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Processo n.º 105/2025
(Autos de recurso em matéria cível)

Relator: Fong Man Chong
Data: 30 de Abril de 2025

ASSUNTOS:

- Função do sinal no contrato-promessa de compra e venda e consequência de impossibilidade de cumprimento definitivo de prestação prometida

SUMÁRIO:

I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.


O Relator,

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Fong Man Chong

Processo nº 105/2025
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 30 de Abril de 2025

Recorrente : A, Limitada (A有限公司)

Recorrido : B

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A, Limitada (A有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 04/09/2024, veio, em 20/09/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1390 a 1411, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD2.304.000.00.
     2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável Recorrente.
     3. Com efeito, ficou provado que se não fôsse um consumo de tempo além do expectável por parte da DSSOPT, a Recorrente teria conseguido aproveitar o terreno dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão contratados e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço.
     4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
     5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
     6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
     7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento "C", comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
     8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
     9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
     10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
     11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
     12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
     13. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 261 e 262, no seu porito nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
     14. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
     15. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
     16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
     17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
     18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
     19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de "facto do príncipe".
     20. Quanto ao risco, desde logo, em boa verdade, o risco para o Recorrido nasce sim com a cessão da posição contratual que celebrou com o contraente inicial, cedente, sem que tenha havido ali qualquer intervenção da Recorrente.
     21. Nesta situação, a questão da distribuição do risco em contratar diz respeito somente ao cedente e ao Recorrido, enquanto cessionário, mas não, salvo melhor opinião, à Recorrente, que nunca teve qualquer conhecimento do teor do que foi previamente contratado entre eles, limitando-se a consentir na cessão.
     22. Por outro lado, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
     23. O Recorrido sabia necessariamente que o contrato que celebrou com a Recorrente estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
     24. As datas dos termos das concessões são públicas, constando do Registo Predial.
     25. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
     26. O Recorrido também sabia perfeitamente que o contrato em causa tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do contrato que celebrou com a Recorrente.
     27. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditâmes de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
     28. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe o Recorrido para a esfera de risco do contrato em causa. Foi ele que quis nela entrar.
     29. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
     30. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
     31. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de "sinal" (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de "depósito" (que não tem sentido penalizador)
     32. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
     33. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
     34. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
     35. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, onde a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato e o adquirente tem o dever de pagar um preço.
     36. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
     37. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
     38. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, a Certidão Predial, a Declaração de Imposto do Selo e, sobretudo, o facto de os recibos de pagamento serem identificados como se tratando da liquidação de um preço e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo.
     39. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
     40. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, "Estes 'contratos-promessa' têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção".
     41. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construír e lhe vai entregar.
     42. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
     43. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que o contrato em discussão não é um típico contrato-promessa mas um contrato de reserva ou um contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
     44. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 32 e 60 a 66 dos autos.
     45. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: "A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor."
     46. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
     47. Ficou provado que a Recorrente recebeu por conta do contrato em discussão nos autos, o montante global de HKD1.152.000.00, pelo que, salvo melhor opinião, deve ser esse o quantum final da indemnização a arbitrar.
     48. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 434º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 779º/1 e 784º/1 do Código Civil.
     Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
*
    B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1490 a 1502, tendo formulado as seguintes conclusões:
     1. 上訴人針對法官 閣下於2024年09月04日所作出的判決不服並提起上訴,上訴人的上訴理由主要涉及以下三方面的內容:
     a) 合同履行不能之可歸責性;
     b) 合同之定性及被上訴人/上手買家所支付的金額之定性;及
     d) 損害賠償。
     2. 在尊重上訴人之前提下,被上訴人對於上訴人之上訴理由陳述不予認同並在此提出爭執如下。
     I. 關於合同履行不能之可歸責性
     3. 上訴人認為其與上手買家於2011年03月09日所簽署的預約買賣合同(以下稱:涉案合同)(及後由被上訴人透過合同地位讓與的方式取得上手買家於涉案合同之預約買受人地位)最終出現履行不能並非基於上訴人之過錯,而是基於澳門特區之過錯(尤其包括延誤回覆及各種要求)導致上訴人未能在土地利用期屆滿之前完成對土地之利用而導致土地批給最終被宣告失效,從而導致被上訴人不能獲交付涉案合同之涉案單位(即:第6幢28樓F座)。
     4. 對此,被上訴人不予認同並在此提出爭執如下。
     5. 根據原審法院對待證事實的答覆,作為相關批給合同當事人之上訴人在與澳門特區達成相關批給合同時已知悉上條之期限。
     6. 上訴人是一家有經驗的發展商,上訴人應有能力估算建成“C”項目需要的時間。
     7. 根據原審法院對待證事實的答覆,上訴人與上手買家簽署涉案合同時尚未獲發地基工程准照。
     8. 而根據原審法院對待證事實的答覆,上訴人需要3至4年的時間建成整個“C”項目。
     9. 在明知其未能於土地利用期屆滿之前不能完成建造整個“C”項目並把涉案單位交付予上手買家的情況下,上訴人仍決定於2011年02月27日與上手買家簽署涉案合同。
     10. 更甚者,上訴人與上手買家及被上訴人於2015年08月06日簽署《C合同地位讓與的合同》(以下稱:上述合同地位讓與合同),但當時上訴人尚在進行土地基工程,完全未開始任何上蓋工程。
     11. 既然上訴人認為其需要3至4年的時間完成建造整個“C”項目,即上訴人在與上手買家及被上訴人簽署上述合同地位讓與合同時是知悉上訴人根本不可能在土地利用期或土地批給屆滿前完成建造整個“C”項目及把涉案單位交付予被上訴人。
     12. 雖然上訴人在獲發工程准照後立即展開“C”項目的地基工程,但本案中沒有任何證據證明上訴人有增聘人手加快展開建造上蓋的工程,導致P地段之土地批給最終被宣告失效。
     13. 雖然上訴人相信相關之土地批給期限會獲延長或會獲重新批給予上訴人,但顯然,上訴人對於此一信念存在錯誤。
     14. 《土地法》第48條第1款明確規定臨時批給是不能續期的。
     15. 上訴人過份自信地認為相關之土地批給期限會獲延長或會獲重新批給予上訴人,錯誤地認為上訴人最終可以建成“C”項目並把涉案單位交付予被上訴人。
     16. 即使上訴人相信相關之土地批給期限會獲延長或會獲重新批給予上訴人,但上訴人應知悉仍存在相關土地批給不獲續期或不獲重新批給的可能性,但卻沒有在與上手買家簽署涉案合同或與上手買家及被上訴人簽署上述合同地位讓與合同時提醒上手買家或被上訴人相關可能性之存在。
     17. 雖然上訴人認為從涉案單位之物業登記可查閱相關土地批給之到期日,但被上訴人作為一般市民並不了解相關到期日之意義;反之,上訴人作為發展商應有義務對上訴人作出相關提醒及告知相關到期日之意義。
     18. 上訴人應根據《民法典》第219條的規定向被上訴人所遭受的損失負責。
     19. 此外,上訴人所指的澳門特區的延誤回覆及各種要求導致上訴人未能展開對P地段之利用從而導致相關土地被宣告失效及涉案合同之履行不能。
     20. 上訴人所指的澳門特區的延誤回覆及各種要求自2008年起已經開始出現,並不是在簽署涉案合同或上述合同地位讓與合同之後才發生,直至上訴人與上手買家簽署亦未獲發工程准照,上訴人亦理應能預計相關情況仍會持續。
     21. 但上訴人仍堅持在2011年02月27日與上手買家簽署涉案合同,及與上手買家及被上訴人於2015年08月06日簽署上述合同地位讓與合同,上訴人過份自信地認為澳門特區必然會把相關之土地批給續期或重新批給予上訴人,及錯誤地認為上訴人最終能把涉案單位交付予被上訴人。
     22. 綜上所述,上訴人明知土地批給合同即將屆滿但卻沒有在涉案合同或上述合同地位讓與合同內作出善意提醒、上訴人過份自信地認為相關土地批給必然會獲得續期或重新批給、上訴人錯誤認為其最終能建成“C”項目並把涉案單位交付予被上訴人;對於涉案合同之履行不能,上訴人明顯存在過錯。
     II. 關於合同之定性及被上訴人/上手買家所支付的金額之定性
     23. 上訴人一直堅持涉案預約買賣合同屬“賣樓花”必須簽署的合同,能讓上訴人以低價出售涉案單位,屬於對將來物之買賣而需要簽署的合同,不屬《民法典》第435條所指的預約買賣合同。
     24. 上訴人進一步指出上手買家(及後由被上訴人透過合同地位讓與的方式取得上手買家於涉案合同之預約買受人地位)所曾支付的金額是購買涉案單位之樓款,且在卷宗內從未記載相關金額為“訂金”,相關金額並不具有《民法典》第436條所指的定金性質。
     25. 對此,被上訴人不予認同並提出爭執如下。
     26. 根據已證事實,上訴人在涉案合同內承諾以港幣叁佰捌拾肆萬圓整(HKD3,840,000.00)向上手買家出售涉案單位,而上手買家亦承諾以相同價格購入涉案單位。
     27. 即上訴人與上手買家簽署的涉案合同屬於《民法典》第435條所規定的買賣之預約合同。
     28. 根據原審法院對待證事實的回覆,未能證實上手買家曾支付的金額不具有擔保性質而屬於購買涉案單位的樓款。
     29. 而涉案合同內並沒有任何約定排除上手買家向上訴人曾支付的金額不具有定金性質
     30. 根據涉案合同第9條的內容,倘上手買家在與上訴人簽署買賣公證書之前把涉案單位轉售予他人必須要取得上訴人的同意。
     31. 倘上手買家曾支付的金額屬於購買涉案單位的樓款,上手買家是可以自由把涉案單位轉售他人而毋需取得上訴人之同意。
     32. 根據涉案合同第5條的內容,倘上手買家未有按涉案合同所載之期限進行支付,則視上手買家為撻訂,上手買家曾支付的金額將會被上訴人沒收。
     33. 顯然,這正正就表示上手買家曾支付的金額具有定金性質,否則,上訴人在上手買家不按時進行支付上訴人是不能沒收上手買家所曾支付的金額。
     34. 由此可見,上手買家所曾支付的金額具有《民法典》第436條所規定的定金之性質。
     III. 關於損害賠償
     35. 上訴人認為涉案合同出現履行不能的情況不能歸責於上訴人,故被上訴人或上手買家應被免除支付義務,而被上訴人或上手買家所曾支付的金額只能根據不當得利的規則退還予被上訴人。
     36. 對此,被上訴人不予認同並提出爭執如下。
     37. 根據本答覆之上述分析,涉案合同之履行不能是上訴人之過錯所導致的。
     38. 而上訴人在本案中亦未能證明涉案合同之履行不能並非由上訴人之過錯所造成的,故根據《民法典》第779條第1款、787、788及790條的規定上訴人應向被上訴人作出相應的損害賠償。
     39. 根據《民法典》第436條第2款的規定,被上訴人有權要求上訴人返還雙倍定金。
     40. 上手買家曾向上訴人支付港幣壹佰壹拾伍萬貳圓整(HKD1,152,000.00)的金額,故上訴人應向被上訴人返還雙倍定金,金額合共港幣貳佰叁拾萬零肆仟圓整(HKD2,304,000.00),折合為澳門幣貳佰叁拾柒萬叁仟壹佰貳拾圓整(MOP2,373,120.00)。
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     1. A Ré é uma sociedade por quotas, constituída em Macau, no dia 8 de Fevereiro de 1977, cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
     2. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1, dos termos da concessão fixados naquele despacho, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da outorga da escritura pública do contrato.
     3. Nunca foi celebrada a aludida escritura pública do contrato.
     4. Através desta revisão, o prazo global de aproveitamento do terreno foi prorrogado até 26 de Dezembro de 2000.
     5. As parcelas “Pa” e “Pb” foram anexadas e os respectivos terrenos passaram a estar descritos sob o n.º 22380 do Livro B68M, com a designação de Lote “P”.
     6. No Lote “P” foi construído pela Ré um “complexo industrial”, a que, colocado em funcionamento, a entidade competente emitiu a respectiva licença.
     7. No Lote “O” foi autorizada a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com três pisos, sobre o qual assentavam seis torres com vinte e nove pisos cada uma, com a finalidade de habitação, comércio, parque de estacionamento e jardim.
     8. Por força da revisão atrás referida, o terreno, objecto do contrato de concessão, passou a ser constituído pelos lotes “O”, “P”, “S” e “V”, com a área de 105.437 m2, sendo a área do lote “V” de 13.699 m2.
     9. Não obstante a total alteração do aproveitamento do lote “P”, quer o n.º 1 (o prazo de 25 anos) ou o nº 2 (o prazo pode ser prorrogado até 19 de Dezembro de 2049 por força da aplicação da Lei e das condições acordadas) da cláusula 2ª do contrato de concessão de terreno, mantiveram-se inalterados.
     10. Segundo o acordo, o complexo industrial que existia, tinha de ser demolido para se construir um complexo com a finalidade de habitação, comércio, parque de estacionamento e jardim.
     11. A Comissão de Terras emitiu um parecer em 26 de Junho de 2014, sugerindo aplicar à Ré uma multa, no valor máximo de MOP$180.000,00 e prorrogando o prazo de aproveitamento até ao fim do prazo de arrendamento do terreno, ou seja, 25 de Dezembro de 2015.
     12. No dia 10 de Julho de 2014, o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Lao Si Io, emitiu um parecer, propondo o pressuposto da prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, desde que a Ré aceitasse previamente por escrito as condições específicas, designadamente: Se não mais fosse concedido à Ré o terreno, esta não podia pedir à RAEM qualquer indemnização ou compensação.
     13. No dia 15 de Julho de 2014, o Chefe do Executivo manifestou, por despacho, a sua concordância com o aludido parecer.
     14. No dia 29 de Julho de 2014, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes enviou à Ré um ofício subscrito pelo Director, substituto, com o teor que se segue:
     “…. 2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento do terreno, e visto que a vossa empresa já concordou aceitar a forma de punição para o atraso previsto no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para salvaguardar os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
     -2.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 5º da Lei nº7/2013 (Regime Jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção) a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão de edifício em construção no lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
     -2.2. Se no futuro o respectivo terreno não for concedido de novo nos termos da Lei, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM. …”
     15. A Ré (Polytex) comunicou, no dia 4 de Agosto de 2014, ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte:
     “… declara aceitar a multa no valor de MOP$180.000,00, condenada segundo o despacho proferido aos 15 de Julho de 2014, declara mais aceitar as seguintes condições:
     1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.° da Lei n.° 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P" ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
     2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM. …”
     16. Em relação à notificação atrás referida, a Ré declarou, expressamente e por escrito, aceitar as condições da promessa, tendo a assinatura do representante da Ré sido reconhecida notarialmente.
     17. No dia 27 de Novembro de 2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo um pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26 de Dezembro de 2015.
     18. No dia 30 de Novembro de 2015, o Chefe do Executivo concordou com o parecer do indeferimento do aludido pedido de prorrogação
     19. Pelo que o prazo de aproveitamento e de concessão provisória do lote “P” continuava a ser até 25 de Dezembro de 2015.
     20. A Ré era concessionária do Lote “P”, situado nos Novos Aterros da Zona da Areia Preta, onde estava prevista a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal, designado por “C”, conforme contrato de concessão titulado pelo Despacho nº 160/SATOP/1990, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990, ulteriormente revisto pelo Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993 (artigo 1.º e doc. 1 da Contestação).
     21. O referido contrato de concessão foi revisto em 1/3/2006 e conforme resulta do anexo ao Despacho n.º 19/2006 do STOP, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 9, de Março de 2006, o reaproveitamento do terreno do Lote “P” abrangia a construção do prédio atrás citado, compreendendo 18 torres habitacionais, com 47 pisos cada, assentes num pódio de 5 pisos, havendo ainda áreas significativas para comércio e estacionamento de automóveis e motociclos (artigo 2.º e doc. 2 da Contestação).
     22. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses (artigo 3.º, 1.ª linha, e docs. 1 e 2).
     23. Nos termos da cláusula 5.ª, n.º 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, a DSSOPT dispunha de um prazo de 60 dias para, obrigatoriamente, se pronunciar sobre os requerimentos da Ré, no âmbito da marcha do respectivo processo (artigo 4.º-f) e doc. 1).
     24. A Ré apresentou em 10/09/2004 um Estudo Prévio junto da DSSOPT (T- 4803), seguido de um Estudo Prévio complementar apresentado também junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T - 6451) (artigo 4.º-c) e docs. 5 e 6 da contestação).
     25. Os referidos Estudos Prévios foram aprovados pela DSSOPT em 21/01/2005, por Ofício com o n.º 747/DURDEP/2005 (artigo 4.º-d) e doc. 7 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     26. A DSSOPT emitiu três Plantas Oficiais de Alinhamento (PAOs), uma em 23/12/2004, outra em 23/02/2005 e a terceira em 11/05/2007 (artigos 4.º-a) e 6.º e docs. 3, 4 e 8 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     27. Em 29/04/2008, a Ré apresentou o Plano de consulta (T-3040) (artigo 7.º, 1.ª parte, e doc. 9 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     28. Em 06/05/2008, a Ré apresentou o projecto parcial de arquitectura (T-3163) (artigo 7.º, 2.ª parte, e doc. 10 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     29. Em 22/10/2009, a Ré apresentou o projecto global de arquitectura à DSSOPT (T-7191/2009) (artigos 9.º e 11.º e doc. 11 da Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     30. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO, cujo teor aqui se dá por reproduzido (artigo 12.º e doc. 12 da contestação).
     31. Em 09/04/2010, pelo Ofício n.º 4427/DURDEP/2010, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a DSSOPT enviou à Ré a referida PAO (artigo 14.º, 1.ª parte e in fine e doc. 13 da contestação).
     32. Em resposta, a Ré, em 03/06/2010, incorporou no projecto de 22/10/2009 algumas sugestões, sem, contudo, contemplar a exigência de um afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da torre mais alta (artigo 18.º e doc. 14 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     33. Em 30/12/2010, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura apresentado pela Ré, em 22/10/2009, através do Ofício nº 318/DURDEP/2011, de 07/01/2011, com as alterações técnicas de pormenor introduzidas em 03/06/2010, sem o sugerido afastamento mínimo de 1/6 (artigo 19.º e doc. 15 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     34. No entanto, apesar de ter aprovado o projecto de arquitectura, não autorizou a emissão imediata da licença de obras, incluindo a licença para implantação de alicerces e fundações no terreno, até que fossem aprovados relatório de circulação de ar e relatório de impacto ambiental do empreendimento (artigo 23.º e doc. 15 da contestação).
     35. Em 11/05/2011, a Ré, respondendo ao exigido, apresentou o relatório de circulação do ar e de impacto ambiental (T-5205/2011) (artigo 28.º e doc. 16 da contestação).
     36. Sobre tal relatório, a DSPA, em 21/06/2011, elaborou um parecer, que apenas foi notificado à Ré em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011, onde formulou numerosas exigências adicionais, designadamente: a observância das Guidelines da DSPA, emitidas na altura, para a preparação de relatórios; a obtenção do parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento; o impacto ambiental ao logo da fase de construção; impacto sonoro; qualidade do ar; qualidade das águas; resíduos sólidos; contaminação do solo; impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento); acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado; e análise da colisão das aves contra os edifícios (cfr. artigos 29.º, 30.º e 31.º e doc. 17 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     37. E exigiu ainda uma avaliação do impacto sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a Sul do projecto e a ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) (artigo 32.º e doc. 17 da contestação).
     38. Em resposta a essas novas exigências, a Ré elaborou um segundo relatório de avaliação do impacte ambiental, o qual foi apresentado, em 19/04/2012 (T-4242/2012) (artigos 34.º e 35.º e doc. 18 da contestação).
     39. Em 31/08/2012, a Ré apresentou terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental (artigo 39.º e doc. 20 da contestação).
     40. A DSPA emitiu parecer sobre o 3.º Relatório de avaliação de impacto ambiental em 16/10/2012, o qual foi notificado à Ré em 28/12/2012 (Ofício nº 13023/DURDEP/2012) (cfr. artigos 40.º e 41.º e doc. 21 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     41. Neste parecer, a DSPA voltou a formular novas exigências, designadamente, a avaliação do impacto resultante das poeiras resultantes dos trabalhos de construção (“partículas em suspensão”) e uma maior distância entre as torres do Lote P e a ETAR, sem, contudo, especificar qual a distância a ser observada (artigo 42.º e doc. 21 da contestação).
     42. Por essa altura, o Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU), em aditamento ao Ofício da DSSOPT n.º 318/DURDEP, de 07/01/2011, exigiu que no estudo sobre a circulação de ar mencionado na parte final daquele ofício a Ré incluísse uma “simulação informática” (artigo 44.º e doc. 21 da contestação)
     43. O relatório de circulação de ar tinha sido entregue na DSSOPT em 11/05/2011 pela Ré, estes Serviços remeteram-no à DSPA e esta, por sua vez, conforme ofício de 10/10/2012, declarou-se incompetente para o apreciar, devolvendo-o à DSSOPT sugerindo ser esta a entidade com melhores condições para proceder à respectiva análise e aprovação (artigo 45.º e doc. 21 da contestação).
     44. Em 15/03/2013, a Ré apresentou um quarto relatório de avaliação de impacto ambiental (T-3953/2013)(artigo 46.º e doc. 22 da contestação).
     45. Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu Parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacto ambiental – cfr. Ofício nº 1545/071/DAMA/DPAA/2013 (artigo 48.º e doc. 23 da Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     46. Nesse Parecer são formuladas novas exigências, desta vez, entre outras, uma avaliação quantitativa, em complemente da avaliação no método qualitativo já efectuada, dos odores provenientes da ETAR, de modo que se tornasse mais esclarecido o impacto que o mau cheiro pudesse causar para o empreendimento e a avaliação da distância entre as torres do empreendimento e a ETAR e um estudo do impacto ambiental em termos de ruído que o trânsito rodoviário dos Novos Aterros urbanos e a ilha artificial da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pudesse causar para o empreendimento (cfr. artigos 49.º e 51.º e doc. 23 da Contestação).
     47. Em 07/08/2013, em resposta ao exigido, foi apresentado pela Ré um sexto relatório de avaliação do impacte ambiental (artigo 57.º e doc. 26 da contestação).
     48. Em 15/10/2013, a DSSOPT notificou a Ré de que tinham sido aceites os relatórios de circulação de ar e impacto ambiental (artigo 60.º e doc. 27 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     49. A licença para as obras de fundações foi requerida pela Ré em 24/10/2013 (T-11874/2013, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (artigo 64.º e doc. 28 da contestação).
     50. A DSSOPT emitiu tal licença, em 02/01/2014, e com validade apenas até 28/02/2014, i. é, inferior a dois meses (artigo 64.º e doc. 29 da contestação);
     51. Em 15/01/2014, a Ré também apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento por 72 meses, o qual foi reiterado em 30/01/2014, 04/06/2014 e 02/07/2014 (cfr. artigos 66.º a 69.º e docs. 30 a 33 da Contestação, cujo respectivo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     52. Cerca de seis meses e meio depois do primeiro pedido de 14/01/2014, foi a prorrogação do prazo de aproveitamento autorizada, em 29/07/2014, através do ofício n.º 572/954.06/DSODEP/2014, mas apenas até 25/12/2015 (artigos 70.º e 71.º e doc. 34 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
     53. A Ré utilizou este período, entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015, para construir e concluir todo o trabalho de fundações (artigo 72.º e doc. 35 da contestação).
     54. A Ré e D (doravante designado por “o 1º comprador”) celebraram, em 27 de Fevereiro de 2011, por escrito, um acordo que denominaram de “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel” (adiante designado por “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”) que incidia sobre a fracção F (adiante designada por “fracção em causa”) do 19º andar, do bloco 6, no “Lote P”, s/nº, situado em Macau, na Zona da Areia Preta, que se encontrava registado na Conservatória de Registo Predial sob a descrição n.º 22380. (Q 1.º)
     55. A Ré declarou prometer vender a fracção em causa, enquanto o “1º comprador” declarou prometer comprá-la, mediante o preço de HKD3.840.000,00, equivalentes a MOP3.955.200,00. (Q 2.º)
     56. Em conformidade com o convencionado na cláusula 3ª, n.º 3a, do “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, o “1º comprador” efectuou pagamentos à Ré, conforme fixado no contrato, perfazendo o valor total de HKD1.152.000,00, equivalentes a MOP1.186.560,00. (Q 3.º)
     57. Em seguida, o 1º comprador D, E e sua esposa F (doravante designados por “os 2ºs compradores”), celebraram, em 19 de Outubro de 2012, a declaração de transmissão do C, que incidia sobre a fracção em causa. (Q 4.º)
     58. Em 30 de Junho de 2015, o Autor e os 2ºs compradores celebraram por escrito, no escritório de XXX - Advogados e Notários, o acordo que denominaram Contrato-Promessa dos Direitos e Interesses da Compra e Venda de Imóvel (doravante designado por “Contrato-Promessa”), no qual declararam o teor de fls. 38 a 40 dos autos que aqui se dá por reproduzido, sendo o preço a pagar pelo autor aos segundos compradores de HKD7.399.100,00, equivalente a MOP7.621.073,00. (Q 5.º)
     59. O Autor pagou aos 2ºs compradores o preço no total de HKD4.711.100,00, equivalentes a MOP4.852.433,00. (Q 6.º)
     60. Em seguida, o Autor e os 2ºs compradores celebraram, em 6 de Agosto de 2015, o Contrato de Transmissão de Posição Contratual do C. (Q 7.º)
     61. Pelo Contrato de Transmissão de Posição Contratual do C, foi transmitida ao Autor a posição de promitente-comprador do Contrato-Promessa de Compra e Venda, celebrado pelo 1º comprador em 27 de Fevereiro de 2011, com o consentimento e conhecimento pela Ré dessa transmissão da posição contratual. (Q 8.º)
     62. De acordo com o Contrato de Transmissão de Posição Contratual do C e o Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, o valor remanescente do preço do imóvel, no montante de HKD$2.688.000,00, equivalentes a MOP$ 2.768.640,00, devia ser pago pelo Autor à Ré no prazo de sete dias, contados da emissão da licença de utilização (licença de ocupação) pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes da RAEM. (Q 9.º)
     63. O 1º comprador D já pagou à Ré, para a aquisição da aludida fracção autónoma, o valor total de HKD1.152.000,00, correspondente a MOP1.186.560,00. (Q 10.º)
     64. Perante a ausência de pronúncia da DSSOPT sobre os projectos apresentados, respectivamente, de 29/04/2008 e 06/05/2008, a Ré solicitou, em 14/08/2009, a emissão de uma PAO actualizada. (Q 11.º)
     65. O projecto global de arquitectura, de 22/10/2009 foi apresentado porque a DSSOPT não se tinha pronunciado sobre os projectos de 29/04/2008 e 06/05/2008. (Q 12.º)
     66. A PAO de 23/02/2010 e o Ofício de 09/04/2010, vieram formular exigências não previstas anteriormente nas PAOs de 2004, 2005 e 2007, nomeadamente, a obrigatoriedade de uma distância mínima entre as torres, equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta, que foi uma sugestão e não de uma exigência. (Q 13.º)
     67. O cumprimento desta exigência alteraria significativamente o modelo construtivo preconizado pela Ré nos Estudos Prévios, respectivamente, de 10/09/2004 e 15/12/2004. (Q 14.º)
     68. Constituiria, também, a inutilização do tempo já despendido na elaboração do plano global de arquitectura de 22/10/2009. (Q 15.º)
     69. O acatamento da sugestão de afastamento mínimo entre torres correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta implicava relocalização (layout) das torres projectadas e tinha risco de, se se pretendesse manter as vistas das torres para o mar e uma concepção harmoniosa de vistas internas entre as torres, implicar uma diminuição de áreas de construção e a redução do número de torres. (Q 16.º)
     70. A ré não concordou com a sugestão de afastamento mínimo entre as torres feita pelo Ofício de 09/04/2010. (Q 17.º)
     71. O projecto de arquitectura aprovado em 30/12/2010, notificado à Ré por ofício de 07/01/2011, contemplava as soluções anteriormente preconizadas nas PAOs de 23/12/2004, 23/02/2005 e 11/05/2007 emitidas em harmonia com o estudo prévio e o contrato de concessão na versão revista em 2006. (Q 18.º)
     72. No Ofício de 07/01/2011, a Administração prescindiu da necessidade de um afastamento entre as torres equivalente a 1/6 da torre mais alta (artigos 62.º, 1.ª parte e doc. 15.º da Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 19.º)
     73. Na apreciação do segundo relatório ambiental, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, (cfr. ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012), tais como: o projecto localiza-se nas proximidades da ETAR e do centro de tratamento de resíduos sólidos, pelo que tanto a disposição das fracções como das zonas públicas se devem ajustar por forma a garantir que é respeitada uma distância suficiente a evitar impacto negativo sobre os residentes, decorrente da mesma proximidade; sugere-se que as medidas de mitigação do ruído de trânsito sejam avaliadas de acordo com o método quantitativo, não bastando o método qualitativo; o projecto localiza-se perto de uma zona de passagem de voo e alimentação de aves, pelo que se sugere estudar o respectivo impacto ambiental; estudo detalhado no âmbito do plano de construção para avaliar o impacto ambiental e nos edifícios vizinhos e devem ser produzidos regulamentos considerando medidas de emergência (preparação do plano de gestão ambiental do local) (artigo 36.º e doc. 19 da Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 20.º)
     74. O teor de tal parecer foi objecto de discussão entre a Polytex, a DSSOPT e a DSPA, em 25/07/2012, altura em que o dito parecer foi entregue à Ré. (Q 21.º)
     75. Houve, assim, reunião em 25/07/2012 - três meses após a apresentação do 2.º Relatório - tendo a Ré ficado sujeita a preparar um 3º Relatório Ambiental. (Q 22.º)
     76. Para dar satisfação à nova exigência de simulação informática de circulação do fluxo do ar, a Ré viu-se obrigada a recorrer a serviços especializados de consultadoria sedeados na Austrália. (Q 23.º)
     77. No seu parecer de 03/05/2013, sobre o 4.º Relatório ambiental, a DSPA, ao exigir uma avaliação quantitativa dos odores da ETAR, não disponibilizou à Ré os dados oficiais. (Q 24.º)
     78. Em 28/06/2013, a Ré apresentou um quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, sem os dados oficiais solicitados sobre os odores da ETAR. (Q 25.º)
     79. Tendo em vista evitar maiores demoras, a Ré pediu uma reunião conjunta com a DSSOPT e a DSPA para uma apreciação com maior celeridade deste 5.º Relatório ambiental. (Q 26.º)
     80. Essa reunião teve lugar em 26/07/2013. (Q 27.º)
     81. Foi nessa reunião que os dados oficiais sobre odores da ETAR foram entregues à Ré. (Q 28.º)
     82. Na verdade, à medida que a Ré ia satisfazendo as exigências adicionais, logo surgiam novas exigências, que obrigavam à apresentação de novo estudo e assim indefinidamente. (Q 29.º)
     83. Uma parte do tempo despendido com o procedimento de aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental entre 07/01/2011 e 15/10/2013, poderia ter sido evitada. (Q 30.º)
     84. O projecto apresentado pela Ré em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 03/06/2010, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 31.º)
     85. A DSPA formulou exigências que nunca antes tinham sido efectuadas em Macau e que não se encontravam previstas no contrato de concessão ou regulamentadas. (Q 32.º)
     86. No final, conforme o Ofício de 15/10/2013, a DSPA acaba por simplesmente recomendar genericamente que sejam adoptados os métodos adequados à implementação de medidas de mitigação e gestão ambiental e o cumprimento das sugestões de monitorização, com o cumprimento da legislação ambiental (artigo 2.º, 2.ª parte doc. 27, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 33.º)
     87. Após a emissão da licença para as fundações, em 02/01/2014, a Ré iniciou de imediato os respectivos trabalhos. (Q 34.º)
     88. - A ré apresentou à DSSOPT um projecto parcial de arquitctura em 6/5/2008 e a DSSOPT não emitiu qualquer pronúncia sobre ele.
     - Em 22/10/2009, a ré apresentou outro projecto de arquitectura que substituiu o apresentado em 6/5/2008 e a ré apreciou-o tendo, em 09/04/2010 com exigências e sugestões.
     - A ré respondeu em 3/6/2010 acatando as exigências, mas não a sugestão de afastamento entre as torres projectadas correspondente, no mínimo, a 1/6 da altura da torre mais alta.
     -A DSSOPT aprovou este projecto e notificou a ré em 7/1/2011 para apresentar o relatório de estudos de impacto ambiental que teria a construção do empreendimento em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes.
     - A ré realizou o estudo e apresentou o respectivo relatório em 11/5/2011.
     - Depois, a DSSOPT pediu mais estudos da mesma natureza (impacto ambiental) até que aprovou o relatório respectivo em 15/10/2013.
     - A ré pediu a emissão de licença de obras em 24/10/2013.
     - A licença de obras foi emitida em 02/01/2014. (Q 35.º, 36.º, 37.º e 38.º)
     89. Desde a data de aprovação do projecto, comunicada à Ré em 07/01/2011 e até ao termo do prazo de aproveitamento ou do prazo de concessão do terreno, dispunha a ré de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento. (Q 39.º)
     90. O Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT e a Comissão de Terras foram unânimes em propor à hierarquia o “indeferimento” do pedido de prorrogação, inclusive o referente à prorrogação até 25/12/2015, por razões que se prendem com a absoluta insuficiência de tempo (18 meses) para a construção de 18 torres e para não criar expectativas de que a Ré pudesse continuar a executar a obra de construção para além do prazo da concessão (artigos 87.º, 89.º e 195.º e doc. 37 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 40.º)
     91. O Chefe do Executivo, em 15/07/2014, concordou com o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas no sentido de “salvaguardar o interesse público”, autorizando a prorrogação do prazo de aproveitamento até 25/12/2015. (Q 41.º)
     92. A ré celebrou milhares de contratos após a aprovação do projecto de arquitectura em 30/12/2010, investiu avultadas verbas na preparação dos projectos da obra, na realização e densificação dos Estudos de Impacto Ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM e custeou e executou as obras das fundações do “C” durante o último ano dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 43.º)
     93. A Ré foi obrigada a aceitar o pagamento da multa para em contrapartida obter a prorrogação até 25/12/2015, que só não seria insuficiente se, de seguida, lhe fosse aberto o caminho para obter de novo a concessão, nos termos legais. (Q 45.º)
     94. A RAEM sabia que era impossível concluir o aproveitamento do referido terreno no prazo que a Ré teve para o efeito, após a emissão das licenças e suas prorrogações. (Q 47.º)
     95. Foi com base na aprovação do projecto de arquitectura e subsequente aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, bem como na emissão da licença em Janeiro de 2014 e as suas subsequentes prorrogações que a Ré avançou com os seus investimentos e financiamentos. (Q 48.º)
     96. Em casos de inimputabilidade do concessionário, a política da RAEM era a de atribuir, por ajuste directo, “nova concessão”, após negociações sobre os respectivos termos e condições (docs. 39 e 40, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 49.º)
     97. O contrato em discussão nos presentes autos tem por objecto uma fracção autónoma a construir no futuro. (Q 51.º)
     98. Daí que o preço e condições de pagamento são mais favoráveis ao comprador do que se o objecto do negócio fosse uma fracção autónoma já construída. (Q 52.º)
     99. O contrato aqui em causa está na dependência do contrato de concessão constante dos autos. (Q 53.º)
     100. A data do termo dos prazos de arrendamento e da concessão é pública, constando do Registo Predial. (Q 54.º)
     101. Existiam duas modalidades de pagamento do preço: uma, antecipação do pagamento do preço na modalidade de pagamento faseado, consoante valores e prazos pré-acordados entre as partes; outra, pagamento do preço integral até 7 dias após a celebração do contrato, concedendo a Ré, nestes últimos casos, um desconto até 20% sobre o preço do contrato. (Q 56.º)
     102. A Ré ofereceu ao público milhares de fracções autónomas por construir deste seu empreendimento em termos semelhantes àqueles que acordou no contrato em apreço nos presentes autos, com pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado. (Q 59.º)
     103. A Ré lançou dois planos de restituição das quantias que lhe foram entregues por conta dos contratos celebrados entre esta e todos os compradores, abrangendo um total de cerca de 3.020 fracções autónomas do empreendimento imobiliário “C”. (Q 62.º)
     104. Ambos os planos apenas contemplam uma forma de restituição do preço em singelo. (Q 63.º)
     105. O Autor candidatou-se com sucesso à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 65.º)
     106. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção que constitui o objecto do contrato aqui em causa. (Q 66.º)
     107. O Autor apenas poderá receber do Governo tal fracção nas condições descritas, porque é comprador de uma fracção autónoma da Ré, sitas no terreno concessionado à Ré. (Q 67.º)
     108. Quando estiver concluída e lhe for entregue, o autor terá uma fracção autónoma idêntica à que é objecto do contrato celebrado com a ré. (Q 68.º)
     109. As condicionantes urbanísticas eram as mesmas nas PAOs de 2004, 2005 e 2007, as quais não previam o afastamento mínimo entre torres de 1/6 da altura da torre mais alta nem o limite máximo de 50 metros de extensão das fachadas das torres. (Q 69.º)
     110. O teor do Parecer elaborado sobre o 2.º relatório de impacto ambiental foi objecto de discussão em reunião conjunta da DSSOPT, DSPA e da Ré, de 25/7/12, que conduziu ao aditamento de novas exigências. (Q 70.º)
     111. Da reunião realizada em 26/7/2013, resultaram novas exigências que obrigaram a Ré à elaboração de novo relatório de impacto ambiental. (Q 71.º)
     112. O projecto submetido pela Ré, 4 anos antes, em 22/10/2009, já então satisfazia as exigências sobre ventilação e avaliação de impacto ambiental. (Q 72.º)
     113. Entre a data da aprovação do projecto, comunicada em 7/1/11, até ao termo dos prazos os prazos de aproveitamento ou da concessão, a Ré dispunha de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento e entregar a fracção autónoma aqui em causa aos autores. (Q 73.º)
     114. - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
     - Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
     - Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
     - Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
     A R. tinha concluído o empreendimento “C” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora as fracções autónomas de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 74.º)
     115. À Ré bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento e entregar aos AA a fracção autónoma. (Q 75.º)
     116. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 25/12/2015, porque os Serviços da Administração lhe criaram tais expectativas, nomeadamente: (Q 77.º)
     1) Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da distância mínima entre torres de 1/6 da torre mais alta, o que foi dispensando em momento ulterior, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que fez com que despendesse o tempo entre 22/10/2009 a 7/1/2011;
     2) Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que obrigou que se despendesse o tempo entre 7/1/2011 e 15/10/2013;
     3) Ao emitirem a licença de obra para as fundações, em 2/1/2914, um mês antes do termo do prazo de aproveitamento, sabendo que era impossível concluir o empreendimento até ao termo do contrato de concessão;
     4) Ao prorrogarem o prazo de aproveitamento, em 29/07/2014, até 25/12/2015, sabendo que seria impossível concluir o empreendimento até essa data;
     5) Ao ser essa a prática seguida anteriormente em casos análogos, de se fazer nova concessão do mesmo terreno ao mesmo concessionário, em caso de não aproveitamento do terreno dentro do prazo.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     
     I – RELATÓRIO.
     B, de nacionalidade chinesa, com outros elementos de identificação nos autos, intentou a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra A Limitada (A有限公司), registada na CRCBM sob o n.º 838(SO);
     
     Em síntese, alegou o autor que:
     - Em 27/02/2011, D (1º comprador) celebrou com a ré um contrato-promessa de compra e venda relativo a uma fracção fracção autónoma designada “F19” de prédio urbano que a ré se propunha construir num terreno que lhe havia sido concessionado pela RAEM por arrendamento;
     - Em 19/10/2012, o referido 1º comprador celebrou com E e F (2ºs compradores) um contrato através do qual cedeu a estes últimos a sua posição contratual de promitente-comprador da referida fracção;
     - em 30/06/2015, o autor celebrou com os 2ºs compradores um contrato através do qual estes lhe transmitiram a posição de promitentees-compradores que detinham no contrato-promessa de compra e venda que havia sido celebrado entre o 1º comprador e a ré relativo à fracção autónoma designada “F19”;
     - A ré não cumpriu e já não pode cumprir a prometida venda porquanto, por razões que lhe são imputáveis, não construiu nem pode já construir o imóvel prometido vender, uma vez que foi declarada pelo Chefe do Executivo e “confirmada” no TUI a caducidade da concessão por arrendamento do terreno destinado à construção.
     Pediu o autor que:
     1. Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
     2. Seja a ré, a título de indemnização, condenada a:
     a. pagar-lhe a quantia de MOP2.373.120,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal;
     b. pagar-lhe a quantia de MOP118.532,00 respeitante a despesas com pagamento de honorários do agente imobiliário e com a formalização do contrato de cessão da posição contratual;
     c. ou, subsidiariamente, condenada a pagar-lhe a quantia de HKD1.152.000,00 o sinal em singelo e a quantia de MOP118.532,00 por outros danos.
     d. pagar-lhe juros à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da citação até ao pagamento integral.
     
     Contestou a Ré aceitando a existência do contrato invocado pelo autor e que já não o pode cumprir, mas rejeitando que tal contrato se trate de um contrato-promessa de compra e venda, antes se tratando de um contrato de compra e venda de coisa futura e rejeitando ainda ter obrigação de indemnizar porquanto a causa da impossibilidade de cumprimento não lhe é imputável a si, sendo previsível ao autor quando adquiriu a posição contratual e devendo ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos do impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão.
     Para o caso de se concluir que ocorre impossibilidade da prestação e que esta lhe é imputável, veio a ré, também na contestação, defender que o autor não tem direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado, porquanto foi acordada a inexistência de sinal.
     Também na contestação que apresentou, disse a ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade, pois que o autor, devido à impossibilidade de cumprimento da ré, beneficia de um plano governamental que lhe permite adquirir ao Governo da RAEM uma fracção semelhante à acordada com a ré e por preço também semelhante ao acordado.
     Disse ainda desconhecer o preço que o autor pagou para adquirir a sua posição contratual e que não é aplicável a taxa comercial aos eventuais juros de mora.
     
     Na réplica que apresentou, o autor impugnou todas as teses da contestação da ré, quer quanto à imputabilidade a terceiro da causa da impossibilidade da prestação, à inexistência de sinal e à intervenção da equidade na fixação do montante da indemnização. Apenas não rebateu a tese da ré da não aplicação da taxa comercial dos juros de mora.
     
     Foi proferido despacho saneador a fls. 988 a 1008 onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão.
     
     Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e não foram apresentadas alegações de Direito.
     *
     II – SANEAMENTO.
     A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
     *
     III – QUESTÕES A DECIDIR.
     Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente:
     - Que a principal pretensão do autor é ser indemnizado/restituído em consequência dos danos que sofreu por a ré não ter cumprido, por impossibilidade superveniente, a prestação a que se vinculou por contrato;
     - O facto de o autor e a ré estarem de acordo que entre eles existe a relação contratual invocada pelo autor;
     - O facto de autor e ré estarem também de acordo que a prestação contratual a cargo da ré se tornou impossível depois da celebração do respectivo contrato;
     - O facto de a essência da principal divergência entre as partes ser a imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal;
     As principais questões a decidir gravitam à volta de:
     1- Imputação à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação contratual devida pela ré ao autor.
1.1 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada a terceiro, importa apurar as consequências jurídicas de tal imputação, designadamente:
1.1.1 - Quanto à extinção da obrigação da ré decorrente do contrato;
1.1.2 Quanto a eventual criação na esfera jurídica da ré de uma outra obrigação de restituir ao autor o que dele recebeu por consentir na cedência da posição contratual e o que recebeu directamente dos cedentes;
1.2 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada à própria ré, importa então apurar as consequências da referida impossibilidade superveniente da prestação decorrente de causa imputável à ré, designadamente:
1.2.1 - Direito do autor de resolver o contrato;
1.2.2 - Obrigação da ré indemnizar o autor.
1.2.2.1 - Caso se conclua que a ré tem obrigação de indemnizar o autor, caberá apurar o montante da indemnização e a ocorrência de mora no cumprimento desta obrigação de indemnizar, para isso é necessário averiguar se foi acordado e prestado sinal;
1.2.2.1.1 - Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização deve ser calculada com base no “regime-regra” do sinal ou se deve ser ampliada para englobar o dano que excede o valor do sinal ou se deve ser reduzida segundo juízos de equidade para montante inferior ao valor do sinal prestado.
1.2.2.1.2 Caso se conclua pela inexistência de sinal, caberá determinar qual o valor da indemnização na ausência de sinal.
1.2.2.1.3 – Caso se conclua pela ocorrência de mora no cumprimento da obrigação de indemnizar é ainda necessário apurar as consequências desta a nível indemnizatório, designadamente quanto ao início da mora e quanto à taxa de juro moratório.
     *
     IV – FUNDAMENTAÇÃO.
     A) – Motivação de facto.
     Estão provados os seguintes factos:
     (...)
     
     B) – Motivação de Direito.
 1 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
     Atenta a posição concordante das partes, não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva1. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa2. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável3. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
     
     Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração dos contratos a prestação que a ré acordou prestar.
     
     Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
     
     1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
     1.1.1 – Em geral.
     Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
     Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
     Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
     Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
     Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
     Vejamos.
     
     1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
     Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos e não encontrou ainda razões para decidir de modo diferente. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
     Em síntese:
     A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar o autor (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
     A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído a facção acordada com os autores no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
     A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa.
     A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
     Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em relação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil, estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não desprezível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.
     Trata-se de um juízo jurídico, do âmbito dos direitos e deveres jurídicos, presumindo-se a culpa no caso de incumprimento dos deveres criados e assumidos voluntariamente por via contratual e não se presumindo no caso de incumprimento dos deveres criados e impostos por via legal. Não se trata de outros quadros valorativos do âmbito da vida em sociedade com outras censuras e justificações das condutas, designadamente norteadas pelo desforço, pela benevolência, etc.
     A ré, quando se comprometeu com o “1.º comprador” a cumprir (27/02/2011), dispunha de exactamente três anos até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014) e de cerca de quatro anos e dez meses até ao fim do prazo da concessão (25/12/2015), sendo notório que se trata de tempo insuficiente o que decorreu entre a celebração do contrato e o termo do prazo de aproveitamento, pois que a ré se comprometeu a construir em “1200 dias úteis de sol, contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura”, necessitava de três a quatro anos para construir (ponto 115. dos factos provados) e quando contratou ainda não tinha licença de obras para iniciar a construção por esta licença depender da aprovação administrativa de estudos de impacto ambiental que a ré viria a apresentar à autoridade competente em 11 de Maio de 2011 e que não estavam ainda aprovados na data em que a ré celebrou o contrato com o “1.º comprador”. Além disso, a ré necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não despresível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer sejam ponderosas, quer sejam censuráveis, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, quer respeitem a falhas de organização ou outras falhas. Acresce que quando contratou, não podia a ré tomar por certo que o prazo de aproveitamento lhe fosse prorrogado, como efectivamente veio a ser, até ao termo do prazo da concessão (art. 105º, nº 3 da Lei de Terras então vigente - Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho).
     Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré se vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir, incrementando ao contrato alguma álea em vez de se comprometer firmemente como se comprometeu. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família. Tomou por certo o que eram meras expectativas. A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação, uma vez que actuou com a solenidade, a certeza e a firmeza que pertence aos contratos e aos compromissos contratuais quando as circunstâncias em que actuou determinariam a um bom pai de família que não contratasse ou que contratasse com diferente clausulado que esclarecesse a outra parte contratante da escassez de tempo e da cooperação necessária, lenta e exigente que a Administração lhe vinha prestando.
     Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e os deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonomia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
     
     Na sua contestação, a ré trouxe ainda à discussão o facto de o autor ter adquirido a sua posição contratual no ano de 2015, já depois de terminado o prazo de aproveitamento da concessão e muito próximo de terminar o prazo da concessão. Crê-se que conclui que, por isso, a causa da impossibilidade da prestação já não lhe é imputável a ela, ré. Não se provou que o autor tinha conhecimento dos prazos de aproveitamento e de concessão por arrendamento, razão por que não se pode concluir que aceitou o risco de ocorrência da impossibilidade jurídica da prestação da ré. Não está demonstrada esta causa de alegada inimputabilidade ao devedor da causa da impossibilidade superveniente da sua prestação.
     
     Em conclusão, a causa da impossibilidade da prestação é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à ré a título de culpa.
     
 2 – Da resolução contratual.
     No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
     Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
     
     3 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
     3.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
     Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
     Tendo-se provado que o autor pagou aos cedentes para receber da ré um imóvel e que nada recebeu, é forçoso concluir que sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
     Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
     
     3.2 Do montante da indemnização
     O autor pretende ser indemnizado pelo seu alegado dano efectivo, que alegadamente é superior ao dobro do sinal prestado, englobando ainda as despesas de MOP118.532,00 suportadas com pagamento de honorários do agente imobiliário e com a formalização do contrato de cessão da posição contratual.
     Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e que o dano do autor foi minimizado pela intervenção do Governo da RAEM que decidiu construir e vender ao autor uma facção autónoma idêntia à que o autor pretendia adquirir da ré e por preço idêntia ao que o autor pagaria à ré.
     
     O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
     
     No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
     É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
     
     3.2.1 Da existência de sinal
     Da qualificação do contrato.
     Como antes se referiu, o autor entende que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende que deve ser qualificado como contrato atípico.
     A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
     A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes4. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual5. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
     Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular6. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
     A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual7.
     Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das parte não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
     Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
     
     Vejamos então nos factos provados se, nas prestações concretamente acordadas pelas partes que ali constam, o seu acordo pode ou não ser qualificado como contrato-promessa.
     A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
     Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Porém, os factos provados remetem para o texto do acordo em análise. Desse texto constam expressões cujo significado aponta quer no sentido de as partes acordarem celebrar no futuro novo contrato (de compra e venda), quer no sentido de acordarem apenas formalizar no futuro um acordo já concluído. Com efeito, ora denominam o contrato de “contrato-promessa de compra e venda” e falam em prometer vender, “prometer comprar e “prometida venda” e denominam-se “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”; ora falam em recuperação e revenda da fracção pela ré e alienação da fração pelo promitente-comprador antes da celebração da escritura pública de compra e venda (cláusulas 5ª e 9º).
     Pois bem, nesta situação em que se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis, como referido, a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CC).
     Ora, parece-nos decisivo o teor das cláusulas 9º a 22ª para saber o sentido que o normal declaratário atribuiria ao teor da declaração que as partes plasmaram no documento a que se reporta a alínea c) dos factos provados: - se lhe atribuiria o sentido de estar já concluído o acordo definitivo ou se lhe atribuiria o sentido de ainda haver algo para acordar no futuro.
     Na referida cláusula 22ª refere-se que a ré pode fazer alterações de construção sem que a outra parte contratual possa recusar a “transacção”, o que aponta no sentido de haver ainda acordo a fazer no futuro que as partes denominaram “transacção” e que não podia ser recusado com determinado fundamento.
     A cláusula 9ª aponta também para que as partes quisessem ainda novo contrato. Com efeito, estabeleceram condições onerosas para a cessão da posição contratual. Ora, se as partes já considerassem a propriedade da fracção na esfera jurídica do “comprador”, porque considerariam que este não era dono integral e não podia transferir para terceiro sem o consentimento da ré e sem a remunerar?
     Este “mecanismo” de cessão da posição contratual aponta no sentido de que, no entendimento das partes contratantes, a ré não se desligou da prestação característica do contrato-promessa que é celebrar outro contrato e que, por isso, receberá comissão para celebrar esse novo e futuro contrato com terceiro, não se tratando apenas de uma modificação subjectiva do mesmo contrato. Se na vontade real dos contraentes a ré já nada tivesse a ver com a fracção autónoma em causa nem com a prestação característica do contrato promessa, a comissão que tem direito a receber por consentir na cessão da posição contratual seria incompreensível na economia do contrato. De facto, as partes não estabeleceram a necessidade de consentimento e de pagamento de comissão para as vendas posteriores à celebração da escritura pública de compra e venda, o que aponta para que, no espírito dos contraentes, a situação negocial é diferente antes e depois da escritura, porque a fracção está em esferas jurídicas diferentes nesses dois momentos.
     Se as partes considerassem que celebraram um contrato de compra e venda de bem futuro não era necessário regular a cessão da posição contratual que regularam. O comprador de bem futuro pode vender a coisa como pode o comprador de bem já existente. O proprietário que adquiriu por contrato não transmite a sua posição contratual quando vende. Não transmite um crédito, mas transmite um direito real, ainda que futuro, ainda que suspenso. Se as partes sentissem que a fracção autónoma já pertencia aos “promitentes- compradores” em termos de direito real futuro, não colocariam qualquer entrave a que estes vendessem, também como bem futuro. A justificação que a ré dá (conhecer a quem deveria entregar a fracção e evitar actividades fraudulentas em relação a terceiros) não basta na perspectiva do normal declaratário para o pesado e caro/lucrativo mecanismo contratual estabelecido no caso de o “promitente-comprador” já se sentir proprietário, apesar de ter suspensa a aquisição do direito de propriedade. Até porque a ré estava totalmente garantida face à falta de pagamento, pois faria suas as quantias que já lhe haviam sido pagas (cláusula 5ª do contrato em análise).
     Se a ré vendeu bem futuro, como defende, a sua contraparte contratual também poderia fazer o mesmo e vender o seu bem futuro sem necessidade de “autorização” da ré. A ré também não pediu autorização a ninguém para vender um bem futuro de que seria proprietária quando o construísse. Porque necessitavam os “promitentes-compradores” de “autorização” se eram tão proprietários futuros como a ré? É esta falta de explicação para a desconsideração da qualidade jurídica real dos “promitentes-compradores” face a bens futuros que tem de levar o declaratário normal a concluir que, afinal, os contraentes consideraram que os “promitentes-compradores” apenas tinham direito de crédito e poderiam ceder a posição contratual do contrato gerador desse direito de crédito, mas não podiam vender bens futuros porque estes bens eram alheios, porque eram da ré. Ao regularem a cessão da posição contratual, deixam entender que consideraram que a posição do cedente e do autor que podia ser cedida era uma posição creditícia e não uma posição real, ainda que correspondente ao que pode designar-se na linguagem comum por “pequeno proprietário”. Isto é, as partes contratantes deixaram entender que os “promitentes-compradores” tinham um direito de crédito, um direito ao cumprimento de uma promessa de contratar, e não um direito real, ainda que futuro e em suspensão. Ao regularem a cessão de um crédito (posição contratual) as partes deixam entender ao declaratário normal que consideravam que o autor não tinha ainda um direito real sobre coisa futura. Deixaram entender que o autor não pode transmitir a coisa futura (o seu direito real sobre ela), mas apenas pode transmitir a promessa da ré (um direito sobre a ré e não um direito sobre a coisa futura).
     
     É esta engrenagem negocial aliada à denominação que as partes deram ao contrato que celebraram que deve levar o “normal declaratário” a considerar que a prestação característica que a ré assumiu foi celebrar um contrato no futuro com o promitente originário ou com aquele a quem fosse cedida a posição contratual de promitente-comprador.
     Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
     
     Da convenção de sinal.
     O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico8. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
     Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
     Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes9.
     Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
     Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
     Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o “cedente” entregou à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal. Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão. Com efeito, a ré logrou apenas provar que o contrato que celebrou refere a palavra preço, não constituindo tal facto “prova do contrário” do facto presumido. Isto é, não é prova de que as partes não quiseram atribuir carácter de sinal.
     Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
     Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
     Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
     Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
     Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
     Ora, se em caso de incumprimento do cedente a ré é indemnizada em “X”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que o cedente ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
     As partes não estipularam que em caso de incumprimento do cedente a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
     Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
     
     Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
     
     Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
     
     Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
     
     O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal, a sua ampliação para o valor do dano efectivo que excede o valor do sinal ou a sua redução por juízos de equidade.
      “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
     Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
     Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
     Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
     Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu (HKD1.152.000,00, equivalentes MOP1.186.560,00), uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC) 10. Mas terá ainda de pagar ao autor um montante igual ao do sinal que recebeu, um montante superior ou um montante inferior?
     Vejamos.
     Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
     E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
     
     Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
     - Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal11;
     - Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo12.
     
     O ónus da prova.
     O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
     No presente caso, cabe ao autor alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o seu dano efectivo é superior ao valor do sinal e cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
     A ré alegou e provou que se esforçou por cumprir e que o autor vai receber uma fracção autónoma de um imóvel idêntica à que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico.
     
     O autor não alegou com precisão o seu dano efectivo. Apenas alegou que teve despesas no montante de MOP118.532,0013, o que é inferior ao valor do sinal (HKD1.152.000,00).
     Não pode, pois, proceder esta parte da pretensão do autor relativa à indemnização por despesas, pois o “dano excedente” só é indemnizável se o dano efectivo total for consideravelmente superior ao valor do sinal, o que o autor não demonstrou. É certo que o autor alegou e demonstrou que pagou valor superior ao sinal para adquirir a posição contratual (HKD4.711.100,00), mas inferior ao valor que acordou como sendo o valor da posição contratual que adquiriu (HKD7.399.100,00). Porém, o autor irá adquirir do Governo da RAEM a “fracção sucedânea” por preço inferior àquele que pagou pela posição contratual que adquiriu. Isto é, vai adquirir pelo “preço de 2011” (HKD3.840.000,00) o que estava disposto a adquirir pelo “preço de 2015” (HKD7.399.100,00 – preço acordado para a cessão da posição contratual), tendo assim um “lucro” decorrente do incumprimento da ré que deve compensar-se com o dano também decorrente do mesmo incumprimento para se poder calcular o dano efectivo do autor. Por esta razão, e desconhecendo-se o valor real da “fracção sucedânea” no momento actual, não se pode considerar demonstrado um dano efectivo do autor manifestamente superior ao valor do sinal.
     
     Não pode, pois, proceder esta pretensão do autor.
     
     Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
     “A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
     O autor está há cerca de 8 anos privado do imóvel que pretendia adquirir e continuará privado por mais algum tempo, que se desconhece, até que receba do Governo da RAEM a “habitação para troca”. Tal privação de uso impediu que nele morasse, que o arrendasse, que o cedesse gratuitamente, etc. Além disso, somando o valor que o autor pagou para adquirir a sua posição contratual (HKD4.711.100,00) ao valor que vai pagar para adquirir a “habitação para troca” (HKD3.840.000,00) verifica-se que terá de pagar mais do que acordou como sendo o valor da sua posição contratual (HKD7.399.100,00 < HKD8.551.100,00). Desconhecendo-se o valor real actual da fracção que o autor vai adquirir do Governo da RAEM, não pode considerar-se demonstrado que a indemnização correspondente ao sinal (HKD1.152.000,00) é manifestamente superior ao dano da privação do uso e da disponibilidade e ao dano da referida diferença de custo que o autor vai suportar em relação ao que suportaria se a ré cumprisse o que acordou. Crê-se que este raciocínio não está em contradição com o explanado a propósito da indemnização do dano excedente, pois que não está demonstrado nem o manifesto defeito nem o claro excesso do sinal em relação ao dano efectivo do autor.
     Não procede, pois, a pretensão da ré de ver reduzido por juízos de equidade o valor da indemnização determinado pelo valor do sinal.
     
 4 Dos pedidos subsidiários.
     Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
     
     5 Da mora no cumprimento da obrigação de indemnizar por incumprimento contratual e da obrigação de restituir em consequência da resolução contratual.
     5.1 - Do início da mora (art. 794º do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
     Não oferece dúvidas que, como as partes concordam, a mora ocorreu com a citação da ré.
     
     5.2 - A taxa de juro moratório.
     A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
     Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito do autor nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
     A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.
     
     6 Em conclusão.
     Tem o autor direito:
     - a resolver o contrato;
     - a que lhe seja restituída a quantia que a ré recebeu em cumprimento do contrato resolvido (HKD1.152.000,00);
     - a indemnização do dano predeterminado pelo valor do sinal prestado (HKD1.152.000,00);
     - a receber juros de mora à taxa dos juros legais civis a contar da citação até integral pagamento.
     *
     V – DECISÃO.
     Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de HKD2.304.000,00 (dois milhões e trezentos e quatro mil Dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
     Custas a cargo do autor e ré na proporção do respectivo decaimento.
     Registe e notifique.
*
    Quid Juris?
    Uma vez que está em causa essencialmente a aplicação de Direito aos factos assentes vamos apreciar o recurso interposto pela Ré.
*
    Ora, a particularidade do caso dos autos consiste no seguinte:
    a) – O Autor pagou, no 1º momento, uma parte do preço acordado para adquisição da fracção autónoma em causa;
    b) – Veio agora o Autor a reclamar a restituição em dobro da quantia total paga por ele.
    Terá o Autor fundamentos legais para o fazer?
    Tal como temos vindo a sublinhar que cada caso é um caso, não obstante existirem vários processos em que se discutem as questões idênticas ou semelhantes.
    Ora, dada a identidade ou semelhança da matéria discutida neste tipo de processos, as considerações por nós tecidas noutros processos valem, mutatis mudantis, para o caso, obviamente com as devidas adaptações, nomeadamente no processo nº 813/2024, com o acórdão proferido em 13/3/2025, em que ficou consignado o seguinte entendimento:
    
    “(…)
    1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
    a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
    b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
    c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
    2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
    3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pude cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indesculpável”, o que deve relevar para ponderar e fixar as sanções contratuais!
     (…)”.

    Aqui, merece igualmente destacar um outro ponto: o raciocínio do Tribunal a quo aponta, parece-nos, para a ideia de que toda a culpa de incumprimento se concentra na parte da Ré/Recorrente, mas tal como se refere anteriormente por nós, não é líquida esta argumentação, já que a Ré fazia e tentava fazer tudo para que pudesse cumprir os compromissos assumidos perante o Governo da RAEM, apesar que o resultado final não vir a ser “satisfatório” a todos os níveis. Mas os comportamentos assumidos pela Ré demonstram que não existe “dolo” de incumprimento por parte dela, quanto muito, negligência ou utilizando uma linguagem diferente, um “ risco de investimento” que a Ré há-de assumir, daí a sua quota-parte de responsabilidade, circunstâncias estas que devem ser valoradas na fixação das indemnizações que cabem no caso em análise. Aliás, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão dos factos afirmou: “A convicção do tribunal formou-se na análise crítica da globalidade da prova testemunhal e documental produzida, ponderada nos termos antes referidos e que podem ser explicitados sinteticamente como segue.
    É uma evidência que a ré tinha vontade firme de concluir o empreendimento “C”, o que resulta da consideração dos esforços e dispêndios que fez, incontestáveis e incontestados nos autos, incluindo por via judicial.”
*
    Conforme o quadro factual fixado pelo Tribunal recorrido, existem vários factos que são claros para demonstrar que a Ré não actuou com “dolo” no cumprimento dos acordos quer perante o Governo enquanto concedente quer perante as partes dos contratos-promessa, a saber:
    “(…)
     - A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo de impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
     - Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
     - Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013, foi aprovado o último relatório apresentado;
     Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
     - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
     - Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
     - Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
     - Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde.
    
    “(…)”
     1. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 24/12/2015 porque os serviços da RAEM criaram tais expectativas, nomeadamente:
a. Ao emitirem licença de obras para as fundação em 02/1/2014, um mês antes do terreno do prazo de aproveitamento;
b. Ao Prorrogarem o prazo de aproveitamento em 29/7/2014 até 25/12/2015, sabendo que tal não seria possível;
c. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no dentro do respectivo prazo. (Q 9.º)
    (…)”.
    Tudo isto demonstra claramente que a Ré não actuou com dolo para desrespeitar as obrigações decorrentes dos contratos-promessa, pelo contrário, os factos assentes acima transcritos podem constituir alteração superveniente das circunstâncias nos termos do artigo 431º do CCM (a Autora chegou também alegar esta matéria conforme o teor do artigo 138º a 139º da PI), já que se tratam de factos imprevisíveis e que ocorreram posteriormente ao momento da celebração dos acordos em análise.
*
    Com as devidas adaptações, o disposto no artigo 784º/2 do CCM pode ser chamado para fundamentar a decisão em análise, já que tal normativo dispõe:
    
(Contratos bilaterais)
    1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
    2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, o valor do benefício é descontado na contraprestação.
    Em regra, a restituição do sinal não representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
*
    1) - Agora, relativamente ao dano excedente, quando não pode ser calculado ao certo, à luz da doutrina dominante, e no caso da sua impossibilidade, recorre-se ao juízo de equidade.
    A propósito deste ponto, escreveu-se:
    “De harmonia com a lei substantiva, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma e outra norma (artº 609.º, n.º 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será equitativamente julgado5. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja6, nem serve para alijar por inteiro, o não cumprimento, seja pelo credor da obrigação de indemnização quantitativamente indeterminada do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito, seja pelo devedor de igual ónus que o vulnera no tocante a qualquer facto extintivo daquela mesma obrigação (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, e 346.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC).”14

    2) – Pergunta-se, como é que se deve resolver este tipo de questões? A propósito desta matéria, citemos aqui a posição dominante vigente em Portugal, em nome do Direito Comparado (Cfr. ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/10/2012) sobre a matéria em discussão (uma situação semelhante):
“Acontece porém que nos situamos no âmbito da resolução do contrato. O autor optou pela resolução do contrato.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” [14].
Entre as partes e na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art.º 433º do Código Civil. Por isso tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes.
Ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. O que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, "de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida".
Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” [15].
Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado [16]. Tal entendimento tem sido seguido maioritariamente na jurisprudência. [17]
Com base nesta doutrina, não é aceitável a compatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao (interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela solução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.
Por isso e conclui no citado acórdão de 24.1.2012 que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido”.
Nada no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência. [18]
Por conseguinte, improcede o pedido de indemnização do A. relativo a lucros cessantes.”

    O raciocínio vale, mutantis mudantis, para o caso dos autos, sendo certo que o artigo 436º do CCM (que tem uma redacção diferente da do CC de 1966 vigente em Portugal), consagra:
(Sinal)
    1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
    2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
    3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
    4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
    5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
    Depois, o artigo 801º do CCM manda:
(Redução equitativa da pena)
    1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
    2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
    
    A propósito dos nº 4 e 5 do artigo 436º do CCM, anotou-se:
    “15. No estudo global que se faça do problema, chega-se à conclusão que o nº 4 vem reforçar a ideia transversal consagrada no Código a respeito da natureza confirmatória do sinal (o próprio Menezes Leitão acaba por admitir que o nº 4 não tem natureza penitencial, em ob. cit., pág. 246). Ou seja, para lá da perda do sinal pelo tradens ou da devolução em dobro do sinal pelo accipiens, ainda pode haver lugar, salvo estipulação em contrário, a indemnização pelo dano excedente. Foi uma opção do legislador de Macau, que podia ter aproveitado a ocasião para ser mais generosa. Com efeito, não passou da criação dessa possibilidade indemnizatória pelo dano excedente, sem a estender a outra qualquer indemnização (nomeadamente, por danos não patrimoniais), tendo em conta que na parte final do nº 4 afirmou expressamente a impossibilidade de alargamento da extensão indemnizatória (habitualmente, alguns autores defendem que, sem limitação, pode haver a indemnização por perdas e danos no caso de sinal confirmatório).
     Pior é, apesar de tudo, a situação do parente próximo preceito português, pois nele se preceitua que "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento".
     De qualquer maneira, há mesmo aí quem sustente que, para além dessa indemnização pelo não cumprimento, possa haver uma ou mais indemnizações fundadas noutras causas, como, por exemplo, nos casos de terem sido feitas benfeitorias na coisa (Ana Prata, Código ... cit., pág. 568).
     16. O nº 5 manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 801º. Não é bem claro o propósio da disposição legal: se apenas se aplica aos casos em que os contraentes estabelecem no contrato uma indemnização para o caso de incumprimento por arrependimento (arras ou sinal penitencial), ou se também aplicação no caso de sinal confirmatório-penal.
     E se a resposta for no sentido de apenas cobrir a segunda hipótese de sinal confirmatório, ainda fica por saber se a redução por equidade (art. 801º) abrange somente as situações em que há dano excedente (nº 4), calculando-se aí a indemnização segundo critérios equitativos, ou se também atinge o dobro do sinal por incumprimento do accipiens.
     Por um lado, poderia parecer que a melhor solução seria, efectivamente, a que permite a aplicação do regime de redução no caso de incumprimento de contrato em que o sinal tem a função de arra confirmatória. Na verdade, se o sinal tiver o sentido penitencial, isso se deve ao facto de as partes, de livre vontade e por consenso, terem estabelecido os próprios limites indemnizatórios, não fazendo sentido que o tribunal os possa baixar apenas porque o devedor lho tenha pedido.
     Por outro lado, é de crer que a redução também não possa incidir sobre o dobro do sinal, porque isso seria contrariar a solução da lei (nº 2).
     Nesta óptica, pareceria ficar assim a remissão para o art. 801º circunscrita às situações em tiver que haver indemnização pelo dano excedente. Este dano pode ser, realmente, elevado, se tivermos em conta as diferenças de preços em mercados (por exemplo, imobiliários) que frequentemente se pautam por regras pouco saudáveis de especulação. Tendo em conta que o dano pode ser realmente avultado, a intervenção do juiz pode eventualmente justificar-se, se bem que a redução também pode funcionar como um prémio ao devedor.
    Não temos, enfim, a certeza sobre o alcance da norma.
     Mas, se fizermos a conjugação dos artigos 436º, 801º (e o ambiemte da sua sistematização) e 820º, nº 2, (neste caso, para o contrato-promessa) talvez seja possível, afinal de contas, considerar que a remissão apenas faça sentido nos casos em que as partes contratantes tenham estipulado, por penitência, uma indemnização com caracter de pena no contrato para a hipótese de não cumprimento por arrependimento. A jurisprudência dirá o que for de justiça sobre o assunto. (Cfr. Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, CFJJ, 2020, Vol. VI, pág. 506 e 507).
    Efectivamente pode existir alguma dúvida na interpretação e aplicação das normas em causa.
    Mas não é pela primeira vez que este TSI é chamado para se pronunciar sobre o conceito de danos ou prejuízos excedentes, o mesmo conceito encontra-se consagrado no artigo 1027º do CCM em matéria locatária que dispõe:
     
(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
    1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
    2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
    3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
    A propósito deste conceito, ficou consagrado o seguinte entendimento no Proc. nº 646/2017, com o acórdão proferido em 26/07/2018:
     
    “I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
    II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
    III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
    IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!”
     
    Não há razões bastantes para não seguirmos o entendimento acima referido, já que está em causa uma matéria de natureza idêntica: para além de pagar o dobro, pode pedir-se indemnização por danos excedentes, mas estes têm de estar devidamente demonstrados e comprovados, não bastam alegações abstractas ou provas indirectas.
    “(…)”.
    Voltando ao caso em análise, sublinhe-se aqui, é de verificar-se que a norma do nº 4 do artigo 436º é mais exigente do que a norma do artigo 1027º (que regula a matéria de locação), pois aquela norma fala de “dano consideravelmente superior’! O que exige provas mais rígidas e persuasivas!
*
    Aqui, é de recordar-se que no processo nº 220/2024 fica também consignado o seguinte entendimento:
    “從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
    事實上,本院在涉及“C”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
    只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
    4. 就賠償金額方面:
    第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
    此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
    我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
    就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
    a) 法律規定容許者;
    b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
    c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
    《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
    為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
    在本個案中,原告們向原預約買受人支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
    倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
    原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
    由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。”
    3) – Voltando ao caso dos autos, uma leitura possível: ao contrário que se pretende defender, temos por certo que as quantias pagas pelos Autores à Ré a título de sinal, se fossem depositadas nas instituições bancárias, certamente eles receberão juros, facto este que temos por certo que os Autores deixaram de poder os receber, razão pela qual a Ré deve indemnizá-los por esta via.
(…)
    4) - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto (Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03). Ou seja, no caso, deve existir factos assentes no sentido de que os Autores tivessem a possibilidade de vender, pelo menos, pelos valores por ele alegados e comprovados (ex. mediante contratos-promessa de compra e venda celebrados) a uma terceira pessoa concreta, o que não se encontra devidamente demonstrado por factualidade assente.
    5) (…)”.
*
    Relativamente à solução ditada na sentença recorrida, globalmente analisados os argumentos invocados pelo Tribunal a quo, é de entender que a solução é correcta nos termos que se transcreve a seguir:
     “O ónus da prova.
     O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
     No presente caso, cabe ao autor alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o seu dano efectivo é superior ao valor do sinal e cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
     A ré alegou e provou que se esforçou por cumprir e que o autor vai receber uma fracção autónoma de um imóvel idêntica à que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico.
     
     O autor não alegou com precisão o seu dano efectivo. Apenas alegou que teve despesas no montante de MOP118.532,0015, o que é inferior ao valor do sinal (HKD1.152.000,00).
     Não pode, pois, proceder esta parte da pretensão do autor relativa à indemnização por despesas, pois o “dano excedente” só é indemnizável se o dano efectivo total for consideravelmente superior ao valor do sinal, o que o autor não demonstrou. É certo que o autor alegou e demonstrou que pagou valor superior ao sinal para adquirir a posição contratual (HKD4.711.100,00), mas inferior ao valor que acordou como sendo o valor da posição contratual que adquiriu (HKD7.399.100,00). Porém, o autor irá adquirir do Governo da RAEM a “fracção sucedânea” por preço inferior àquele que pagou pela posição contratual que adquiriu. Isto é, vai adquirir pelo “preço de 2011” (HKD3.840.000,00) o que estava disposto a adquirir pelo “preço de 2015” (HKD7.399.100,00 – preço acordado para a cessão da posição contratual), tendo assim um “lucro” decorrente do incumprimento da ré que deve compensar-se com o dano também decorrente do mesmo incumprimento para se poder calcular o dano efectivo do autor. Por esta razão, e desconhecendo-se o valor real da “fracção sucedânea” no momento actual, não se pode considerar demonstrado um dano efectivo do autor manifestamente superior ao valor do sinal.
     
     Não pode, pois, proceder esta pretensão do autor.
     
     Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
     “A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
     O autor está há cerca de 8 anos privado do imóvel que pretendia adquirir e continuará privado por mais algum tempo, que se desconhece, até que receba do Governo da RAEM a “habitação para troca”. Tal privação de uso impediu que nele morasse, que o arrendasse, que o cedesse gratuitamente, etc. Além disso, somando o valor que o autor pagou para adquirir a sua posição contratual (HKD4.711.100,00) ao valor que vai pagar para adquirir a “habitação para troca” (HKD3.840.000,00) verifica-se que terá de pagar mais do que acordou como sendo o valor da sua posição contratual (HKD7.399.100,00 < HKD8.551.100,00). Desconhecendo-se o valor real actual da fracção que o autor vai adquirir do Governo da RAEM, não pode considerar-se demonstrado que a indemnização correspondente ao sinal (HKD1.152.000,00) é manifestamente superior ao dano da privação do uso e da disponibilidade e ao dano da referida diferença de custo que o autor vai suportar em relação ao que suportaria se a ré cumprisse o que acordou. Crê-se que este raciocínio não está em contradição com o explanado a propósito da indemnização do dano excedente, pois que não está demonstrado nem o manifesto defeito nem o claro excesso do sinal em relação ao dano efectivo do autor.
     Não procede, pois, a pretensão da ré de ver reduzido por juízos de equidade o valor da indemnização determinado pelo valor do sinal.”
     
    Quanto ao demais, é de verificar-se que nesta parte, todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, nesta sede de recurso concluímos, em face da argumentação acima transcrita, que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
*
    Face ao exposto, é de negar provimento ao recurso interposto pela Ré, mantendo-se a decisão recorrida.
*
    Síntese conclusiva:
    I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
    II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
    III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
    IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
    V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
    VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
    VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
    VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
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    Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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    Custas pela Recorrente.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 30 de Abril de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1º Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Juiz-Adjunto)
     
1 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
2 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
3 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
4 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
5 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
6 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
7 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
8 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
9 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
10 O autor terá dois títulos para o mesmo direito (receber a quantia paga a título de sinal): a restituição em consequência da resolução contratual e a devolução indemnizatória do sinal. É, portanto, infrutífero escolher um dos títulos. Porém, sempre se dirá que a resolução, com os seus efeitos retroactivos, se apresenta com precedência lógica sobre o regime do sinal.
11 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
12 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
13 O autor alegou ainda o pagamento do imposto do selo, mas não pediu a condenação da ré no respectivo reembolso. Talvez já o tenha obtido da RAEM, possibilidade que a ré referiu na sua contestação. Não releva, pois, aqui o referido imposto do selo.
14 Ac do STJ, Proc. 3292/20.5TBLRA/C1.S1., de 11/02/2025.
15 O autor alegou ainda o pagamento do imposto do selo, mas não pediu a condenação da ré no respectivo reembolso. Talvez já o tenha obtido da RAEM, possibilidade que a ré referiu na sua contestação. Não releva, pois, aqui o referido imposto do selo.
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