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Processo nº 706/2024
(Autos de Recurso Contencioso)

Data do Acórdão: 30 de Abril de 2025

ASSUNTO:
- Recurso contencioso
- Autorização de Residência
- Revogação
- Crime


____________________
Rui Pereira Ribeiro






Processo nº 706/2024
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 30 de Abril de 2025
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem interpor recurso contencioso do Despacho proferido pelo Secretário para a Segurança de 31.07.2024 que declarou a nulidade da sua autorização de residência, formulando as seguintes conclusões:
I) Em 3 de Novembro de 2024, a Recorrente A foi notificada a decisão final da revogação da sua autorização de residência, com efeitos retroativos da sua eficácia a partir do dia 13 de Dezembro de 2023, cujo fundamento legal previsto nos termos do artigo 43.º n.º 2, alínea 1) e subalínea (1) e no n.º 4, todos da Lei n.º 16/2021 – cfr. notificação do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência, com referência n.º 201021/SRDARPNT/2024P, datado em 6 de Agosto de 2024, cujo documento encontra-se junto com o anterior recurso contencioso apresentado pela Recorrente;
II) Sempre como o devido respeito, a Recorrente não se conforma com a decisão ora recorrida, por considerar que acto administrativo praticado pelo Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, no dia 31 de Julho de 2024, o qual confirmou o parecer de revogação da autorização de residência da Recorrente, tal como consta no relatório complementar n.º 300094/SRDARPREN/2024P, padece o vício de estatuição relativo ao fim-conteúdo – vd. o relatório complementar n.º 300094/SRDARPREN/2024P, junto com os presentes autos, cujo teor se considera totalmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
III) Verifica-se uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários por parte o Autor do acto administrativo ora recorrido, pois, tinha a Recorrente considerada que a Administração não tinha levado em consideração às eventuais consequências drásticas que a mesma confrontará em sequência da revogação da sua autorização de residência, nomeadamente o problema da sua subsistência, da relação com o seu filho menor e dos encargos familiares;
IV) Do pondo de vista da sua subsistência, uma vez revogada a sua autorização de residência, terá de regressar para Hong Kong ou deslocar-se para o interior da China, locais onde não possui qualquer pessoa de quem possa depender para a sua subsistência e teria de viver separada do seu filho;
V) Qualquer criança encontrar afastada dos seus pais por um longo período, poderá enfrentar prejuízos em seu desenvolvimento psicológico;
VI) A Recorrente não deseja que o afastamento faça com que o seu filho tenha sensação de que os pais não o amam, e/ou que sinta que é uma criança abandonada;
VII) Por razões humanitárias, requer-se o cancelamento da decisão de revogação da autorização de residência da interessada e, consequentemente, o arquivamento do processo, para que a interessada, após sua libertação, seja condicional (previsto para Outubro do corrente ano) ou por cumprimento total da pena (determinada para Junho de 2025), possa cuidar e conviver com o seu filho, bem como prestar assistência à sua sogra, que actualmente padece de diabetes;
VIII) Pelo tudo o que foi exposto, deve o presente recurso contencioso ser julgado procedente por provado e consequentemente revogar a decisão, or impugnado, por total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
  
  Citada a Entidade Recorrida veio o Senhor Secretário para a Segurança contestar, apresentando as seguintes conclusões:
26.º A Recorrente impugna o Despacho do Secretário para a Segurança, datado de 31 de Julho de 2024, que revogou, com efeitos retroactivos ao dia 13 de Dezembro de 2023, a Autorização de Resistência concedida em 23 de Novembro de 2017 e sucessivamente renovada para reagrupamento familiar com o seu cônjuge titular de bilhete de identidade de residente permanente da RAEM.
27.º É do conhecimento da Recorrente que a manutenção da Autorização de Residência estava condicionada à observação dos termos e condições subjacentes à sua autorização, bem como, à exigibilidade da verificação das condições de admissibilidade do seu titular, podendo a mesma ser revogada.
28.º A revogação da Autorização de Residência foi determinada após a Recorrente ter sido condenada a pena de prisão efectiva de dois anos e dois meses pela prática de dois crimes previstos e punidos pela Lei n.º 17/2009 – Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas,
29.º A condenação resulta de factos praticados na RAEM, concretizados após a concessão da Autorizações de Residência,
30.º A gravidade dos factos que determinaram a pena criminal são de inegável gravidade, os quais, aliados a todo o circunstancialismo em que os mesmos foram praticados, acabou por derrubar a confiança que havia sido depositada que a Recorrente observaria as leis da RAEM, tal como previamente se havia comprometido.
31.º Nos termos conjugados da subalínea 1) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º com a alínea 1) do n.º 2 do artigo 23.º, todos da Lei n.º 16/2021, a prática de crimes, constitui-se como uma das formas possíveis de demonstração da existência de perigo para a segurança ou ordem públicas,
32.º A Administração perante o relevante interesse público da segurança e ordem públicas, decidiu pela sua inquestionável supremacia, preterindo o interesse individual da Recorrente, revogando a Autorização de Residência,
33.º Trata-se de uma medida securitária, de natureza preventiva, não sancionatória que visa afastar o perigo potenciado pela Recorrente, ora considerada não admissível, por constituir perigo para a segurança ou ordem públicas,
34.º A decisão administrativa circunscreve-se ao dever de proteger o interesse público em causa, não indo para além do que é sensato e lógico e como tal não se demonstra de todo desrazoável.

  Notificadas as partes para apresentarem alegações facultativas, ambas silenciaram.
  
  Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer pugnando pela improcedência do recurso.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos
  
1. Por despacho do Senhor Secretário para a Segurança datado de 31.07.2024 foi revogada a autorização de residência do Recorrente com os fundamentos constante da informação nº 300094/SRDARPAEN/2024P, a qual consta de fls. 229 a 232 dos PA e traduzidas a fls. 60 a 63 dos autos com o seguinte teor:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Parecer:
Aprovo o parecer do Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência.
À apreciação do Sr. Secretário para a Segurança.
O comandante do CPSP
(ass.: vd. original)
Aos 25/06/2024

1. Em 23/11/2017 concedeu-se autorização de fixação de residência na RAEM à interessada A, mais tarde renovada, de modo que ficou válida até 23/05/2025, para reunir-se com o cônjuge C. (Em 23/11/2024 perfazem-se sete anos consecutivos da autorização de fixação de residência na RAEM)
2. Resulta da sentença do TJB que a interessada foi condenada, pelo crime de “produção e tráfico de menor gravidade” p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a dois anos de prisão; além disso, pelo crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a quatro meses de prisão; cumulativamente, a dois anos e dois meses de prisão efectiva (processo n.º CR5-23-0139-PCC). A sentença transitou em julgado em 13/12/2023. É de revogar, portanto, a autorização de fixação de residência concedida à interessada, com efeito retroactivo à data dos factos subjacentes (13/12/2023).
3. Na audiência escrita, o mandatário da interessada alegou essencialmente o seguinte: era a interessada quem tomava conta do filho de seis anos. O sogro e o marido, ambos envolvidos no caso, andam desaparecidos. A sogra, que ganha uma quantia irrisória, é a única que cuida do filho. Revogada a autorização de fixação de residência, passará a viver alhures, separada do filho, o que comprometerá enormemente a saúde física e mental do filho. Roga-se, portanto, que não se lhe revogue a autorização de fixação de residência.
4. Efectuada a meta-análise, propõe-se o seguinte para o caso em apreço:
–A interessada foi condenada, pelo crime de “produção e tráfico de menor gravidade” p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a dois anos de prisão; além disso, pelo crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a quatro meses de prisão; cumulativamente, a dois anos e dois meses de prisão efectiva. A sentença transitou em julgado em 13/12/2023. Está confirmada que a interessada infringiu a legislação da RAEM.
– As alegações do mandatário e da sogra da interessada prestadas na audiência escrita permitem concluir que a interessada agiu de livre-arbítrio, daí a injustificabilidade do seu caso.
Nesta conformidade e nos termos do art.º 43.º, n.º 2, alínea 1), subalínea (1) e n.º 4 da Lei n.º 16/2021, propõe-se revogar a autorização de fixação de residência concedida à interessada, com efeito retroactivo à data dos factos subjacentes (13/12/2023).
À apreciação e consideração do Sr. Comandante.

Aos 25/06/2024
O Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência
(ass.: vd. o origianl)
O Subintendente D
pel’
O Intendente E
Despacho:

Concordo, proceda-se conforme proposto.

O Secretário para a Segurança,
B
(ass.: vd. original)
31/07/2024
Assunto: revogação de autorização de fixação de residência
Relatório complementar n.º 300094/SRDARPREN/2024P
Data: 27/06/2024
1. Conforme o despacho do Secretário para a Segurança de 23/11/2017, concedeu-se autorização de fixação de residência na RAEM à interessada A, mais tarde renovada, de modo que ficou válida até 23/05/2025, para reunir-se com o cônjuge C, residente da RAEM. (Em 23/11/2024 perfazem-se sete anos consecutivos da autorização de fixação de residência na RAEM)
【Audiência escrita】
2. Resulta da sentença do TJB que a interessada foi condenada, pelo crime de “produção e tráfico de menor gravidade” p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a dois anos de prisão; além disso, pelo crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a quatro meses de prisão; cumulativamente, a dois anos e dois meses de prisão efectiva (processo n.º CR5-23-0139-PCC). A sentença transitou em julgado em 13/12/2023. É de revogar a autorização de fixação de residência concedida à interessada, com efeito retroactivo à data dos factos subjacentes (13/12/2023). (P. 194-207)
3. Pretendeu-se notificar a interessada da “audiência escrita” prevista pelos art.º 93.º e art.º 94.º do Código do Procedimento Administrativo. Em 17/04/2024 dirigiu-se o pedido à Direcção dos Serviços Correcionais por carta enviada, para fazer chegar a notificação de audiência escrita à interessada para assinar, vd. ofício n.º 103812/CPSP-SRDARP/OFI/2024P e notificação n.º 200488/SRDARPREN/2024P; a interessada podia expressar-se por escrito a tal respeito no prazo de 15 dias a contar do dia de notificação. (P. 189)
4. Em 08/05/2024 recebeu-se a carta de resposta da Direcção dos Serviços Correcionais, com anexa a notificação de audiência escrita assinada pela interessada em 03/05/2024 (P. 187-188)
【consulta do processo】
5. Em 17/05/2024, recebeu-se o pedido do mandatário da interessada (advogado estagiário Dr. F) apresentado por fax, que solicitava acesso ao processo juntamente com um outro mandatário (advogado Dr. G), com anexa uma cópia autêntica da subdelegação (cujo original se recebeu em 20/05/2024). No mesmo dia telefonou-se aos mandatários para vir ao Departamento para aceder aos autos. Em 22/05 recebeu-se a chamada telefónica dos mandatários da interessada com que se cancelou o pedido de acesso ao processo. Em 24/06 recebeu-se a carta mandada por fax que dizia pôr de lado, para já, o pedido de acesso ao processo (cujo original se recebeu em 25/06) (P. 183-186, P. 168-169)
【alegação】
6. Em 22/05/2024, este Departamento recebeu os seguintes documentos dirigidos pelo mandatário da interessada ao CPSP:
–A declaração (P. 178-182) do mandatário da interessada (advogado Dr. G), que diz essencialmente: “…
1) Com a autorização de fixação de residência revogada, a interessada cairia em enormes dificuldades que lhe comprometeriam a sobrevivência, o vínculo materno-filial e as despesas familiares. Para mais, a interessada haverá que voltar viver a Hong Kong ou mudar-se para o Interior, sozinha e desamparada, pois não dispõe de meios económicos bastantes para viver alhures.
2) Desde a concessão da autorização de fixação de residência até ao aprisionamento, a interessada vivia com os sogros (a casa é propriedade da sogra). As despesas familiares cabiam ao cônjuge.
3) A única responsabilidade da interessada era tomar conta do filho de 6 anos e dos sogros, sobretudo da sogra diabética.
4) Tanto o sogro como o cônjuge participaram no caso. Ambos se encontram ausentes em parte incerta.
5) A sogra ganha muito pouco e está a cuidar do filho. É de atender à idade, à saúde e aos recursos financeiros da sogra.
6) Para prover às necessidades quotidianas, a interessada podia sim arranjar empregos em Hong Kong ou em outros lugares do mundo, à custa, porém, da saúde física e mental do filho, pois mãe e filho teriam que viver separados.
7) Com o antecedente penal, ficará dificultada a sua vinda a Macau para reunir-se com o filho, seja como TNR seja como turista, sendo ocioso recordar que os turistas são proibidos de trabalhar em Macau.
8) Suplica-se que não se lhe revogue a autorização de fixação de residência por razões humanitárias, para que, libertada ao fim do cumprimento da pena, possa trabalhar em Macau, cuidando do filho e da sogra.” (para detalhes, vd. declaração)
–O original da notificação de audiência escrita da interessada. (P. 177)
–O original do atestado médico de doença da sogra da interessada (H). (P. 176)
7. Em 13/06/2024, este Departamento recebeu os seguintes documentos dirigidos pelo mandatário da interessada ao CPSP:
– Uma fotocópia do registo de nascimento em Hong Kong do filho da interessada, segundo o qual é de nome I, nascido em Hong Kong em 22/12/2017, filho do C e da A. (P. 175)
–Uma fotocópia do BIRM permanente do filho da interessada. (P. 174)
–Uma fotocópia da declaração de frequência escolar do filho da interessada. (P. 173)
8. Em 17/06/2024, este Departamento recebeu os seguintes documentos dirigidos pelo mandatário da interessada ao CPSP:
–A carta do mandatário da interessada (P. 172), que diz substancialmente que como prova da condição familiar referida na alegação escrita, se apresentaria uma carta de H, i.e., sogra da interessada, que se pedia anexar ao processo para levá-la em conta.
–A carta (P. 170-171) de H, sogra da interessada, que dizia essencialmente: “…
1) Passaram um ano e tal desde o começo da prisão preventiva da interessada em Abril de 2023. Eu e I, seu filho, temos tantas saudades dela. Ainda me lembro da chamada telefónica que a interessada fez ao filho no início do mês, que durou uns dez minutos. O neto ficou sensivelmente mais solar durante os dias seguintes.
2) Achando as circunstâncias insuportáveis, a interessada errou, tratando de atordoar-se com drogas, mas tudo teve origem nas relações extraconjugais que o meu filho travou. Está a redimir-se, encarcerada como é devido e arrependidíssima. Comporta-se bem em prisão, aperfeiçoando-se com esforços renovados cada dia que passa, para merecer uma vida dignamente ganha no futuro uma vez libertada.
3) Não se sabe o paradeiro nem do meu filho, nem do meu marido. Uma família feliz desfez-se logo por isso. Ficamos os dois sozinhos, eu com o neto, que se tornou órfão.
4) Não gozo de boa saúde e não posso deixar de tomar medicamentos com a diabetes e a hipertensão que sofro. Nem saberia o que fazer se as minhas enfermidades vierem a piorar, não havendo ninguém que cuide do neto.
5) Posso crer firmemente que a interessada está resolvida a expiar-se, aperfeiçoando-se com afincos. Uma vez renovada como pessoa, reinserir-se-á na sociedade, contando com a boa-vontade da sociedade de aceitá-la. Ficamos então nós três, sogra, nora e neta, ligados uns aos outros para a sobrevivência. Acalento a esperança de ela passar a tomar conta da família como deve ser, educando o filho no caminho do respeito às leis. Rogo que se conceda uma oportunidade à interessada, não se lhe revogando a autorização de fixação de residência.”
【meta-análise】
9. Resulta dos registos de migração que durante os dois meses e meio mais recentes (de 01/04/2024 a 24/06/2024), a interessada e o cônjuge ambos permaneceram em Macau por 85 dias. (P. 166-167)
10. Efectuada a meta-análise, a Subdivisão de Residência propõe o seguinte para o caso em apreço:
–A interessada foi condenada, pelo crime de “produção e tráfico de menor gravidade” p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a dois anos de prisão; além disso, pelo crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art.º 15.º da Lei n.º 17/2009, cometido em autoria material e de forma consumada, a quatro meses de prisão; cumulativamente, a dois anos e dois meses de prisão efectiva. A sentença transitou em julgado em 13/12/2023. Está confirmada que a interessada infringiu a legislação da RAEM.
– As alegações do mandatário e da sogra da interessada prestadas na audiência escrita permitem concluir que a interessada agiu de livre-arbítrio, daí a injustificabilidade do seu caso.
Nesta conformidade e nos termos do art.º 43.º, n.º 2, alínea 1), subalínea (1) e n.º 4 da Lei n.º 16/2021, propõe-se revogar a autorização de fixação de residência concedida à interessada, com efeito retroactivo à data dos factos subjacentes (13/12/2023).
À decisão superior.
O elaborador,
(ass.: vd. original)
J 06XXX1
O Subcomissário K
(ass.: vd. original)
Subdivisão de Residência
Divisão de Autorização de Residência e Permanência


b) Do Direito
  
  É do seguinte teor o Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público:
  «(i)
  A, melhor identificado nos presentes autos, interpôs o presente recurso contencioso, pedindo a anulação do acto praticado pelo Secretário para a Segurança que revogou a autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (RAEM).
  A Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu no sentido da improcedência do recurso.
  (ii)
  (ii.1)
  A única questão que vem colocada pela Recorrente é a de saber se o acto que impugna padece do vício de violação de lei resultante de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
  Salvo o devido respeito, parece-nos que não. Sinteticamente, pelo seguinte.
  O acto recorrido foi praticado com fundamento na norma legal ínsita na subalínea (1) da alínea 1) do n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, segundo a qual o Chefe do Executivo pode revogar a autorização de residência na RAEM quando o respectivo titular, após a obtenção da autorização de residência incorrer em alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 23.º, se o crime em causa for punível com pena superior a 1 ano.
  Como facilmente se pode constatar, a norma em apreço confere à Administração um poder discricionário que resulta da utilização do conector «pode» entre as respectivas hipótese e a estatuição. Significa isto, portanto, que, mostrando-se preenchida concretamente a hipótese da norma, cabe à Administração decidir com base nos seus próprios juízos de apreciação e valoração sobre a medida a adoptar no caso tendo necessariamente em vista a prossecução do interesse público concreto, ou seja, sobre revogar ou não a autorização de residência.
  No caso, não vem sequer discutido que se mostra preenchida a hipótese da referida norma legal. Na verdade, a Recorrente foi condenada na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão efectiva pela prática de um crime de produção e tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, e de um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento previsto e punido pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009.
  O que a Recorrente alega, como dissemos, é que o acto recorrido sofre do vício de violação de lei por total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
  Sem razão, parece-nos.
  Como os nossos Tribunais têm vindo a decidir de forma constante, «no âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro» (veja-se, neste sentido, entre outros, o ac. do Tribunal de Última Instância de 21.10.2020, processo n.º 140/2020).
  Como aponta a doutrina, «no que concerne ao controlo efectuado com base nos princípios jurídicos, apenas a sua violação ostensiva ou intolerável (desvio de poder objectivo) poderá basear a anulação jurisdicional dos actos praticados ao abrigo de poderes discricionários, variando a intolerabilidade de tal violação na medida da densidade do princípio em causa e dos circunstancialismos concretos em presença» (assim, por todos, FERNANDA PAULA OLIVEIRA, A Discricionariedade de Planeamento Urbanístico Municipal na Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa, Coimbra, 2011, p. 105).
  Cabe, assim, ao juiz administrativo controlar a compatibilidade da decisão discricionária com os princípios jurídicos fundamentais que regem a actividade da administração, no sentido, justamente, de determinar se ocorreu a violação flagrante de algum ou alguns deles, através de um controlo que é, essencialmente, negativo.
  A verdade é que, no caso, ao invés do que vem alegado pelo Recorrente, a Administração não incorreu na violação de qualquer princípio geral da actividade administrativa, nomeadamente, em violação do princípio da proporcionalidade e muito menos, claro está, de modo flagrante, manifesto ou intolerável. Com efeito, a Administração, confrontada com a condenação criminal da Recorrente, entendeu que se justificava revogar a respectiva autorização de residência, com base num juízo de prognose desfavorável relativamente à sua presença na Região. Quer isto dizer que a Administração, na ponderação que fez, ao abrigo da abertura normativa concedida pela norma habilitante deu prevalência a razões que se prendem com a salvaguarda da segurança e ordem públicas, em detrimento de razões atinentes ao interesse particular da Recorrente (de resto, sempre se diga que a Recorrente não produziu qualquer prova tendente a demonstrar a sua alegação constante dos artigos 5.º, 6.º e 7.º da douta petição inicial). Dizendo de outro modo, para a Administração, a concreta prossecução do interesse público justificava, no caso, a revogação da autorização de residência do Recorrente na RAEM.
  Nestas situações, como o Tribunal de Última Instância tem vindo a decidir a este propósito, «há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação dos princípios orientadores do exercício de poderes discricionários, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça» (assim, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Última Instância de 5.12.2018, processo n.º 65/2018).
  Ora, parece-nos bom de ver que a ponderação feita pela Administração não pode, de modo algum, ser considerada desrazoável ou violadora de qualquer princípio conformador da actividade administrativa e que, nomeadamente, não foi imposto à Recorrente um sacrifício intolerável ou excessivo dos seus interesses.
  (ii.2)
  A Recorrente, no artigo 8.º da douta petição inicial «requer o cancelamento da decisão de revogação da autorização de residência» por razões humanitárias.
  Com todo o respeito, trata-se de um equívoco.
  A lei não prevê que razões humanitárias possam obstar à revogação da autorização de residência. A lei apenas prevê, no n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 16/2021, que «o Chefe do Executivo pode, por razões humanitárias ou por outros motivos excepcionalmente atendíveis e fundamentados, conceder autorizações de entrada, de permanência e de residência, e respectivas renovações ou prorrogações, com dispensa dos requisitos, condições e formalidades legalmente previstos». Trata-se, em todo o caso, de um requerimento que a Recorrente terá de dirigir à Administração e não, como fez, ao Tribunal.
  (iii)
  Face ao exposto, salvo melhor opinião, deve ser julgado improcedente o presente recurso.
  É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.».
  
  O Douto Parecer do Ilustre Magistrado do Ministério Público vem de acordo com aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal em situações idênticas.
  Destarte, concordando integralmente com a fundamentação constante do Douto Parecer supra reproduzido à qual aderimos sem reservas, sufragando a solução nele proposta entendemos que o acto impugnado não enferma dos vícios que a Recorrente lhe assaca, sendo de negar provimento ao recurso contencioso.
  
  No que concerne à adesão do Tribunal aos fundamentos constantes do Parecer do Magistrado do Ministério Público veja-se Acórdão do TUI de 14.07.2004 proferido no processo nº 21/2004.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, negando-se provimento ao recurso mantém-se a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 Uc´s.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 30 de Abril de 2025
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Seng Ioi Man
(1o Juiz-Adjunto)

Fong Man Chong
(2o Juiz-Adjunto)

Mai Man Ieng
(Procurador-Adjunto)

706/2024 REC CONT 66