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Processo nº 5/2025
(Autos de recurso jurisdicional)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), com sede em Lisboa, interpôs, no Tribunal de Segunda Instância, recurso contencioso do despacho do SECRETÁRIO PARA OS TRANSPORTES E OBRAS PÚBLICAS de 01.11.2023 que declarou a rescisão da concessão por arrendamento do terreno com a área de 7.500 m², situado na Ilha de Coloane, devidamente identificado nos presentes autos; (cfr., fls. 2 a 26 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Por Acórdão de 12.09.2024, (Proc. n.° 17/2024), foi o recurso julgado improcedente; (cfr., fls. 469 a 490).

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Inconformada com o decidido, do mesmo traz a recorrente o presente recurso, alegando para produzir as conclusões seguintes:

“1. O TSI decidiu no acórdão de 12/09/2024 (“decisão recorrida”) que “Em face do todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente o recuso, mantendo-se a decisão recorrida.”
2. Salvo o devido respeito, a recorrente, inconformada, considera a decisão recorrida padecente dos seguintes vícios:
i. Nulidade da sentença: falta de fundamentação
ii. Insuficiência na matéria de facto
iii. Nulidade da sentença: omissão de pronúncia
iv. Nulidade da sentença: oposição entre a fundamentação e a decisão
v. Aplicação errada das leis

i. Nulidade da sentença: falta de fundamentação
3. Na decisão recorrida, o tribunal a quo não atendeu minimamente aos factos alegados pela recorrente na petição inicial.
4. Sobretudo os relacionados com o uso impedido do terreno em questão pela recorrente, com a prestação constante (mesmo depois de Outubro de 2019) dos serviços de reabilitação para toxicodependentes pela recorrente no terreno, bem como os aduzidos pela recorrente para refutar os pontos n.ºs 12 – 15 do Parecer n.º 76/2023 da Comissão de Terras, em particular os factos n.º 68 – 80 e 86 – 106 da petição inicial.
5. Só que na parte de fundamentação, não apresentou os fundamentos com base em que se deu por provadas / úteis a notificação e a proposta da Comissão de Terras, nem por que se deu por não provada / útil a matéria de facto constante da petição de recurso, nem explicou por que não se atendeu ao depoimento de testemunha prestado durante o julgamento de 08/05/2024.
6. O art.º 76.º do CPA (sic –N. da T.: devia ser CPAC) prevê que a sentença e o acórdão devem especificar os factos provados, com devida fundamentação.
7. No caso do Código acima referido, aplica-se subsidiariamente o art.º 571.º, n.º 1, alínea b) do CPC. Dada a falta de especificação dos factos que fundamentam a sentença, é de considerar nula a decisão recorrida.

ii. Insuficiência na matéria de facto
8. No recurso contencioso, o Tribunal deve apurar se os factos invocados no acto administrativo recorrido e os alegados pelo recorrente no recurso contencioso são verdadeiros ou falsos, senão há insuficiência na matéria de facto, que provoca a anulação do julgamento de facto, nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 1.º do Código de Processo Administrativo Contencioso. (Acórdão n.º 5/2013 do TUI datado de 06/03/2013)
9. A petição de recurso abunda em factos alegados pela recorrente, que versam sobre a prestação constante dos serviços de reabilitação para toxicodependentes pela recorrente no terreno, os motivos inviabilizadores da utilização do terreno durante certos períodos, bem como os aduzidos para refutar os pontos n.ºs 12 – 15 do Parecer n.º 76/2023 da Comissão de Terras, aos quais a decisão recorrida não atendeu.
10. Os factos alegados nos artigos 94.º – 98.º da petição de recurso servem sobretudo para comprovar a constância da utilização do terreno por parte da recorrente.
11. A decisão recorrida está desprovida, portanto, de factos que indiquem, “que a utilização do terreno se afastasse dos fins para que fora concedido” por parte da recorrente, “a prossecução nunca verificada desses fins em qualquer momento”, nem mesmo “uma momentânea não concretização dos fins da concessão do terreno”.
12. O conhecimento pelo TUI fica impossibilitado pela absoluta falta de fundamentação para a apreciação da matéria de facto, da qual enferma a decisão recorrida. Nos termos do art.º 650.º do CPC, dada a insuficiência na matéria de facto, é de anular a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo e mandar a causa de volta para o TSI para novo julgamento, sobretudo acerca dos factos n.º 68 – 80 e 86 – 106 da petição de recurso contencioso.

iii. Nulidade da sentença: omissão de pronúncia
13. No recurso contencioso, a recorrente veio invocar o vício de aplicação errada do art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras de que padece o acto recorrido. Em termos mais concretos, no acto recorrido interpretava-se a frase na segunda parte da alínea de que “não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos” como “uma momentânea não prossecução”. Assim, aplicou-se erradamente a lei.
14. Falta à decisão recorrida uma apreciação substancial do vício invocado pela recorrente acima mencionado. Temos apenas um parecer no aspecto formal.
15. Só que, exactamente como o que aconteceu no acto recorrido, apreciou-se a verificação ou não dos pressupostos de facto tendo “uma momentânea não prossecução dos fins para que o terreno fora concedido” – ainda que a recorrente não o conceda – como pressuposto de quanto previsto no art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras, descuidando-se completamente a questão de se com “uma momentânea não prossecução dos fins para que o terreno fora concedido” se torna preenchido o pressuposto aí preceituado.
16. Na decisão recorrida, o tribunal a quo limitou-se a transcrever o parecer do Ilustre Procurador-Adjunto, dando por provado que a partir de Outubro de 2019, a recorrente nunca voltara a prestar serviços de reabilitação para toxicodependentes no terreno. Por isso, violou as obrigações definidas no contrato de concessão e estava verificado o pressuposto da rescisão da concessão. Assim sendo, deixou igualmente descurada a apreciação substancial da questão invocada pela recorrente sobre o vício de ofensa do art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras.

iv. Nulidade da sentença: oposição entre a fundamentação e a decisão
17. Incorre no vício de oposição entre a fundamentação e a decisão quando os fundamentos invocados pelo Juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, ou pelo menos na direcção diferente. (Acórdão n.º 156/2005 do TSI datado de 16/02/2006)
18. Interpretado correctamente o disposto no art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras, os factos assentados pelo tribunal a quo não conduziriam logicamente ao resultado expresso na decisão recorrida, porque lá se deu por provado que foi depois de Outubro de 2019 é que a recorrente deixara provisoriamente de prestar serviços de reabilitação para toxicodependentes no terreno.
19. Na sentença recorrida não se negou que antes daquela data, a recorrente tinha sempre utilizado o terreno consoante o contrato de concessão.
20. A rescisão pressupõe, segundo o art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras, a verificação da situação quando a utilização do terreno pelo concessionário se afaste dos fins para que foi concedido ou estes não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos.
21. Em face dos factos assentes, o tribunal a quo proferiu uma decisão contrária ao preceito legal, viciada assim de nulidade da sentença.

v. Aplicação errada das leis
22. Falta uma mais fundamental correspondência literal entre o parecer expresso na decisão recorrida e o disposto no art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras.
23. A rescisão pressupõe, segundo o art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras, a verificação da situação quando: (1) a utilização do terreno pelo concessionário se afaste dos fins para que foi concedido ou; (2) estes não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos. A conclusão de facto atingida no acto recorrido está em desacordo com ambas as situações acima referidas.
24. Além disso, com o acórdão n.º 915/2020 do TSI já se confirmou a conclusão da utilização do terreno pela recorrente, com a convicção de que a construção levada a cabo pela recorrente no terreno correspondeu aos fins para que fora concedido. Além disso, o Parecer n.º 65/2020 da Comissão de Terras mencionado no acórdão também indicou que o terreno fora verdadeiramente utilizado de acordo com os fins para que fora concedido.
25. Do presente processo não resulta qualquer facto demonstrativo de que a recorrente tenha utilizado o terreno para outras construções que não fosse o “conjunto de edifícios para a instalação de um Centro de Recuperação de Toxicodependentes”, ou de que tenha destinado os edifícios para outros fins que não fosse “equipamento social (habitação, escola, escritórios e oficinas)”, ou ainda de que tenha destinado os lote ao redor dos edifícios para fins que não fossem “pomar, hortas, campos e jogo e jardim”.
26. A frase na segunda parte art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras de que “não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos” fica interpretada na decisão recorrida como “uma momentânea não prossecução”. Trata-se de um autêntico erro de interpretação da alínea, quer com base na versão chinesa, quer com base na versão portuguesa.
27. Seguindo a interpretação e aplicação erradas do art.º 169.º, n.º 1, alínea 3) da Lei de terras verificadas na decisão recorrida, a todos os lotes concedidos em Macau já desprovidos de cobertura, a todos os lotes concedidos em Macau desocupados e a todos os lotes concedidos em Macau, ainda que em utilização normal, cujo utilizador não estava presente durante a visita do pessoal da DSSCU, ficaria rescindido o contrato de concessão, com a consequente retractação do terreno. Distorcer-se-ia, assim, completamente o disposto legal.
28. A rescisão do contrato de concessão com base no art.º 169.º da Lei de terras pressupõe, além disso, o incumprimento culposo do contrato pelo concessionário.
29. Só que de acordo com o enquadramento factual e com o raciocínio resultantes da decisão recorrida, a recorrente cessou a prestação dos serviços de reabilitação para toxicodependentes no terreno em Outubro de 2019, na sequência do fim da colaboração com o Instituto de Acção Social. O acto é imputável a um terceiro, não tendo nada a ver com a recorrente.
30. Conta ainda mais o facto de que alguns meses antes do fim da colaboração entre o Instituto de Acção Social e o Centro de reabilitação de toxicodependentes, a então Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura já aprovara a renovação do acordo de colaboração com o Centro de reabilitação para a instituição do “Centro de Serviços Integrado DESAFIO JOVEM MACAU”, visando levar adiante a colaboração a longo prazo com o Centro de reabilitação de toxicodependentes situado no terreno em questão. Só tomado conhecimento de que a concessão do terreno estava por caducar é que terminou a colaboração com o Centro de reabilitação de toxicodependentes.
31. A declaração de caducidade da concessão do terreno acima mencionada, aliás, foi anulada pelo acórdão do TSI n.º 915/2020, o que quer dizer que não deve subsistir o fundamento do fim da colaboração entre o Instituto de Acção Social e o Centro de reabilitação de toxicodependentes.
32. Daí, mesmo com base nos factos dados por provados na decisão recorrida, a cessação da prestação dos serviços de reabilitação para toxicodependentes no terreno por parte da recorrente não é imputável, per se, à recorrente.
33. De facto, os documentos falam alto. Do processo n.º 8125.03 da DSSCU constante do recurso contencioso em apreço resulta claro que os serviços governamentais começaram por fixar um objectivo (i.e., fazer cessar a concessão do terreno em causa), para depois, conjugando esforços dos vários serviços, tecer os assim-chamados “factos”, com o intuito de destinar o terreno para depósito permanente de substâncias perigosas.
34. O que directamente ocasionou o fim da colaboração entre o Instituto de Acção Social e o “Centro de reabilitação de toxicodependentes DESAFIO JOVEM”, o que desencadeou uma série de consequências: o Instituto de Acção Social removeu os bens e materiais, a DSSCU mandou o despejo e o Instituto de Acção Social fez suspender o abastecimento de água, etc.
35. A planificação governamental do terreno e as obras rodoviárias programadas entravaram à recorrente a retomada do funcionamento do Centro de reabilitação de toxicodependentes.
36. Até o CPSP foi envolvido, que tem como missões “assegurar a ordem pública, exercer a prevenção, investigação e combate da criminalidade, garantir a segurança de pessoas e de bens, fiscalizar a imigração ilegal, efectuar o serviço migratório, controlar e fiscalizar a circulação de veículos e peões”.
37. Só que o malfeitor a montante, que envidou todos os esforços possíveis para dificultar à recorrente a utilização do terreno, vem agora assacar-lhe a suspensão provisória do funcionamento do Centro de reabilitação de toxicodependentes no terreno, para, ora bolas, virar tudo ao contrário, fazendo ameaçar a rescisão da concessão do terreno. Isso ultrapassa de longe o âmbito do poder discricionário, para além de danificar irreversivelmente a fé pública do governo.
38. Ademais, de acordo com tudo quanto resulta dos autos, pode-se ter a certeza de que a recorrente tem prestado lá serviços de reabilitação de toxicodependentes logo desde 1990 quando se lhe concedera o lote em causa.
39. De resto, do processo n.º 8125.03 da DSSCU resulta que a Administração pretende construir um depósito permanente de substâncias perigosas no terreno em causa, ou tenciona, em alternativa, cessar à recorrente a prestação de serviços de reabilitação de toxicodependentes para a comunidade.
40. Para atingir tais fins, a Administração bem podia ter feito uso do mecanismo de rescisão por imperativo de interesse público previsto no art.º 167.º, alínea c) do CPA, ou ainda do mecanismo de expropriação regulado pelo art.º 20.º da Lei de terras, pela Lei n.º 12/92/M e pelo Decreto-Lei n.º 43/97/M, indemnizando justamente a recorrente, para não, como ocorreu no acto recorrido, proceder com base em vícios jurídicos e erros de facto.

Nesta conformidade, pede-se aos Meritíssimos Juízes para conceder provimento ao recurso e para revogar a decisão recorrida com base nos seguintes fundamentos:
1. Nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação em relação à matéria de facto, à luz do art.º 149.º, n.º 1 do CPAC, que cita o art.º 571.º, n.º 1, alínea b) do CPC;
2. Nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, à luz do art.º 149.º, n.º 1 do CPAC, que cita o art.º 571.º, n.º 1, alínea d) do CPC;
3. Nulidade da sentença recorrida por oposição entre a fundamentação e a decisão, à luz do art.º 149.º, n.º 1 do CPAC, que cita o art.º 571.º, n.º 1, alínea c) do CPC;
4. Aplicação errada das leis.
No caso de indeferimentos dos pedidos acima formulados, pede-se subsidiariamente que se mande a causa de volta para o TSI para novo julgamento, devido à insuficiência na matéria de facto, em particular acerca dos factos n.º 68 – 80 e 86 – 106 da petição de recurso contencioso, nos termos do art.º 650.º, n.º 1 do CPC”; (cfr., fls. 540 a 553-v e 4 a 7 do Apenso).

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Na sequência das contra-alegações da entidade recorrida pugnando pela improcedência do recurso, (cfr., fls. 560 a 574), vieram os autos a este Tribunal, onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, considerando também que o recurso não merecia provimento; (cfr., fls. 583 a 584-v).

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Cumpre apreciar.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal de Segunda Instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

“事由:位於路環島,鄰近昔日痲瘋院,面積7,500平方米的土地。宣告解除批給。土地委員會第27/2023號案卷。土地管理廳第8125.04號案卷。
通知。
Terreno com a área de 7 500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga Cafaria. Declaração de rescisão da concessão, Processo n.º 27/2023 da Comissão de Terras, Processo n.º 8125.04 do Departamento de Gestão de Solos.
Notificação.
1. 謹就上述事宜通知 閣下,透過公佈於二零二三年十一月十五日第46期《澳門特別行政區公報》第二組的第38/2023號運輸工務司司長批示,公佈了其行使第184/2019號行政命令第一款授予的執行權限,透過二零二三年十一月一日批示,根據及基於作為該批示組成部分的土地委員會第76/2023號意見書,宣告由甲曾持有的該幅面積7,500平方米,位於路環島,鄰近昔日痲瘋院,標示於物業登記局B94K冊第293頁第22768號的土地由於未有實現批出土地的目的,因此解除其以有償租賃方式的批給。
Com referência ao assunto supra-identificado, notifica-se essa entidade de que pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 38/2023, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 46, II Série, de 15 de Novembro de 2023, foi tornado público que no uso das competências executivas que lhe estão delegadas pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 184/2019, por seu despacho de 1 de Novembro de 2023, foi declarada a rescisão da concessão onerosa por arrendamento do terreno com a área de 7 500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga Gafaria, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22768 a fls. 293 do livro B94K, de que a A era titular, por o fim para o qual o terreno foi concedido não se encontrar a ser prosseguido, nos termos e fundamentos do parecer n.º 76/2023 da Comissão de Terras, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. 基於上款所述的解除,將該土地上的任何形式改善物在無任何責任或負擔下歸屬澳門特別行政區,甲無權收取任何賠償,有關土地將納入國家私產。
Em consequência da rescisão referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da A, destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. 根據由第7/2004號法律、第9/2004號法律、第9/2009號法律及第4/2019號法律修改的第9/1999號法律第三十六條(八)項(2)分項以及由十二月十三日第110/99/M號法令核准的《行政訴訟法典》第二十五條第二款(a)項及第二十六條第二款(b)項的規定,得於收到本通知後三十日內就宣告解除的行為,向中級法院提出司法上訴。
Do acto de declaração de rescisão cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados a partir da presente notificação, nos termos da subalínea (2) da alínea 8) do artigo 36.° da Lei n.º 9/1999, alterada pelas Lei n.º 7/2004, Lei n.º 9/2004, Lei n.º 9/2009 e Lei n.º 4/2019, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.° e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.°, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. 根據由十月十一日第57/99/M號法令核准的《行政程序法典》第一百四十八條第一款及第一百四十九條的規定,甲亦可於十五日內向作出行為者提出聲明異議。
A A pode ainda reclamar para o autor do acto, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.° e do artigo 149.° do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. 根據由十月十一日第57/99/M號法令核准的《行政程序法典》第六十四條的規定,利害關係人可於辦公時間內,前往位於澳門馬交石炮台馬路33號18樓的土地工務局技術輔助處查閱該土地委員會案卷,並可藉支付應繳金額,申請發出有關文件的證明、複製本或經認證的聲明書。
O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pela interessada na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.° 33, 18.° andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.° do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
二零二三年十一月十五日。
Aos 15 de Novembro de 2023.

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PARECER N.° 76/2023
Proc. n.° 27/2023 – Respeitante à proposta de rescisão da concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de um terreno com a área de 7.500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga Gafaria, a favor da A, pela não prossecução da finalidade de utilização do terreno prevista no contrato.
I
1. Pelo Despacho n.° 161/SATOP/90, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.° 52, de 26 de Dezembro de 1990, foi autorizada a favor da A a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de um terreno com a área de 7.500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga Gafaria.
2. A concessão foi registada na Conservatória do Registo Predial, ficando o terreno descrito sob o n.° 22 768 a f1s. 293 do livro B49K e o direito resultante da concessão inscrito a favor da concessionária sob o n.° 9102 a fls. 285 do livro B36 K.
3. De acordo com o n.° 1 da cláusula segunda do contrato de concessão, esta concessão é válida pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública.
4. Segundo o estabelecido na cláusula terceira do contrato, o terreno destina-se a ser aproveitado com a construção de um conjunto de edifícios para a instalação de um Centro de Recuperação de Toxicodependentes.
5. Posteriormente, devido à necessidade de incluir na área bruta de construção destinada a equipamento social, constante da referida cláusula terceira, a área de construção do edifício da antiga gafaria existente no terreno, esta cláusula, bem como a cláusula relativa à renda, foram alteradas pelo contrato autorizado pelo Despacho n.° 73/SATOP/1991, publicado no Boletim Oficial de Macau n.° 17, de 29 de Abril de 1991.
6. Por força do disposto no artigo 4.° da Lei n.° 8/91/M, de 29 de Julho, os mencionados contratos de concessão e de revisão de concessão ficaram titulados pelos Despacho n.° 161/SATOP/90 e Despacho n.° 73/SATOP/1991.
II
7. Em 2006, a concessionária celebrou com o Instituto de Acção Social (IAS) um acordo de cooperação para a construção das instalações do Centro de Recuperação de Toxicodependentes. Entretanto, em 2003, foi construído um centro de desintoxicação para mulheres e, em 2007, um centro de desintoxicação para homens, tendo ambas as obras sido promovidas pelo IAS. Contudo, nunca foram emitidas licenças de utilização para os dois edifícios pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT).
8. Aquele acordo foi extinto em 2019, altura em que deixou de haver internamento para tratamento de toxicodependentes.
9. Uma vez que o prazo de concessão terminou em 25 de Dezembro de 2015 porque a Administração considerou que o aproveitamento do terreno não tinha sido concluído durante todo o prazo inicial de vigência da concessão, por não ter sido integralmente realizado pela concessionária, nem terem sido emitidas as licenças de utilização que comprovam a conclusão do mesmo aproveitamento, mantendo a concessão, por isso, a sua natureza provisória, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP), datado de 5 de Agosto de 2020, e tornado público pelo Despacho do STOP·n.° 43/2020, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) n.° 34, II Série, de 19 de Agosto de 2020, foi declarada a caducidade da concessão do terreno em causa.
10. Desta decisão a concessionária interpôs o competente recurso contencioso, o qual foi julgado procedente pelo Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão proferido no processo n.° 915/2020, que considerou que o aproveitamento do terreno se demonstra concluído, apesar de o ter sido pelo IAS, ao abrigo de um acordo de cooperação, não havendo necessidade de emissão de licença de utilização pelo facto de esta obra ter sido promovida por organismo público, cujo licenciamento não era exigível.
11. Além disso, segundo o TSI, independentemente de a concessão ser ou não definitiva, o facto da finalidade da concessão não se encontrar a ser prosseguida, pelo menos, desde 2019 não constitui fundamento para a declaração de caducidade, mas sim fundamento de rescisão do contrato nos termos da alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei n.° 10/2013 (Lei de terras).
III
12. Desde 2022 a Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana (DSSCU) enviou por diversas ocasiões pessoal ao referido terreno e, de acordo com os respectivos autos, verificou-se que não havia qualquer indício de que as construções no terreno estavam a ser utilizadas, ou seja, o terreno não estava a ser utilizado para a finalidade prevista no contrato de concessão.
l3. Para confirmar a situação, a DSSCU solicitou ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) que fossem feitas inspecções ao local, a fim de confirmar se havia actividade nas instalações existentes no terreno. O CPSP indicou que durante as inspecções realizadas entre 7 de Abril e 10 de Maio de 2022 e entre 26 de Março e 11 de Abril de 2023, não verificou quaisquer indícios de que no local estivesse a ser prosseguida a actividade de recuperação de toxicodependentes.
14. Por outro lado, solicitadas informações ao IAS, este instituto veio esclarecer, a coberto dos ofícios n.° 019/DJD-DPT/2022 e n.° 008/DJD-DPT/2023, que desde 2013 o número de utentes do Centro de Recuperação de Toxicodependentes vinha a diminuir anualmente, sendo que, até 2019, apenas 3 pessoas foram acolhidas. A partir de Outubro de 2019, não houve mais casos de acolhimento e o IAS deixou de dar apoio financeiro regular a esta instituição e, em Junho de 2020, cessou completamente a cooperação com a concessionária, tendo pessoal seu se deslocado ao local no período de 24 de Novembro a 1 de Dezembro, para retirar todos os equipamentos e materiais por si financiados.
15. Além disso, a Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau, S.A.R.L. (SAAM) disponibilizou uma tabela indicativa dos consumos de água no local desde Janeiro de 2019, informando de que desde Setembro de 2021 deixou de haver qualquer abastecimento ao mesmo local a partir de Setembro de 2021. Por sua vez, a Companhia de Electricidade de Macau (CEM) aponta que, a partir de meados de 2021, os centros de reabilitação de toxicodependentes passaram a consumir menos de metade da electricidade que no passado e que, nalgumas situações, os valores de consumo cifraram-se em cerca de um décimo do que era costume.
IV
16. Em face aos factos acima referidos, o Departamento Jurídico (DJU) da DSSCU considerou na informação n.° XXXX/00057/DJU/2023, de 18 de Julho, em síntese, que são fortes os indícios que, no terreno concedido, a concessionária não se encontra a prosseguir a actividade de recuperação de toxicodependentes, a qual foi o fundamento para a concessão por arrendamento e com dispensa de concurso público do mesmo, o que constitui uma clara violação do dever de utilização do terreno em conformidade com os fins consignados no contrato.
17. Prosseguindo a sua análise, diz o DJU que a omissão dessa obrigação está expressamente sancionada na lei, na medida em que a alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei n.° 10/2013 (Lei de terras) prevê que as concessões por arrendamento possam ser rescindidas quando os fins que estiveram na sua origem não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos.
18. A razão de ser desta norma reside no sancionar o incumprimento do dever de utilização do terreno em conformidade com as suas capacidades de uso e aptidão, bem como na garantia do interesse público de que os terrenos se encontram a ser utilizados e a prosseguir os fins consignados.
19. Atenta a redacção do artigo 169.° da Lei de terras, a rescisão da concessão é um acto que se encontra no âmbito da discricionariedade da entidade concedente, cuja tomada de decisão tem de ser pautada por juízos de conveniência e oportunidade e respeitar os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público.
20. Neste contexto, o DJU sustentou que, dado o desinteresse na utilização daquele equipamento pela concessionária, a não prossecução de uma actividade de recuperação de toxicodependentes, a possibilidade de a entidade concedente poder dar outra utilização ao terreno ou permitir, que outra entidade que não a concessionária, possa prosseguir aqueles fins, com verdadeiro afinco e interesse naquela actividade, a decisão de manutenção da concessão não é aquela que melhor se coaduna com a prossecução do interesse público que subjaz à concessão. Deste modo, não se deve protelar, por mais tempo, esta situação a que o terreno está destinado, pelo que a decisão de rescisão da concessão é a mais adequada, justa e equitativa.
21. Nestas circunstâncias, o DJU propôs, ao abrigo da alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei n.° 10/2013 (Lei de terras), que seja declarada a rescisão da concessão do terreno em causa, bem como, nos termos dos artigos 93.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, antes da tomada de decisão final, seja concedido prazo à concessionária para, em sede de audiência de interessados, vir dizer o que tiver por conveniente sobre esta intenção de rescisão.
22. O STOP exarou na referida informação, em 21 de Julho de 2023, despacho de "Concordo e fixo o prazo de 10 dias".
V
23. Através do ofício n.° 17676/746/DSO/2023, de 24 de Julho, a DSSCU notificou o advogado da concessionária, da referida intenção de declarar a rescisão da concessão, para a mesma se pronunciar, querendo, por escrito, no prazo de 10 dias contados a partir da data da recepção da notificação.
24. Em 4 de Agosto de 2023, o advogado da concessionária submeteu uma resposta escrita, solicitando a instrução dos factos e a extinção do procedimento da rescisão da concessão, apresentando, no essencial, as seguintes razões:
24.1 O acórdão proferido no processo n.° 915/2020 do TSI não deu como provado o facto que a finalidade da concessão deixou de ser prosseguida, pelo menos, desde 2019, como indicado no ponto 11 da informação n.° XXXX/00057/DJU/2023 acima referida.
24.2 No terreno encontra-se implantado um conjunto de edifícios destinados a centros de reabilitação de toxicodependentes, pelo que os fins previstos no contrato de concessão foram cumpridos e os edifícios não foram aproveitados para outros fins pela concessionária. À utilização de prédios urbanos cujo aproveitamento tenha sido integralmente concluído e convertido em definitivo deve aplicar-se a Lei n.° 6/99/M e não a alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei n.° 10/2013 (Lei de terras).
24.3 A concessionária entende que os seus trabalhos de desintoxicação foram reconhecidos nos pontos rrr) a uuu) do acórdão proferido no processo n.° 915/2020, bem como elenca as actividades de luta contra a droga que foram realizadas entre Abril de 2019 e Julho de 2023, e afirma que o funcionamento do Centro ainda foi afectado por diferentes factores como sejam a acção judicial, a remoção de materiais e de equipamentos pelo IAS, a execução de obras viárias e o surto da pandemia do COVID-19.
24.4 A concessionária considera que a Administração não tem poder discricionário para rescindir a concessão, pois, desde que o aproveitamento do terreno seja concluído e a concessão se converta em definitiva, o prédio é tratado como uma propriedade privada, protegida pela Lei Básica da RAEM.
24.5 Por fim, a concessionária solicitou várias diligências de instrução, nomeadamente o envio pela DSSCU de ofícios à SAAM, à Direcção dos Serviços de Obras Públicas (DSOP) e à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), a solicitar informações para apuramento dos factos, bem como a análise de processos semelhantes e a audição de testemunhas.
25. Para analisar as razões apresentadas pela concessionária, o DJU elaborou a informação n.° XXXXX/77/DJU/2023, de 13 de Setembro, que aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo de salientar o seguinte:
25.1 Ao contrário do que sugere a concessionária, não se alcança, nem explícita nem implicitamente, do ponto 11 da informação n.° XXXX/00057/DJU/2023 do DJU que a Administração tenha inferido do acórdão proferido no processo n.° 915/2020 que o TSI deu como provado que o terreno em causa não foi aproveitado depois de 2019. O referido ponto 11 limita-se a afirmar que segundo o TSI o fundamento de que a finalidade da concessão deixou de ser prosseguida em 2019, invocado pela Administração para justificar a declaração de caducidade, não constitui causa de caducidade, mas de rescisão do contrato nos termos da alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei de terras.
25.2 Quanto à aplicação da Lei n.° 6/99/M (Disciplina da utilização de prédios urbanos), de 17 de Dezembro, o DJU discorda da opinião da concessionária uma vez que o que está em causa é a finalidade da concessão ou o fim para o qual o terreno foi' concedido e não a utilização indevida do prédio. Seja, porém, como for, a verdade é que a aplicação da Lei n.° 6/99/M não afasta a aplicação da Lei de terras.
25.3 Aliás, a concessionária parece confundir o dever de prosseguir a finalidade da concessão ou o fim para o qual o terreno foi concedido com o de aproveitamento do terreno. A conclusão da construção de um conjunto de edifícios destinados ao centro de recuperação de toxicodependentes apenas demonstra que o terreno foi aproveitado, mas isso não significa que na realidade essa finalidade esteja a ser prosseguida.
25.4 Os factos descritos na informação n.° XXXX/00057/DJU/2023 evidenciam que não existem no terreno quaisquer indícios de utilização dos edifícios, demonstrando que não estão a ser prosseguidos os fins da concessão – a recuperação dos toxicodependentes – e é este o pressuposto para a rescisão da concessão.
25.5 No que tange às actividades realizadas no terreno a partir de 2019, por aquela elencadas, entende o DJU que a análise do seu conteúdo revela que as mesmas nada têm a ver com o tratamento e a reabilitação dos toxicodependentes, ou seja, com a fase de tratamento em regime residencial de internamento. Na verdade, desde Outubro de 2019 que este centro de reabilitação não é frequentado por toxicodependentes. Acresce-se que, o tratamento e a reabilitação dos toxicodependentes é um serviço social constante que, como afirmou o IAS não deixou de funcionar na RAEM mesmo durante o surto pandémico.
25.6 No que concerne à invocada falta de discricionariedade da Administração para declarar a rescisão da concessão, reafirma-se o que sobre esta matéria se escreveu na informação n.° XXXX/00057/DJU/2023. Sublinha ainda o DJU na sua análise à resposta da concessionária que, sem embargo da aplicação da lei civil (Código Civil) ao direito de propriedade privada, temporário, sobre os edifícios, de que a concessionária é titular, como é sabido este direito emergiu do direito de construir em solo alheio, do Estado, resultante da concessão por arrendamento do terreno, pelo que o direito real complexo aqui em causa está sujeito ao estatuto da Lei de terras, aliás, como decorre do disposto no seu artigo 41.°.
25.7 Finalmente, DJU considerou que os documentos constantes do processo administrativo são adequados e suficientes para a análise da situação, os factos relevantes para a decisão da causa podem ser demonstrados através de prova documental, pelo que, sem necessidade de o envio de cartas a outras entidades, a investigação de outros processos e a audição das testemunhas requeridas pela concessionária.
26. Nestas circunstâncias, o DJU considera que os argumentos trazidos pela concessionária em sede de audiência prévia não contribuíram para uma alteração do projecto de decisão, devendo ser mantido o sentido da decisão de rescisão da concessão por arrendamento do terreno em epígrafe.
27. O STOP exarou na referida informação, em 14 de Setembro de 2023, despacho de "Concordo".
28. Por todo o exposto, tendo presente os factos descritos na informação n.° XXXX/00057/DJU/2023, de 18 de Julho e na informação n.° XXXXX/77/DJU/2023, de 13 de Setembro, bem como a sua análise e ponderação, as quais se dão aqui por inteiramente reproduzidas, a Comissão de Terras, concorda com o entendimento da DSSCU de que estão verificados os pressupostos de rescisão da concessão em apreço, previstos na alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei de terras.
VI
Reunida em sessão de 5 de Outubro de 2023, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e tendo em consideração as informações n.° XXXX/00057/DJU/2023, de 18 de Julho e n.° XXXXX/77/DJU/2023, de 13 de Setembro e os pareceres nela mencionados, considera que tendo em conta que os fins para que o terreno foi concedido não se encontram a ser prosseguidos por parte da concessionária, deve ser rescindida a concessão, por arrendamento, nos termos da alínea 3) do n.° 1 do artigo 169.° da Lei n.° 10/2013 (Lei de terras).
Comissão de Terras, aos 5 de Outubro de 2023”; (cfr., fls. 482-v a 485-v e 177 a 183).

Do direito

3. Inconformada com o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido no âmbito do seu (anterior) recurso contencioso, traz a recorrente “A” o presente recurso (jurisdicional), pedindo a revogação do Acórdão recorrido com as suas legais e naturais consequências em relação ao despacho de 01.11.2023 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas que declarou a “rescisão da concessão por arrendamento do terreno” identificado nos autos.

Vejamos se lhe assiste razão.

Comecemos por ponderar nos motivos que levaram o Tribunal de Segunda Instância a negar provimento ao (anterior) recurso contencioso da ora recorrente.

Pois bem, no Acórdão objecto do presente recurso, e acolhendo o entendimento pelo Ministério Público apresentado em sede do Parecer que então juntou aos autos, considerou o Tribunal de Segunda Instância o que segue:

“A propósito das questões suscitadas pela Recorrente, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“(...) 1.
A, melhor identificada nos autos, interpôs o presente recurso contencioso, pedindo a anulação do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, datado de 1 de Novembro de 2023, que declarou a rescisão da concessão onerosa por arrendamento de um terreno com a área 7 500 m2, situado na ilha de Coloane, junto à antiga gafaria, descrito na CRP sob o n.º 22 768 a fls. 293 do livro B94K.
Regularmente citada, a Entidade Recorrida apresentou contestação na qual concluiu no sentido da improcedência do recurso contencioso.
2.(i.)
O primeiro dos vícios que a Recorrente imputa ao acto recorrido é o da falta de fundamentação do acto recorrido.
Salvo o devido respeito, parece-nos que não tem razão. Pelo seguinte.
Como se sabe, das normas contidas nos artigos 114.º, n.º 1, alínea b) e 115.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) resulta para a Administração o dever legal de fundamentação, que deve ser expressa e consistir numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, entre outros, dos actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.
É consensual que o dever de fundamentação dos actos administrativos tem, geneticamente, uma função endógena de propiciar a reflexão da decisão pelo órgão administrativo e uma função exógena, externa ou garantística de facultar ao cidadão a opção consciente entre o conformar-se com tal decisão ou afrontá-la em juízo (entre muitos outros, veja-se, neste sentido, o Ac. do Tribunal de Segunda Instância de 7.12.2011, Processo nº 510/2010), e sendo assim, pode dizer-se que um acto está fundamentado sempre que o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal fica a conhecer as razões que estão na sua génese, para que, se quiser, o possa sindicar de uma forma esclarecida.
No caso em apreço, analisada a fundamentação do acto recorrido estamos em crer, como acima já dissemos, que a Administração não deixou de observar o referido dever legal de fundamentação formal cuja violação foi alegada pelo Recorrente. Na verdade, estão plasmadas no texto do acto recorrido, com clareza, as razões de facto e de direito pelas quais a Entidade Recorrida declarou a rescisão da concessão por arrendamento aqui em causa. Aliás, contra aquilo que a Recorrente alega, não é exacto que a Administração não tenha especificado como é que a utilização do terreno se afasta dos fins da concessão ou como é que os aludidos fins não estão a ser prosseguidos (cfr. artigo 11.º da petição inicial). Basta ler o texto do acto recorrido para perceber que a Administração fundamentou o acto na circunstância de a Recorrente não se encontrar «a prosseguir no terreno, há pelo menos quatro anos, a actividade de recuperação de toxicodependentes, a qual esteve na origem e foi o fundamento para a concessão por arrendamento». Por isso, um destinatário normal colocado na posição da Recorrente, confrontado com o dito acto, não podia deixar de ficar ciente dos motivos que levaram à actuação administrativa agora em causa. De resto, é de meridiana evidência, resultante da simples leitura da douta petição inicial do presente recurso contencioso, que a Recorrente ficou plenamente esclarecida sobre as razões justificativas do acto que impugnou, e dessa leitura também resulta que a verdadeira questão que a mesma aqui quer pleitear não tem que ver com a observância do chamado dever de fundamentação formal, mas, antes, com os próprios fundamentos substanciais do acto impugnado, com os quais se não conforma.
(ii.) A Recorrente alegou, igualmente, que o acto administrativo recorrido sofre de um erro na aplicação da lei e de um erro nos pressupostos de facto e, além disso, também alegou que a eventual não utilização do terreno não lhe é imputável pelo que, segundo diz, estava a Administração impedida de declarar a rescisão do contrato de concessão.
(ii.1.)
Vejamos, começando, como parece lógico, pela apreciação do alegado erro sobre os pressupostos de facto.
Como sabemos, o erro sobre os pressupostos de facto ocorre quando se verifica uma divergência entre os pressupostos de que o autor do acto partiu para proferir a decisão administrativa e a sua efectiva verificação na situação em concreto. Essa divergência resulta da circunstância de se terem considerado na decisão administrativos factos não provados ou desconformes com a realidade, ou dizendo de outro modo, os fundamentos de facto que motivaram o acto administrativa praticado ou não existiam de todo ou, pelo menos, não existiam com a dimensão ou configuração suposta pelo autor do acto.
No caso, como já referimos, o pressuposto de facto do acto administrativo cuja verificação a Recorrente discute é o de ela não prosseguir no terreno, há pelo menos quatro anos, a actividade de recuperação de toxicodependentes. Ora, no que tange a este pressuposto de facto estamos em crer que o mesmo está demonstrado nos autos. Resulta, com efeito, da comunicação do Instituto de Acção Social à então Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, datada de 14 de Maio de 2020, e efectuada através do ofício n.º 018/DJD-DTTR/2020 referido pela própria Recorrente no artigo 65.º da sua petição inicial, que o serviço de internamento de toxicodependentes deixou de ser prestado nas instalações existentes no terreno concedido a partir de Agosto de 2019, tendo a cooperação entre o Instituto de Acção Social e a Recorrente cessado em Outubro de 2019, data partir da qual nenhum toxicodependente foi admitido no Centro de Recuperação de Toxicodependentes. O teor desta comunicação do Instituto de Acção Social é corroborado através de outros factos instrumentais que se encontra inequivocamente provados, como sejam os referentes aos consumos de água e de electricidade, os quais apontam no sentido de que a Recorrente, no período temporal em causa, não estava a prosseguir a sua actividade no que especificamente respeita à recuperação de pessoas com toxicodependência. O que se compreende bem, aliás. Na verdade, desde o primeiro momento, que essa actividade da Recorrente se desenvolveu sob a égide, e em estreitíssima colaboração com a Administração, através do Instituto de Acção Social, numa espécie de parceria público-privada. Parece-nos um facto incontornável que foi o Instituto de Acção Social que alimentou e deu sentido a essa actividade da Recorrente. Por isso, quando a «torneira» desse Instituto se fechou, se a expressão nos é permitida, a actividade de recuperação de toxicodependentes que o Recorrente desenvolvia nas instalações que foram construídas no terreno em causa definhou inexoravelmente, até à respectiva extinção (note-se que a própria construção desses edifícios foi promovida pelo Instituto de Acção Social ao abrigo de um «acordo de cooperação» celebrado com a Recorrente).
O acto recorrido não sofre, pois, em nosso modesto entendimento, de erro nos pressupostos de facto.
(ii.2)
Encontrando-se demonstrado que o Recorrente, a partir de Outubro de 2019 deixou de prosseguir no terreno que lhe havia sido concedido a actividade de recuperação de toxicodependentes, estaria a Administração legitimada a praticar o acto recorrido de declaração da rescisão da concessão?
Ao colocarmos esta questão estamos, do mesmo passo, a entrar na apreciação dos outros dois vícios que a Recorrente imputou ao acto recorrido e que se reconduzem à violação de lei na modalidade de erro na interpretação e aplicação da norma legal da alínea 3) do n.º 1 do artigo 169.º da Lei de Terras.
Vejamos.
(ii.2.1)
De acordo com a norma legal acabada de referir, o Chefe do Executivo pode rescindir as concessões por arrendamento, independentemente de serem ou não definitivas, «quando a utilização do terreno se afaste dos fins para que foi concedido ou estes não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos». Como já vimos, a Administração considerou que a Recorrente não estava a prosseguir os fins para que o terreno foi concedido, o que necessariamente leva a que nos interroguemos sobre que fins eram esses. A este propósito importa atentar no que ficou estipulado na cláusula terceira do contrato de concessão por arrendamento do terreno aqui em causa, Segundo a mesma, esse terreno destinava-se a ser «aproveitado com a construção de um conjunto de edifícios, para instalação do Centro de Recuperação de Toxicodependentes». Significa isto, portanto, que o terreno foi concedido com o fim de, nas instalações que aí deveriam ser construídas, ser desenvolvida a actividade de tratamento e recuperação de pessoas com toxicodependência.
Deste modo, estando provado que a Recorrente, a partir de Outubro de 2019, deixou de tratar pessoas toxicodependentes com vista à sua recuperação nos centros de tratamento que foram construídos no terreno concedido, parece-nos seguro concluir que se encontra preenchida a previsão ou a hipótese da norma da alínea 3) do n.º 1 do artigo 169.º da Lei de Terras, na exacta medida em que o fim da concessão, desde aquela data, deixou de ser prosseguido. Por isso, neste ponto, a Administração não incorreu no erro de interpretação e aplicação da lei que a Recorrente lhe imputou.
(ii.2.2)
A Recorrente aduz, no entanto, um outro fundamento para suportar a sua pretensão impugnatória. Segundo diz, a não utilização do terreno não lhe é imputável, e, como tal, estava a Administração impedida de rescindir a concessão.
Cremos, salvo o devido respeito, que também aqui lhe falta razão.
Acompanhamos a Recorrente no entendimento de que a rescisão do contrato prevista no artigo 169.º da Lei de Terras reveste carácter sancionatório, distinguindo-se, portanto, da rescisão por imperativo de interesse público que se encontra prevista na alínea c) do artigo 167.º do CPA. Decorre, na verdade, da leitura da norma do artigo 169.º da Lei de Terras que a rescisão aí prevista se funda, invariavelmente, num incumprimento contratual por parte do concessionário, o qual, por isso que se trata de uma reacção sancionatória do concedente, terá de ser imputável àquele.
Em geral, na responsabilidade contratual, como sabemos, e resulta do disposto no n.º 1 do artigo 788.º do Código Civil, recai sobre o devedor uma presunção de culpa no não cumprimento da obrigação a que se encontra adstrito. Deste modo, o afastamento da responsabilidade do devedor passará pela demonstração de que o incumprimento não lhe é imputável, o que sucederá sempre que esse não cumprimento for devido a facto do credor, de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior (veja-se, neste sentido, LUÍS MANUEL TELES MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume II, Coimbra, 2017, p. 247, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Coimbra, 2004, pp. 999-1000 e JOSÉ BRANDÃO PROENÇA, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Lisboa, 2018, p. 1084).
No caso, segundo nos parece, a Recorrente não demonstra a ocorrência de quaisquer circunstâncias susceptíveis de afastar aquela presunção legal de que o incumprimento lhe é imputável. Com efeito, nenhuma das circunstâncias elencadas pela Recorrente no artigo 158.º da douta petição inicial tem aquela virtualidade. Como antes dissemos, a cessação da actividade de tratamento e recuperação de pessoas com toxicodependência que a Recorrente desenvolvia no terreno em causa cessou em Outubro de 2019, na sequência do fim da colaboração do Instituto de Acção Social, pelo que não é possível reconduzir a imputabilidade do incumprimento a facto do credor, de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior.
(iii)
A Recorrente alega, finalmente, que o acto recorrido sofre do vício de violação de lei em virtude da violação dos princípios da boa fé (este princípio está expressamente consagrado no artigo 8.º, n.º 1 do CPA, nos seguintes termos: «no exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé») e da proporcionalidade (segundo o disposto no n.º 2 do artigo 5.º do CPA que acolhe este princípio, «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar»).
É certo que, no exercício da actividade discricionária, como aquela que se consubstanciou no acto recorrido (de acordo com o n.º 1 do artigo 169.º as concessões «podem» ser rescindidas, o que aponta, inequivocamente, para a natureza discricionária do acto) a Administração está sujeita a observar a chamada «deontologia da discricionariedade», respeitando e observando os limites e os critérios jurídicos desse exercício, assumindo particular relevância, neste contexto, os princípios gerais da actividade administrativa. Em todo o caso, importa notar, o controlo judicial da compatibilidade da decisão discricionária com os princípios jurídicos fundamentais que regem a actividade da administração é, essencialmente, negativo, e, além disso, a violação dos ditos princípios só assume relevância invalidante, como resulta da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CPAC, nas situações em que a mesma seja manifesta, ostensiva, evidente (é este o sentido que tem sido, nemine discrepante, seguido pelos nossos Tribunais: por todos, e entre muitos outros, cfr. os acórdãos do Tribunal de Última Instância de 30.04.2019, processo n.º 35/2019, de 23.06.2021, processo n.º 55/2021, de 23.07.2021, processo n.º 89/2021, de 24.09.2021, processo n.º 110/2021).
A verdade é que, no caso, a Recorrente, na douta petição inicial não substanciou, através da alegação dos factos relevantes, em que teria consistido a actuação violadora da boa fé por parte da Administração. Limitou-se, nos artigos 170.º a 176.º daquele articulado, a uma espécie de processo de intenções, insinuando que a Administração teria actuado, através de vários dos seus departamentos, de forma a criar a situação justificativa da rescisão, sem que, todavia, faça qualquer prova do que alega. Ora, como é evidente, sem essa demonstração não pode, de modo algum, concluir-se que a Entidade Recorrida, ao declarar a rescisão da concessão, agiu em contravenção ao princípio da boa fé.
Do mesmo modo quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade. Também aqui, o que a Recorrente diz se mostra, a nosso modesto ver, manifestamente insuficiente para suportar a sua pretensão impugnatória. Parece-nos, aliás, que é o caminho que, alguma maneira, a Recorrente propõe que se mostra manifestamente contrário ao princípio da prossecução do interesse público na medida em que conduziria a que a Administração, não obstante estar legalmente habilitada a declarar a rescisão da concessão com fundamento no constatado incumprimento da Recorrente, seguisse o caminho alternativo da rescisão por imperativo de interesse público, nos termos da alínea c) do artigo 167.º do CPA, com as gravosas consequências para o erário público que lhe estão associadas.
3.
Deve, pois, face ao exposto, ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.
É este, salvo melhor opinião, o parecer do Ministério Público.”
*
Quid Juris?
Concordamos com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas, à qual integralmente aderimos sem reservas, sufragando a solução nela adoptada, entendemos que a decisão recorrida não padece do vício invalidante da decisão ora posta em crise, razão pela qual é de julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - Encontrando-se demonstrado que a Recorrente, a partir de Outubro de 2019, deixou de prosseguir no terreno que lhe havia sido concedido a actividade de recuperação de toxicodependentes, nos termos da alínea 3) do n.º 1 do artigo 169.º da Lei de Terras, o Chefe do Executivo pode rescindir as concessões por arrendamento, independentemente de serem ou não definitivas, “quando a utilização do terreno se afaste dos fins para que foi concedido ou estes não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos”. E, a Administração considerou que a Recorrente não estava a prosseguir os fins para que o terreno foi concedido, pois ficou estipulado na cláusula terceira do contrato de concessão por arrendamento do terreno que este deve ser “aproveitado com a construção de um conjunto de edifícios, para instalação do Centro de Recuperação de Toxicodependentes”. Significa isto que o terreno foi concedido com a finalidade de, nas instalações que aí deveriam ser construídas, ser desenvolvida a actividade de tratamento e recuperação de pessoas com toxicodependência. Pelo que, é de concluir pelo incumprimento dos deveres contratuais pela Recorrente.
II - A rescisão do contrato prevista no artigo 169.º da Lei de Terras reveste o carácter sancionatório, distinguindo-se da rescisão por imperativo de interesse público que se encontra prevista na alínea c) do artigo 167.º do CPA. Decorre assim da leitura da norma do artigo 169.º da Lei de Terras que a rescisão aí prevista se funda num incumprimento contratual por parte do concessionário, o qual, por isso que se trata de uma reacção sancionatória do concedente, terá de ser imputável àquele. É o caso dos autos, razão pela qual é de manter a decisão recorrida, por esta não padecer dos vícios da ilegalidade imputados.
(…)”; (cfr., fls. 486 a 489-v, pág. 35 a 42 do Ac. recorrido).

E, em face do assim decidido, que dizer?

Ora, cremos que o Acórdão recorrido não merece censura, não se podendo reconhecer razão à ora recorrente, pois que o aí decidido não padece dos “vícios” que lhe são assacados, necessária não sendo uma (muito) desenvolvida exposição para o demonstrar.

Vejamos.

Diz a recorrente que o Acórdão recorrido padece de:

“i. Nulidade da sentença: falta de fundamentação
ii. Insuficiência na matéria de facto
iii. Nulidade da sentença: omissão de pronúncia
iv. Nulidade da sentença: oposição entre a fundamentação e a decisão
v. Aplicação errada das leis”; (cfr., concl. 2ª).

–– Quanto à (1ª) “nulidade por falta de fundamentação”, considera a recorrente que “Dada a falta de especificação dos factos que fundamentam a sentença, é de considerar nula a decisão recorrida”; (cfr., concl. 7ª).

Porém, e em nossa opinião, é evidente que o Acórdão recorrido não peca por qualquer falta de especificação dos factos que fundamentam a decisão; (cfr., alínea b) do n.° 1 do art. 571° do C.P.C.M.).

Na verdade, basta uma mera leitura ao Acórdão recorrido (atrás transcrito, tanto na sua “decisão de facto” como de “direito”), para se constatar que dele constam, claramente, os “factos” que se consideraram “relevantes” e “provados”, (para a decisão proferida), não se podendo (igualmente) olvidar que de acordo com o disposto no art. 76° do C.P.A.C. – onde se prescreve que “A sentença e o acórdão devem mencionar o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados, resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações, ou das alegações, especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada” – “em processo administrativo contencioso, a sentença não tem de indicar os factos não provados nem especificar os meios de prova usados para considerar os factos provados nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 29.06.2009, Proc. n.° 32/2008 e de 14.11.2012, Proc. n.° 65/2012, podendo-se também ver V. Lima e A. Dantas in, “C.P.A.C. Anotado”, 2015, pág. 244, e J. C. Pinho in, “Comentários ao C.P.A.C.”, Vol. I, 2018, pág. 537), evidente se nos apresentando assim que a assacada “nulidade” não existe.

–– Quanto à (2ª) nulidade por “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, diz, essencialmente, a ora recorrente, que há matéria (por si alegada) que ficou por apreciar (e dar como “provada”), o que impede uma boa decisão de direito, devendo assim os autos voltar ao Tribunal de Segunda Instância para ampliação da decisão sobre a matéria de facto.

Ora, como se deixou adiantado, não se pode reconhecer razão à ora recorrente.

Como – de forma clara e assertiva – salienta o Ministério Público no Parecer que em sede de vista dos presentes autos nesta Instância produziu: “a Recorrente confunde, (…), a insuficiência na matéria de facto (…) com a desconsideração dos factos por si alegados por parte do Tribunal a quo, que os julgou irrelevantes ou não provados.
Como parece manifesto, ao invés do que sustenta a Recorrente, estamos em crer que o Tribunal de Última Instância dispõe do acervo factual necessário para conhecer das questões jurídicas que lhe estão colocadas no presente recurso.
Mais. Tendo o Tribunal a quo aderido, in totum, ao parecer do Ministério Público, também aderiu às considerações factuais que nesse parecer são feitas, nomeadamente, a fls. 462 verso dos presentes autos, a propósito, justamente do vício invocado no recurso contencioso do erro nos pressupostos de facto. Deste modo, também por esta razão acrescida claudica, segundo cremos a invocada insuficiência da matéria de facto”; (cfr., fls. 583-v).

E, de facto, é isto que – efectivamente – sucede.

A “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre relativamente a factos “relevantes”, e tão só quanto a estes ao Tribunal cabe emitir pronúncia, declarando-os “provados” se for o caso.

No caso, a “matéria” pela ora recorrente reclamada e considerada “em falta” não foi incluída na decisão sobre a matéria de facto atrás transcrita por duas razões: por um lado, por ser (manifestamente) “irrelevante”, ou, por outro, e, não o sendo, porque a mesma recorrente não foi capaz de a demonstrar e convencer o Tribunal a decidir no sentido de a dar como “provada”.

Compreende-se que a ora recorrente tenha pretendido “justificar” a sua “não utilização” do terreno cujo arrendamento lhe tinha sido concedido, afirmando que a mesma “não lhe é imputável”, desta forma, tentando demonstrar a falta de razão da Administração na rescisão do contrato de concessão.

Porém, e sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento, da atrás retratada “matéria” inexiste qualquer “facto provado” que viabilize tal perspectiva, e censura não merecendo a dita decisão, mais não se mostra de acrescentar sob o ponto em questão, (pois que como se viu, inexiste a assacada “insuficiência”, o mesmo sucedendo com qualquer eventual “erro notório” que pudesse justificar uma decisão em sentido diverso).

Continuemos.

–– Quanto à (3ª) “nulidade por alegada omissão de pronúncia”.

Pois bem, em bom rigor, esta “questão” está (intimamente) ligada às restantes duas, e que a recorrente apelida de “nulidade da sentença, por oposição entre a fundamentação e a decisão” e “errada aplicação das leis”, e, nesta conformidade, adequado se mostra de proceder à sua apreciação em conjunto, (dizendo-se, desde já, que o Acórdão recorrido não deixou de emitir pronúncia quanto à pela recorrente alegada “violação do art. 169°, n.° 1, al. 3 da Lei n.° 10/2013”, também apelidada de “Lei de Terras”, o mesmo sucedendo com a alegada “oposição” e “errada aplicação do direito”).

Vejamos.

Nos termos deste art. 169°:

“1. Para além das situações previstas nos Capítulos VII, X e XI, as concessões por arrendamento, independentemente de serem ou não definitivas, podem ser rescindidas pelo Chefe do Executivo quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
1) Falta de pagamento do prémio nos prazos contratuais ou legais;
2) Alteração da finalidade da concessão ou modificação do aproveitamento do terreno, sem autorização prévia;
3) Quando a utilização do terreno se afaste dos fins para que foi concedido ou estes não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos;
4) Subarrendamento proibido ou efectuado sem precedência de autorização, quando esta esteja prevista na presente lei;
5) Transmissão, sem autorização prévia, das situações resultantes da concessão, em violação das disposições previstas nos artigos 145.º, 146.º ou 147.º;
6) Violação das demais obrigações para as quais seja estabelecida tal sanção no contrato.
2. Rescindida a concessão, revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado, sem prejuízo do disposto nos n.º 4 do artigo 70.º, n.º 5 do artigo 140.º e n.º 3 do artigo 157.º
3. Em qualquer das situações previstas no n.º 1, os terrenos concedidos por aforamento podem ser devolvidos e revertem para a RAEM os prémios e o preço do domínio útil pagos, bem como as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, podendo, no entanto, ser paga ao concessionário uma indemnização fixada por despacho do Chefe do Executivo, tendo em conta o valor real dessas benfeitorias na data da publicação no Boletim Oficial do despacho de declaração de devolução do terreno, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4. No caso de se verificar as situações previstas no artigo 67.º ou no n.º 4 do artigo 140.º, pode ser declarada a devolução dos terrenos concedidos gratuitamente por aforamento, não tendo o concessionário direito a qualquer indemnização nem podendo levantar as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno.
5. A rescisão ou a devolução do terreno operadas com fundamento no disposto nos n.os 1 ou 3 não prejudicam a cobrança dos prémios vencidos, rendas ou foros em dívida e das eventuais multas ainda não pagas”; (sub. nosso).

Pois bem, quanto à alegada “omissão de pronúncia”, importa não perder de vista que, (ainda que fazendo suas as considerações pelo Ministério Público tecidas no seu Parecer junto em sede do anterior recurso contencioso), não deixou o Tribunal de Segunda Instância de incluir no seu Acórdão a seguinte passagem que se refere – exactamente – ao pela ora recorrente invocado a propósito do transcrito art. 169°, n.° 1, al. 3):

“De acordo com a norma legal acabada de referir, o Chefe do Executivo pode rescindir as concessões por arrendamento, independentemente de serem ou não definitivas, «quando a utilização do terreno se afaste dos fins para que foi concedido ou estes não estejam, em qualquer momento, a ser prosseguidos». Como já vimos, a Administração considerou que a Recorrente não estava a prosseguir os fins para que o terreno foi concedido, o que necessariamente leva a que nos interroguemos sobre que fins eram esses. A este propósito importa atentar no que ficou estipulado na cláusula terceira do contrato de concessão por arrendamento do terreno aqui em causa, Segundo a mesma, esse terreno destinava-se a ser «aproveitado com a construção de um conjunto de edifícios, para instalação do Centro de Recuperação de Toxicodependentes». Significa isto, portanto, que o terreno foi concedido com o fim de, nas instalações que aí deveriam ser construídas, ser desenvolvida a actividade de tratamento e recuperação de pessoas com toxicodependência.
Deste modo, estando provado que a Recorrente, a partir de Outubro de 2019, deixou de tratar pessoas toxicodependentes com vista à sua recuperação nos centros de tratamento que foram construídos no terreno concedido, parece-nos seguro concluir que se encontra preenchida a previsão ou a hipótese da norma da alínea 3) do n.º 1 do artigo 169.º da Lei de Terras, na exacta medida em que o fim da concessão, desde aquela data, deixou de ser prosseguido. Por isso, neste ponto, a Administração não incorreu no erro de interpretação e aplicação da lei que a Recorrente lhe imputou”; (cfr., fls. 463-v a 464 e 487-v).

Ora, adequado e acertado se nos mostrando de considerar o assim explicitado, em face do que provado está assim como do prescrito no comando legal em questão, visto está que se tem de concluir pela total improcedência do presente recurso, mais não se apresentando de acrescentar, (por igualmente não se vislumbrar qualquer “oposição entre a fundamentação e a decisão”, assim como qualquer “erro na aplicação do direito”).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos que se deixam expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de 15 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 02 de Abril de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas

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