Processo n.º 162/2025
(Autos de recurso cível)
Data: 30/Abril/2025
Recorrente:
- Sociedade de Importação e Exportação (A) Limitada (ré)
Recorridos:
- (B) e (C) (autores)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
(B) e (C) (doravante designados por “autores” ou “recorridos”) intentaram acção contra a Sociedade de Importação e Exportação (A) Limitada (doravante designada por “ré” ou “recorrente”), pedindo a condenação desta a pagar àqueles a quantia de HKD41.114.000,00, correspondente ao dobro do valor recebido a título de sinal, bem como a quantia de MOP9.027.636,00, a título de danos excedentes, acrescida de juros de mora.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente.
Inconformada, interpôs a ré recurso jurisdicional para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
“1ª Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de MOP$21.195.964,02 (HKD18.054.334,00 x 1,03 + MOP2.600.000,00).
2ª Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento dos contratos em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3ª Com efeito, ficou provado que se não fosse um consumo de tempo além do expectável por parte da DSSOPT, a Recorrente teria conseguido aproveitar o terreno dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão contratados e, assim, dar cumprimento aos contratos em apreço.
4ª Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5ª Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
6ª Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7ª Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “X X”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
8ª Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9ª E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10ª Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
11ª Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7º do CPA) e aos princípios da boa fé a da colaboração (artigos 8º e 9º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12ª E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
13ª Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 355 a 357, no seu ponto n.º 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
14ª No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
15ª D’outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
16ª Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
17ª A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
18ª Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
19ª Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
20ª Quanto ao risco, desde logo, relativamente à fracção autónoma “G42”, melhor identificada nos autos, em boa verdade, o risco para os Recorridos nasce sim com a cessão da posição contratual que celebraram com o contraente inicial, cedente, sem que tenha havido ali qualquer intervenção da Recorrente.
21ª Nesta situação, a questão da distribuição do risco em contratar diz respeito somente ao cedente e aos Recorridos, enquanto cessionários, mas não, salvo melhor opinião, à Recorrente, que nunca teve qualquer conhecimento do teor do que foi previamente contratado entre eles, limitando-se a consentir na cessão.
22ª Além de que os Recorridos adquiriram 4 fracções autónomas o que, de acordo com as regras da experiência comum, significa que são investidores na área imobiliária e não, leigos que procuram uma habitação.
23ª São sujeitos que actuam no mercado, que conhecem o mercado e os seus contornos. Que têm integral conhecimento do risco conatural à aquisição de bens imóveis futuros.
24ª Por outro lado, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
25ª Os Recorridos sabiam necessariamente que os contratos que celebraram com a Recorrente estavam umbilicalmente ligados ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naqueles.
26ª Também nos ensinam as regras da experiência comum que, certamente, consultaram o Registo Predial antes de adquirirem as fracções em causa, tendo, por essa via, conhecimento dos prazos de aproveitamento e de concessão do terreno onde elas seriam construídas.
27ª Com efeito, as datas dos termos dos prazos de aproveitamento e das concessões são públicas, constando do dito Registo Predial.
28ª E, de qualquer modo, um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
29ª Os Recorridos também sabiam perfeitamente que cada um dos contratos em causa, tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do respectivo contrato.
30ª E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditâmes de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
31ª Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco dos contratos em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
32ª Quanto à qualificação dos contratos, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se tratam de contratos de reserva ou de contratos de compra e venda de um bem futuro.
33ª A respeito da letra dos contratos, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
34ª Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
35ª Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta dos contratos em causa.
36ª A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
37ª Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
38ª É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, onde a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato e o adquirente tem o dever de pagar um preço.
39ª Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
40ª Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
41ª Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos, conectados com os contratos em questão, designadamente, os recibos de pagamento e o facto de os contratos conterem uma planta da respectiva fracção adquirida em anexo, apontam para uma qualificação outra que não a de “contrato-promessa”.
42ª Relativamente ao elemento histórico subjacente aos contratos em causa, há a destacar que os contratos foram celebrados antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
43ª Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes ‘contratos-promessa’ têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
44ª Relativamente ao elemento teleológio, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construir e lhe vai entregar.
45ª Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
46ª Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que os contratos em discussão não são típicos contratos-promessa mas antes contratos de reserva ou contratos de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
49ª Subsidiariamente, mesmo que se entenda que os contratos em discussão nos presentes autos se tratam de contratos-promessa típicos, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço das fracções a construir que foram vendidas, configuram um cumprimento antecipado dos contratos prometidos tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil.
50ª Pelo que, ressalvado diverso entendimento, não há lugar a uma indemnização correspondente ao dobro dessas quantias.
51ª Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
52ª As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor recebido pelo alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
53ª Ficou estabelecido que a Recorrente recebeu por conta dos 4 contratos em discussão o montante global de HKD16.976.560,00.
54ª E que a Recorrente pagou o montante de HKD12.048.785,24 o Banco da X, liquidando os montantes ainda em falta relativamente aos mútuos que os Recorridos haviam contraído com aquele Banco, para a aquisição das fracções objecto desses mesmos contratos.
55ª Daí que, como também vem decidido na douta sentença recorrida, o montante da obrigação de restituição a cargo da Recorrente para com os Recorridos, se cifra em HKD4.861.774,76 (16.976.560,00 – 12.078.785,24), pelo que, salvo melhor opinião, deve ser esse o quantum final da indemnização a arbitrar.
56ª Caso assim se não entender, a Recorrente não está de acordo com o montante do dano equitativo, MOP2.600.000,00.
57ª Este valor pode ser dividido em 2 parcelas: o valor de HKD937.000,00, que corresponde ao que os Recorridos terão que despender além do que pagaram à Recorrente para poderem adquirir a habitação por troca; e o valor de HKD1.574.160,00 obtido com base num eventual rendimento de juros para os depósitos a prazo incidentes sobre o capital pago pelos Recorridos à Recorrente (HKD3.748.000,00).
58ª Para atingir o segundo valor, a douta sentença recorrida estimou a taxa de juros anual em 3,5%, com início da contagem na altura da celebração do contrato subscrito pelos Recorridos em 2011, e por um período de 12 anos (3.748.000,00 x 3,5% x 12 = 1.574.160,00).
59ª Porém, de acordo com os dados oficiais da Autoridade Monetária de Macau, a taxa de juros praticada pelos Bancos, em média, entre 2011 e 2023, foi a de 1,2655% (cfr. docs. 1 e 2 ora juntos ao abrigo do art. 616º/1/2ª parte do CPC).
60ª Consequentemente, com base na aplicação de uma taxa de 1,2655% (e não de 3,5%) enquanto vector da indemnização equitativa, o valor mais justo seria o de HKD570.000,00, correspondente a “3.748.000,00 x 1.2655% x 12 = 569.171,28”, arredondado por excesso.
61ª Mas há que tomar ainda em conta que na cláusula 10ª do contrato donde emerge este pagamento consta que a fracção deveria ser entregue no prazo de “1200 dias de sol e trabalho após a construção do primeiro piso, só a partir dessa data entrando a Recorrente em mora”.
62ª Por outras palavras, os Recorridos contrataram com a Recorrente em como a quantia por eles para e por ela recebida, HKD3.748.000,00, ficaria imobilizada sem vencer juros por aquele período e, portanto, até um momento indeterminado no tempo.
63ª Entretanto, como resulta dos autos, tal momento nunca chegou a ocorrer uma vez que não foi possível construir e entregar a fracção pelas razões supervenientes acima descritas.
64ª Consequentemente, salvo melhor opinião, é o momento em que a impossibilidade do cumprimento se tornou definitiva que dever ser tomado em conta para o cálculo deste segmento da indemnização a arbitrar.
65ª Assim, esse momento foi o momento em que a declaração de caducidade do contrato de concessão foi proferida e se tornou irreversível, o que apenas ocorreu com o trânsito em julgado do douto acórdão do TUI proferido em 23 de Maio de 2018, no âmbito do Processo n.º 7/2018.
66ª Pelo que, ressalvado diverso entendimento, o momento a ser tomado em consideração para o cálculo do dano equitativo é o ano de 2018 e, como tal, compreende um período de 5 anos, isto é, entre 2018 e 2023.
67ª Ora, de acordo com os mesmos dados oficiais da AMCM (cfr. docs. 1 e 2), a taxa média deste período de 5 anos foi a de 2,141%, foi a de 2,141%, pelo que o montante respeitante a este vector de ponderação se cifra, a final, em HKD395.000,00, correspondente a “3.748.000,00 x 2,141% x 5 = 394.289,60”, arredondado por excesso.
68ª Assim, seguindo-se o mesmo raciocínio que seguiu a douta sentença recorrida, mas tendo em conta esta nova factualidade, o valor total da indemnização quanto a esta fracção autónoma, “D7”, cifra-se, parece-nos, em HKD1.332.000,00 (937.000 + 395.000), ou no máximo, HKD1.507.000,00 (937.000 + 570.000,00), e, não, em MOP$2.600.000,00.
69ª Finalmente, quanto à contagem dos juros de mora relativamente à parcela da indemnização no valor de HKD18.054.334,76, sucedeu que a douta sentença recorrida teve necessariamente que proceder a operações aritméticas e que teve que basear tais cálculos com base em factos controvertidos ao tempo da citação que interferiram com a liquidação da obrigação de indemnização arbitrada, nomeadamente quanto ao pedido de compensação de créditos com contra-créditos formulado pela Recorrente.
70ª Desse modo, afigura-se que, também relativamente a esta parcela da indemnização, os juros de mora começam a contar apenas com a finalização de todas as operações descritas e consequente valor líquido apurado, o que coincide com a data da prolação da sentença.
71ª Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.”
Ao recurso responderam os autores pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Feito o julgamento, a primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade constituída em Macau, que tem por objecto a exploração do comércio de importação e exportação, no exercício da actividade de agente comercial e de transportes, na indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, no fabrico de bordados, e ainda na actividade de fomento predial e na construção e reparação de edifícios.
2. No exercício da sua actividade comercial, a Ré, na qualidade de concessionária por arrendamento do Lote P, s/n, sito em Macau, na zona da Areia Preta, promoveu a construção de um empreendimento residencial constituído por 18 torres, a que daria o nome de “X X”.
3. No dia 22 de Março de 2011, o 1.º Autor celebrou com a Ré um contrato designado pelas partes por «樓宇買賣預約合約»(Contrato-promessa de compra e venda) referente à futura fracção autónoma D7, 7.º andar D, do Bloco 7, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... (fls. 40 a 44, que se dá por integralmente reproduzido).
4. O preço constante do contrato sobre a fracção autónoma “D7” foi de HKD4,685,000.00.
5. Os Autores pagaram HKD$3.748.000,00 pela fracção autónoma “D7”.
6. No dia 22 de Março de 2011, o 1.º Autor celebrou com a Ré um contrato designado pelas partes por «樓宇買賣預約合約»(Contrato-promessa de compra e venda) referente à futura fracção autónoma D11, 11.º andar D, do Bloco 7, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... (fls. 45 a 49, que se dá por integralmente reproduzido).
7. O preço constante do contrato sobre a fracção autónoma “D11” foi de HKD4,825,000.00.
8. Os Autores pagaram HKD$3.860.000,00 pela fracção autónoma “D11”.
9. No dia 24 de Março de 2011, o 1.º Autor celebrou com a Ré um contrato designado pelas partes por «樓宇買賣預約合約»(Contrato-promessa de compra e venda) referente à futura fracção autónoma D12, 12.º andar D, do Bloco 7, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... (fls. 50 a 54, que se dá por integralmente reproduzido).
10. O preço constante do contrato sobre a fracção autónoma “D12” foi de HKD4,860,000.00.
11. Os Autores pagaram HKD$3.888.000,00 pela fracção autónoma “D12”.
12. No dia 3 de Outubro de 2012, (C), (D) e (E) celebraram com a Ré um contrato designada pelas partes por «樓宇買賣預約合約»(Contrato-promessa de compra e venda) referente à futura fracção autónoma G42, 42.º andar G, do Bloco 5, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... (fls. 56 a 59, que se dá por integralmente reproduzido).
13. O preço constante do contrato sobre a fracção autónoma “G42” foi de HKD6,187,000.00.
14. No dia 11 de Junho de 2015, foi celebrado entre (C), (D) e (E)e o 1.º Autor um outro contrato, pelo qual aqueles declararam ceder a favor deste a posição contratual que detinham no contrato que haviam celebrado com a Ré para a compra da futura fracção autónoma G42, cessão essa que foi aceite pelo 1.º Autor (fls. 55, que se dá por integralmente reproduzido).
15. A Ré assinou o contrato de fls. 55, autorizado assim a cessão da posição contratual.
16. A Ré comprometeu-se, na cláusula 10.ª dos contratos sobre as fracções autónomas “D7”, “D11”, “D12” e “G42”, a entregar as fracções autónomas respectivas no prazo de 1200 dias úteis de sol, o que exclui os Domingos, feriados e dias de chuva, contados a partir da conclusão das obras de cobertura do 1.º piso; caso o prazo não fosse cumprido, a Ré pagaria a outra parte juros de mora, calculados à taxa de juros das contas-poupança praticada pelos bancos, sobre o montante já recebido a título de princípio de pagamento.
17. As fracções autónomas “D7”, “D11”, “D12” e “G42” integram-se no empreendimento designado “X X”.
18. As fracções designadas por “D7”, “D11”, “D12” e “G42”, respectivamente, faziam parte de edifícios que, à data da celebração dos contratos, não se encontravam ainda edificados.
19. A R. concedeu ao 1.º Autor um desconto de 20% sobre o preço constante dos contratos sobre as fracções autónoma “D7”, “D11”, “D12”.
20. Em 11 de Junho de 2015, os Autores, a Ré e o BANK OF CHINA LIMITED celebraram um contrato designado por «抵押預約合同及買賣預約合同確認»(Confirmação do Contrato-promessa de Hipoteca e do Contrato-promessa de Compra e Venda) relativo à futura fracção autónoma G42 (fls.64 a 67, que se dá por integralmente reproduzido).
21. Para as fracções “D7”, “D11” e “D12”, o 1.º Autor contraiu empréstimos nos montantes, respectivamente, de HKD$3.279.500,00; HKD$3.377.500,00 e HKD$3.305.400,00.
22. A Ré liquidou o remanescente desses empréstimos a partir de 05/07/2018.
23. Relativamente aos empréstimos contraídos pelos Autores, os valores liquidados pela Ré junto do Banco da X foram os seguintes:
- Fracções “D7” e “D11”: HKD$5.834.853,42;
- Fracção “G42”: HKD$3.520.044,56.
24. Relativamente ao empréstimo contraído pelo 1.º Autor para fracção D12, o valor liquidado pela Ré junto do Banco foi o de HKD$2.723.887,26.
25. Em 29/06/2018, a R. e o BOX subscreveram o contrato que se junta a fls. 992 a 1001, nos termos do qual a Ré adquiriu todos os créditos que este Banco detinha sobre todos os compradores, incluindo o que detinha sobre os Autores relativamente às fracções “D7”, “D11” e G42”.
26. Por despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial n.º 52 do Boletim Oficial de 26 de Dezembro de 1990, alterado pelo Despacho nº 107/SATOP/91, publicado no BO, n.º 26, de 1/07/1991, foi concedido à Ré o terreno, a resgatar ao mar, com a área de 60,782m2, constituído por 3 lotes com a designação de Lote “O”, para fins habitacionais, Lote “S” para fins habitacionais e Lote “Pa” para fins industriais.
27. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1, dos termos da concessão fixados naquele despacho, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da outorga da escritura pública do contrato.
28. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 2, mais se previu que “O prazo do arrendamento fixado no número anterior poderá, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049”.
29. Por despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb” destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único com a área global de 67.536m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
30. Através desta revisão o prazo global de aproveitamento do terreno foi prorrogado até 26 de Dezembro de 2000.
31. As parcelas “Pa” e “Pb” foram anexadas e o respectivo terreno passou a estar descrito sob o n.º ... do Livro …, com a designação de Lote “P”.
32. Com vista a aferir da viabilidade da alteração da finalidade e aproveitamento, a Ré apresentou em 10/09/2004 um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar apresentado junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T-6451, documentos junto a fls. 247 a 272, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
33. Por Despacho n.º 19/2006, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 9, II Série, de 1 de Março de 2006, foi “parcialmente revista, nos termos e condições do contrato em anexo, a concessão, por arrendamento, do terreno com a área global de 91.273m2, constituído por 3 lotes designado por “O”, “P” e “S”, situado nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP)” - a seguir abreviadamente “revisão de 2006”(documento junto a fls. 238 a 244, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
34. Esclareceu-se, no ponto n.º 4 dos termos e condições do contrato integrantes do Anexo ao despacho n.º 19/2006 que: “…a concessionária pretende alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação, alegando prejuízos financeiros com a fábrica de têxtil aí instalada, devido à abolição das quotas de exportação dos produtos têxteis, o que levou à perda gradual de competitividade desta indústria de Macau, agravada, no caso concreto, pela suspensão do funcionamento da fábrica no período nocturno, para não prejudicar a tranquilidade dos residentes das imediações, e invocando ainda razões que se prendem com o futuro desenvolvimento daquela zona da cidade e a crescente procura de habitação”.
35. Nos termos do n.º 5 dos termos e condições do contrato que constam do Anexo ao Despacho n.º 19/2006, constituía condição para a revisão do contrato o facto de, no âmbito da análise anteriormente efectuada ao estudo prévio, se ter verificado que o mesmo era passível de aprovação.
36. Pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 9, II Série, de 1 de Março de 2006, tendo em conta o Estudo Prévio de 2005 e as PAOs de 2004 e 2005, foi acordada a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 5 pisos, sobre o qual assentam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção: - Habitação: 599.730m2 - Comércio: 100.000m2 - Estacionamento: 116.400m2 - Área livre: 50.600m2.
37. Não obstante o aproveitamento ter sofrido uma alteração total, a cláusula 2.ª do contrato de concessão de terras manteve-se inalterada, seja quanto ao respectivo n.º 1 (prazo de 25 anos), seja quanto ao respectivo n.º 2 (sucessivamente renovável, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, até 19 de Dezembro de 2049).
38. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titulasse a referida revisão (cfr. artigo 2.º do Anexo ao Despacho n.º 19/2006).
39. A alteração de finalidade e aproveitamento ocorreu a 1 de Março de 2006, pelo que, na realidade, a Ré teria cerca de 9 anos e 9 meses para concluir a obra de construção nas referidas 18 torres.
40. Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da Ré, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013.
41. Em 24/10/2013 a Ré requereu junto da DSSOPT a emissão de licença para as obras de fundações, que foi emitida em 2/01/2014, com prazo de validade até 28/02/2014.
42. Em 15/01/2014 e 30/01/2014, a Ré apresentou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, fundamentando esse requerimento com o facto de, por razões que não lhe são imputáveis, não ter podido até então proceder ao aproveitamento contratado (documento junto a fls. 941 a 950, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
43. Em 4/06/2014, a Ré voltou a requerer a prorrogação do prazo de aproveitamento, cuja cópia de requerimento se junta a fls.955 a 956.
44. Em 26/06/2014, a Comissão de terras emitiu a seguinte pronúncia: “Proc. n.º 18/2014 - Respeitante ao pedido feito pela Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada, de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno concedido, por arrendamento, com a área global de 105 437m2, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), constituído por 4 lotes, designados por «O», «P», «S» e «V», titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, revisto pelos Despachos n.ºs 123/SATOP/93, 123/SATOP/99 e pelos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) n.ºs 19/2006 e 30/2011.
Proposta de aplicação de uma multa de $180.000,00 patacas, pelo incumprimento do prazo de aproveitamento do lote «P», e de prorrogação do prazo de aproveitamento do lote até à data do fim do prazo de arrendamento de terreno, isto é, até 25 de Dezembro de 2015.
Emissão de parecer sobre o processo.
Relativamente à carta apresentada pela concessionária em 4 de Junho de 2014, esta Comissão realizou uma nova reunião e após o estudo e análise do processo, considerou que caso se emitisse parecer favorável à prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, mesmo sabendo da impossibilidade da concessionária concluir o aproveitamento do terreno dentro do prazo de arrendamento, criar-se-ia evidentemente na mesma a expectativa de que talvez ainda pudesse continuar a aproveitar o terreno depois do termo do prazo de arrendamento. Por outro lado, a concessão provisória não poderá ser convertida em definitiva porquanto o aproveitamento do terreno não poderá ficar concluído antes do termo do prazo de arrendamento, impondo-se nessa altura declarar a caducidade da concessão. Para além disso, a Administração não pode comprometer-se a conceder novamente o terreno originário, uma vez que nos termos da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), a nova concessão deve ser efectuada através de concurso público. Para além disso, estima-se que mesmo que o prazo de aproveitamento seja prorrogado, a concessionária só possa concluir parte das obras de fundação, podendo no entanto isto criar indirectamente condições favoráveis à concessionária para que esta se aproveite do facto como fundamento para lograr ficar com a concessão do terreno.
Nestas circunstâncias, propõe que a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária.”
45. A Ré repetiu o requerimento de prorrogação do prazo de aproveitamento em 02/07/2014 (documento junto a fls. 959 a 961, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
46. A Comissão de Terras, no parecer no. 59/2014, de 03/07/2014, concluiu o seguinte:
“Reunidas em sessões de 22 de Maio, 26 de Junho e 3 de Julho de 2014, respectivamente, a Comissão de Terras, após a análise e o estudo do processo, considera que embora a concessionária esteja interessada na conclusão do aproveitamento do terreno, esta não pode concretizar-se antes do termo do prazo de arrendamento que irá terminar em breve, pelo que sendo a concessão provisória não poderá ser convertida em definitiva. Assim, findo o prazo de arrendamento, tem de declarar-se a caducidade da concessão. Nestas circunstâncias, esta Comissão propõe que a situação real do processo, anteriormente descrita, seja tida em consideração na decisão final que recair sobre o pedido, nomeadamente o conteúdo da carta da concessionária de 4 de Junho de 2014”.
47. Em 10/07/2014, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas, emitiu o seguinte parecer:
“Proc. n.º 18/2014 - a Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada, pediu prorrogar o prazo de aproveitamento dum terreno concedido por arrendamento, situado na península de Macau, nos NATAP, constituído pelos lotes designados por “O”, “P”, “S” e “V”, com área total de 105.437m2 , cujo contrato de concessão é titulado por despacho n.º 160/SATOP/90, modificado por despacho n.º 123/SATOP/93, despacho n.º 123/SATOP/99, despachos n.º 19/2006 e n.º 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Como não se observou o prazo de aproveitamento do lote “P”, propõe-se considerar a situação real do lote “P”, nomeadamente o teor da carta da concessionária, para tomar a decisão final.
Ficou prescrito o prazo de aproveitamento do terreno referido em 28 de Fevereiro deste ano, ficará prescrito o prazo de arrendamento em 25 de Dezembro do próximo ano (2015).
A Sociedade concessionária declara que aceita a eventual multa de prorrogação, realça e compromete-se que “vai assumir todas as consequências depois da construção.
Analisado o parecer da Comissão de Terras e ponderando os 17º a 21º pontos desse parecer e a carta da concessionária constante do 24º ponto, nomeadamente o teor do ponto 24.4, concordo, em princípio, com os pontos 14.2 e 14.3 da informação n.º 090/DSODEP/2014 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, isto é, prorrogar o prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e aplicar a multa no montante de MOP$180,000.00, pressupondo que a Sociedade concessionária aceite previamente por escrito as seguintes condições, para garantir interesses públicos:
1. Se não for completado o aproveitamento antes da prescrição de arrendamento, mesmo estando preenchidos os requisitos previstos no art.º 5.º da Lei n.º 7/2013 (Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção), a Sociedade concessionária não vai pedir autorização prévia para fazer negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção no lote P, nem vai realizar esses negócios jurídicos, excepto a eventual obtenção legal de nova concessão desse terreno;
2. Se não mais lhe for concedido o terreno, a Sociedade concessionária não pode pedir à RAEM qualquer indemnização ou compensação.”
48. Em 15/07/2014, sobre este parecer, o Chefe do Executivo despachou: “Concordo”.
49. Em 29/07/2014 foi enviado à Ré um ofício assinado pela Directora Substituta da DSSOPT informando-a que era autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015 e aplicando a multa no valor de MOP180.000,00, devendo ainda a Ré assumir os compromissos constantes dos pontos 1. e 2. do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 10/07/2014, sendo o seguinte o teor do ofício:
“1. Nos termos da cláusula n.º 2 do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já ficou caducado aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do art.º 2.º do Despacho n.º 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai acabar aos 25 de Dezembro de 2015.
2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP$180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.º da Lei n.º 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
3. Nestes termos, avisa-se a vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia do pagamento da multa.”
50. A Ré concordou em pagar a multa de MOP180.000,00.
51. Em 4/08/2014, a Ré comunicou ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que aceitava os referidos dois compromissos.
52. Em 27/11/2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo o pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26/12/2015.
53. Em 30/11/2015, o Chefe do Executivo concordou com os pareceres que lhe foram colocados à consideração, cujo sentido era de indeferir o pedido de prorrogação com fundamento em que, impedindo a Lei n.º 10/2013 a renovação de concessões provisórias, não podia ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
54. O empreendimento “X X” não foi concluído.
55. Em 21/01/2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 9/2016, cujo ponto 50 apresenta o seguinte teor: “(...) esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 25 de Dezembro de 2015 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do contrato (caducidade preclusiva). Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º). Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento). De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior), que no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cfr. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas. Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tornar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013. Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), designado por lote "P", com a área de 68 001m2, a favor da Sociedade de Importação e Exportação (A), Limitada, cuja concessão titulada pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, revista pelos Despachos n.ºs 123/SATOP/93, 123/SATOP/99 e pelos Despachos do STOP n.ºs 19/2006 e 30/2011, pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a concessionária a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.”
56. Em 22/01/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer favorável à declaração de caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento.
57. Em 26/01/2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 2/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
58. Em 26 de Janeiro de 2016, o Chefe do Executivo declarou a caducidade da concessão do Lote P à Ré, pelo decurso do prazo do arrendamento sem que ele se mostrasse aproveitado.
59. A Ré interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 26/01/2016, do Chefe do Executivo para o Tribunal de Segunda Instância.
60. Por acórdão de 19/10/2017, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
61. Deste acórdão interpôs a Ré recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, ao qual, por acórdão de 23/05/2018, proferido no referido Processo n.º 7/2018, foi negado provimento.
62. O acórdão do Tribunal de Última Instância já transitou em julgado.
63. O n.º 7 da cláusula Quinta do contrato de concessão do lote P estabelece o seguinte: “para a apreciação de cada um dos projectos, os serviços competentes observarão um prazo de 60 dias.”.
64. O n.º 8 da cláusula Quinta do contrato de concessão do lote P estabelece o seguinte: “Caso os serviços competentes não se pronunciem no prazo fixado no n.º 7 da cláusula Quinta, a Ré poderá dar início à obra projectada trintas dias após comunicação por escrito à Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas e Transportes, sujeitando, todavia, o projecto a tudo o que se encontra disposto no Regulamento Geral da Construção Urbana ou em quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele Regulamento Geral da Construção Urbana, com excepção da estabelecida para a falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensa a Ré da apresentação do respectivo projecto de obra.”.
65. Nos termos do contrato de concessão, a Ré tinha um prazo de 90 dias para apresentar o projecto de arquitectura.
66. Em 29/04/2008, a Ré apresentou o Plano de Consulta (documentos junto a fls. 281 a 309, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
67. Em 06/05/2008, a Ré apresentou o projecto parcial de arquitectura (documentos junto a fls. 310 a 324, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
68. Após o pedido de emissão de nova PAO formulado em 14/08/2009, em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO (documento junto a fls. 339, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
69. Em 09/04/2012, a DSSOPT “sugeriu” à Ré a alteração do projecto de 22/10/2009, com introdução de novo “layout” das torres, para obedecer à distância mínima de afastamento de 1/6 da altura da torre mais alta, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010 (documentos junto a fls. 340 a 349, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
70. A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental –DSPA levou 1 mês para emitir o parecer sobre o 1.º relatório de impacto ambiental, de 21/06/2011.
71. O parecer emitido pela DSPA sobre 1.º relatório de impacto ambiental, de 21/06/2011, sem qualquer alteração, foi notificado à Ré, em 04/10/2011 pela DSSOPT (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011, documento junto a fls. 415 a 426, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
72. No parecer emitido em 21/06/2011 pela DSPA, a DSPA exigiu ainda uma avaliação do impacto sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a sul do Projecto e a ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais).
73. O 2.º Relatório foi apresentado pela Ré, em 19/04/2012 (T-4242/2012) (documento junto a fls. 427 a 481, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
74. Em 31/08/2012, a Ré apresentou o 3.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental(documento junto a fls. 514 a 592, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
75. A DSPA entregou à DSSOPT, em 16/10/2012, o seu Parecer sobre o 3.º Relatório (documento junto a fls. 595 a 597, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
76. O Parecer emitido pela DSPA em 16/10/2012 foi notificado à Ré em 28/12/2012 (documentos junto a fls. 593 a 598, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
77. No ofício datado de 2012/12/28, o Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT ("DPU") exigiu que no estudo sobre a circulação de ar, incluísse uma “Simulação Informática” (documento junto a fls. 593 a 594, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
78. Em 15/03/2013, a Ré apresentou o 4.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental (T-3953/2013, documentos junto a fls. 599 a 703, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
79. Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu 4.º Parecer para a DSSOPT, sobre o 4.º Relatório apresentado pela Ré (documentos junto a fls. 704 a 707, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
80. No parecer emitido pela DSPA em 03/05/2013, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, desta feita em relação à avaliação quantitativa, em complemento da avaliação em método qualitativo já efectuada e entregue, dos odores provenientes da ETAR, de modo que se tornasse mais esclarecido o impacto que o mau cheiro pudesse causar para o empreendimento e a avaliação da distância entre as torres do empreendimento e a ETAR.
81. No parecer emitido pela DSPA em 03/05/2013, a DSPA exigiu ainda uma avaliação do impacto em termos de ruído que o trânsito rodoviário dos Novos Aterros urbanos e a Ilha Artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pudesse causar para o empreendimento.
82. Em 15/10/2013, a DSSOPT notificou a Ré informando que tinham sido aceites os relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental.
83. Em 29/11/2018, a Ré instaurou uma acção de indemnização contra a RAEM e pede, em alterativa ao pedido de indemnização, a atribuição de uma nova concessão para o mesmo lote de terreno, lote P (documento junto a fls. 226 a 229, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
84. A acção de indemnização instaurada pela Ré contra a RAEM foi julgada improcedente pela sentença transitada em julgado.
85. O 1.º Autor candidatou à atribuição de habitação para troca nos termos do art. 5.º e ss. da Lei n.º 8/2019.
86. Os Autores encontram-se restritos à aquisição de uma habitação para troca.
87. Os Autores terão de pagar o preço devido pela habitação para troca.
88. Em 15/10/2018, o BOC enviou aos autores as cartas de fls. 1004 a 1005, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
89. Em 16/10/2018, a ré enviou aos autores as cartas de fls. 1008 a 101, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
90. Em 01/11/2018 a ré enviou uma mensagem electrónica (SMS) aos autores, informando-os do envio das cartas que lhes foram envidados de 15/10/2018 e 26/10/2018 (fls. 1012).
91. Em 06/03/2019, a ré enviou de novo aos autores cartas registadas com aviso de recepção juntas a fls. 1013 a 1024, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
92. (C), (D) e (E) pagaram à Ré a quantia de HKD5,444,560.00 por conta do preço do contrato sobre a fracção autónoma“G42”. (Q 3.º)
93. A R. concedeu ao cedente de posição contratual de contrato sobre a fracção autónoma “G42” um desconto de 12% sobre o preço constante do contrato. (Q 4.º)
94. Na sequência do acórdão do Tribunal de Última Instância, o Governo da RAEM anunciou, em 23/05/2018, os seus planos para o lote P, os quais passam por (i) recuperar o terreno; (ii) aproveitar o terreno para construir habitação de alojamento temporário durante a renovação urbana, habitação, comércio, instalações públicas e sociais, incluindo mercado, centro de saúde, centro de idosos e jardim-de-infância; (iii) vender algumas fracções aos compradores de fracções no edifício “X X”. (Q 5.º)
95. A Ré é uma conhecida construtora profissional com larga experiência em Macau. (Q 6.º)
96. A Ré não concluiu a construção do edifício nem obteve a respectiva licença de utilização dentro do prazo da concessão. (Q 7.º)
97. A ré se propunha construir o projecto identificado em JJ. dos factos assentes, apresentou o projecto global de arquitectura referido na alínea QQQ. em Outubro de 2009 e celebrou os contratos com o autor como consta das alíneas C., F. e I.. (Q 9.º)
98. No primeiro trimestre de 2011 a Ré sabia que não iria conseguir completar o aproveitamento até 28 de Fevereiro de 2014. (Q 10.º)
99. Na data em que foi emitida a licença de construção era já claro que a Ré não conseguiria completar o aproveitamento do terreno nem no prazo de aproveitamento, que expirava em 28 de Fevereiro de 2014, nem sequer no prazo da concessão, que expirava em 25 de Dezembro de 2015. (Q 11.º)
100. O 1.º Autor não foi informado pela Ré dos termos da declaração que foi remetida pela DSSOPT em 29 de Julho de 2014 e que a Ré veio a assinar em 4 de Agosto de 2014. (Q 12.º)
101. Na mesma zona onde se localiza o Lote P e onde se localizaria a fracção D7, D11, D12 e G42, se tivesse vindo a ser construída, em edifícios com características semelhantes, o metro quadrado é transacionado, em média, a HKD108.926.00. (Q 13.º)
102. A área da fracção D7 era de 76,7700m2. (Q 14.º)
103. A área da fracção D11 era de 76,7700m2. (Q 15.º)
104. A área da fracção D12 era de 76,7700m2. (Q 16.º)
105. A área da fracção G42 era de 78,4900m2. (Q 17.º)
106. O valor actual da fracção D7 seria de aproximadamente MOP8.362.249,00. (Q 18.º)
107. O valor actual da fracção D11 seria de aproximadamente MOP8.362.249,00. (Q 19.º)
108. O valor actual da fracção D12 seria de aproximadamente MOP8.362.249,00. (Q 20.º)
109. O valor actual da fracção G42 seria de aproximadamente MOP8.549.601,70. (Q 21.º)
110. No contrato celebrado entre a Ré e o Banco da X, o credor (BOC) sub-roga a Ré em todos os direitos e acessórios inerentes àqueles créditos. (Q 22.º)
111. A data do termo do prazo de concessão e aproveitamento era pública por constar do Registo Predial. (Q 23.º)
112. Contribuíram, decisivamente, para a aceitação do prazo de aproveitamento previsto no Despacho n.º 19/2006 vários factores, nomeadamente: (Q 24.º)
a. As Plantas de Alinhamento Oficiais (PAOs) referentes ao Lote “P”, emitidas em 2004 e 2005, com clara definição das condições urbanísticas, sem imposição de afastamento mínimo entre as torres do empreendimento, permitindo, dentro deste quadro, ao particular conceber o projecto de acordo com a sua perspectiva de investimento;
b. A habitual invariabilidade das condições urbanísticas ao longo da execução do contrato de concessão;
c. A apresentação pela Ré do Estudo Prévio em 10/09/2004, complementado em 15/12/2004, sem imposição de afastamento mínimo entre as torres do empreendimento, que serviu de base para o cálculo do prémio devido pela revisão do contrato de concessão;
d. Ter sido aprovado o Estudo Prévio em 21/01/2005, por Ofício nº 747/DURDEP/2005, sem imposição de afastamento mínimo entre as torres do empreendimento, e emitidos os pareceres técnicos de todas as entidades que, por lei, são chamadas a pronunciar-se de acordo com as suas áreas funcionais;
e. Ser expectável para a Ré, de acordo com a sua vasta experiência no desenvolvimento de projectos imobiliários em Macau, poder concluir a empreitada em questão muito antes do fim do prazo da concessão, havendo, inclusive, reserva de prazo para introduzir melhorias no plano de aproveitamento do terreno e inerente alteração do estudo prévio;
f. Não haver indícios de funcionamento anormal e impeditivo de uma actuação célere, adequada e proporcional dos serviços da Administração Pública, em conformidade com os parâmetros constantes do Código do Procedimento Administrativo e do Regulamento Geral de Construção Urbana (“RGCU").
g. A existência de uma cláusula no contrato de concessão de 1990, que se manteve em vigor, consagrando o princípio da colaboração dos serviços da Administração Pública no respeitante ao prazo de pronúncia para os projectos que lhes fossem submetidos para aprovação: ou seja, conforme a cláusula 5.ª, nº 7, a Administração dispunha de um prazo de 60 dias para aceitar ou rejeitar os pedidos da Ré;
h. A convicção, tal como em casos anteriores, da existência de necessária cooperação da Administração no cumprimento de prazos, a fim de viabilizar a conclusão do empreendimento projectado em tempo útil.
113. Após a revisão contratual de 2006, tendo em conta a experiência em outros projectos, a Ré submeteu à apreciação da DSSOPT um novo Plano de Consulta (vulgo “Estudo Prévio de Alteração"), com proposta de nova distribuição da localização das torres, reduzindo-as de 18 para 16 torres, assim como a diminuição da altura destas, na condição de construção de dois pisos em cave, mantendo-se, contudo, a mesma área bruta de construção e respectiva alocação nas suas diferentes finalidades. (Q 25.º)
114. Decorrido o prazo de 60 dias, a DSSOPT não comunicou à Ré o resultado da sua apreciação aos projectos apresentados em 06/05/2008. (Q 26.º)
115. Após a apresentação dos projectos de arquitectura, em Abril e Maio de 2008, a ré não recebeu qualquer resposta da DSSOPT (aprovação ou rejeição). (Q 26.ºA)
116. Os projectos de 29/04/2008 e de 06/05/2008, foram apreciados pelos serviços internos da DSSOPT, até à data da apresentação do projecto global em 22/10/2009 (cfr. Declaração da DSSOPT no ponto no. 42 do ofício no. 4427/DURDEP/2009, de 09/04/2010, ofício cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 26.ºB)
117. A Ré solicitou, em 14/08/2009, a emissão de uma PAO actualizada. (Q 27.º)
118. Passados os 60 dias de prazo e de novo sem qualquer resposta da DSSOPT, a Ré, gerindo o prazo de aproveitamento do terreno, não aguardou pela nova Planta de Alinhamento Oficial e submeteu o referido projecto global de arquitectura, para efeitos de aprovação, em 22/10/2009 (T-7191/2009, documentos junto a fls. 325 a 338, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 28.º)
119. O projecto de arquitectura de 06/05/2008 foi integralmente substituído pelo projecto de 22/10/2009, para melhor controlar o tempo a que a ré se propôs gerir para a fase de apresentação, apreciação e aprovação de projectos de arquitectura e especialidades. (Q 28.ºA)
120. A Ré apresentou o projecto de arquitectura global em 22/10/2009 de acordo com as condições urbanísticas constantes da PAO emitida em 2007 que, por sua vez, era essencialmente igual às PAOs emitidas em 2004 e 2005. (Q 29.º)
121. A nova PAO e o ofício nº 4427/DURDEP/2010 diferiram das anteriores (2004, 2005 e 2007), pretendendo a DSSOPT pela primeira vez e sem que nada o fizesse prever, a contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 30.º)
122. O cumprimento da sugestão de contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta alteraria de modo significativo, se não por completo, o modelo construtivo preconizado pela Ré no Estudo Prévio de 2004, sem o afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta, e estava implícito nos seus planos de investimento com a revisão do contrato de concessão em 2006. (Q 31.º)
123. A exigência de contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta constituiria uma inutilização de parte do tempo já despendido na concepção e elaboração do plano global de arquitectura, para além de implicar ainda a necessidade de despender mais tempo com a redefinição do empreendimento, o que não estava dentro dos prazos preconizados pela Ré para a melhor gestão dos prazos de aproveitamento do terreno. (Q 32.º)
124. O acatamento da sugestão de afastamento mínimo entre torres correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta implicava relocalização (layout) das torres projectadas e tinha o sério risco de, se se pretendesse manter as vistas das torres para o mar e uma concepção harmoniosa de vistas internas entre as torres, implicar uma diminuição de áreas de construção e a redução do número de torres. (Q 33.º)
125. Em resposta, em 03/06/2010, a Ré incorporou neste projecto de 22/10/2009 as exigências obrigatórias da DSSOPT e não acolheu o número 6 do ofício de 09/04/2010 que constituía mera sugestão da DSSOPT no sentido de contemplar o referido afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta (T-5291 - documentos junto a fls. 350 a 354, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 34.º)
126. Em 30/12/10, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009 (Ofício nº 318/DURDEP/2011, de 07/01/2011), com as alterações técnicas de pormenor introduzidas em 03/06/2010, sem o sugerido afastamento mínimo de 1/6 (documento junto a fls. 355 a 357, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 35.º)
127. O projecto de arquitectura, finalmente aprovado em 30/12/2010, notificado à Ré por ofício de 07/01/2011, contemplava, outrossim, as soluções anteriormente preconizadas nas PAOs de 23/12/2004, 23/02/2005 e 11/05/2007, emitidas em harmonia com o estudo prévio e o contrato de concessão na versão revista em 2006. (Q 36.º)
128. No Ofício de 07/01/2011 a Administração prescindiu da necessidade de um afastamento entre as torres equivalente a 1/6 da torre mais alta. (Q 37.º)
129. No Ofício de 15/10/2013, a Administração acaba por simplesmente recomendar que se cumpram as recomendações do Parecer de 29/08/2013 da DSPA, o qual apenas propões genericamente que sejam adoptados os métodos adequados à implementação de “medidas de mitigação e a gestão ambiental, e que as sugestões de monitorização constantes do relatório de avaliação ambiental sejam devidamente iniciadas e executadas” (ponto 1); e que se assegure o cumprimento da legislação ambiental durante a execução das obras (ponto 2). (Q 37.ºA)
130. Desde a data de aprovação do projecto, comunicada em 07/01/2011, até ao termo do prazo de aproveitamento ou do prazo de concessão do terreno, dispunha a ré de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento. (Q 38.ºA)
131. A DSSOPT, apesar de ter aprovado o projecto de arquitectura, não autorizou a emissão imediata da licença de obras, incluindo a licença para implantação de alicerces e fundações no terreno, até que fossem aprovados o relatório de circulação de ar e o relatório de impacto ambiental do empreendimento. (Q 39.º)
132. A exigência de aprovação do relatório de circulação de ar e do relatório de impacto ambiental do empreendimento não está prevista no contrato de concessão do lote P. (Q 40.º)
133. O Estudo de Impacto Ambiental e o relatório sobre a circulação do ar não mereceriam parecer favorável nem aprovação sem que a ré desse cumprimento às novas exigências a DSPA ia formulado. (Q 40.ºA)
134. Em 11/05/2011, a Ré apresentou os exigidos relatórios (1.º relatório) (T-5205/2011) - relativamente às questões mencionadas pela DSSOPT no seu ofício de 07/01/2011: “fluxo do ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes”, conforme pedido no referido ponto 19 do Ofício de 07/01/2011 (documentos junto a fls. 358 a 414, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 41.º)
135. A DSPA, com a anuência da DSSOPT, introduziu várias novas exigências no parecer emitido sobre 1.º relatório de impacto ambiental do empreendimento, ampliando significativamente o âmbito dos estudos inicialmente exigidos pela DSSOPT, designadamente: (Q 42.º)
- A observância das “Guidelines” da DSPA, emitidas na altura, para a preparação de relatórios, as quais, porém, eram imprecisas e vagas, sem indicação concreta dos métodos de avaliação (qualitativa ou quantitativa, por exemplo);
- A obtenção do parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento;
- O impacto ambiental ao logo da fase de construção;
- Impacto sonoro;
- Qualidade do ar;
- Qualidade das águas;
- Resíduos sólidos;
- Contaminação do solo;
- Impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento);
- Acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado;
- Análise da colisão das aves contra os edifícios (documentos junto a fls. 416 a 426, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
136. Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências (cfr. ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012, fls. 482 a 483), cujo teor foi objecto de discussão entre a Ré, a DSSOPT e a DSPA, em 25/07/2012, tais como: (Q 43.º)
- o projecto localiza-se nas proximidades da ETAR e do centro de tratamento de resíduos sólidos, pelo que tanto a disposição das fracções como das zonas públicas se devem ajustar por forma a garantir que é respeitada uma distância suficiente a evitar impacto negativo sobre os residentes, decorrente da mesma proximidade; sugere-se que as medidas de mitigação do ruído de trânsito sejam avaliadas de acordo com o método quantitativo, não bastando o método qualitativo; o projecto localiza-se perto de uma zona de passagem de voo e alimentação de aves, pelo que se sugere estudar o respectivo impacto ambiental;
- estudo detalhado no âmbito do plano de construção para avaliar o impacto ambiental e nos edifícios vizinhos e devem ser produzidos regulamentos considerando medidas de emergência (preparação do plano de gestão ambiental do local).
137. No parecer emitido pela DSPA em 16/10/2012, a DSPA voltou a formular novas exigências, designadamente a avaliação do impacto das poeiras resultantes dos trabalhos de construção (partículas em suspensão), maior distância entre as torres do lote P e a ETAR, sem no entanto especificar qual a distância aconselhável que devia ser observada (documento junto a fls. 595 a 597, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 44.º)
138. A exigência do estudo de “simulação informática” não está prevista no contrato de concessão do lote P. (Q 45.º)
139. A exigência do estudo de “Simulação Informática” não está mencionada no ofício de 07/01/2011. (Q 46.º)
140. A Ré foi obrigada a recorrer a serviços especializados de consultoria sedeados na Austrália, para a realização da “Simulação Informática” de circulação do fluxo de ar. (Q 47.º)
141. O relatório de circulação de ar foi entregue pela Ré em 11/05/2011. (Q 48.º)
142. A DSSOPT remeteu relatório de circulação de ar para a DSPA e esta, conforme ofício de 10/10/2012, declarou-se, ano e meio depois, incompetente para o apreciar, sugerindo ser a DSSOPT a entidade com melhores condições para proceder à respectiva análise e aprovação. (Q 49.º)
143. A DSPA e a DSSOPT não sabiam, desde o início, que conteúdo pretendiam fosse investigado no estudo cuja apresentação impunham à Ré. (Q 50.º)
144. À medida que a Ré ia satisfazendo as exigências adicionais, logo surgiam novas exigências, que obrigavam à apresentação de novo estudo e assim indefinidamente, além do atraso na apreciação do relatório sobre a circulação de ar. (Q 51.º)
145. A DSPA exigiu uma avaliação quantitativa dos odores da ETAR, mas não disponibilizou os respectivos dados oficiais, os quais só foram entregues depois, socorrendo-se a Ré de dados fornecidos pelo seu arquitecto. (Q 53.º)
146. Em 28/06/2013, a Ré apresentou o 5.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental, sem os dados oficiais solicitados sobre os odores da ETAR (documentos junto a fls. 708 a 791, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 54.º)
147. Tendo em vista evitar maiores demoras, a Ré pediu uma reunião conjuntamente com a DSSOPT e a DSPA, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação deste 5.º Relatório. (Q 55.º)
148. Foi na reunião de 26/07/2013 que os dados oficiais sobre odores da ETAR foram entregues à Ré. (Q 56.º)
149. Em 07/08/2013, a Ré apresentou o 6.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental, contemplando a versão final do impacto sobre os odores da ETAR (documento junto a fls. 793 a 905, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 57.º)
150. O projecto da Ré apresentado em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 03/06/2010, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 58.º)
151. Após a emissão da licença de obra, a Ré deu de imediato início aos respectivos trabalhos. (Q 59.º)
152. A ré utilizou o período, entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015, para construir e concluir todo o trabalho de fundações. (Q 59.ºA)
153. - A ré apresentou à DSSOPT um projecto parcial de arquitctura em 6/5/2008 e a DSSOPT não emitiu qualquer pronúncia sobre ele.
- Em 22/10/2009, a ré apresentou outro projecto de arquitectura que substituiu o apresentado em 6/5/2008 e a ré apreciou-o em 09/04/2010 com exigências e sugestões.
- A ré respondeu em 3/6/2010 acatando as exigências, mas não a sugestão de afastamento entre as torres projectadas correspondente, no mínimo, a 1/6 da altura da torre mais alta.
-A DSSOPT aprovou este projecto e notificou a ré em 7/1/2011 para apresentar o relatório de estudos de impacto ambiental que teria a construção do empreendimento em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes.
- A ré realizou o estudo e apresentou o respectivo relatório em 11/5/2011;
- Depois, a DSSOPT pediu mais estudos da mesma natureza (impacto ambiental) até que aprovou o relatório respectivo em 15/10/2013.
- A ré pediu a emissão de licença de obras em 24/10/2013.
- A licença de obras foi emitida em 02/01/2014. (Q 60.º e 61.º)
154. À R. bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento imobiliário “X X” e entregar aos Autores as fracções autónomas. (Q 62.º)
155. - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “X X” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora as fracções autónomas de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 63.º)
156. Em casos de inimputabilidade do concessionário, a política da RAEM era a de atribuir, por ajuste directo, “nova concessão”, após negociações sobre os respectivos termos e condições (vide os casos dos terrenos da Concórdia” e do complexo Jardins Lisboa). (Q 64.º)
157. Após a emissão de licença de obra, com base na convicção de vir a deferir à Ré um pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento do Lote P e da concessão, a Ré celebrou milhares de contratos após a aprovação do projecto de arquitectura em 30/12/2010, investiu avultadas verbas na preparação dos projectos da obra (arquitectura, fundações e especialidades), bem como realizou e densificou os Estudos de Impacto Ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM, custeou e executou as obras das fundações do edifício durante o último ano dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 65.º)
158. Foi com base nas aprovações administrativas que a Ré avançou com os seus investimentos. (Q 66.º)
159. O 1.º Autor adquiriu a posição contratual relativa à fracção autónoma “G42” em 11 de Junho de 2015 (al. N. dos factos assentes) na altura em que a obra estava na fase da construção de fundações, sendo que faltaria concluir estes trabalhos e ainda edificar o pódio de 5 pisos com 18 torres de 47 pisos cada. (Q 67.º)
160. Os Autores se candidataram a adquirir uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 69.º)
161. A fracção a ser adquirida pelos Autores ao abrigo da Lei nº 8/2019 é de tipologia, área e preço equivalentes ao das fracções que constituem o objecto dos contratos aqui em causa. (Q 70.º)
162. Actualmente, o valor da fracção a ser adquirida pelos Autores será bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 71.º)
163. Os Autores omitiram o facto de a Ré ter feito um desconto sobre o preço constante dos contratos relativos às fracções autónomas “D7”, “D11” e “D12”, no que respeita à petição inicial, mas não no que respeita à réplica. (Q 75.º)
164. Os Autores omitiram que contraíram empréstimos bancários para a aquisição das 4 fracções dos autos e que a Ré liquidou os seus empréstimos bancários de acordo com os seus débitos à data de 05/07/2018, no que respeita à petição inicial, mas não no que respeita à réplica. (Q 76.º)
165. A ré foi obrigada a aceitar o pagamento da multa para em contrapartida obter a prorrogação até 25/12/2015, que só não seria insuficiente se, de seguida, lhe fosse aberto o caminho para obter de novo a concessão, nos termos legais. (Q 76.ºA)
166. Os autores podem adquirir uma fracção no mesmo terreno, com a mesma tipologia e características, pelo preço que pagaram à ré e só o podem fazer por terem celebrado os acordos referidos nas alíneas C., F. e I. e por terem adquirido a posição contratual referida na alínea N. dos factos assentes. (Q 76.ºD)
167. Tal requerimento foi deferido. (Q 76.ºE)
168. O valor do mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos autores. (Q 76.ºF).
*
A primeira instância julgou parcialmente procedente a acção movida pelo autor, resultando na declaração de resolução do contrato celebrado entre as partes outorgantes, na condenação da ré à restituição do dinheiro que recebeu e ao pagamento da indemnização: uma, correspondente ao valor do sinal, e outra, fixada por equidade, tudo acrescido de juros à taxa legal.
Está em causa a seguinte decisão:
“1 – A situação jurídica da segunda autora.
A segunda autora não celebrou qualquer contrato com a ré, não lhe pagou qualquer quantia, não adquiriu posição de promitente-compradora frente à ré nem contraiu empréstimo bancário para pagamento à ré ou ao “cedente” da posição contratual. É claro que a segunda autora não tem direito a resolver os contratos onde que não é parte contratante (art. 400º do CC) nem tem direito a ser indemnizada pelos danos sofridos pelo incumprimento/impossibilidade de uma prestação de que não é credora (arts. 787º e 790º, nº 1 do CC). Afigura-se desnecessária outra análise.
Improcede, pois, a pretensão da segunda autora.
A segunda autora é casada com o primeiro autor e, devido ao seu regime de bens, poderá ter direito a que o seu marido introduza no património conjugal as fracções que iria adquirir da ré ou a indemnização que receba da mesma ré. Porém, é claro que não tem o direito de resolução e de indemnização que pretende fazer valer contra a ré.
2 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: objectiva, absoluta e definitiva. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com o primeiro autor.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
2.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
2.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
2.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos e não encontrou ainda razões para decidir de modo diferente. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
Em síntese:
A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar o autor (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído a fracção acordada com o autor no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa.
A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em relação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil , estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não desprezível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.
A ré, quando se comprometeu com o autor e com o “cedente” a cumprir (22/03/2011, 24/3/2011 e 10/3/2012), já não dispunha de tempo suficiente para construir as fracções prometidas vender até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014), pois que se comprometeu a construir em “1200 dias úteis de sol, contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura”, necessitava de três a quatro anos para construir (ponto 154. dos factos provados) e ainda não tinha licença de obras para iniciar a construção por esta licença depender da aprovação administrativa de estudos de impacto ambiental que a ré tinha apresentado à autoridade competente em 11 de Maio de 2011 e que não estavam ainda aprovados na data em que a ré celebrou os contratos com o autor e com o “cedente”. Além disso, a ré necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não desprezível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, quer respeitem a falhas de organização ou outras falhas. Acresce também que, quando contratou, a ré não podia tomar como certo que o prazo de aproveitamento seria prorrogado até ao limite do prazo da concessão (25/12/2015), como efectivamente foi.
Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré se vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir, incrementando ao contrato alguma álea em vez de se comprometer firmemente como se comprometeu. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família. A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação.
Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e os deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonomia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
Em conclusão, a perturbação do plano contratual que ocorreu e que foi a causa da impossibilidade da prestação da ré é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à própria ré a título de culpa medida pelo padrão do bom pai de família, o qual, em face da escassez de tempo e da lenta e exigente cooperação imprescindível da RAEM, teria previsto a perturbação contratual que veio a ocorrer e tê-la-ia feito relevar no conteúdo do contrato ou não teria contratado nos termos em que contratou.
3 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão do primeiro autor e devem ser declarados resolvidos os contratos, como peticionado.
4 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
4.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do primeiro autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que o primeiro autor pagou à ré e ao “cedente” para receber da ré quatro imóveis e que nada recebeu é forçoso concluir que o primeiro autor sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
4.2 Do montante da indemnização
O autor pretende ser indemnizado pelo dano que efectivamente sofreu e que diz ser superior a sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclusa que existe, é diminuta e que o dano do autor é inferior ao valor do alegado sinal prestado, pelo que, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foi e a ré que não foi.
4.2.1 Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, o autor entende que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende nas suas alegações de Direito que deve ser qualificado como contrato de reserva ou de compra e venda de bem futuro.
A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual.
Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das partes não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
Este tribunal também já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos, conhecendo as partes, designadamente os seus ilustres mandatários, a fundamentação da referida decisão, razão por que, não se tendo encontrado ainda razões para alterar o sentido da decisão, também não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de mera reserva ou encomenda de um bem futuro é que o autor foi pagando prestações do preço e não apenas uma comissão de reserva. Crê-se que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de mera reserva de lugar para aquisição em face do facto de terem sido colocadas perante a escolha de pagar todo o preço ou apenas uma parte e perante o pagamento de várias e sucessivas “comissões de reserva”. Reserva, terá havido no pagamento dos primeiros HKD200.000,00, mas com a formalização do contrato em discussão e com os pagamentos seguintes até à totalidade do preço, nenhum declaratário normal considerará que as partes se quiseram manter em situação de mera reserva.
A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de compra e venda de um bem futuro, contrato que seria formalmente inválido, é que no contrato que celebraram não consideraram o autor e o “cedente” como titulares de um direito real, oponível erga omnes, mas consideraram-no na situação de alguém que necessitava do consentimento da ré e de lhe pagar para exercer o direito que adquiriu por via contratual, se esse exercício passasse pela transmissão para terceiros.
Crê-se também que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de tornar o autor dono ou proprietário, mas de torná-lo mero titular de um direito a ultimar uma qualquer relação contratual com a ré, o que é, precisamente, a prestação característica do contrato-promessa.
Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o autor e o “cedente” entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito dos contratos-promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal.
Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta dada aos quesitos 68º e 76º-C da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão.
Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
Ora, se em caso de incumprimento do autor a ré é indemnizada em “X”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que o autor ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
As partes não estipularam que em caso de incumprimento do autor a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal, a sua ampliação para o valor do dano efectivo que excede o valor do sinal ou a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar aos aurores um montante igual ao do sinal que recebeu, um montante superior ou um montante inferior?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo e em relação à culpa do lesante.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva para ressarcir o dano do lesado e para sancionar a culpa do lesante.
No presente caso, cabe ao autor alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o seu dano efectivo é superior ao valor do sinal e cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que o autor sofreu. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré disse que o autor, devido à impossibilidade da prestação da ré irá adquirir uma fracção autónoma semelhante à que iria adquirir da ré como acordado e pelo preço que foi acordado pagar à ré.
Provou-se que o autor se candidatou com sucesso à aquisição de tal fracção e que esta é semelhante em termos de preço e área à fracção “D7” acordada entre o 1º autor e a ré (fls. 1484).
Está também provado por falta de impugnação que o autor pagou à ré a título de sinal relativo à promessa de venda da fracção “D7” a quantia de HK3.748.000,00 (ponto 5. dos factos provados).
Perante esta situação já se pode concluir que só poderá haver lugar à redução equitativa em relação à indemnização que seja devida ao autor pelo incumprimento da ré em relação ao contrato que tinha por objecto a fracção autónoma “D7”. Na verdade, em relação ao contrato que tinha por objecto as fracções “D11”, “D12” e “G42” não receberá o autor qualquer fracção para troca, pelo que nenhuma razão relativa ao dano efectivo foi invocada para justificar a redução equitativa, estando o autor definitivamente privado das fracções que pretendia adquirir.
Assim, apenas há que ponderar se, por razões de equidade, deve haver redução do valor da indemnização relativamente ao incumprimento do contrato relativo à fracção “D7”. Quanto ao contrato relativo às fracções “D11”, “D12” e “G42” há apenas que ponderar se a indemnização deve ser superior ao valor do sinal e correspondente ao dano efectivo.
Redução equitativa quanto à indemnização por incumprimento da prestação da ré relativa ao contrato que tinha por objecto a fracção “D7”.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo e à culpa.
O autor tinha o direito de adquirir a fracção “D7”, já tendo pago a totalidade do preço acordado após desconto concedido pela ré e terá de pagar pela aquisição da habitação para troca HKD4.685.000,00, pelo que, restituindo a ré o que recebeu no âmbito do contrato resolvido, terá o autor um prejuízo de HKD937.000,00 (HKD4.685.000,00 - HKD3.748.000,00).
O prejuízo do autor será ainda o correspondente à privação da disponibilidade da fracção entre a data em que a ré deveria entregar e a data em que irá receber da sociedade comercial Macau Renovação Urbana, S.A. O interesse contratual positivo. Uma situação semelhante à mora e não ao incumprimento definitivo, pois que o autor irá adquirir uma fracção como pretendia, mas mais tarde do que acordaram.
O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso semelhante ao presente, embora a ali autora tivesse feito o seu pagamento no ano de 2015, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pela autora. Perspectivou, pois o dano como interesse contratual negativo. Não o que a autora deixou de auferir através do que despendeu, mas o que teve de despender em vão, sem nada auferir.
Seguindo o entendimento do Venerando TSI, no caso presente seria de considerar o período de cerca de 12 anos, pois que o autor pagou à ré pela fracção “D7” no ano de 2011.
Aplicando a doutrina do referido douto acórdão, temos que o sinal pago foi de HKD3.748.000,00, pelo que o valor da indemnização equitativa deveria ser de HKD1.574.160,00 (HKD3.748.000,00 x 3,5% x 12). Porém, no caso presente, deve ainda acrescer a quantia que o autor vai ter de pagar para adquirir a “fracção sucedânea” ou “habitação para troca” - HKD937.000,00.
Este tribunal também já decidiu em diversos casos a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável repetir.
O autor está privado da sua fracção há vários anos e continuará ainda por tempo desconhecido impossibilitado de a fruir. Está também privado do sinal que pagou. Para adquirir a fracção prometida já não teria de fazer qualquer outro esforço financeiro considerável, contrariamente ao que tem de fazer para adquirir a “fracção sucedânea”. A culpa da ré é leve e é pesada a “pena” já suportada pela ré em despesas com as obras iniciadas e com as indemnizações já fixadas. O autor pretendia adquirir quatro fracções, o que indicia que tinha objectivo de investimento para obtenção de lucros cuja justificação é o risco que os autor aceitou assumir em relação ao comportamento do mercado imobiliário.
Não há razões para duvidar que se a fracção prometida tivesse sido entregue ao autor no tempo acordado (cerca de 2016), o autor não teria conseguido com a sua fruição um valor aproximado ao valor do sinal prestado (HKD3.748.000,00).
Também não há razões para duvidar que se não tivesse pago o sinal e, em vez disso, o tivesse fruído em fruição lícita comum não teria conseguido um resultado líquido aproximado ao valor do sinal.
Tudo visto e ponderado, afigura-se respeitador da equidade fixar em MOP2.600.000,00 (dois milhões e seiscentas mil Patacas) a indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito do contrato que celebrou com o autor relativo à fração “D7”.
Da indemnização por “dano excedente”.
O dano que o autor pretende ver ressarcido consiste na privação do aumento que se deu no valor de mercado das fracções contratadas, entre o preço que acordou pagar e o valor de mercado que hoje os autor teria se tivesse recebido as fracções pretendidas em cumprimento do acordado.
Vejamos se tal dano ocorreu na esfera jurídica do autor e, em caso afirmativo, se o autor tem direito a que seja ressarcido.
Quanto à fracção “D7”.
Pois bem, se, como se viu, o autor vai receber uma fracção equivalente à fracção “D7” não terá, quando a receber, qualquer dano em relação à diferença de valor. Terá o valor que teria se recebesse a fracção “D7”, ou um valor semelhante. Outro dano que não seja a privação da diferença de valor de mercado não pode o tribunal considerar por falta de pedido e de discussão contraditória.
Improcede, pois a pretensão de indemnização superior ao valor do sinal relativamente à fracção “D7”, pois que pressupõe que o dano efectivo seja consideravelmente superior ao valor do sinal prestado (art. 436º, nº 3 do CC), o que não está provado, mesmo que seja admissível que a fracção que o autor venha a receber não tenha exactamente o valor que teria a fracção contratada “D7”. É necessária a demonstração de uma diferença consideravelmente superior ao valor do sinal prestado, o que não está demonstrado.
Portanto, quanto a esta fracção a indemnização não deve corresponder ao alegado dano efectivo nem ao valor do sinal prestado por haver razão para redução por equidade e por não se provar o dano alegado de privação do aumento ocorrido no valor de mercado nem o tribunal poder atender a dano não peticionado.
Tem, pois, o autor direito a receber HKD3.748.000,00 por via da resolução contratual, a título de restituição da quantia que a ré recebeu, e tem direito a receber MOP2.600.000,00 a título de indemnização por incumprimento resultante da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré devedora.
Quanto às fracções “D11”, “D12” e “G42”.
O sinal prestado no âmbito dos contratos relativos às fracções “D11”, “D12” e “G42” foi de HKD13.192.560,00 (HKD3.860.000 - “D11” + HKD3.888.000,00 - “D12” + HKD5.444.560,00 - “G42”).
O preço que o autor acordou pagar à ré, após desconto, e ao “cedente” é do mesmo montante do sinal prestado relativamente a “D11” e “D12” (HKD3.860.000 - “D11” + HKD3.888.000,00 - “D12”) e, no mínimo, de HKD7.033.600,00 - “G42” (art. 15º da petição inicial), totalizando HKD14.781.600,00 (HKD3.860.000 - “D11” - + HKD3.888.000,00 - “D11” + HKD7.033.600,00 – “G42”).
Provou-se que no momento conhecido mais próximo do encerramento da discussão em primeira instância as referidas fracções “D11” e “D12” teriam o valor de mercado de MOP8.362.249,00, cada uma (pontos 107. e 108. dos factos provados). Provou-se também que o mesmo valor de mercado da fracção “G42” seria de MOP.8.549.601,70 (ponto 109. dos factos provados). O valor de mercado total das três fracções seria, pois, de MOP25.274.099,70 (HKD24.537.960,87).
O aumento do valor de mercado das fracções “D11”, “D12” e “G42” desde que o autor as prometeu comprar à ré foi de HKD9.756.360,87 (HKD24.537.960,87 - HKD14.781.600,00).
Conclui-se, pois, que o aumento de valor de mercado de que o autor se viu privado em consequência do incumprimento da ré é inferior ao valor do sinal prestado, razão por que não se provou o alegado dano excedente e não pode proceder a pretensão do autor com fundamento na ocorrência de tal dano efectivo consideravelmente superior ao valor do sinal prestado, não podendo o tribunal conhecer de outro dano por não lhe ter sido colocado para apreciação (arts. 563º, nº 3 do CPC).
Adenda.
Na orgânica interna da presente sentença resulta neste ponto da discussão um aspecto a ponderar, que pode enunciar-se assim: se, como se concluiu, o alegado dano efectivo relativo às fracções “D11”, “D12” e “G42” não excede o valor do sinal prestado e é-lhe inferior, não deverá ser fixada a indemnização por equidade?
A resposta é negativa, por duas razões:
- Se em sede de ponderação do “dano excedente” o tribunal está limitado pela alegação das partes, já não tem essa limitação em sede de valoração por recurso à equidade. Aqui impõe-se ao tribunal que equacione todas as circunstâncias relevantes ainda que apenas se apresentem como prováveis;
- Entre essas circunstâncias, não pode o tribunal deixar de ponderar que o valor de mercado que consta nos factos provados é apenas de um momento concreto e, sendo variável no tempo, tem o tribunal de admitir que poderá ter já sido diferente e que possa variar no futuro. Tal circunstância tem de levar o tribunal a considerar que o autor esteve privado de aproveitar outros momentos do mercado e não poderá aproveitar as futuras situações do mesmo mercado. Tal ponderação implica que o tribunal não possa considerar que é conforme à equidade fixar a indemnização em valor inferior ao sinal por referência a um momento de mercado aleatório que se concretizou aleatoriamente no momento do encerramento da discussão.
5 Da compensação.
O autor contraiu empréstimos bancários para pagar à ré o preço acordado e para pagar ao “cedente” para aquisição da posição contratual de promitente comprador. A ré, por acordo com os Bancos mutuantes, pagou a dívida do autor no valor de HKD12.078.785,24. Diz agora a ré que ficou sub-rogada no crédito dos Bancos mutuantes e pretende compensar esse crédito com a dívida que tenha para com o autor.
Por sua vez o autor diz que o pagamento a um dos Bancos (…) foi por si autorizado e que são alheios ao pagamento ao outro Banco (…). Por isso, reduziu o pedido relativamente ao pagamento autorizado. Está, pois, apenas em causa o outro pagamento, feito ao BOC.
Um terceiro interessado pode cumprir a obrigação do devedor (art. 757º do CC) e o credor que recebe de terceiro pode sub-rogá-lo nos direitos que tinha sobre o devedor, adquirindo o terceiro esses direitos (arts. 583º e 587º do CC). O credor também pode ceder a terceiro o seu crédito, mesmo sem consentimento do devedor (art. 571º do CC).
Os autos não fornecem os factos necessários a qualificar a situação que cria o crédito da ré a compensar com o crédito do autor, seja como sub-rogação, seja como transmissão de crédito. Com efeito, os referidos factos não esclarecem qual era concretamente a dívida do autor para com o Banco mutuante. Tudo aponta para se concluir que a ré não cumpriu a obrigação do autor. Ao que parece, modificou-a e cumpriu a obrigação modificada. Ao que parece, o autor pediu emprestado e estava a pagar mensalmente conforme acordado, o que demoraria anos. A ré acordou com o Banco liquidar tudo de uma vez só. Sem o consentimento do devedor, o credor e terceiro não podem modificar a obrigação daquele devedor.
Assim, a ré não adquiriu qualquer crédito do Banco sobre o autor, porque este devia prestações mensais e a ré cumpriu prestação única. Sem o consentimento do autor, o que a ré e o Banco mutuante fizeram não vincula o autor. Assim, sem o consentimento do autor, a ré e o Banco não podiam liquidar de uma só vez um empréstimo que se vencia em prestações mensais. A ré e o Banco interferiram no conteúdo da obrigação do autor para com o Banco sem terem direito de interferir. O Banco mutuante não pode sub-rogar a ré num direito que não tem sobre o autor, o direito de liquidar arbitrariamente ou ad nutum a totalidade do empréstimo que acordou liquidar em prestações mensais.
Conclui-se, pois, que a ré não é titular do crédito que invoca como tendo-lhe sido transmitido pelo Banco mutuante e, por isso, não pode compensá-lo com a dívida que tenha para com o autor.
Mas afigura-se evidente que a actuação da ré, sem animus donandi, configura um enriquecimento do autor sem causa justificativa, o que cria na esfera jurídica do autor a obrigação de devolver à ré aquilo como que se enriqueceu à custa dela. É certo que a situação de enriquecimento sem causa e da medida da obrigação de restituir que surge de tal enriquecimento, não foram invocadas nem tramitadas com alegação de factos em discussão contraditória, onde tudo que fosse pertinente se poderia invocar, designadamente a prescrição da obrigação de restituir. Mas afigura-se isento de questões e de dúvidas que se verificam todos os pressupostos daquele instituto e que a medida da obrigação de restituir por enriquecimento próprio e empobrecimento alheio é exactamente a quantia que a ré pagou ao Banco mutuante (arts. 467º e 473º).
Conclui-se, pois que a ré tem um direito sobre o autor: que lhe restitua o que por conta dele pagou ao Banco da X.
E também não há dúvidas que a ré pode compensar esse crédito com a dívida que tenha para com o autor (art. 838º do CC).
O autor tem dois créditos diferentes sobre a ré: um crédito a que lhe seja restituído o que prestou, o qual surge como efeito da resolução do contrato; outro crédito a que lhe sejam ressarcidos os danos que sofreu em consequência do incumprimento.
A questão é agora saber qual o crédito do autor que deve entrar na compensação. É o que estiver vencido no momento em que opera a compensação por declaração à outra parte - com a notificação da contestação (arts. 838º, nº 1, al. a) e 839º, nº 1 do CC).
A ré pagou ao Banco da X uma dívida do autor e pretende-se a compensação. A quantia que a ré pagou deve ser compensada com a obrigação vencida na altura em que a compensação foi feita. Na referida altura, parte da obrigação de indemnizar ainda não estava vencida, pois só com a liquidação se vence na parte em que foi liquidada por juízos de equidade (art. 794º, nº 4 do CC), mas já se vencera a obrigação de restituir em consequência da resolução contratual, que se venceu com a interpelação ou com a citação (art. 430º do CC). É com esta obrigação que deve fazer-se a compensação.
Deste modo, a parte que falta restituir da quantia que a ré recebeu do autor e do “cedente” é HKD4.861.774,76 (HKD16.940.560,00 - HKD12.078.785,24).
6 Da mora na obrigação de indemnizar e na obrigação de restituir em consequência de resolução contratual.
O autor pediu a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da citação até integral pagamento. Nas suas alegações de Direito já o autor se pronuncia no sentido de a mora quanto à parte da obrigação de indemnizar fixada por referência ao “dano excedente” só ocorrer com a presente decisão.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre com a interpelação do devedor no que respeita às obrigações puras e líquidas que não provenham de facto ilícito e com a liquidação quanto às obrigações ilíquidas cuja falta de liquidez não seja imputável ao devedor (art. 794º, nºs 1, 3 e 4 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
A mora ocorreu, pois, com a citação relativamente à obrigação de restituir por resolução contratual e à obrigação de indemnizar fixada por referência ao sinal. E ocorre com a presente sentença relativamente à obrigação de indemnizar fixada por juízos de equidade.
Embora estejamos em sede de responsabilidade contratual ou por acto ilícito contratual consubstanciado no incumprimento culposo, a mora deve começar na data da decisão que liquida pela primeira vez o valor da indemnização que venha a tornar-se definitivo, seja por não ser impugnada por via de recurso, seja porque o recurso não mereceu procedência, seja por outra razão. Esta solução está em consonância com a jurisprudência do Venerando TUI sobre a mora na obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual por acto ilícito, (Acórdão para fixação de jurisprudência de 02/03/2011, proferido no processo nº 69/2010, acessível em www.court.com.mo).
O momento da decisão como início da mora é também o mais coerente com a fixação da indemnização por juízos de equidade, pois que a ponderação feita quanto ao valor adequado da indemnização deve contar com todos os factores relevantes que sejam ponderáveis no momento da decisão de acordo com as regras substantivas e processuais aplicáveis e, por isso, já deve ter em consideração o tempo decorrido entre a ocorrência do dano e o seu ressarcimento, seja a dilação imputável ao devedor ou seja imputável ao credor.
7 Da qualidade da litigância dos autores.
Uma vez que a ré condicionou a acusação de litigância de má-fé ao facto de os autores não virem reconhecer a existência de descontos no preço e de pagamentos aos Bancos e os autores reconheceram tais factos, embora entendam que não têm todos os efeitos jurídicos pretendidos pela ré, está verificada a condição “resolutiva” de que a ré fazia depender a manutenção da acusação de litigância de má-fé, questão que, assim, só seria de aprecias no caso de haver razões oficiosas para tanto, que não há.
Não se encontra, pois, litigância de má-fé por parte dos autores.
8 Síntese.
Tendo o autor, como promitente-comprador, celebrado com a ré, como promitente-vendedora, três contratos-promessa de compra e venda no âmbito dos quais prestou sinal; tendo ainda o autor adquirido a posição contratual de promitente comprador noutro contrato-promessa que a ré celebrou com terceiro, que também prestou sinal, e não tendo a ré vendido as coisas prometidas por impossibilidade superveniente cuja causa lhe é imputável, tem o autor direito a:
- Resolver os contratos;
- Ser restituído das quantias que pagou, depois de deduzida a quantia que a ré pagou a terceiros (Bancos) por conta do próprio autor - HKD4.861.774,76 (HKD16.976.560,00 - HKD12.078.785,24);
- Ser indemnizado pelo dano correspondente ao sinal prestado em consequência de não lhe ter sido vendida três das coisas prometidas vender - fracções “D11”, “D12” e “G42” – HKD13.192.560,00;
- Ser indemnizado pelo dano que teve em consequência de não lhe ter sido vendida a outra coisa prometida vender (fracção “D7”), sendo este dano avaliado segundo juízos de equidade porquanto, por causa do incumprimento da ré, o autor irá poder comprar a terceiro outra coisa semelhante (MOP2.600.000,00);
- Ser indemnizado com juros legais em consequência da mora no cumprimento pela ré do seu dever de restituir e do seu dever de indemnizar, iniciando-se a contagem dos juros com a citação relativamente às quantias a restituir e a indemnizar que eram líquidas no momento da citação e iniciando-se a contagem dos juros no momento da liquidação relativamente às quantias a indemnizar que não eram líquidas no momento da citação.
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) - Absolve-se a ré relativamente ao pedido formulado pela segunda autora;
b) - Declaram-se resolvidos os contratos existentes entre as partes;
c) - Condena-se a ré a pagar ao autor:
i. - A quantia de HKD18.054.334,76 (dezoito milhões, cinquenta e quatro mil, trezentos e trinta e quatro dólares de Hong Kong e setenta e seis avos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
ii. - A quantia de MOP2.600.000,00 (dois milhões e seiscentas mil Patacas), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento.
Custas a cargo dos autores e da ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.”
*
Louvamos a acertada, perspicaz e justiciosa decisão que antecede, na qual foi abordada de forma minuciosa e fundamentada a qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes, a imputabilidade do incumprimento do contrato à recorrente, bem como o valor da indemnização. Concordamos plenamente com a decisão recorrida, considerando que esta oferece a melhor solução para o caso em apreço.
De facto, conforme referido na sentença recorrida, na fixação do valor indemnizatório, por equidade, relativamente à fracção D7, foram ponderadas pelo tribunal recorrido as seguintes circunstâncias relevantes: o autor está privado há vários anos do direito de propriedade que pretendia ter sobre a fracção prometida e do dinheiro que pagou à ré para a aquisição dessa fracção, sem saber ao certo por quanto tempo ainda permanecerá nessa situação até receber a fracção sucedânea. Ao mesmo tempo, o autor não teve que fazer qualquer outro esforço financeiro considerável, mas terá que pagar HKD937.000,00, pela aquisição da referida habitação para troca. Também foi considerado o risco assumido pelo autor, dado que houve indícios de que este investiu na aquisição de imóveis com o objectivo de obter lucros. A culpa da ré é leve e o seu incumprimento único deixando terminar o prazo que dispunha para edificar, gerou várias obrigações de indemnização, o que poderá resultar numa penalização global excessivamente severa para um incumprimento singular com culpa leve.
Face às circunstâncias descritas, nomeadamente os prejuízos sofridos pelo autor, os benefícios que este obteve, o preço que terá que pagar pela aquisição da fracção sucedânea e a culpa leve da ré, entendemos que o valor indemnizatório arbitrado pelo tribunal recorrido, no montante de MOP2.600.000,00, não se revela manifestamente desproporcional ou inadequado, antes procura equilibrar os interesses das partes e assegurar a justiça no cumprimento das obrigações contratuais.
Quanto às restantes três fracções D11, D12 e G42, não merece censura a sentença recorrida ao condenar a ré ao pagamento do valor correspondente ao sinal prestado.
Assim, à luz da fundamentação jurídica acima exposta, a qual subscrevemos inteiramente e remetemos aos seus precisos termos, conforme disposto no artigo 631.º, n.º 5 do CPC, negamos provimento ao recurso.
É importante destacar que, no recente acórdão deste TSI, proferidos no âmbito do Processo n.º 928/2024, foram abordadas questões semelhantes, decididas no mesmo sentido.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI decide negar provimento ao recurso interposto pela ré Sociedade de Importação e Exportação (A) Limitada e, em consequência, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 30 de Abril de 2025
Tong Hio Fong (Relator)
Rui Pereira Ribeiro (Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong (Segundo Juiz-Adjunto)
Recurso Cível 162/2025 Página 9