não releva, pois, a sugestão/exigência da RAEM para a é fazer alterações ao projecto de arquitectura, designadamente aumentando o afastamento entre torres, uma vez que tudo ocorreu antes da celebração dos contratos. De facto, não existindo ainda dever de prestar, não poderia o mesmo dever ficar impossibilitado de ser cumprido.
Relativamente às expectativas:
- Também em termos de actio libera in causa relevam apenas para exclusão da culpa da ré as expectativas alegadamente criadas pela RAEM antes de a ré ter celebrado o contrato com o autor, pois que depois disso não foi assumida qualquer prestação pela ré que pudesse ser fundada em expectativas de poder cumprir. Não releva, pois, a prorrogação do prazo de aproveitamento e a emissão de licença de obras, uma vez que não contribuíram com expectativas para a decisão da ré de contrair o dever de prestar (construir e entregar) que já havia contraído. De facto, já existindo dever de prestar, não poderia o mesmo ter sido contraído com base em expectativas criadas posteriormente, pelo que a frustração de tais expectativas por acto de terceiro não pode desculpar “in causa”.
Vejamos então se deve ser dirigido à ré um juízo de culpa semelhante ao que é dirigido ao agente nos casos de “actio libera in causa”.
Se a imputação da impossibilidade se faz pelo juízo de culpa e se esta pode ser aferida “in causa” ou na origem da impossibilidade e não no tempo em que ocorre a impossibilidade, tratar-se-á de impossibilidade da prestação por causa imputável “in causa” ao devedor. Trata-se afinal de imputação da “causa que causou a causa” da impossibilidade.
A prestação a cargo da ré tornou-se impossível contra a vontade e os esforços da mesma ré. Mas no momento em que a prestação foi acordada seria já previsível (a um bom pai de família, que é medianamente previdente e prudente) que era consistente a probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? E se fosse previsível, como procederia um bom pai de família? Contrataria, arriscando que a impossibilidade não ocorreria? Contrataria apenas depois de esclarecer a outra parte contratual da probabilidade de não ser possível a construção no prazo de aproveitamento? Ou não contrataria? Se contratasse pura e simplesmente, a ré não deve ser censurada em termos de culpa. Se o bom pai de família não contratasse ou só contratasse depois de esclarecer a contraparte e de obter a adesão desta, então a ré deve ser censurada “in causa” por a prestação se ter tornado impossível mais tarde como já era ponderável e devia ser ponderado no momento em que o dever de prestar foi criado.
A ré invoca um acto de terceiro como causador da impossibilidade da prestação. Porém, para a ré ficar imune ao juízo de culpa “in causa” é necessário que o acto de terceiro, além de inevitável como o “facto do príncipe” e o caso de força maior, se apresentasse como imprevisível (como o caso fortuito) ou improvável a uma pessoa que, no momento da criação do dever de prestar, actuasse com a diligência média com que actuaria o “bonus pater familias”. Não releva, pois, para a questão da culpa da ré aqui em apreço, saber se a actuação da RAEM é ela própria ilícita e culposa ou contrária à lei e censurável, relevando apenas saber se é inevitável e imprevisível.
Há que valorar a conduta da ré em termos de censura por observância ou inobservância voluntária e livre dos deveres de cuidado que se impunham a um bom pai de família medianamente previdente e diligente na situação em que a ré contratou e no momento em que contratou.
Tal operação tem de ser feita sem nunca perder de vista que se presume a culpa da ré por ter ocorrido impossibilidade superveniente da prestação a seu cargo e que tal presunção impõe à ré o ónus de prova (e de alegação) de factos com eficácia desculpante (arts. 790º, nº 1 e 788º, nº 1 do CC).
O “bom pai de família” comerciante/empresário.
O grau de diligência devido que determinará se o grau de diligência observado pela ré é ou não susceptível de censura é aquele que observaria um bom pai de família nas circunstâncias em que a ré actuou. Cabe aferir se a ré se desviou, in causa, da actuação que teria no seu lugar o bom pai de família.
A ré é uma sociedade comercial, um agente económico que, num ambiente jurídico-comercial de incentivo à livre iniciativa com vista ao progresso económico e social se propõe desenvolver uma actividade económica lucrativa que pressupõe correr riscos comerciais os quais serão, afinal, a justificação jusfilosófica do lucro (ou uma das justificações possíveis).
Se correr riscos é inerente à actividade comercial exercida em concorrência, o exercício da concorrência, que se quer livre, quere-se também leal ou seja, conforme aos usos honestos da actividade económica, designadamente sem enganos por acção ou omissão (arts. 158º e 160º do Código Comercial). O bom pai de família empresário é aquele que pauta a sua actuação comercial de acordo com os usos honestos da sua actividade comercial, os quais não lhe impõem que revele os seus segredos comerciais nem o impedem de ser hábil na luta pela clientela, mas que o impedem de omitir outras indicações relevantes do seu comércio e de ser astucioso.
No caso dos autos, a ré quando contratou desenvolveu a sua actividade comercial propondo-se construir e vender. Na ordem jurídica da RAEM não é, em abstracto, censurável pelo padrão do bom pai de família comerciante que a ré tenha arriscado construir e que, mediante um preço, se tenha obrigado a construir e a entregar.
Porém, a ré trouxe o autor para a sua esfera de risco ou para a sua esfera de organização comercial onde se inseria a RAEM na qualidade de concedente e de entidade administrativa competente em matéria urbanística e ambiental.
Não parece haver dúvidas que o dever de cuidado que observaria um bom pai de família aumenta quando não arrisca sozinho mas insere na sua esfera de risco e de organização o credor sem que este tenha qualquer poder de controlar ou interferir nesse risco e nessa organização exclusivas do círculo de actividade comercial do devedor. Retenha-se que a ré se “queixa” que já antes de ter celebrado os contratos com o autor e com o seu cedente a RAEM lhe vinha dificultando indevidamente a conclusão do empreendimento ao exigir alterações ao projecto de arquitectura e estudos de impacto ambiental, não se sabendo por que razão seria de esperar que a atitude adversa da RAEM mudasse depois da celebração do contrato entre a ré e o autor .
A censura do devedor pela impossibilidade da prestação fundada na aceitação imprudente do risco de obtenção/construção de coisa futura aumenta se o devedor “leva” o credor para esse risco em condições que o bonus pater familias não levaria.
E aumenta ainda mais se o devedor não adverte o credor dos riscos organizacionais ou outros em que o insere, cabendo ao devedor demonstrar que advertiu se quiser ilidir a presunção de culpa que sobre si impende. Na verdade, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé…” – art. 219º, nº 1 do CC.
O contraente que se compromete a prestar no futuro compromete-se ao mesmo tempo a remover os obstáculos ao cumprimento que previsivelmente se lhe deparem e a disponibilizar o esforço previsivelmente necessário à remoção. Assim, em caso de impossibilidade de remoção do obstáculo ao cumprimento, o insucesso do devedor é-lhe, em princípio, censurável se quando contratou calculou mal as suas forças para remover os obstáculos previsíveis, se previu mal esses obstáculos que eram previsíveis ou se calculou bem forças e obstáculos previsíveis e se conformou com a insuficiência de forças para remover os obstáculos. São a imprudência, a imprevidência, a intenção e a consciência os locais onde se pode ancorar a censura.
Mas vejamos mais de perto nos factos provados quais as circunstâncias em que a ré arriscou.
Dois contratos foram celebrados em 16/7/2012 e um em 26/2/2011 e a ré necessitava de um período de três a quatro anos para construir e entregar as fracções autónomas acordadas (ponto 125. dos factos provados). Nas referidas datas era expectável que o prazo de aproveitamento terminaria em 28/02/2014 se não viesse mais tarde, como veio, a ser prorrogado. Não disporia, pois, a ré de “três a quatro anos” para construir desde a celebração dos contratos até ao termo do prazo de aproveitamento não prorrogado ainda. Na data dos contratos a ré não tinha ainda licença administrativa para iniciar as obras e estava advertida que só lhe seria emitida depois de apresentar relatórios de circulação de ar e de estudo de impacto ambiental que fossem aprovados. Na mesma data da celebração dos contratos a ré não tinha ainda obtido aprovação do referido relatório de impacto ambiental, o qual apresentou pela primeira vez em 11 de Maio de 2011.
Por outro lado, não se provaram factos onde se possa concluir que a ré tinha razões para estar segura que, contrariamente ao que aconteceu, o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão seriam prorrogados nem que lhe seria atribuída nova concessão do mesmo terreno com um grau de segurança que permitiria a um bom pai de família (determinado a cumprir os seus compromissos) vincular-se contratualmente perante terceiros sem os esclarecer que para cumprir o seu vínculo precisava que as suas expectativas se concretizassem. Provou-se apenas que a ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015. Ora, a ré até poderia confiar e ter expectativas, mas não suficientemente seguras ao ponto de levarem o “bom pai de família” (empresário que segue os usos honestos da sua actividade económica) a contratar como a ré contratou contraindo com firmeza e solenidade contratual escrita a obrigação de construir que apenas tinha expectativas de conseguir. Com efeito, as expectativas são isso mesmo: confiança que aconteça o que pode não acontecer. A ré vinculou-se com base em expectativas sem as repercutir nos termos do acordo sob a forma de cláusulas condicionais. Tinha apenas expectativas e vinculou-se sob a forma de certezas, comprometendo-se sem condições. Transformou as expectativas em certezas. Não espelhou as expectativas no contrato porquanto neste se vinculou sem mais. O contrato não revela com transparência a situação de mera expectativa em que a ré se encontrava. Por certo, a actuação com transparência neste caso corresponde ao conceito de bom pai de família. Na situação do caso em apreço, a divergência entre a forma como a ré se vinculou e a situação de exectativas em que se encontrava, ainda que possa ser cuidadosa e competente em termos de marketing e de influência no comportamento do mercado, excede o dolus bonus e o padrão de actuação do bom pai de família comerciante de usos honestos da sua actividade económica.
Perante esta factualidade, um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor que estivesse determinado a prosseguir a sua actividade comercial contrataria sem a avisar das vicissitudes referidas? Relembre-se antes de responder que é à ré que cabe alegar e provar que esclareceu os “compradores” (ou que isso era desnecessário por já estarem esclarecidos) antes de os inserir na sua esfera de organização e de risco empresarial e que cabe alegar e provar que tinha razões para confiar na extensão do prazo de aproveitamento ou da concessão.
Afigura-se que, em face do elevado risco advindo da escassez de prazo para construir e da “lenta e exigente” relação com os serviços competentes da RAEM, um bom pai de família empresário, empreendedor, prudente e atento aos interesses legítimos dos demais agentes económicos não celebraria os contratos que a ré celebrou sem o conhecimento efectivo e a aceitação por parte do outro contraente do risco de impossibilidade da prestação que veio a concretizar-se.
A contratação que a ré fez nestas circunstâncias de escassez de tempo e num contexto de anterior “relacionamento lento e exigente” com a RAEM configura em si mesmo uma violação por parte da ré do dever objectivo de cuidado quanto aos usos honestos e transparentes da actividade económica, violação que se projectou “in causa” naquilo que mais tarde viria a ser a causa efectiva da impossibilidade da prestação. Portanto, mesmo que a ré tenha sido diligente com vista a conseguir construir, não foi cuidadosa como seria no seu lugar um bom pai de família, mas foi temerária, ao contratar inserindo sem advertência o autor e o cedente na sua esfera de risco, do risco de não conseguir construir atempadamente, risco que era claramente visível a um bom pai de família.
A censura a dirigir à ré não deriva do facto de ter empreendido e corrido risco empresarial, mas deriva, pois, do facto de ter colocado os seus contrapartes no risco da própria ré quando esse risco já era antecipável a um bom pai de família, que é medianamente previdente, e quando este pai de família, caso pretendesse arriscar, arriscaria sozinho sem ampliar a sua esfera de risco a terceiros sem os esclarecer ou então esclareceria esse mesmo risco, o que se presume que a ré não fez.
A censura que a ordem jurídica dirige à actuação da ré por ter ocorrido a impossibilidade da prestação é uma censura “in causa”.
A ré contratou sem observar os cuidados que, no seu lugar, observaria o bom pai de família para evitar que ocorresse de surpresa para a outra parte contratante a impossibilidade da prestação que a própria ré criava por via contratual, pelo que não actuou com o cuidado objectivamente devido, sendo negligente a sua actuação, uma das formas de culpa cível em matéria de responsabilidade civil.
À ré pode ser dirigido um juízo de censura em termos de culpa pela expansão temerária e unilateral da sua esfera de risco. Não é de risco que se trata, mas de culpa pela expansão do risco.
Em termos puramente de risco que a ré não comunicou ao autor, se a ré tivesse conseguido construir receberia os lucros que houvesse sem ter de os repartir com o autor nem com o cedente e, como não conseguiu construir, recebe os prejuízos que haja, também sem ter de os repartir.
A ré diz que tudo fez para conseguir construir e que, por isso, não merece censura por não ter conseguido construir atempadamente e assim evitar a caducidade da concessão que provocou, afinal, a sua impossibilidade jurídica de construir. Porém, não é na falta de esforço para construir que deve fundar-se o juízo de culpa quanto à impossibilidade da prestação. O juízo de culpa deve antecipar-se “in causa” e aí, conclui-se que a ré, sem esclarecer claramente o autor e o cedente, nem deveria ter criado o dever de prestar e, assim, teria evitado a impossibilidade de o cumprir que veio a verificar-se, como era antecipável a quem actuasse com mediana prudência e cuidado para não causar danos a terceiros decorrentes da impossibilidade de cumprir a obrigação de construir e entregar fracções autónomas de prédio urbano.
Em conclusão, a impossibilidade da prestação devida pela ré é imputável à devedora (ré) a título de culpa (negligência ou inobservância do cuidado devido) porquanto essa impossibilidade era previsível a um comerciante medianamente prudente no momento em que o dever de prestar foi assumido pela ré e essa previsibilidade levaria aquele comerciante a não contratar da forma empresarial arrojada como a ré contratou ou a fazê-lo apenas depois de obter a adesão ao seu risco empresarial.
2. – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
3. – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
3.1. Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que o autor pagou à ré e ao cedente para receber daquela imóveis e que nada recebeu, é forçoso concluir que sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização. E esta conclusão é afirmada sem necessidade de discussão sobre a existência de sinal penitencial, aquele sinal acordado pelas partes como “preço do arrependimento”, o qual torna lícita a desvinculação unilateral do normal dever de cumprimento do contrato.
3.2. Do montante da indemnização
O autor pretende ser indemnizado pelo seu dano efectivo, que alegadamente é superior ao dobro do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
3.2.1. Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, o autor entende que os contratos em discussão nos presentes autos devem ser qualificados como contratos-promessa, ao passo que a ré entende que deve ser qualificado como contratos atípicos.
A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual.
Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das parte não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
Vejamos então nos factos provados se, nas prestações concretamente acordadas pelas partes que ali constam, o seu acordo pode ou não ser qualificado como contrato-promessa.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Porém, os factos provados remetem para o texto do acordo em análise. Desse texto constam expressões cujo significado aponta quer no sentido de as partes acordarem celebrar no futuro novo contrato (de compra e venda), quer no sentido de acordarem apenas formalizar no futuro um acordo já concluído. Com efeito, ora denominam o contrato de “contrato-promessa de compra e venda” e falam em prometer vender, “prometer comprar e “prometida venda” e denominam-se “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”; ora falam em recuperação e revenda da fracção pela ré e alienação da fração pelo promitente-comprador antes da celebração da escritura pública de compra e venda (cláusulas 5ª e 9º).
Pois bem, nesta situação em que se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis, como referido, a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CC).
Ora, parece-nos decisivo o teor das cláusulas 9º a 22ª para saber o sentido que o normal declaratário atribuiria ao teor da declaração que as partes plasmaram no documento a que se reporta a alínea c) dos factos provados: - se lhe atribuiria o sentido de estar já concluído o acordo definitivo ou se lhe atribuiria o sentido de ainda haver algo para acordar no futuro.
Na referida cláusula 22ª refere-se que a ré pode fazer alterações de construção sem que a outra parte contratual possa recusar a “transacção”, o que aponta no sentido de haver ainda acordo a fazer no futuro que as partes denominaram “transacção” e que não podia ser recusado com determinado fundamento.
A cláusula 9ª aponta também para que as partes quisessem ainda novo contrato. Com efeito, estabeleceram condições onerosas para a cessão da posição contratual. Ora, se as partes já considerassem a propriedade da fracção na esfera jurídica do “comprador”, porque considerariam que este não era dono integral e não podia transferir para terceiro sem o consentimento da ré e sem a remunerar?
Este “mecanismo” de cessão da posição contratual aponta no sentido de que, no entendimento das partes contratantes, a ré não se desligou da prestação característica do contrato-promessa que é celebrar outro contrato e que, por isso, receberá comissão para celebrar esse novo e futuro contrato com terceiro, não se tratando apenas de uma modificação subjectiva do mesmo contrato. Se na vontade real dos contraentes a ré já nada tivesse a ver com a fracção autónoma em causa nem com a prestação característica do contrato promessa, a comissão que tem direito a receber por consentir na cessão da posição contratual seria incompreensível na economia do contrato. De facto, as partes não estabeleceram a necessidade de consentimento e de pagamento de comissão para as vendas posteriores à celebração da escritura pública de compra e venda, o que aponta para que, no espírito dos contraentes, a situação negocial é diferente antes e depois da escritura, porque a fracção está em esferas jurídicas diferentes nesses dois momentos.
Se as partes considerassem que celebraram um contrato de compra e venda de bem futuro não era necessário regular a cessão da posição contratual que regularam. O comprador de bem futuro pode vender a coisa como pode o comprador de bem já existente. O proprietário que adquiriu por contrato não transmite a sua posição contratual quando vende. Não transmite um crédito, mas transmite um direito real, ainda que futuro, ainda que suspenso. Se as partes sentissem que a fracção autónoma já pertencia ao autor em termos de direito real futuro, não colocariam qualquer entrave a que o autor vendesse, também como bem futuro. A justificação que a ré dá (conhecer a quem deveria entregar a fracção e evitar actividades fraudulentas em relação a terceiros) não basta na perspectiva do normal declaratário para o pesado e caro/lucrativo mecanismo contratual estabelecido no caso de o cedente já se sentir proprietário, apesar de ter suspensa a aquisição do direito de propriedade. Até porque a ré estava totalmente garantida face à falta de pagamento, pois faria suas as quantias que já lhe haviam sido pagas (cláusula 5ª do contrato em análise).
Se a ré vendeu bem futuro, como defende, o autor também poderia fazer o mesmo e vender o seu bem futuro sem necessidade de “autorização” da ré. A ré também não pediu autorização a ninguém para vender um bem futuro de que seria proprietária quando o construísse. Porque necessitava o autor de “autorização” se era tão proprietário futuro como a ré? É esta falta de explicação para a desconsideração da qualidade jurídica real do autor face a bens futuros que tem de levar o declaratário normal a concluir que, afinal, os contraentes consideraram que o autor apenas tinha direito de crédito e poderia ceder a posição contratual do contrato gerador desse direito de crédito, mas não podia vender bens futuros porque estes bens eram alheios, porque eram da ré. Ao regularem a cessão da posição contratual, Deixam entender que consideraram que a posição do cedente e do autor que podia ser cedida era uma posição creditícia e não uma posição real, ainda que correspondente ao que pode designar-se na linguagem comum por “pequeno proprietário”. Isto é, as partes contratantes deixaram entender que o autor e o cedente tinham um direito de crédito, um direito ao cumprimento de uma promessa de contratar, e não um direito real, ainda que futuro e em suspensão. Ao regularem a cessão de um crédito (posição contratual) as partes deixam entender ao declaratário normal que consideravam que o autor não tinha ainda um direito real sobre coisa futura. Deixam entender que o autor não pode transmitir a coisa futura (o seu direito real sobre ela), mas apenas pode transmitir a promessa da ré (um direito sobre a ré e não um direito sobre a coisa futura).
É esta engrenagem negocial aliada à denominação que as partes deram ao contrato que celebraram que deve levar o “normal declaratário” a considerar que a prestação característica que a ré assumiu foi celebrar um contrato no futuro com o promitente originário ou com aquele a quem fosse cedida a posição contratual de promitrente-comprador.
Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o autor e o cedente entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito dos contratos promessa que ambas celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal. Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão. Com efeito, a ré logrou apenas provar que o contrato que celebrou refere a palavra preço, não constituindo tal facto “prova do contrário” do facto presumido. Isto é, não é prova de que as partes não quiseram atribuir carácter de sinal.
Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
Ora, se em caso de incumprimento do cedente a ré é indemnizada em “1.041.000”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que o cedente ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
As partes não estipularam que em caso de incumprimento do cedente ou do autor a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal, a sua ampliação para o valor do dano efectivo que excede o valor do sinal ou a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar aos aurores um montante igual ao do sinal que recebeu, um montante superior ou um montante inferior?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações , sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que o autor sofreu. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré disse que o autor, devido à impossibilidade da prestação da ré irá adquirir uma fracção autónoma semelhante à que iria adquirir da ré como acordado e pelo preço que foi acordado pagar à ré.
Provou-se que o autor se candidatou com sucesso à aquisição de tal fracção.
Nas suas alegações de Direito a ré assume que o autor se candidatou a adquirir fracção semelhante à acordada no contrato cuja posição contratual adquiriu (fracção “G5”). Antevê-se que a escolha do autor teve a ver com o preço que terá de pagar para adquirir a chamada “fracção para troca”. Pela equivalente à “G5” pagará HKD3.470.000, pois que foi convencionada em 2011 quando os preços seriam inferiores às duas outras que o autor acordou com a ré em 2012 por mais de seis milhões de dólares de Hong Kong.
Perante esta situação já se pode concluir que só poderá haver lugar à redução equitativa em relação à indemnização que seja devida ao autor pelo incumprimento da ré em relação ao contrato cuja posição contratual de promitente-comprador adquiriu de terceiro. Na verdade, em relação aos dois contratos que celebrou directamente com a ré não receberá qualquer fracção para troca, pelo que nenhuma razão a ré invocou para justificar a redução equitativa.
Assim, apenas há que ponderar se, por razões de equidade, deve haver redução do valor da indemnização relativamente ao incumprimento do contrato relativo à fracção “G5”. Quanto aos contratos relativos às fracções “31E” e “31H” há apenas que ponderar se a indemnização deve ser superior ao valor do sinal e correspondente ao dano efectivo.
Redução equitativa quanto à indemnização por incumprimento da prestação da ré relativa à frcção “G5”.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
Desconhece-se o preço pelo qual o autor adquiriu a posição contratual de promitente-comprador da fracção “G5”. Mas tinha o direito de adquirir a fracção “G5” pagando à ré a parte do preço ainda não paga (HKD2.429.000,00 – no ponto 6. dos factos provados consta um lapso de escrita advindo do art. 6º da petição inicial) e terá de pagar pela aquisição da habitação para troca HKD3.470.000,00, pelo que terá um prejuízo de HKD.1.041.000,000 (3.470.000,00 - 2.429.000,00), que é exactamente o valor do sinal. Sendo o dano já identificado igual ao valor do sinal, a indemnização fixada pelo valor do sinal não pode ser considerada manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo, pois que ainda haveria a ponderar o dano decorrente do tempo que o autor está privado da fracção que pretendia adquirir e do valor monetário que pagou para a adquirir. É assim evidente que não há lugar à pretendida redução equitativa, pois não se sabendo quando irá o autor adquirir outra fracção autónoma no âmbito do referido programa governamental, que não está minimamente demonstrado que o dano efectivo do autor é consideravelmente inferior ao valor do sinal, razão por que não pode haver redução do valor da indemnização por recurso à equidade.
Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo autor, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
Da indemnização por “dano excedente”.
O dano que o autor pretende ver ressarcido consiste na privação do aumento que se deu no valor de mercado das fracções, entre o preço que acordou pagar e o valor de mercado que hoje o autor teria se tivesse recebido as fracções pretendidas em cumprimento do acordado.
Vejamos se tal dano ocorreu na esfera jurídica do autor e, em caso afirmativo, se o autor tem direito a que seja ressarcido.
Quanto à fracção “G5”.
Pois bem, se, como se viu, o autor vai receber uma fracção equivalente à fracção “G5” não terá, quando a receber, qualquer dano em relação à diferença de valor. Terá o valor que teria se recebesse a fracção “G5”, ou um valor semelhante. Outro dano que não seja a privação da diferença de valor de mercado não pode o tribunal considerar por falta de pedido e de discussão contraditória.
Improcede, pois a pretensão de indemnização superior ao valor do sinal relativamente à fracção “G5”, pois que pressupõe que o dano efectivo seja consideravelmente superior ao valor do sinal prestado (art. 436º, nº 3 do CC), o que não está provado, mesmo que seja admissível que a fracção que o autor venha a receber não tenha exactamente o valor que teria a fracção contratada “G5”. É necessária a demonstração de uma diferença consideravelmente superior ao valor do sinal prestado, o que não está demonstrado.
Portanto, quanto a esta fracção a indemnização deve corresponder ao sinal HKD.1.041.000,000 por não haver razão para redução por equidade e por não se provar o dano alegado de privação do aumento ocorrido no valor de mercado nem o tribunal poder atender a dano não peticionado, como seja a privação da fracção por vários anos.
Tem, pois, o autor direito a receber, por via da resolução contratual, HKD.1.041.000,000 a título de restituição da quantia que a ré recebeu e têm direito a receber igual quantia a título de indemnização por incumprimento resultante da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré devedora.
Quanto às fracções “E31” e “H31”.
O sinal prestado no âmbito dos contratos relativos às fracções “E31” e “H31” foi de HKD3.801.000,00.
O autor acordou com a ré que o preço das duas referidas fracções seria, no conjunto, HKD12.670.000,00.
Provou-se que no momento do encerramento da discussão em primeira instância as referidas fracções teriam em conjunto o valor de HKD18.621.058,50 (MOP19.179.690,20).
O aumento do valor de mercado das duas fracções foi, pois, de HKD5.951.058,50 (18.621.058,50 - 12.670.000,00).
Por não ter recebido da ré as duas fracções acordadas, o autor está privado deste aumento de valor - HKD5.951.058,50. É este o seu dano efectivo que alegou, não podendo o tribunal conhecer de outro por não lhe ter sido colocado para apreciação (arts. 563º, nº 3 do CPC).
A diferença entre o valor do sinal prestado e o aumento do valor de mercado das fracções é de HKD2.150.058,50 (5.951.058,50 - 3.801.000,00).
Afigura-se inquestionável que o dano efectivo que o autor alegou e provou é consideravelmente superior ao valor do sinal prestado. A diferença “salta aos olhos”, pelo que procede a pretensão do autor de ser indemnizado pelo “dano excedente”, que equivale a dano efectivo, como se disse, em vez de ser indemnizado pelo valor do sinal prestado.
Assim, relativamente às fracções “E31” e “H31” tem o autror direito a receber, por via da resolução contratual, HKD3.801.000,00 a título de restituição da quantia que a ré recebeu e tem direito a receber HKD5.951.058,50 a título de indemnização por incumprimento resultante da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré devedora, indemnização esta que não corresponde ao valor do sinal, mas ao valor do dano efectivo, alegado e provado, o qual é consideravelmente superior ao valor do sinal prestado que serve supletivamente de predeterminação da indemnização por incumprimento.
4. Da mora na obrigação de indemnizar e na obrigação de restituir em consequência de resolução contratual.
O autor pedeu a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da citação até integral pagamento. Nas suas alegações de Direito já o autor de pronunciou no sentido de a mora quanto à parte da obrigação de indemnizar fixada por referência ao “dano excedente” só ocorrer com a presente decisão.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre quanto às obrigações puras e líquidas, como são as da ré, com a interpelação (art. 794º, nºs 1 e 4 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepões aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
A mora ocorreu, pois, com a citação. Não pode perturbar esta conclusão o facto de o cálculo do dano a indemnizar ser feito por referência a momento posterior à citação/interpelação. É que esse cálculo também podia ser feito no momento da citação e só não foi porque a ré não cumpriu aí a sua obrigação de indemnizar, pelo que a mora e a sanção moratória se justificam plenamente a partir do acto da citação. A obrigação não era então ilíquida por não depender da fixação de qualquer aspecto que não fosse fixo na altura, o aumento de valor de mercado. A questão só se poderia colocar em relação a eventual aumento do dano (valor de mercado) entre a data da citação/interpelação e a data da sentença, pois que na citação seria pedido valor inferior ao fixado na sentença e se a ré tivesse pago com a interpelação não poderia ter pago o valor fixado na sentença. Não foi isso que ocorreu. Se o dano líquido diminuir após a citação, a mora contada apenas de data posterior à interpelação redunda em “benefício para o infractor”. No caso presente a mora e as suas consequências assentam bem ao momento da interpelação, pois que o montante do dano não era ilíquido, por ser o valor de mercado e este não depender, para ser quantificado, de qualquer acto de terceiro em relação ré, como seria se necessitasse de um juízo equitativo de terceiro.
*
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declaram-se resolvidos os contratos existentes entre as partes e condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de HKD11.834.058,50 (onze milhões, oitocentos e trinta e quarto mil, cinquenta e oitos dólares de Hong Kong e cinquenta cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento.
Custas a cargo do autor e ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.”
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No que respeita à fracção “G5”, louvamos a acertada, perspicaz e justiciosa decisão que antecede, na qual foi abordada de forma minuciosa e fundamentada a qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, a imputabilidade do incumprimento do contrato à recorrente, assim como o valor da indemnização. Em suma, não se vislumbra, a nosso ver, que a indemnização correspondente ao valor do sinal seja manifestamente excessiva, razão pela qual acompanhamos a decisão do juiz a quo no sentido de que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal. Assim, quanto a esta parte, remetemos aos precisos termos constantes da sentença recorrida, conforme disposto no artigo 631.º, n.º 5 do CPC.
Relativamente às fracções “E31” e “H31”, salvo o devido respeito, não partilhamos do entendimento consignado na sentença recorrida.
De facto, sobre a questão do eventual direito à indemnização por danos excedentes por parte do promitente-comprador, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, afirmando que o mero aumento do preço da fracção não implica necessariamente a existência de danos excedentes.
Decidiu-se no Processo n.º 813/2024 o seguinte:
“Ora, nesta parte, merece destacar os seguintes aspectos:
1) - A “novidade” do arresto consiste no facto de o Tribunal a quo recorrer à estimativa dos preços das 8 fracções autónomas do mercado imobiliário, avaliada em tempo próximo da discussão da audiência de julgamento, que teve lugar em Fevereiro de 2024 (fls. 1778 a 1800 dos autos), chegou-se à conclusão de que os Autores sofreriam de dano calculado na seguinte forma: o preço (estimado) do mercado das fracções autónomas em causa – (menos) os preços fixados nos respectivos contratos-promessa, com esta fórmula se fixa a indemnização do chamado dano excedente sofrido!
2) - Ora, salvo o merecido respeito, não é de acolher este raciocínio, visto que:
a) - A estimativa é apenas um valor previsível e tem o valor que tem, mas não pode ser entendido como um valor que corresponde ao dano efectivamente sofrido pelos Autores, já que tais “bens futuros” (pespectivados no momento da celebração dos contratos-promessa) nunca entraram no “mercado” para circulação, tal como se alega e prova por abundantes documentos juntos aos autos. Situação diferente será aquela em que o bem já está construído e está na mão do vendedor, este pode sempre vendê-lo posteriormente. Mas não é esta situação que estamos a apreciar!
b) - Será que os Autores conseguiram vender efectivamente por aqueles “preços” (previsíveis) as fracções autónomas? Não há provas sobre este ponto.
Frise-se ainda aqui, quanto a este ponto, o que o Tribunal recorrido fez foi recorrer às regras publicadas pela DSC e Estatísticas. O Tribunal a quo argumentou: “fundamentação: - documento de fls. 41, 45, 49, 53, 57, 61, 65, 85 a 108, 1128 a 1130 e 1771 a 1776; - Multiplicação das áreas das fracções pelos valores indicados no documentos da Direcção dos Serviços de Estatística cujo endereço electrónico consta do art. 85º da petição inicial; - O momento a considerar é o mais próximo possível do encerramento da discussão em primeira instância (art. 566º do CPC); - A prova testemunhal que depôs sobre a questão foi unânime no sentido de o empreendimento “La Marina” ser de qualidade e valor de mercado semelhante ao que se esperava que tivesse o “XXX”; - Os documentos da Direcção dos Serviços de Estatística referem os valores considerados provados. Foi nos termos descritos que se formou a convicção do tribunal.”
Ou seja, nem se quer foi feita alguma avaliação por instituições idóneas ou por bancos sobre os preços dos imóveis naquela zona da cidade, ou seja, concretamente sobre as fracções autónomas dos edifícios em causa. Nestes termos, se fossem provas periciais (sujeitas à livre apreciação do julgador nos termos fixados pelos artigos 382º e 383º do CCM), teriam ainda mais valor do que a “prova” produzidas perante o Tribunal recorrido. Ou, outras provas mais possíveis e credíveis é recorrer aos preços de transacções registados na DSF, mas igualmente não foi lançada mão deste mecanismo. Eis a chamada apreciação crítica das provas. Se vingasse a tese dos Autores neste ponto, quase se poderia afirmar que eles ficassem dispensados de produzir provas, pois quase seria automática a indemnização por danos excedentes, mas não é esta filosofia que presidiu à legislação reguladora desta matéria. Tal como se refere num acórdão do TUI, uma coisa é o preço do mercado, outro é o dano efectivamente sofrido pelas partes (cfr. proc. nº 58/2019). Entendemos que os preços das fracções autónomas dos edifícios ao lado não podem directamente ser usados como preços de venda das fracções do edifício em causa, muito menos os prejuízos sofridos pelos Autores, já que os preços do mercado são condicionados por um conjunto de factores (ex. localização, andar mais alto ou mais baixo, vistas panorâmicas, momento de colocar no mercado para venda …etc), até, o preço das fracções autónomas do mesmo andar pode variar-se em função de vários factores.
c) - Um outro facto mais importante que não foi considerado pelo Tribunal a quo é o seguinte: o preço total para adquirir tais 8 fracções é HK$38,145,000.00 conforme o estipulado pelas partes, mas os Autores pagaram apenas HK$11,443,500.00 (conforme o que consta dos contratos-promessa de compra e venda de fls. 41 a fls.76 dos autos). E os preços do mercado aumentaram e baixaram conforme o que consta das respostas do quesito 18º dos Factos Assentes – o valor global das 7 fracções autónomas era HK$94,912,875.00 (apresentado com a PI em 05/11/2018 e esse valor passou a ser HK$62,691,269.80 – valor avaliado em Janeiro de 2024 (Estes valores foram estimados pelo Tribunal Recorrido, para nós, a situação é apreciada à luz do critério fixado pelo artigo 437º do CPC).
É de ver que tais valores estimados variaram-se. Nesta óptica, não se tratando duma prova com valor legal fixo, não se pode fixar a respectiva indemnização na suposição de que os Autores pagaram a totalidade dos preços das 8 fracções autónomas (custos) e assim com a resolução dos contratos passariam a poder adquirir tais “lucros”! Neste ponto, a matéria alegada pelos Autores consta do artigo 74º a 101º da PI em que foram feitos apenas os cálculos respectivos.
d) - Mais, não há provas de que os Autores já prepararam todas as quantias suficientes para pagar o remanescente dos preços. No caso de se recorrerem aos empréstimos bancários, teriam de suportar custos: juros, despesas administrativas…etc.
e) - Por isso, não se deve aceitar as estimativas como danos efectivos sofridos pelos Autores. A avaliação feita neste ponto têm o seu valor que têm, mas há-de ponderar outras circunstâncias concretas rodeadas do caso concreto, nomeadamente no momento em que rebentou o caso de “XXX” (“XXX事件”) (não se sabia se os edifícios iriam ser construídos ou não a tempo e no caso negativo quem será responsável?) as pessoas ainda estavam dispostas para adquirir tais fracções autónomas pelos preços do mercado? Não é supérfluo frisar que em 2015 foi declarada a caducidade da concessão do terreno em causa, e em 2018 foi proposta a respectiva acção, e, durante tal prazo, existiam ambiguidade e confusões em vários aspectos: não se sabia como é que seria resolvida a situação que tocava à posição de vários promitentes-compradores; o caso de “XXX” (“XXX事件”) já se tornou um “caso de impacto social”; pergunta-se, as pessoas ainda estavam dispostas a adquirir fracções autónomas, cuja “existência física” estava eivada de dúvidas? Estes factos são factos do conhecimento público e como tal podem ser objecto de reflexões por parte do Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 434º do CPC.
*
3) - Agora, relativamente ao dano excedente, quando não pode ser calculado ao certo, à luz da doutrina dominante, e no caso da sua impossibilidade, recorre-se ao juízo de equidade.
A propósito deste ponto, escreveu-se:
“De harmonia com a lei substantiva, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma outra norma (artº 609.º, n.º 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será equitativamente julgado. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja, nem serve para alijar por inteiro, o não cumprimento, seja pelo credor da obrigação de indemnização quantitativamente indeterminada do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito, seja pelo devedor de igual ónus que o vulnera no tocante a qualquer facto extintivo daquela mesma obrigação (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, e 346.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC).”16[Ac. do STJ, Proc. 3292/20.5TBLRA/C1.S1, de 11/02/2025]
4) - Pergunta-se, como é que se deve resolver este tipo de questões? A propósito desta matéria, citemos aqui a posição dominante vigente em Portugal, em nome do Direito Comparado (Cfr. ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/10/2012) sobre a matéria em discussão (uma situação semelhante):
«Acontece porém que nos situamos no âmbito da resolução do contrato. O autor optou pela resolução do contrato.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado”.
Entre as partes e na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art.º 433º do Código Civil. Por isso tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes.
Ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. O que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, “de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida”.
Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” .
Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado. Tal entendimento tem sido seguido maioritariamente na jurisprudência.
Com base nesta doutrina, não é aceitável a compatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao (interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela solução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.
Por isso e conclui no citado acórdão de 24.1.2012 que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido”.
Nada no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência.
Por conseguinte, improcede o pedido de indemnização do A. relativo a lucros cessantes.»
O raciocínio vale, mutantis mudantis, para o caso dos autos, sendo certo que o artigo 436º do CCM (que tem uma redacção diferente da do CC de 1966 vigente em Portugal), consagra:
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Depois, o artigo 801º do CCM manda:
(Redução equitativa da pena)
1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
A propósito dos nº 4 e 5 do artigo 436º do CCM, anotou-se:
“15. No estudo global que se faça do problema, chega-se à conclusão que o nº 4 vem reforçar a ideia transversal consagrada no Código a respeito da natureza confirmatória do sinal (o próprio Menezes Leitão acaba por admitir que o nº 4 não tem natureza penitencial, em ob. cit., pág. 246). Ou seja, para lá da perda do sinal pelo tradens ou da devolução em dobro do sinal pelo accipiens, ainda pode haver lugar, salvo estipulação em contrário, a indemnização pelo dano excedente. Foi uma opção do legislador de Macau, que podia ter aproveitado a ocasião para ser mais generosa. Com efeito, não passou da criação dessa possibilidade indemnizatória pelo dano excedente, sem a estender a outra qualquer indemnização (nomeadamente, por danos não patrimoniais), tendo em conta que na parte final do nº 4 afirmou expressamente a impossibilidade de alargamento da extensão indemnizatória (habitualmente, alguns autores defendem que, sem limitação, pode haver a indemnização por perdas e danos no caso de sinal confirmatório).
Pior é, apesar de tudo, a situação do parente próximo preceito português, pois nele se preceitua que "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento".
De qualquer maneira, há mesmo aí quem sustente que, para além dessa indemnização pelo não cumprimento, possa haver uma ou mais indemnizações fundadas noutras causas, como, por exemplo, nos casos de terem sido feitas benfeitorias na coisa (Ana Prata, Código ... cit., pág. 568).
16. O nº 5 manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 801º. Não é bem claro o propósito da disposição legal: se apenas se aplica aos casos em que os contraentes estabelecem no contrato uma indemnização para o caso de incumprimento por arrependimento (arras ou sinal penitencial), ou se também aplicação no caso de sinal confirmatório-penal.
E se a resposta for no sentido de apenas cobrir a segunda hipótese de sinal confirmatório, ainda fica por saber se a redução por equidade (art. 801º) abrange somente as situações em que há dano excedente (nº 4), calculando-se aí a indemnização segundo critérios equitativos, ou se também atinge o dobro do sinal por incumprimento do accipiens.
Por um lado, poderia parecer que a melhor solução seria, efectivamente, a que permite a aplicação do regime de redução no caso de incumprimento de contrato em que o sinal tem a função de arra confirmatória. Na verdade, se o sinal tiver o sentido penitencial, isso se deve ao facto de as partes, de livre vontade e por consenso, terem estabelecido os próprios limites indemnizatórios, não fazendo sentido que o tribunal os possa baixar apenas porque o devedor lho tenha pedido.
Por outro lado, é de crer que a redução também não possa incidir sobre o dobro do sinal, porque isso seria contrariar a solução da lei (nº 2).
Nesta óptica, pareceria ficar assim a remissão para o art. 801º circunscrita às situações em tiver que haver indemnização pelo dano excedente. Este dano pode ser, realmente, elevado, se tivermos em conta as diferenças de preços em mercados (por exemplo, imobiliários) que frequentemente se pautam por regras pouco saudáveis de especulação. Tendo em conta que o dano pode ser realmente avultado, a intervenção do juiz pode eventualmente justificar-se, se bem que a redução também pode funcionar como um prémio ao devedor.
Não temos, enfim, a certeza sobre o alcance da norma.
Mas, se fizermos a conjugação dos artigos 436º, 801º (e o ambiente da sua sistematização) e 820º, nº 2, (neste caso, para o contrato-promessa) talvez seja possível, afinal de contas, considerar que a remissão apenas faça sentido nos casos em que as partes contratantes tenham estipulado, por penitência, uma indemnização com caracter de pena no contrato para a hipótese de não cumprimento por arrependimento. A jurisprudência dirá o que for de justiça sobre o assunto. (Cfr. Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, CFJJ, 2020, Vol. VI, pág. 506 e 507).
Efectivamente pode existir alguma dúvida na interpretação e aplicação das normas em causa.
Mas não é pela primeira vez que este TSI é chamado para se pronunciar sobre o conceito de danos ou prejuízos excedentes, o mesmo conceito encontra-se consagrado no artigo 1027º do CCM em matéria locatária que dispõe:
(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
A propósito deste conceito, ficou consagrado o seguinte entendimento no Proc. nº 646/2017, com o acórdão proferido em 26/07/2018:
“I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
II - Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!”
Não há razões bastantes para não seguirmos o entendimento acima referido, já que está em causa uma matéria de natureza idêntica: para além de pagar o dobro, pode pedir-se indemnização por danos excedentes, mas estes têm de estar devidamente demonstrados e comprovados, não bastam alegações abstractas ou provas indirectas.
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Voltando ao caso em análise, sublinhe-se aqui, é de verificar que a norma do nº 4 do artigo 436º é mais exigente do que a norma do artigo 1027º (que regula a matéria de locação), pois aquela norma fala de “dano consideravelmente superior’! O que exige provas mais rígidas e persuasivas!
(…)
6) - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto (Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03). Ou seja, no caso, deve existir factos assentes no sentido de que os Autores tivessem a possibilidade de vender, pelo menos, pelos valores por ele alegados e comprovados (ex. mediante contratos-promessa de compra e venda celebrados) a uma terceira pessoa concreta, o que não se encontra devidamente demonstrado por factualidade assente.
7) - Pelo que, tal como se refere anteriormente, o preço do mercado não deve ser aceite tal e qual indicado pelos Autores, já que uma coisa é provar que um bem podia ter um determinado valor no mercado, outra é provar que o seu dono conseguiu vender tal bem por um preço desejado, tal como se refere no acórdão do TUI datado de 19/06/2019 (Proc. nº 58/2019), razão pela qual não é de aceitar a solução indicado no nº (2), sob pena de se ofender a justiça do caso concreto.
8) - Quantos aos juros moratórios, caindo a questão da indemnização por danos excedentes, não se justifica apreciar a questão do momento a partir do qual se inicia calcular os juros em causa, mantendo-se neste ponto, na parte aplicável, a argumentação tecida pelo Tribunal a quo com adaptações, nomeadamente no que se refere ao início de pagamento de juros a partir da citação.
Fica prejudicado o conhecimento das demais questões.”

À luz da fundamentação jurídica ali exposta, cuja explanação sufragamos inteiramente e que aqui se dá por integralmente reproduzida, concedemos provimento ao recurso quanto a esta parte.
Isto posto, revogamos a decisão quanto ao valor da indemnização por danos excedentes, determinando que, no que diz respeito às fracções “E31” e “H31”, a ré é condenada a pagar ao autor apenas o sinal em dobro, no montante de HKD3.801.000,00x2.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide conceder parcial provimento ao recurso interposto pela ré A Limitada e, em consequência, condena esta a pagar ao autor B, o dobro do sinal referente às três fracções em causa, na quantia total de HKD9.684.000,00, acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento.
Custas pelas partes na proporção do decaimento, nesta instância.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 9 de Abril de 2025
                      Tong Hio Fong
                      (Relator)
                      Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
                      (1° Juiz-Adjunto)
                      Fong Man Chong
                      (2° Juiz-Adjunto)



Recurso Cível 824/2024 Página 9