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Processo n.º 118/2025
(Autos de recurso cível)

Data: 30/Abril/2025

Recorrente:
- Sociedade de Importação e Exportação A Limitada (ré)

Recorridos:
- B e C (autores)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B e C (doravante designados por “autores” ou “recorridos”) intentaram acção contra a Sociedade de Importação e Exportação A Limitada (doravante designada por “ré” ou “recorrente”), pedindo a condenação desta a pagar àqueles a quantia de MOP7.348.824,47, correspondente ao dobro do valor recebido a título de sinal, ou subsidiariamente, a quantia de MOP1.765.400,47, acrescida de juros de mora.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente.
Inconformada, interpôs a ré recurso jurisdicional para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
     “1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD5.713.981,04.
     2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
     3. Com efeito, ficou provado que se não fosse um consumo de tempo além do expectável por parte da DSSOPT, a Recorrente teria conseguido aproveitar o terreno dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão contratados e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço.
     4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
     5. Com efeito, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
     6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
     7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “Pearl Horizon”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
     8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
     9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
     10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
     11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8º e 9º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
     12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
     13. Com efeito, provado está, que, de acordo com o Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 268 a 277, no seu ponto nº 19, parte final, o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
     14. No entanto, conforme também está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
     15. D’outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
     16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
     17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
     18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
     19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
     20. Quanto ao risco, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
     21. Os Recorridos sabiam necessariamente que o contrato que celebraram com a Recorrente estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
     22. As datas dos termos das concessões são públicas, constando do Registo Predial.
     23. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
     24. Os Recorridos também sabiam perfeitamente que o contrato em causa tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do contrato que celebraram com a Recorrente.
     25. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditames de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
     26. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco do contrato em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
     27. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
     28. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
     29. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
     30. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
     31. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
     32. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
     33. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, onde a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato e o adquirente tem o dever de pagar um preço.
     34. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
     35. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
     36. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, os recibos de pagamento identificarem-se deliberadamente como se tratando da liquidação de um preço e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo.
     37. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
     38. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes ‘contratos-promessa’ têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
     39. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construir e lhe vai entregar.
     40. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
     41. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que o contrato em discussão não é um típico contrato-promessa mas um contrato de reserva ou um contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
     42. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 64 a 72 dos autos.
     43. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
     44. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
     45. A Recorrente recebeu HKD$5.420.800,00 por conta do contrato em apreço e pagou, no lugar dos Recorridos, a quantia de HKD3.706.818,96, para liquidação do mútuo por eles contraído junto de uma entidade bancária, para custearem a aquisição da fracção que adquiriram à Recorrente.
     46. Deste modo, salvo melhor opinião, na perspectiva da Recorrente, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se em HKD1.713.981,04 (5.420.800,00-3.706.818,96) equivalentes a MOP1.765.400,47 e respectivos juros de mora.
     47. Subsidiariamente a Recorrente pediu que a indemnização fosse arbitrada com base na equidade, tendo a douta sentença recorrida arbitrado uma indemnização a esse título no valor de HKD4.000.000,00.
     48. No entanto, com todo o respeito, que é muito pelo douto entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, afigura-se que o montante arbitrado é relativamente elevado.
     49. Os Recorridos candidataram-se a uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/19, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/19, de 30 de Maio, o que foi deferido.
     50. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção objecto do contrato em discussão (arts. 7º e 9º do referido Despacho do Chefe do Executivo nº 89/2019).
     51. Os Recorridos apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque são compradores de uma fracção autónoma à Recorrente, a construir no mesmo terreno.
     52. Actualmente o valor desta fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Recorrente.
     53. A Recorrente ficou impossibilitada de aproveitar o terreno dentro do prazo de aproveitamento de que dispunha, pelas razões supra expostas, as quais demonstram nula ou quase nula culpa sua.
     54. Face à prática arreigada em Macau, a actuação da Administração incutiu na Recorrente legítimas expectativas em como iria prorrogar o prazo de aproveitamento para além do prazo de concessão, ou, fazer uma nova concessão do mesmo terreno, possibilitando a construção do empreendimento “Pearl Horizon”.
     55. Durante o último ano dos prazos de aproveitamento e de concessão, a Recorrente custeou e executou as obras das fundações do empreendimento tendo gasto significativas importâncias – cerca de mil milhões de dólares de Hong Kong.
     56. Provado também está, que a Recorrente celebrou milhares de contratos idênticos ao contrato em discussão nos autos, mais concretamente, 3.020 contratos.
     57. Deste modo, ressalvada diversa opinião, uma decisão prudente e equilibrada seria, na óptica da Recorrente, a de fixar o quantum indemnizatório no montante que a Recorrente deve restituir aos Recorridos acima calculado HKD1.713.981,04 (HKD5.420.800,00-HKD3.706.818,96), acrescido de uma compensação correspondente a metade desse mesmo valor, ou seja, HKD856.990,52, tudo num total, portanto, de HKD$2.570.971,56.
     58. Quanto aos respectivos juros de mora, afigura-se que a sua contagem teria início com a data da sentença até integral pagamento, posto que só com a sua prolação a obrigação da Recorrente se tornaria líquida, à taxa legal de 9,75% ao ano.
     59. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
     Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.”

Ao recurso responderam os autores pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Feito o julgamento, a primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade limitada, constituída em 8/Fevereiro/1977, cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
2. Por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990, alterado pelo Despacho n.º 107/SATOP/91, publicado no BO, n° 26, de 1/07/1991, foi concedido à Ré o terreno, a resgatar ao mar, com a área de 60,782m2, constituído por 3 lotes com a designação de Lote "O", para fins habitacionais, Lote "S" para fins habitacionais e Lote "Pa" para fins industriais.
3. Em conformidade com o estipulado no n.º 1 da cláusula 2.a do aludido despacho de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato.
4. Nos termos da cláusula 5ª, n.º 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, a DSSOPT dispunha de um prazo de 60 dias para se pronunciar sobre os requerimentos da R., no âmbito da marcha do respectivo processo.
5. Por Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb” destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único com a área global de 67.536m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
6. As parcelas “Pa” e “Pb” foram anexadas e o respectivo terreno passou a estar descrito sob o n.º 22380 do Livro B68M, com a designação de Lote “P”.
7. Pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM, n° 9, II Série, de 1 de Março de 2006, tendo em conta o Estudo Prévio de 2005 e as PAOs de 2004 e 2005, foi acordada a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 5 pisos, sobre o qual assentam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção (cfr. a redacção conferida à cláusula 3.ª, n.º 2.3, do contrato de concessão de arrendamento pelo artigo 1.º dos termos e condições do contrato constantes do Anexo ao Despacho n.º 19/2006):
a) - Habitação: 599.730m2
b) - Comércio: 100.000m2
c) - Estacionamento: 116.400m2
d) - Área livre: 50.600m2
8. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial da RAEM do despacho que titulasse a referida revisão.
9. A Ré e os Autores celebraram, em 21 de Março de 2011, o “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel” (adiante designado por “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”), que incidia sobre a fracção B (adiante designada por “fracção em causa”) do 20.º andar, do bloco 7, do edifício em construção no “Lote P” (adiante designado por “terreno”), situado em Macau, na Zona da Areia Preta, que se encontrava registado na Conservatória de Registo Predial sob a descrição n.º 22380. (vide doc. 2 da petição inicial)
10. A Ré prometeu vender a fracção em causa, enquanto os Autores prometeram comprá-la, mediante o preço de HKD$6.776.000,00, equivalente a MOP6.979.280,00. (vide doc. 2 da petição inicial)
11. Em cumprimento da cláusula 3.ª, n.º 3a, do Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, os Autores efectuaram, respectivamente em 11 e 23 de Fevereiro de 2011, pagamentos à Ré das quantias de HKD$200.000,00 e de HKD$477.600,00, perfazendo o valor total de HKD$677.600,00, equivalente a MOP697.928,00. (vide docs, 3 e 4 da petição inicial)
12. Em cumprimento da cláusula 3.ª, n.º 3b, do Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, os Autores efectuaram, respectivamente em 19 e 25 de Março de 2011, pagamentos à Ré das quantias de HKD$143.200,00 e de HKD$4.600.000,00, perfazendo o valor total de HKD$4.743.200,00, equivalente a MOP4.885.496,00. (vide docs. 5 e 6 da petição inicial)
13. Os Autores, a Ré e o Banco XX, Limitada, Sucursal de Macau, (adiante designado por “Banco”), assinaram, em 25 de Março de 2011, um contrato de empréstimo hipotecário para compra e venda de imóvel (adiante designado por “contrato tripartido”). (vide doc. 7 da petição inicial)
14. Por via do contrato tripartido, os Autores pediram ao Banco um empréstimo, no valor de HKD$4.600.000,00 e, paralelamente, efectuaram o pagamento à Ré, de forma a cumprir a norma da cláusula 3.ª, n.º 3b, do Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel.
15. De acordo com a cláusula 10.ª do Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, a fracção seria entregue no prazo de 1200 dias úteis de sol (excluídos domingos, feriados e dias de chuva), contados a partir da conclusão do 1º piso para habitação das obras da superestrutura, e seria celebrada a escritura pública.
16. Em 24/10/2013 a Ré requereu junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a emissão de licença para as obras das fundações, que foi emitida em 2/01/2014. (doc, n.º 29 junto com a contestação)
17. Em 15/01/2014 e 30/01/2014, a Ré apresentou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento.
18. Em 4/06/2014, a Ré voltou a requerer a prorrogação.
19. Em 26/06/2014, a Comissão de Terras pronunciou-se nos seguintes termos: “Para além disso, estima-se que mesmo que o prazo de aproveitamento seja prorrogado, a concessionária só possa concluir parte das obras da fundação, podendo no entanto isto criar indirectamente condições favoráveis à concessionária para que esta se aproveite do facto como fundamento para lograr ficar com a concessão do terreno. Nestas circunstâncias, propõe que a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária.”
20. Em 10/07/2014, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, emitiu o seguinte parecer: “ ... Analisado o parecer da Comissão de Terras e ponderando os 17º a 21º pontos desse parecer e a carta da concessionária, constante do 24º ponto, nomeadamente, o teor do ponto 24.4, concordo, em princípio, com os pontos 14.2 e 14.3 da informação n.º 0901DSODEP/2014 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, isto é, prorrogar o prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e aplicar a multa no montante de MOP$180,000.00, pressupondo que a Sociedade concessionária aceite previamente por escrito as seguintes condições, para garantir interesses públicos:
1. Se não for completado o aproveitamento antes da prescrição de arrendamento, mesmo estando preenchidos os requisitos previstos no art.º 5.º da Lei n.º 7/2013 (Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção), a Sociedade concessionária não vai pedir autorização prévia para fazer negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção no lote P, nem vai realizar esses negócios jurídicos, excepto a eventual obtenção legal de nova concessão desse terreno;
2. Se não mais lhe for concedido o terreno, a Sociedade concessionária não pode pedir à RAEM qualquer indemnização ou compensação.”
21. Em 15/07/2014, sobre este parecer, o Chefe do Executivo despachou: “Concordo”.
22. Em 29/07/2014, foi enviado à Ré um ofício assinado pela Directora, Substituta, da DSTOPT, com o seguinte teor:
“... 1. Nos termos da cláusula n.º 2 do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já ficou caduco aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do art.º 2.º do Despacho n.º 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai acabar aos 25 de Dezembro de 2015.
2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP$180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1. Antes de terminar o prazo de concessão por arrendamento do terreno, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo estando preenchidos os requisitos dispostos no artigo 5.º da Lei n.º 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2. Se no futuro o terreno não for novamente concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
3. Nestes termos, avisa-se a vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia de pagamento da multa.”
23. A Ré aceitou pagar a multa no valor de MOP180.000,00.
24. Em 27/11/2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo o pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26/12/2015.
25. Em 30/11/2015, o Chefe do Executivo concordou com os pareceres que lhe foram colocados à consideração, cujo sentido era o de indeferir o pedido de prorrogação com fundamento em que, impedindo a Lei n.º 10/2013 a renovação de concessões provisórias, não podia ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
26. Em 21/01/2016 a Comissão de Terras emitiu o parecer nº 9/2016, cujo ponto 50 apresenta o seguinte teor:
“Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de Terras, conforme estabelece o n.º l do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de Terras anterior), que no caso de a concessão revestir natureza provisória, em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. Artigos 49º, 132º e 133º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º l do artigo 55º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167º da Lei nº 10/2013 ...”.
No dia 22 de Janeiro de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer com o seguinte teor:
“ ... 8. Reunida em sessão de 21 de Janeiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, considerou que o prazo de arrendamento de 25 anos fixado na cláusula segunda do contrato terminou em 25 de Dezembro de 2015, e que a concessão provisória não pode ser renovada, de acordo com o previsto no nº 1 do artigo 48º da Lei nº 10/2013, Lei de terras, aplicável por força dos seus artigos 212º e 215º. Deste modo, a concessão do lote “P” encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva), devendo esta caducidade ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da respectiva concessão pelo decurso do prazo de arrendamento”.
27. No dia 26 de Janeiro de 2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão do terreno, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 2/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho”.
28. O Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 6/2016 tomou público que, por despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno, situado na península de Macau, no NATAP, designado por Lote "P", pelo decurso do seu prazo. (vide doc. 13)
29. Contra o despacho do Chefe do Executivo, emitido em 26 de Janeiro de 2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa, a Ré interpôs recurso contencioso anulatório junto do Tribunal de Segunda Instância.
30. No dia 19 de Outubro de 2017, o Tribunal de Segunda Instância proferiu o acórdão que julgou improcedente o recurso contencioso, mantendo-se o acto administrativo recorrido. A Ré, não se conformando, recorreu junto do Tribunal de Última Instância contra o referido acórdão.
31. De acordo com o acórdão n.º 7/2018, o Tribunal de Última Instância negou provimento ao recurso interposto pela Ré, tendo o acórdão transitado em julgado em 12 de Junho de 2018, tomando-se irrecorrível.
32. A Ré liquidou ao banco, em 28 de Setembro de 2018, o empréstimo que os Autores deviam ao banco, por terem assinado o contrato tripartido, no valor de HKD$3.706.818,96, equivalente a MOP3.818.023,53. (vide doc. 10)
33. Tal Estudo Prévio foi aprovado pela OSSOPT em 21/1/20051 por Ofício com o nº 747/DURDEP/2005 (cfr. Doc. n.º 8 junto com a contestação).
34. A DSSOPT emitiu três Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO’s): uma em 23/12/2004 (cfr. Doc. n.º 4 junto com a contestação). outra em 23/2/2005 (cfr. Doc. n.º 5 junto com a contestação) e a terceira em 11/5/2007 (Doc. n.º 8 junto com a contestação).
35. A Ré não aguardou pela nova Planta e submeteu o projecto global de arquitectural, para efeitos de aprovação, em 22/10/2009 (T-7191/2009) (Doc. n.º 12 junto com a contestação)
36. Em 23/2/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO (Doc. n.º 13 junto com a contestação).
37. A referida PAO foi notificada à Ré, em 9/4/2010, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010 (Doc. n.º 14 junto com a contestação).
38. Naquele ofício afirmava-se, entre o mais, o seguinte:
1. Para efeitos de cálculo da altura do edifício, as larguras das vias são as seguintes: ...
5. Extensão máxima contínua das fachadas da torre: 50 metros.
6. O afastamento mínimo entre as torres não deve ser inferior a 1/6 da altura da torre.
No ponto n.º 42 do ofício dizia-se:
“Tendo em consideração que o “plano de consulta” e o “plano de alteração” apresentados através de T-3040 de 29/04/2008 e de T-3163 de 06/05/2008 foram substituídos pelo pedido apresentado através de T-7191 de 22/10/2009, esta Direcção não emitirá qualquer análise ou aprovação sobre esses planos anteriores.”
39. Em 7/1/2011, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009 (Ofício nº 318/DURDEP/2011) - Doc. n.º 16 junto com a contestação.
40. A DSPA emitiu o parecer em 21/06/2011 (Doc. n.º 18 junto com a contestação).
41. Tal parecer foi notificado à R. em 4/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011), cerca de 5 meses depois da submissão do Relatório (Doc. n.º 18 junto com a contestação).
42. Em tal parecer a RAEM introduziu várias novas exigências, designadamente no que respeita a:
- Ruídos;
- Qualidade de água;
- Paisagem;
- Vista;
- Voo de pássaros;
- Estacionamento automóvel nas redondezas da ETAR;
- Outros.
43. A DSPA entregou à DSSOPT, em 16/10/2012, o seu Parecer sobre o 3.º Relatório. (Doc. n.º 22 junto com a contestação)
44. Tal Parecer foi notificado à R. em 28/12/2012 (Doc. n.º 22 junto com a contestação).
45. Nesse parecer, a DSPA voltou a formular novas exigências.
46. Desta feita, a R. viu-se obrigada a fornecer: Um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres, com “simulação informática”; e Uma avaliação sobre as partículas em suspensão.
47. A DSPA exigiu ainda da R. uma nova avaliação ou, em alternativa, a alteração do "Layout", em virtude da questão da ETAR.
48. Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu 4.º Parecer para a DSSOPT, sobre o 4.º Relatório apresentado pela R. (Doc. n.º 24 junto com a contestação).
49. A DSPA voltou a apresentar novas exigências, desta feita em relação à avaliação do impacto ambiental sobre os novos aterros, a ilha artificial, o fedor, etc.
50. Em 15/10/2013 ocorreu a aprovação final do projecto de obra, incluindo o Estudo de Avaliação do Impacto Ambiental e de Circulação do Ar, atento o parecer da DSPA de 29/08/2013, sujeita apenas a condições de pormenor, designadamente resultantes dos pareceres da CEM (17/06/2011), IACM (17/06/2011), Corpo de Bombeiros (01/06/2011) e DSAT (13/07/2011) (Doc. n.º 28 junto com a contestação).
51. Aprovado o projecto de obra em 15/10/2013, a Ré, em 24/10/2013, requereu a licença para as obras de fundações (T-11874/2013) (Doc. n.º 29 junto com a contestação).
52. Foi autorizado em 29/7/2014, o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento apresentado em 15/1/2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014 (Doc. n.º 31, 32 junto com a contestação).
53. Ré, ao pagar a multa no valor de MOP180.000,00, prometeu, por escrito, Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que não voltava a reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM. (Q 1-1.º)
54. Em 10/09/2004, a Ré apresentou um Estudo Prévio junto da DSSOPT (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar, apresentado em 15/12/2004 (T-6451), os quais serviam fundamentalmente para o cálculo do prémio do contrato em função das áreas brutas de construção do empreendimento proposto (cfr. Docs. n.º 6 e 7 junto com a contestação). (Q 2.º)
55. Em 29/4/2008, a Ré apresentou o Plano de Consulta “Master Layout Plan”, relativo à proposta de localização das torres (T-3040) (Doc. n.º 10 junto com a contestação). (Q 5.º)
56. Em 6/5/2008, a Ré apresentou o projecto inicial de arquitectura (T-3163) (Doc. n.º 11 junto com a contestação), mas decorridos 60 dias, a DSSOPT nada decidiu. (Q 6.º)
57. A ré solicitou em 14/08/2009 a emissão de uma nova PAO. (Q 7.º)
58. A nova PAO e o referido ofício vieram formular exigências não previstas anteriormente, incluindo a tentativa de modificação unilateral do contrato de concessão revisto, nomeadamente, através dos pontos 5 e 6 do referido Ofício, que continham sugestão de uma extensão máxima contínua das fachadas das torres de 50 metros e de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 11.º)
59. Em resposta, em 3/6/2010, a Ré incorporou neste projecto algumas das sugestões da DSSOPT sem, contudo, contemplar, entre outros, nem o referido afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta, nem a distância máxima de 50 metros entre as fachadas (T-5291 - Doc. n.º 15 junto com a contestação), sendo que o projecto que havia sido apresentado pela ré referido em HH. dos factos assentes não contemplava fachadas de extensão superior a 50 metros. (Q 13.º)
60. O cumprimento da sugestão de afastamento entre torres no mínimo correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta alteraria de modo significativo o modelo construtivo e constituiria uma inutilização de parte do tempo já despendido para a sua concepção e elaboração. (Q 14.º)
61. O acatamento da sugestão de afastamento mínimo entre torres correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta, envolvendo a relocalização das torres projectadas, implicava mais tempo para a redefinição do empreendimento, uma vez que, para manter as vistas de mar a partir das torres noutra solução arquitectónica com outra distribuição harmoniosa das torres no terreno haveria risco de diminuição de áreas de construção e do número de torres ou risco de redução do valor de muitas das fracções autónomas, designadamente por perda de vistas panorâmicas. (Q 15.º)
62. O projecto assim aprovado não contemplava as sugestões mencionadas nos n.os 5 e 6 do referido Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 9/4/2010, sendo que o projecto apresentado e aprovado não contemplava torres com extensão da fachada de mais de 50 metros, pelo que, a final, a DSSOPT prescindiu daquelas sugestões. (Q 17.º)
63. A decisão de aprovação do projecto de arquitectura sujeitou a emissão de licença de obras à condição de (a) a Ré apresentar um relatório de avaliação do impacte ambiental que poderia ser causado pela nova construção a implementar no Lote “P” e (b) de tal relatório ser aprovado pelo serviço administrativo competente da Região – a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (“DSPA”). (Q 18.º)
64. Em 11/5/2011, a Ré apresentou o exigido relatório de impacto ambiental (1.º relatório) (T-5205/2011) - Doc. n.º 17 junto com a contestação. (Q 20.º)
65. O 2.º Relatório foi apresentado pela R. em 19/04/2012 (6 meses de preparação) (T-4242/2012) (Doc. n.º 19 junto com a contestação). (Q 24.º)
66. Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, igualmente não previstas em qualquer norma legal ou regulamentar em vigor (ofício DSPA de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012), cujo teor foi objecto de discussão entre a A, a DSSOPT e a DSPA, em 25/07/2012 (Doc. n.º 20 junto com a contestação). (Q 25.º)
67. Em 31/08/2012, a R. apresentou o 3.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (tendo levado um mês para a sua preparação) (Doc. n.º 21 junto com a contestação). (Q 26.º)
68. Em 15/03/2013, a R. apresentou o 4.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (T-3953/2013) (Doc. n.º 23 junto com a contestação). (Q 32.º)
69. A DSPA não sabia, desde o início, que conteúdo pretendia fosse investigado no estudo que a R. tinha que apresentar. (Q 34.º)
70. Em 28/06/2013, a R. apresentou o 5.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (Doc. n.º 25 junto com a contestação). (Q 35.º)
71. Tendo em vista evitar maiores demoras, a R. pediu uma reunião conjuntamente com a DSSOPT e a DSPA, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação deste 5.º Relatório (doc. 26 junto com a contestação). (Q 36.º)
72. Essa reunião teve lugar em 26/07/2013. (Q 37.º)
73. Dessa reunião, em lugar de sair um esclarecimento final acerca do cumprimento das exigências até então efectuadas, o que resultou foram novas exigências, que obrigaram a A a elaborar um novo relatório com conteúdo adicional. (Q 38.º)
74. Em 07/08/2013 (isto é, 12 dias depois da reunião), a A apresentou o 6.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental, contemplando as novas exigências manifestadas pelos serviços públicos na referida reunião de 26/07/2013 (Doc. n.º 27 junto com a contestação). (Q 39.º)
75. O projecto da R. (apresentado em 22/10/2009 e parcialmente alterado em 03/06/2010 para atender a certos requisitos impostos pela DSSOPT), com a aprovação da DSSOPT de 07/01/2011, sujeitando, porém, a emissão da licença de obra à aprovação do Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento projectado, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 41.º)
76. O projecto submetido pela Ré em 22/10/2009 já satisfazia plenamente as exigências sobre impacto ambiental. (Q 42.º)
77. A validade da licença emitida em 02/01/2014 pela DSSOPT foi apenas até 28/2/2014 (Doc. n.º 30 junto com a contestação). (Q 43.º)
78. A Ré deu de imediato início aos respectivos trabalhos. (Q 44.º)
79. À Ré bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento imobiliário “Pearl Horizon” e entregar aos Autores a fracção autónoma aqui em causa. (Q 45.º)
80. Foi com essa licença administrativa em Janeiro de 2014 que, quer a Ré, quer os terceiros avançaram com os seus investimentos e financiamentos. (Q 46.º)
81. Os projectos de arquitectura de 29/4/2008 e de 6/5/2008 não chegaram a ser analisados e decididos pela DSSOPT. (Q 50.º)
82. As PAOs de 2004, 2005 e 2007 não previam o afastamento mínimo entre torres de 1/6 da altura da torre mais alta nem o limite máximo de 50 metros de extensão das fachadas das torres. (Q 51.º)
83. Aquando do contrato de revisão da concessão do terreno aqui em causa e nas respectivas negociações, nunca foi afirmado ser necessário a apresentação e aprovação de relatórios de impacto ambiental como condição para início das obras. (Q 52.º)
84. Para a elaboração do 4.º relatório de impacto ambiental, a ré viu-se obrigada a recorrer a serviços especializados da Austrália, para a realização da “simulação informática” exigida. (Q 53.º)
85. Da reunião realizada em 26/7/2013, resultaram novas exigências que obrigaram a ré à elaboração de novo relatório de impacto ambiental. (Q 54.º)
86. Estavam em causa exigências novas que apenas iam sendo formuladas à medida que o tempo passava e após a análise dos anteriores elementos entregues pela ré. (Q 55.º)
87. A existências do afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta e de elaboração de estudos e apresentação de relatórios de impacto ambiental não estavam previstas em parte alguma, sendo exigências inéditas em Macau. (Q 56.º)
88. - A ré apresentou à DSSOPT um projecto parcial de arquitectura em 6/5/2008 e a DSSOPT não emitiu qualquer pronúncia sobre ele.
- Em 22/10/2009, a ré apresentou outro projecto de arquitectura que substituiu o apresentado em 6/5/2008 e a ré apreciou-o em 09/04/2010 com exigências e sugestões.
- A ré respondeu em 3/6/2010 acatando as exigências, mas não a sugestão de afastamento entre as torres projectadas correspondente, no mínimo, a 1/6 da altura da torre mais alta.
- A DSSOPT aprovou este projecto e notificou a ré em 7/1/2011 para apresentar o relatório de estudos de impacto ambiental que teria a construção do empreendimento em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes.
- A ré realizou o estudo e apresentou o respectivo relatório em 11/5/2011;
- Depois, a DSSOPT pediu mais estudos da mesma natureza (impacto ambiental) até que aprovou o relatório respectivo em 15/10/2013.
- A ré pediu a emissão de licença de obras em 24/10/2013.
- A licença de obras foi emitida em 02/01/2014. (Q 57.º)
89. Obtidas as licenças de construção, a ré construiu e concluiu todo o trabalho de fundações durante o último ano dos prazos de aproveitamento e concessão. (Q 58.º)
90. Entre a data da aprovação do projecto, comunicada em 7/1/11, até ao termo dos prazos os prazos de aproveitamento ou da concessão, a ré dispunha de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento e entregar a fracção autónoma aqui em causa aos autores. (Q 59.º)
91. - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “Pearl Horizon” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora as fracções autónomas de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 60.º)
92. A ré foi obrigada a aceitar as condições impostas para a prorrogação do prazo de aproveitamento, por não dispor de alternativa que lhe permitisse imediatamente continuar a executar o aproveitamento. (Q 61.º)
93. Após aprovação do projecto, a ré investiu avultadas verbas na preparação dos diferentes projectos da obra, bem como na realização e densificação dos estudos de impacte ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM, e na execução das obras de fundações do edifício durante o último ano dos prazos de aproveitamento. (Q 62.º)
94. A Administração bem sabia que, após a emissão da licença e suas prorrogações, não seria à ré possível concluir a construção de todo empreendimento no prazo do aproveitamento. (Q 63.º)
95. Em casos de inimputabilidade do concessionário, a política da RAEM era de atribui, por ajuste directo, nova concessão ao anterior concessionário. (Q 64.º)
96. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 25/12/2015, porque os Serviços da Administração lhe criaram tais expectativas, nomeadamente: (Q 65.º)
1) Ao sugerirem-lhe o cumprimento da exigência da distância mínima entre torres de 1/6 da torre mais alta, o que foi dispensando em momento ulterior, sugestão não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que fez com que despendesse o tempo entre 22/10/2009 a 7/1/2011;
2) Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que obrigou que se despendesse o tempo entre 7/1/2011 e 15/10/2013;
3) Ao emitirem a licença de obra para as fundações, em 2/1/2914, um mês antes do termo do prazo de aproveitamento, sabendo que era impossível concluir o empreendimento até ao termo do contrato de concessão;
4) Ao prorrogarem o prazo de aproveitamento, em 29/07/2014, até 25/12/2015, sabendo que seria impossível concluir o empreendimento até essa data;
5) Ao ser essa a prática seguida anteriormente em casos análogos, de se fazer nova concessão do mesmo terreno ao mesmo concessionário, em caso de não aproveitamento do terreno dentro do prazo.
97. A Ré ofereceu ao público milhares de fracções autónomas por construir deste seu empreendimento em termos semelhantes àqueles que acordou com os autores no contrato em apreço nos presentes autos, com pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado. (Q 68.º)
98. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do CE de 30/5. (Q 69.º)
99. Tal requerimento foi deferido. (Q 70.º)
100. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e está a ser construída no terreno que foi concessionado à Ré. (Q 71.º)
101. Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção, nas condições descritas, apenas porque foi compradores, nos termos do contrato dos autos, de uma fracção autónoma à Ré, que seria construída no mesmo terreno. (Q 72.º)
102. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do CE de 30/5, tendo tal requerimento sido deferido, sendo tal fracção de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e está a ser construída no terreno que foi concessionado à Ré e sendo o valor de mercado dessa fracção superior ao valor inicialmente pago pelos autores à ré por fracção idêntica. (Q 73.º)
*
A primeira instância julgou parcialmente procedente a acção movida pelos autores, resultando na declaração de resolução do contrato celebrado entre as partes outorgantes, na condenação da ré à restituição do dinheiro que recebeu e ao pagamento da indemnização fixada por equidade, tudo acrescido de juros à taxa legal.
Está em causa a seguinte decisão:
“1 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: objectiva, absoluta e definitiva. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção. E sem tal direito não lhe é juridicamente possível construir.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com os autores.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
1.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos e não encontrou ainda razões para decidir de modo diferente. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
Em síntese:
A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar os autores (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído a fracção acordada com os autores no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa.
A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em relação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil, estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não desprezível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.
A ré, quando se comprometeu com os autores a cumprir (21/03/2011), dispunha de pouco menos de três anos até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014) e de cerca de quatro anos e nove meses até ao fim do prazo da concessão (25/12/2015), sendo notório que se trata de tempo insuficiente o que decorreu entre a celebração do contrato e o termo do prazo de aproveitamento, pois que a ré se comprometeu a construir em “1200 dias úteis de sol, contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura”, necessitava de três a quatro anos para construir (pontos 15. e 79. dos factos provados) e quando contratou ainda não tinha licença de obras para iniciar a construção por esta licença depender da aprovação administrativa de estudos de impacto ambiental que a ré viria a apresentar à autoridade competente em 11 de Maio de 2011 e que não estavam ainda aprovados na data em que a ré celebrou o contrato com os autores (21/03/2011). Além disso, a ré necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não desprezível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer sejam ponderosas, quer sejam censuráveis, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, que respeitem a falhas de organização ou outras falhas. Acresce que quando contratou, não podia a ré tomar por certo que o prazo de aproveitamento lhe fosse prorrogado, como efectivamente veio a ser, até ao termo do prazo da concessão (art. 105º, nº 3 da Lei de Terras então vigente - Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho).
Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré se vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir, incrementando ao contrato alguma álea em vez de se comprometer firmemente como se comprometeu. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família. Tomou por certo o que eram meras expectativas. A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação, uma vez que actuou com a solenidade, a certeza e a firmeza que pertence aos contratos e aos compromissos contratuais quando as circunstâncias em que actuou determinariam a um bom pai de família que não contratasse ou que contratasse com diferente clausulado que esclarecesse a outra parte contratante da escassez de tempo e da cooperação necessária, lenta e exigente que a Administração lhe vinha prestando.
Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e os deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonomia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
Em conclusão, a causa da impossibilidade da prestação é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à ré a título de culpa.
2 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão dos autores e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
3 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
3.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que os autores pagaram à ré para receber dela um imóvel e que nada receberam é forçoso concluir que os autores sofreram danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagaram para adquirir e nada adquiriram.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar os autores, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
3.2 Do montante da indemnização
Os autores pretendem ser indemnizados pelo dano legalmente predeterminado correspondente ao valor do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclusa que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foram e a ré que não foi.
3.2.1 Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, os autores e a ré entendem que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa. Também é esse o entendimento deste tribunal. Com efeito, a prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC), como ocorre no caso dos presentes autos e resulta do nº 10. dos factos provados.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que os autores entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta dada aos quesitos 49º e 67º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere os autores o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar aos autores um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste”.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
Em consequência da impossibilidade da prestação da ré, os autores irão receber do Governo de Macau uma fracção idêntica à que pretendiam adquirir da ré e por preço idêntico ao acordado com a ré (pontos 98. a 102. dos factos provados).
Os autores tinham o direito de adquirir a fracção prometida sem ter que pagar nada mais do que já pagaram à ré (HKD5.420.800,00) e terão de pagar pela aquisição da “habitação para troca” o preço igual ao que acordaram com a ré (sem desconto – HKD6.776.000,00), pelo que terão um prejuízo de HKD1.355.200,00.
Os autores estão privados há vários anos da fracção autónoma prometida pela ré e continuarão privados dela durante tempo presentemente desconhecido. Essa privação é inegavelmente um dano, embora se desconheça o montante, o qual deve ser ponderado segundo juízos de equidade, nos termos do disposto no art. 560º, nº 6 do CC.
Os autores tiveram ainda despesas com o empréstimo bancário que contraíram ao Banco XX, pois que se provou que pediram HKD4.600.000,00 (ponto 14. dos factos provados) e que a ré só reembolsou HKD3.706.818,96 (ponto 32. dos factos provados). Essas despesas são dano para os autores, embora também se desconheça o montante concreto, o qual deve também ser ponderado segundo juízos de equidade, nos termos do disposto no art. 560º, nº 6 do CC.
O prejuízo dos autores será, então, o correspondente à privação do desconto (interesse contratual negativo), à privação da disponibilidade da fracção entre a data em que a ré deveria entregar e a data em que a irão receber da sociedade comercial D, S.A. (interesse contratual positivo) e às despesas que tiveram com a contração e a amortização parcial do empréstimo bancário (interesse contratual negativo). No que tange ao interesse contratual positivo trata-se de uma situação semelhante à mora e não ao incumprimento definitivo, pois que os autores irão adquirir uma fracção como pretendiam, mas mais tarde do que acordaram.
Se aos autores for devolvida a quantia que pagaram e se obtiverem pelo mesmo preço a fracção que pretendiam, embora com atraso e sem desconto no preço, a indemnização correspondente ao valor que pagaram (HKD5.420.800,00) é manifestamente excessiva, pois que a disponibilidade da fracção durante o tempo em que os autores dela não podem dispor não proporcionaria aos autores um valor líquido tão elevado que, somado ao “desconto perdido” e às despesas suportadas, se aproximasse de HKD5.420.800,00.
O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso com algumas semelhanças com o presente, embora a ali autora tivesse feito o seu pagamento no ano de 2015, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pela autora, embora a ali autor tivesse pago a terceiro pela aquisição da posição contratual de promitente-compreador valor superior ao que o “cedente” havia pago à ré”. Perspectivou, pois o dano como interesse contratual negativo. Não o que a autora deixou de auferir através do que despendeu, mas o que tiver de despender em vão, sem nada auferir.
As diferenças entre o caso apreciado pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância e o caso presente impedem que aqui se siga a solução ali encontrada.
Este tribunal também já decidiu em diversos casos a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável repetir.
Assim, tudo ponderado, designadamente que a culpa da ré é diminuta e que o valor da indemnização não deve ser inferior ao dano efectivo e deve ainda permitir que o sinal cumpra a sua função penitencial, afigura-se equitativo fixar em HKD4.000.000,00 o valor da indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito do contrato que celebrou com os autores.
4 Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
5 Da quantia paga pela ré ao Banco XX por conta dos autores.
Como resulta do exposto, a ré tem duas obrigações para com os autores: a obrigação de restituir o que recebeu, que resulta como efeito da resolução do contrato, e a obrigação de indemnizar os danos sofridos pelos autores, que resulta da impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor.
Ambas as obrigações têm diferentes regimes moratórios, como à frente se verá. Releva, pois, decidir onde “descontar” a quantia que a ré pagou por conta dos autores.
Os autores contraíram empréstimo bancário para pagar à ré o preço acordado pela aquisição da posição contratual de promitentes compradores. A ré, por acordo com o Banco mutuante, pagou a dívida dos autores. Autores e ré estão de acordo que o montante pago pela ré ao Banco seja deduzido na quantia que a ré deve pagar aos autores. Não havendo discussão nesta parte, também o tribunal não vê razão para discutir, apenas para procurar onde deve ser feita a dedução.
Da sub-rogação.
Um terceiro interessado pode cumprir a obrigação do devedor (art. 757º do CC) e o credor que recebe de terceiro pode sub-rogá-lo nos direitos que tinha sobre o devedor, adquirindo o terceiro esses direitos (arts. 583º e 587º do CC). O credor também pode ceder a terceiro o seu crédito, mesmo sem consentimento do devedor (art. 571º do CC).
Os autos não fornecem os factos necessários a qualificar a situação que cria o crédito da ré a compensar com o crédito dos autores, seja como sub-rogação, seja como transmissão de crédito. Com efeito, os referidos factos não esclarecem qual era concretamente a dívida dos autores para com o Banco mutuante. Tudo aponta para se concluir que a ré não cumpriu a obrigação dos autores. Ao que parece, modificou-a e cumpriu a obrigação modificada. Ao que parece, os autores pediram emprestado e estavam a pagar mensalmente conforme acordado, o que demoraria anos. A ré acordou com o Banco liquidar tudo de uma vez só. Sem o consentimento do devedor, o credor e terceiro não podem modificar a obrigação daquele devedor.
Assim, a ré não adquiriu qualquer crédito do Banco sobre os autores, porque estes deviam prestações mensais e a ré cumpriu prestação única. Sem o consentimento dos autores, o que a ré e o Banco mutuante fizeram não vincula os autores. Assim, sem o consentimento dos autores, a ré e o Banco não podiam liquidar de uma só vez um empréstimo que se vencia em prestações mensais. A ré e o Banco interferiram no conteúdo da obrigação dos autores para com o Banco sem terem direito de interferir. O Banco mutuante não pode sub-rogar a ré num direito que não tem sobre os autores, o direito de liquidar arbitrariamente ou ad nutum a totalidade do empréstimo que acordou liquidar em prestações mensais.
Conclui-se, pois, que a ré não é titular de qualquer crédito como tendo-lhe sido transmitido pelo Banco mutuante e, por isso, não pode compensá-lo com a dívida que tenha para com os autores.
Mas afigura-se evidente que a actuação da ré, sem animus donandi, configura um enriquecimento dos autores sem causa justificativa, o que cria na esfera jurídica dos autores a obrigação de devolverem à ré aquilo como que se enriqueceram à custa dela. É certo que a situação de enriquecimento sem causa e da medida da obrigação de restituir que surge de tal enriquecimento, não foram invocadas nem tramitadas com alegação de factos em discussão contraditória, onde tudo que fosse pertinente se poderia invocar, designadamente a prescrição da obrigação de restituir. Mas afigura-se isento de questões e de dúvidas que se verificam todos os pressupostos daquele instituto e que a medida da obrigação de restituir por enriquecimento próprio e empobrecimento alheio é exactamente a quantia que a ré pagou ao Banco mutuante (arts. 467º e 473º). Como se disse, as partes não questionam a medida da dedução a fazer.
Conclui-se, pois que a ré tem um direito sobre os autores: que lhe restituam o que por conta deles pagou ao Banco XX.
E também não há dúvidas que a ré pode compensar esse crédito com a dívida que tenha para com os autores (art. 838º do CC).
Os autores têm dois créditos diferentes sobre a ré: um crédito a que lhes seja restituído o que prestaram, o qual surge como efeito da resolução do contrato; outro crédito a que lhes sejam ressarcidos os danos que sofreram em consequência do incumprimento.
A questão é agora saber qual o crédito dos autores que deve entrar na compensação. É o que estiver vencido no momento em que opera a compensação por declaração à outra parte com a notificação da contestação (arts. 838º, nº 1, al. a) e 839º, nº 1 do CC).
A ré pagou ao Banco XX uma dívida dos autores e pretende-se a compensação. A quantia que a ré pagou deve ser compensada com a obrigação vencida na altura em que a compensação foi feita pelos próprios autores e com a citação da ré. Na referida altura, a obrigação de indemnizar ainda não estava vencida, pois só com a liquidação se vence (art. 794º, nº 4 do CC), mas venceu-se nessa mesma altura a obrigação de restituir em consequência da resolução contratual, que se venceu também com a citação (art. 430º do CC). É com esta obrigação que deve fazer-se a compensação.
Deste modo, a parte que falta restituir da quantia que a ré recebeu dos autores é HKD1.713.981,04 (HKD5.420.800,00 - HKD3.706.818,96).
6 Da mora no cumprimento da obrigação de indemnizar e da obrigação de restituir.
6.1 Do início da mora (art. 794º do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
Tendo a indemnização sido fixada segundo juízos de equidade, é ilíquida a respesctiva obrigação de indemnizar, pelo que a mora só se inicia com a liquidação operada pela presente decisão.
Porém a mora quanto à obrigação de restituição do sinal prestado venceu-se com a interpelação. E esta interpelação ocorreu com a citação.
6.2 A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito dos autores nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.
*
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a ré a pagar aos autores a quantia de:
- HKD1.713.981,04 (um milhão, setecentos e treze mil, novecentos e oitenta e um dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
- HKD4.000.000,00 (quatro milhões de dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento.
Custas a cargo de autores e ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.”
*
Louvamos a acertada, perspicaz e justiciosa decisão que antecede, na qual foi abordada de forma minuciosa e fundamentada a qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, a imputabilidade do incumprimento do contrato à recorrente, bem como o valor da indemnização. Concordamos plenamente com a decisão recorrida, considerando que esta oferece a melhor solução para o caso em apreço.
De facto, conforme referido na sentença recorrida, na fixação do valor indemnizatório, por equidade, foram ponderadas pelo tribunal recorrido as seguintes circunstâncias relevantes: os autores irão receber do Governo de Macau uma fracção idêntica à que pretendiam adquirir da ré, mas terão de pagar um acréscimo de HKD1.355.200,00 pela aquisição da habitação para troca; os autores estão privados há vários anos da fracção autónoma prometida pela ré e continuarão a estar privados dela durante tempo incerto; os autores tiveram despesas com o empréstimo bancário que contraíram, pois pediram um empréstimo de HKD4.600.000,00, do qual a ré apenas reembolsou HKD3.706.818,96, assim como a culpa leve da ré.
Face às circunstâncias descritas, nomeadamente os prejuízos sofridos pelos autores, os benefícios que estes obtiveram, a privação da disponibilidade da fracção e a culpa leve da ré, entendemos que o valor arbitrado pelo tribunal recorrido, no montante de HKD4.000.000,00, não se revela manifestamente desproporcional ou inadequado, antes procura equilibrar os interesses das partes e assegurar a justiça no cumprimento das obrigações contratuais.
Assim, à luz da fundamentação jurídica acima exposta, a qual subscrevemos inteiramente e remetemos aos seus precisos termos, conforme disposto no artigo 631.º, n.º 5 do CPC, negamos provimento ao recurso.
É importante destacar que, no recente acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 928/2024, foram abordadas questões semelhantes, decididas no mesmo sentido.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide negar provimento ao recurso interposto pela ré Sociedade de Importação e Exportação A Limitada e, em consequência, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, aos 30 de Abril de 2025

Tong Hio Fong
(Relator)

Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(1º Adjunto)

Fong Man Chong
(2º Adjunto)




Recurso Cível 118/2025 Página 9