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Processo n.º 164/2025
(Autos de recurso jurisdicional das decisões do TA)

Relator : Fong Man Chong
Data : 30 de Abril de 2025

Assuntos:

- Irrecorribilidade de acto verticalmente não definitivo

SUMÁRIO:

I – Uma vez que a Entidade Recorrida praticou o acto impugnado ao abrigo de uma competência que lhe é deferida pela norma legal contida no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, segundo a qual, «as plantas erradas podem ser rectificadas por iniciativa do director da DSCC, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado», a questão está em saber se essa competência do director da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro é, além de própria, uma competência exclusiva.
II - Nestes termos, é de verificar-se que nem da norma do artigo 18.º nem de qualquer outra do Decreto-Lei n.º 3/94/M se retira que a competência do director da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro aí prevista é uma competência exclusiva. Por isso, do acto praticado ao abrigo daquela norma cabe recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, uma vez que este, por força do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 2/1999 e no artigo 6.º, n.º 1, alínea 1) do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, é o superior hierárquico daquele.
III – Apesar de existirem entendimentos diferentes, a verdade é que o Tribunal de Última Instância, no acórdão de 9.07.2014, tirado no processo n.º 10/2014, afirmou, em termos inequívocos, que, no nosso ordenamento jurídico-administrativo, a competência exclusiva dos subalternos constitui a excepção e não a regra e que, por isso, dos actos dos subalternos praticados no exercício de competências próprias cabe, salvo disposição legal em contrário, recurso hierárquico necessário.

O Relator,

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Fong Man Chong












Processo n.º 164/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)

Data : 30 de Abril de 2025

Recorrente : A Limited (A有限公司)

Recorrido : Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro (地圖繪製暨地籍局局長)

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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I - RELATÓRIO
A Limited (A有限公司), devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 29/10/2024, veio, em 15/11/2024, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 350 a 366, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Para a Recorrente e Recorrido não restam dúvidas sobre o preenchimento do segundo dos requisitos impostos pelo n.º 1 do artigo 28.º do CPAC, sendo sobre a desnecessidade de impugnação administrativa ou sobre a definitividade vertical do acto recorrido, a qual, na opinião do Ministério Público, sufragada pelo entendimento constante da sentença, não se observa in casu;
2. Entende o Tribunal a quo que dos artigos 17º da lei 2/1999 e 6º, nº 1, alínea 1) do Regulamento 6/1999 resulta que a DSCC se encontra na dependência do Secretário para os Transportes e Obras Públicas e existe uma relação de dependência entre um e outro, pelo que a falta de previsão da necessidade de impugnação graciosa do acto não implica a existência da competência exclusiva do órgão.
3. Ora, salvo o devido e enorme respeito, das normas citadas não se pode tirar qualquer conclusão quanto à verticalidade definitiva dos actos do director da DSCC pois das mesmas apenas resulta que a DSCC encontra-se na dependência hierárquica ou tutelar do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o que é inquestionável. De resto, essas normas são, mutatis mutandis, idênticas àquelas que existem para todos os serviços e entidades públicas de Macau e respectivas tutelas, pelo que, a serem elas o sustento da não definitividade vertical do acto recorrido, forçoso seria concluir que em Macau apenas os actos dos Secretários e do Chefe do Executivo seriam verticalmente definitivos;
4. Assim, a obrigatoriedade de recurso hierárquico do acto recorrido teria de se basear noutras disposições legais, designadamente dos diplomas que regulam o funcionamento da DSCC ou as plantas cadastrais, como, de resto, resulta da doutrina defendida por Viriato Lima e Álvaro Dantas em anotação ao artigo 28.º do CPAC, aliás citada pelo Tribunal a quo em sustentação da sua tese;
5. Com efeito, Viriato Lima e Álvaro Dantas referem que "(...) se o autor do acto for um órgão subalterno, tem de se analisar o tipo de competência que com a prática do mesmo se exerceu, uma vez que os actos praticados ao abrigo de competência exclusiva (própria ou delegada) são ainda definitivos (...)";
6. Refere-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro (Regula a elaboração, conservação e manutenção do cadastro geométrico dos terrenos do Território), que "(...) A competência atribuída à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro para elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro dos terrenos do Território é mantida e reforça-se a incidência do cadastro na identificação física dos terrenos, quanto ao valor probatório que lhe é atribuído, embora deixando-se para o registo predial a definição da situação jurídica dos prédios e das respectivas fracções autónomas. (...)" - (sublinhado nosso);
7. Estabelece o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, que "Compete à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro geométrico dos terrenos do Território, adiante designado por cadastro." - (sublinhado nosso);
8. Por outro lado, não se conhece a atribuição das competências constantes do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, por qualquer fonte normativa, a qualquer outro órgão da Administração, pelo que, em concreto, a competência para a prática de um acto de rectificação oficiosa de uma planta definitiva é exclusiva, na vertente de própria, do Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro;
9. E mesmo que se entenda, sem conceder, que as competências do Director da DSCC supra mencionadas não são exclusivas, "os actos administrativos praticados por órgãos subalternos, mesmo que não se trate de acto de competência exclusiva, não estão sujeitos a impugnação administrativa necessária", assim tendo o TSI decidido no seu Acórdão proferido no processo n.º 318/2015, em 24 de Setembro de 2015, seguindo os entendimentos e interpretações normativas firmadas, entre outros, nos seus Acórdãos n.º 32/2012, de 09-05-2013, n.º 853/2012, de 31-10-2013, e n.º 594/2011, de 27-03-2014;
10. Estabelece o artigo 154.º do Código do Procedimento Administrativo que o recurso hierárquico é necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso, sendo que esta determinação depende do estatuto da Entidade Recorrida; este é o entendimento firmado na jurisprudência supra mencionada;
11. In casu, o acto de rectificação oficiosa foi tomado pelo Director da DSCC, no uso das competências exclusivas a si conferidas expressa e directamente pelo Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, verificando-se assim a definitividade em todas as suas vertentes tal como doutrinalmente referenciadas, material, horizontal e vertical, pelo que é contenciosamente recorrível junto do Tribunal Administrativo;
12. O Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, atribui directa e expressamente uma competência a um órgão subalterno da Administração, não estando previsto neste diploma qualquer necessidade de impugnação graciosa ou a não impugnabilidade contenciosa, pelo que o uso do recurso hierárquico é de natureza facultativa;
13. A competência para a prática de acto de rectificação oficiosa de planta cadastral não é conferida ao Secretário em lado algum do ordenamento jurídico de Macau, pelo que foi conferida exclusivamente ao Director da DSCC, e, mesmo na hipótese de se considerar que a competência do Director da DSCC não é exclusiva, tal não contende com a definitividade do acto, pois Definitividade e Exclusividade não são a mesma coisa, tal como decidido nos mencionados Acórdãos proferidos pelo TSI;
14. Decidiu-se nos Acórdãos proferidos pelo TSI nos processos n.º 32/2012, de 09-05-2013, e n.º 853/2012, de 31-10-2013, que "Quando a lei atribuir uma competência a um órgão subalterno da Administração Pública para a prática de um determinado acto administrativo, desse acto não cabe recurso hierárquico necessário salvo quando especialmente previsto na lei." (sublinhado nosso);
15. Suportando-nos no Direito Comparado, atente-se que o novo Código de Procedimento Administrativo português, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, estabelece clara e expressamente, no n.º 2 do seu artigo 185.º, que "As reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários.", o que se alinha com as decisões do TSI que supra mencionamos e com a doutrina quanto à questão, assim como se alinha com a jurisprudência dos tribunais portugueses anterior ao estabelecimento claro e expresso do entendimento constante do n.º 2 do artigo 185.º do novo Código de Procedimento Administrativo português;
16. Como bem ensina José Cândido de Pinho, se assim não fosse não seria necessário que a lei viesse estabelecer, como frequentemente o faz, que deste ou daquele acto cabe recurso hierárquico necessário; se o legislador assim se viu na necessidade de definir o tipo de recurso a interpor é porque ele mesmo entendeu que nesse domínio a regra vigente é de sinal contrário: a de que não há recursos hierárquicos necessários, salvo quando especialmente previstos na lei;
17. Entende a Recorrente que o conteúdo do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 70/93/M, de 20 de Dezembro, o qual prescreve que "A Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, abreviadamente designada por DSCC, é um serviço de apoio técnico da Administração do Território e passa a reger-se pelo disposto no presente diploma" reforça a exclusividade das competências do Director da DSCC e, em consequência, o carácter de definitividade vertical do acto, no sentido que realça o carácter técnico, específico e especializado das atribuições inerentes, retirando sentido a um recurso hierárquico que iria ser decidido por quem carece de tal preparação técnica especializada; provavelmente o Sr. Secretário iria solicitar parecer à DSCC para decidir do recurso ... ;
18. Ensina José Cândido de Pinho que "(...) Não é por o CPA nada dispor sobre o assunto que se justifica o recurso hierárquico necessário, sendo para nós sempre facultativo, a menos que a lei ou a natureza dos poderes distribuídos entre superior e inferior hierárquico imponham o contrário. Aliás, uma tese diferente da que defendemos é até contraditória com a própria dinâmica da relação jurídico-administrativa material, pois se sabe que o "chefe hierárquico" nem sempre tem vontade, vocação, aptidão e conhecimento, para resolver todos os casos que se colocam ao subalterno (é para resolver os problemas administrativos comuns que se justifica a administração descentralizada e desconcentrada, assim como é para resolver esta dissensão que as normas por vezes conferem competências exclusivas ao inferior hierárquico, outras vezes competências paralelas e concorrenciais entre inferior e superior hierárquico). Além do mais, depara-se-nos ainda um obstáculo - que de modo nenhum se pode dar por desprezível - que é o de algumas leis ordinárias avulsas da RAEM imporem no seu articulado um recurso hierárquico necessário. Ora, se até o legislador acha que deve expressamente impor em certos casos o recurso obrigatório ou necessário é porque ele próprio tende a considerar que, em todos os restantes, qualquer recurso hierárquico é facultativo." (sublinhados nossos);
19. No âmbito do Decreto-Lei n.º 70/93/M, de 20 de Dezembro, não se estabelece uma relação de dependência da DSCC para com a STOP, mas sim uma relação de especialidade ou especialização técnica, da DSCC em relação à STOP, reforçada com a expressa atribuição das competências constantes do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro ("Compete à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, abreviadamente designada por DSCC, elaborar, conservar e manter actualizado o cadastro geométrico dos terrenos do Território, adiante designado por cadastro.");
20. Pelo exposto, de acordo com a lei, doutrina e jurisprudência mencionadas em sede das presentes alegações, em especial a emanada por este douto Tribunal de recurso, designadamente a constante dos seus acórdãos proferidos nos processos n.º 318/2015, de 24-09-2015, n. º 32/2012, de 09-05-2013, n.º 853/2012, de 31-10-2013, e n.º 594/2011, de 27-03-2014, deveria ter improcedido a invocada excepção da irrecorribilidade do acto, incorrendo a sentença em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 28.º, da alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º e do n.º 1 do artigo 62.º, todos do CPAC, devendo ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos ulteriores trâmites destes autos de recurso contencioso.
Nestes termos, nos melhores de direito, requer-se a Vs. Exs. se dignem julgar procedente o presente recurso e, em consequência, que se revogue a decisão recorrida, considerando-se não procedente a excepção da irrecorribilidade do acto, mais se ordenando, em conformidade, o prosseguimento dos ulteriores termos do recurso contencioso e a apreciação e procedência dos pedidos que demonstram a nulidade e anulabilidade do acto recorrido, fazendo-se desta forma Justiça.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer constante de fls. 380 a 382 dos autos, pugnando pelo improvimento do presente recurso jurisdicional.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
1) – Em 24/05/2024, o Recorrente interpôs recurso contencioso junto do TA contra o acto praticado pelo Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro, com o teor constante do documento nº 1 junto com a PI, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos;
2) – Em 21/06/2024 veio a Entidade Recorrida contestar o recurso, defendendo que o mesmo seja rejeitado ou seja declarada caducidade do direito de interpor recurso;
3) – Em 24/09/2024 replicou o Recorrente (fls. 295 a 310);
4) – Em 29/10/2024 foi proferida a sentença pelo TA, que é objecto deste recurso jurisdicional.
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    IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:

Recorrente A LIMITED
interpôs o recurso contencioso contra
Recorrida Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro, que pelo despacho de 18 de Outubro de 2018, ordenou a rectificação oficiosa de elementos cadastrais do prédio a que se refere o n.º de cadastro 1210.005 e a planta cadastral definitiva n.º 71210005.
Alegou a Recorrente com os fundamentos constantes das fls. 3 a 70 da petição inicial, concluiu pedindo que o acto impugnado seja declarado nulo ou anulado.
O recurso foi contestado pela Recorrida a fls. 262 a 277 dos autos.
Seguidamente, na vista inicial dada, veio o Ministério Público a suscitar, a fls. 292 e v, a irrecorribilidade do acto impugnado, cujo parecer tem o seguinte teor:
“司法上訴人A有限公司針對被訴實體地圖繪製暨地籍局局長於 2018年10月18日在第CI/88/CADIV/2018號內部通知中同意將地籍編號 1210.005 中的標示編號6150 資料剔除的決定提起本司法上訴。
被訴實體作出答辯,提出訴權失效的抗辯理由。
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對於被訴實體提出的抗辯理由,考慮到司法上訴人在起訴狀有主張無效瑕疵,即縱使抗辯理由成立,僅出現部分駁回起訴狀;根據《行政訴訟法典》第1條准用《民事訴訟法典》第394條第2款,上述情況不符合允許部分駁回起訴狀的要求,同時考慮到該問題的複雜性,建議之後在判決時一併處理上述抗辯理由。
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與此同時,我們尚需另外提出被訴行為不具可上訴性的問題。
根據《行政訴訟法典》第28條第1款規定,對產生對外效力而不受必要行政申訴約束之行政行為,可提起司法上訴。
按照 Viriato Lima 及 Álvaro Dantas 的教導: “Para que um acto administrativo seja contenciosamente recorrível é ainda indispensável, (...), que o mesmo não se encontre sujeito a impugnação administrative necessária, ou seja, exige-se que o acto seja verticalmente definitive, (...), “para determinar se um acto é ou não definitive tem apenas de se analisar quem foi o seu autor e no uso de que tipo de competência o praticou. Tratando-se de um órgão colocado no nível supremo dentro da pessoa colectiva em que se insere, por não existir qualquer superior hierárquico, o acto seria sempre definitivo, o mesmo se passando com os actos dos órgãos independentes; se autor do acto for um órgão subalterno, tem de se analisar o tipo de competência que com a prática do mesmo se exerceu, uma vez que os actos praticados ao abrigo de competência exclusiva (própria ou delegada) são ainda definitivos, só não o sendo aqueles praticados ao abrigo de uma competência concorrente com o superior hierárquico”.”1
另一方面,終審法院曾在第10/2014號合議庭裁判中指出:“一、如在某個法人中,多個機關或人員負責同一項事宜,彼此之間形成位階,則每個機關或人員的權力按照他們各自在位階中所處的相對位置而決定。原則上,上級的權限包含下屬的權限,下屬擁有獨立於其上級權限之外的專屬權限屬例外情況。(...) 三、這樣,根據上級權限包含下屬權限的一般規則,治安警察局局長所行使的是其本身、但非專屬的權限,與其上級共同擁有該權限。四、根據《行政訴法典》第28條第1款的規定,針對作為保安司司長下屬的治安警察局局長作出的行為尚不能提起司法上訴,應首先對其提起必要行政申訴。”
依據上述學術及司法見解,我們來分析本案的情況。
被訴行為是被訴實體地圖繪製暨地籍局局長依據第 3/94/M 號法令第 18條對相關地籍圖資料作出的更正決定;根據該法令第1條,地圖繪製暨地籍局有權限製作及保存本地區土地幾何地籍,並對其保持最新資料;然而,該法令沒有規定相關行為屬地圖繪製暨地籍局局長的專屬權限。
地圖繪製暨地藉局隸屬於運輸工務司;根據第 70/93/M 號法令第1條,地圖繪製暨地籍局為澳門特別行政區行政當局之技術輔助機構,言則,地圖繪製暨地籍局不具備行政自治權,其領導作出確定的行政行為之權力取決於上級授權。
除非有任何遺漏,未見存在涉及第3/94/M 號法令的授權行為。
儘管司法上訴人主張被訴行為沾有無效瑕疵,唯無效瑕疵僅排除提出司法上訴的期限,以及屬可依職權審理之問題,但不賦予被訴行為必然具備垂直確定性。
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基於此,我們傾向認為,被訴行為不具備垂直確定性,其可上訴性取決於向被訴實體之上級提出之必要訴願,即現時仍未能針對被訴行為提起司法上訴;故此,建議根據《行政訴法典》第46條第2款c項規定,駁回司法上訴。”
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Foi ouvido a Recorrente relativamente à excepção suscitada.
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Cumpre apreciá-la e decidir.
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De acordo com o afirmado pelo douto parecer do Ministério Público, o acto impugnado tal como previsto no artigo 18.º do DL n.º 3/94/M, está sujeito a recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas para ser possível a abertura da via contenciosa. Nesta tese, o acto não é contenciosamente recorrível pela falta de definitividade vertical, por força do artigo 28.º, n.º 1, in fine do CPAC.

Tem-se entendido pacificamente na doutrina portuguesa que estando em causa um acto administrativo sujeito à impugnação administrativa prévia, o esgotamento prévio dos meios impugnatórios administrativos, com vista a obter a definitividade vertical do acto, constitui um pressuposto processual para impugnação contenciosa do mesmo (cfr. Viriato Lima, Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso anotado, pp. 102 a 103).

A definitividade vertical do acto administrativo impugnado depende da qualidade do respectivo autor e do tipo de competência utilizada na sua prática (exclusiva ou concorrente), tal como referiu José Eduardo Figueiredo Dias, “Tratando-se de um órgão colocado no nível supremo dentro da pessoa colectiva em que se insere, por não existir qualquer superior hierárquico, o acto seria sempre definitivo, o mesmo se passando com os actos dos órgãos independentes; se o autor do acto for um órgão subalterno, tem de se analisar o tipo de competência que com a prática do mesmo se exerceu, uma vez que os actos praticados ao abrigo de competência exclusiva (própria ou delegada) são ainda definitivos, só não o sendo aqueles praticados ao abrigo de uma competência concorrente com o superior hierárquico” (cfr. José Eduardo Figueiredo Dias, Manual de Formação de Direito Administrativo de Macau, 2006, p. 221, ipud. Viriato Lima e Álvaro Dantas, no Código de Processo Administrativo Contencioso, Anotado, p.102).

A este propósito, a chamada competência exclusiva dos órgãos subalternos não constitui a regra mas a excepção, “…. Como salienta a melhor doutrina, ‘a existência de uma relação hierárquica entre dois (ou mais) órgãos da mesma pessoa colectiva implica a possibilidade (sem necessidade de previsão específica) de os actos administrativos praticados pelos subalternos constituírem objecto de impugnação – por inconveniência ou ilegalidade – junto dos seus superiores, a fim de serem (ou não) revogados, modificados ou substituídos por estes. Só o acto do órgão mais elevado da escala hierárquica é recorrível em sede contenciosa – só ele é (de certa maneira) manifestação definitiva ou representativa da vontade da pessoa colectiva, salvo, evidentemente, se se tratar de acto administrativo praticado por órgãos subalternos com competência exclusiva na matéria’.
Deste modo, não é, pois, necessário, que a lei preveja especificamente, para cada acto administrativo, a faculdade ou direito de recurso hierárquico, porquanto, desde que exista relação hierárquica, existirá igualmente possibilidade de impugnação por aquela via. Mesmo que se aceite que o superior não pode exercer em 1.º grau de decisão a competência do subalterno, ‘a verdade é que lhe é dado, oficiosamente ou sob iniciativa dos interessados, não apenas revogar os actos daquele, mas também dispor de novo (por conveniência ou validade) para a situação concreta a que se referia o acto deste. Isto por a competência exclusiva dos subalternos não ser de regra, não ser geral.’ ” (cfr. obra cit., pp. 103 a 104).

Trata-se de uma posição maioritariamente defendida pela jurisprudência do Tribunal mais alto – nomeadamente, no Acórdão do TUI n.º 10/2014, de 9/7/2014, onde se afirmou, de modo expresso, como a excepção a competência exclusiva dos subalternos e não a regra, de tal forma que dos actos dos subalternos praticados no exercício das competências próprias cabe, salvo disposição legal em contrário, recurso hierárquico necessário.

Pelo adiante exposto, cremos ser a referida posição a perfilhar para o caso aqui em apreço.

À partida, não parece controversa a qualificação do acto ora impugnado – a rectificação oficiosa da planta cadastral – como acto administrativo, de acordo com a definição dada pela norma do artigo 110.º do CPA (Aliás, a questão nunca foi colocada anteriormente nos acórdãos dos tribunais superiores, designadamente Acórdãos do Tribunal de Última Instância n.º 86/2021, 08/09/2021, e do Tribunal de Segunda Instância n.º 658/2019, de 28/10/2021, que se limitam a apreciar, incidentalmente, a validade do acto consequente como tal qualificado).

Ora, dispõe o artigo 18.º do DL n.º 3/94/M que “as plantas erradas podem ser rectificadas por iniciativa do director da DSCC, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado.” Tal norma apesar de atribuir ao director da DSCC a competência dispositiva sobre a matéria em causa, nada especificou quanto à faculdade ou ao direito de recurso hierárquico que exista sobre o acto. Daí não se pode extrair a competência exclusiva do referido órgão, pelo facto de inexistir norma que preveja a impugnação contenciosa directa do acto praticado no exercício daquela competência.

Por outro lado, por força do artigo 17.º da Lei n.º 2/1999 (Lei de Bases da Orgânica do Governo) e o artigo 6.º, n.º 1, alínea 1) do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 (Organização, competências e funcionamento dos serviços e entidades públicos), e o seu Anexo VI, alínea 9), a DSCC fica na dependência orgânica do Secretário para os Transportes e Obras Públicas e existe uma relação de hierarquia entre um e outro.

Desse modo, ao contrário do entendido pela Recorrente, a falta da previsão da necessidade de impugnação graciosa do acto, não implica a existência da competência exclusiva do órgão. Na aplicação da regra geral de a competência do superior compreender a dos subalternos, o Director da DSCC exerce uma competência própria, comum ao seu superior que embora não exerça em 1.º grau de decisão a competência do subalterno, pode exercer a competência de fiscalização mediante a prática do acto em 2.º grau, nos termos do artigo 161.º do CPA.

Pelo que o acto ora impugnado encontra-se sujeito à impugnação administrativa necessária, não sendo por isso contenciosamente recorrível.

Nos termos expostos, assim decide o Tribunal:
- Absolver a Entidade recorrida da instância pela irrecorribilidade do acto recorrido, por força dos artigos 28.º, n.º 1, 46.º, n.º 2, alínea c) e 62.º, n.º 1 do CPAC.
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça fixada em 5UC.
Registe e notifique.
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Quid Juris?
Relativamente às questões suscitadas neste recurso, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...)
1.
A Limited, sociedade comercial melhor identificada nos presentes autos, interpôs recurso contencioso do acto administrativo praticado pelo Director dos Serviços de Cartografia e Cadastro que ordenou a rectificação oficiosa de elementos cadastrais do prédio a que o n.º de cadastro 1210.005 e a planta cadastral definitiva n.º 71210005 consubstanciada na eliminação da menção à descrição predial n.º 6150 que da mesma constava, pedindo a declaração da sua nulidade e, subsidiariamente, a respectiva anulação.
Por douta decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo que se encontra a fls. 321 a 323 dos presentes autos foi a Entidade Recorrida absolvida da instância com fundamento na irrecorribilidade do acto recorrido.
Inconformada, veio a Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional perante o Tribunal de Segunda Instância, pugnando pela revogação daquela decisão.
2.
(i)
Está em causa no presente recurso, como já vimos, uma única questão, a de saber se o acto recorrido é ou não contenciosamente recorrível.
O Meritíssimo Juiz a quo, acolhendo o entendimento sufragado pelo Ministério Público, decidiu no sentido da irrecorribilidade por considerar, em síntese, que aquele acto não era verticalmente definitivo uma vez que estava sujeito a recurso hierárquico necessário.
A Recorrente, nas suas doutas alegações, defende, no essencial, que o acto recorrido foi praticado pela Entidade Recorrida no exercício de uma competência exclusiva e, por isso, apesar de se tratar de acto de um órgão subalterno da hierarquia administrativa, não estava sujeito a recurso hierárquico necessário
Em nosso modesto entendimento, a douta decisão recorrida não merece reparo. Muito brevemente, pelo seguinte.
De acordo com o disposto no artigo 28.º, n.º 1 do CPAC, «são actos administrativos contenciosamente recorríveis os que, produzindo efeitos externos, não se encontram sujeitos a impugnação administrativa necessária». Significa isto, portanto, que a lei exige como requisito da recorribilidade do acto a sua definitividade vertical, ou seja, que se trate da última palavra da Administração.
É pacífico que, tratando-se de actos praticados por subalternos no exercício de competência própria, são verticalmente definitivos e, portanto, contenciosamente recorríveis, os actos que correspondam ao uso de uma competência exclusiva.
No caso, em apreço, a Entidade Recorrida praticou o acto impugnado ao abrigo de uma competência que lhe é deferida pela norma legal contida no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, segundo a qual, «as plantas erradas podem ser rectificadas por iniciativa do director da DSCC, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado».
A questão está, pois, em saber se essa competência do director da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro é, além de própria, uma competência exclusiva.
A resposta a esta questão, como muito bem decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo, não pode deixar de ser negativa.
Na verdade, apesar de alguma jurisprudência do Tribunal de Segunda Instância apontar no sentido de que, em regra, os acto dos subalternos são verticalmente definitivos (assim, os acórdão de 9.05.2013, processo n.º 32/2012 e acórdão de 27.03.2014, processo n.º 594/2011), a verdade é que o Tribunal de Última Instância, no acórdão de 9.07.2014, tirado no processo n.º 10/2014, afastou-se de tal entendimento e afirmou, em termos inequívocos, que, no nosso ordenamento jurídico-administrativo, a competência exclusiva dos subalternos constitui a excepção e não a regra e que, por isso, dos actos dos subalternos praticados no exercício de competências próprias cabe, salvo disposição legal em contrário, recurso hierárquico necessário.
Daqui decorre, desde logo, não ser necessário que a lei preveja especificamente para cada acto administrativo praticado por um subalterno a sua sujeição a recurso hierárquico necessário, isto porque a regra é precisamente essa, é a de que, como decorre do artigo 131.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (cujo teor é o seguinte: «salvo disposição especial, são competentes para a revogação dos actos administrativos, além dos seus autores, os respectivos superiores hierárquicos, desde que não se trate de acto de competência exclusiva do subalterno»), mesmo quando o órgão de topo da hierarquia não exerce em 1.º grau a competência que a lei defere ao subalterno, lhe é dado, oficiosamente ou na sequência de requerimento dos interessados (artigo 127.º do CPA), não apenas revogar os actos daquele, mas também dispor de novo para a situação concreta (assim, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Coimbra, 1998, p. 772. Diga-se que, actualmente, desde a entrada em vigor do novo CPA, a regra no ordenamento jurídico português é a contrária, é a de que as reclamações e os recursos têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar necessários: artigo 185.º, n.º 2 do CPA português). Se esta é a regra e a excepção é a da exclusividade da competência do subalterno, é, portanto, esta que terá de resultar directamente ou por interpretação da norma habilitante do exercício do poder administrativo em causa (nela se referindo, por exemplo, que do acto cabe recurso contencioso imediato).
A verdade é que, nem da norma do artigo 18.º nem de qualquer outra do Decreto-Lei n.º 3/94/M se retira que a competência do director da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro aí prevista é uma competência exclusiva. Por isso, do acto praticado ao abrigo daquela norma cabe recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, uma vez que este, por força do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 2/1999 e no artigo 6.º, n.º 1, alínea 1) do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, é o superior hierárquico daquele.
Assim, o acto impugnado, por não ter sido objecto de recurso hierárquico, não é verticalmente definitivo e, portanto, nos termos preceituados no n.º 1 do artigo 28.º do CPAC não é contenciosamente recorrível, sendo que , a irrecorribilidade do acto constitui excepção dilatória que, como é próprio das excepções dilatórias, obsta ao conhecimento do mérito do recurso e, se detectada depois da fase liminar, conduz à absolvição da Entidade Recorrida da instância [artigos 46.º, n.º 2, alínea c) e 62.º, n.º 1 do CPAC e 412.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPAC].
Deste modo, somos modestamente a concluir que a douta decisão recorrida do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo não sofre de qualquer erro de julgamento.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
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Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida (cfr. artigo 631º/5 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPAC).
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Síntese conclusiva:
I – Uma vez que a Entidade Recorrida praticou o acto impugnado ao abrigo de uma competência que lhe é deferida pela norma legal contida no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M, de 17 de Janeiro, segundo a qual, «as plantas erradas podem ser rectificadas por iniciativa do director da DSCC, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado», a questão está em saber se essa competência do director da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro é, além de própria, uma competência exclusiva.
II - Nestes termos, é de verificar-se que nem da norma do artigo 18.º nem de qualquer outra do Decreto-Lei n.º 3/94/M se retira que a competência do director da Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro aí prevista é uma competência exclusiva. Por isso, do acto praticado ao abrigo daquela norma cabe recurso hierárquico necessário para o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, uma vez que este, por força do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 2/1999 e no artigo 6.º, n.º 1, alínea 1) do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, é o superior hierárquico daquele.
III – Apesar de existirem entendimentos diferentes, a verdade é que o Tribunal de Última Instância, no acórdão de 9.07.2014, tirado no processo n.º 10/2014, afirmou, em termos inequívocos, que, no nosso ordenamento jurídico-administrativo, a competência exclusiva dos subalternos constitui a excepção e não a regra e que, por isso, dos actos dos subalternos praticados no exercício de competências próprias cabe, salvo disposição legal em contrário, recurso hierárquico necessário.
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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Custas pela Recorrente que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 30 de Abril de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1º Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto do Ministério Público)
1 CPAC anotado, CFJJ, 2015, p. 102
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