Processo n.º 49/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 30 de Abril de 2025
ASSUNTOS:
- Função do sinal no contrato-promessa de compra e venda e consequência de impossibilidade de cumprimento definitivo de prestação prometida
SUMÁRIO:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 49/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 30 de Abril de 2025
Recorrentes : - A, Limitada (Ré)
- B (1º Autor)
Recorridos : - Os Mesmos
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
B, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 12/06/2024, veio, em 26/06/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1600 a 1605, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 原審法院在被上訴的判決中,作出部分請求不成立的裁判,尤其是原審法院針對定金金額的部分。然而,上訴人雖然表示尊重,但不能認同,因為當中存在錯誤解釋和適用法律的瑕疵。
2. 已證事實中關於涉案單位之價金以及上訴人實際支付的事實部份,原審法院認定了第21條、第29條(對應調查基事實第1條)、第33條(對應調查基礎事實第6條)、第34條(對應調查基礎事實第7條)、第35條(對應調查基礎事實第8條)及第36條(對應調查基礎事實第9條)之事實。
3. 原審法院對於上述事實所作出之認定理據為,結合答辯狀文件36以及證人證言,原審法院認定被上訴人的確是向上訴人作出一個20%的折扣,而上訴人實際上沒有將折扣所對應的款項向被上訴人作出支付,被上訴人只是收取扣除的折扣後所需支付的金額。
4. 依照上述對事實之認定,原審法院對於涉案定金金額,認為定金具有一個保證的功能,如此,定金金額應是預約買受人向預約出賣人實際支付的金額,即HKD5.204.000,00(根據第29,33,35,36條已證事實)。
5. 然而,上訴人並不認同原審法院對於已證事實第33條至第36條(分別對應調查基礎事實第6條至第9條)之認定以及對於法律之適用。
6. 根據已證事實第18條可以得知,於2011年4月28日,上訴人與被上訴人簽訂了樓宇預約買賣合同,且相關單位的價金為HK$6,505,000.00(見已證事實第29條)。
7. 從已證事實第21條以及卷宗第1452之證明書中的文件7至10可見,被上訴人已從上訴人全數收取全數價金HK$6,505,000.00,並發出了相關收據。而且,在抵押合約中已載明上訴人已將全數樓款交足與被上訴人(見卷宗第1452之證明書的文件11),上訴人亦是以HKD6,505,000.00向財政局繳納印花稅(見起訴狀文件12)。
8. 上述文件均取自初級法院第二民事法庭之證明書,原件為有關文件之鑑正本,該等文件的真實性均未被被上訴人所質疑,故根據《民法典》第368條、第370條及第380條之規定,上訴人在有關文件中所作出的聲明具有完全證明力。
9. 從被上訴人所提交的答辯狀文件36可見,被上訴人是向上訴人作出了一個對應單位傢俬之價值HK$1,301,000.00之扣除,但所謂扣除並非免除了上訴人支付HK$1,301,000.00之義務。
10. 而且,不論是起訴狀文件7至11中可見,抑或是從答辯狀文件36中,均清楚表達上訴人已向被上訴人支付了所有樓款。
11. 亦即是說,即使有所謂的「折扣」,上訴人也是需要實打實地履行支付HK$6,505,000.00—只是當中HK$1,301,000.00之樓款係已透過《民法典》第1189條之簡易交付(Traditio Brevi Manu)作出支付。
12. 即由於上訴人需要支付HK$1,301,000.00,被上訴人需要向上訴人支付「購置物」的回贈HK$1,301,000.00,所以在會計帳目上,雙方這一部份的債權債務透過「兌數」方式支付。因此,上訴人實際所需支付以及已支付的款項總額為HK$6,505,000.00。
13. 繼而,原審法院基於證人C在庭上的證言,以及上述文件而將調查基礎事實第6條、第8條及第9條作出已證事實第33條、第35條及第36條之認定(即對原預約買受人所支付之金額僅為HK$5,204,000.00而非HK$6,505,000.00、以及被上訴人作出了折扣之部份)有審查證據明顯錯誤之瑕疵,以及違反了《民法典》第370條之完全證明力之規定。
14. 法官 閣下應根據《民事訴訟法典》第629條第1款a項將調查基礎事實第6至第9條(即已證事實第33至36條)視為不獲得證實。
15. 綜上,被上訴判決錯誤地以HK$5,204,000.00作為定金賠償之基礎,存在錯誤解釋及適用《民法典》第400條、434條至436條款之瑕疵。
16. 被上訴人應按照《民法典》第436條第2款的規定,以涉案單位之售價作為定金基礎,向上訴人賠償雙倍定金,即HK$13,010,000.00(HK$6,505,000.00X2),折合為MOP$13,400,300.00。
17. 另外,基於被上訴人向中國銀行股份有限公司清還了涉案單位第7幢...樓...座所剩餘之銀行貸款,應判處在被上訴人支付之最後金額中減去HKD3,561,175.00元,折合MOP3,668,010.25元。
18. 綜上所述,原審法院裁定部分請求部分不成立的判決應予以廢止,中級法院應該根據《民事訴訟法典》第630條第2款規定,作出相應改判。
綜上所述,敬請中級法院裁定上訴人上訴理由成立,廢止原審法院之判決,因有關判決存在事實審理明顯錯誤和法律錯誤適用的瑕疵,並根據《民事訴訟法典》第630條之規定,直接改判被上訴人向上訴人支付:
1. 對應雙倍定金之賠償,即合共HK$13,010,000.00 (HK$6,505,000.00X2),折合為MOP$13,400,300.00;及
2. 基於被上訴人向中國銀行股份有限公司清還了涉案單位第7幢...樓...座所剩餘之銀行貸款,應判處在被上訴人支付之最後金額中減去HKD3,561,175.00元,折合MOP3,668,010.25元。
3. 最後1, 2項結算的金額應加上由被上訴人獲傳喚之日起計直至完全支付為止之法定遲延利息,每年9.75%。
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A, Limitada, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 12/06/2024, veio, em 26/06/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1607 a 1628, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD6.846.825.00.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provado que se não fôsse um consumo de tempo além do expectável por parte da DSSOPT, a Recorrente teria conseguido aproveitar o terreno dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão contratados e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento "XXX", comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
13. Com efeito, do ofício de 07/01/2011 constante de fls. 289 a 291, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
14. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
15. D’ outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de "facto do príncipe".
20. Quanto ao risco, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
21. Os Recorridos sabiam necessariamente que o contrato que celebraram com a Recorrente estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
22. As datas dos termos das concessões são públicas, constando do Registo Predial.
23. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
24. Os Recorridos também sabiam perfeitamente que o contrato em causa tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do contrato que celebraram com a Recorrente.
25. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditâmes de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
26. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco do contrato em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
27. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
28. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
29. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão "訂" referente ao conceito de "sinal" (com o sentido de penalização), em prol da expressão "訂金", correspondente ao conceito de "depósito" (que não tem sentido penalizador).
30. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
31. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
32. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
33. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, onde a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato e o adquirente tem o dever de pagar um preço.
34. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
35. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
36. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, os recibos de pagamento identificarem-se deliberadamente como se tratando da liquidação de um preço e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo.
37. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
38. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, "Estes ‘contratos-promessa’ têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção".
39. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construír e lhe vai entregar.
40. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
41. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que o contrato em discussão não é um típico contrato-promessa mas um contrato de reserva ou um contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
42. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 64 a 72 dos autos.
43. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
44. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
45. Ficou estabelecido que a Recorrente recebeu dos Recorridos o montante global de HKD5.204.000.00 por conta do contrato aqui em discussão e que liquidou o empréstimo contraído pelos Recorridos junto do Banco da China para aquisição da fracção autónoma em causa até ao montante de HKD3.561.175,00.
46. Deste modo e salvo melhor opinião, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se em HKD1.643.825,00 (5.204.000,00 - 3.561.175,00) e respectivos juros de mora.
47. Quanto a estes últimos, tendo sido invocado pela Recorrente um contra-crédito e não tendo este sido admitido pelos Recorridos, o tribunal teve necessariamente que proceder a operações aritméticas e que basear tais cálculos com base em factos controvertidos ao tempo da citação, seguidos da sua subsunção ao direito, o que apenas se concretizou no momento em que foi proferida a douta sentença recorrida.
48. Deste modo, ressalvado diverso entendimento, afigura-se que os juros de mora começam a contar apenas com a finalização de todas as operações descritas e consequente valor líquido apurado, o que coincide com a data da prolação da sentença.
49. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
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B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1711 a 1722, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 針對本案的判決,上訴人提出了上訴,主要分為以下部份:(A.)不可歸責於上訴人之不履行;(B.)合同定性;以及(C.)賠償金額。
A. 不可歸責於上訴人之不履行方面
2. 首先,上訴人認為,其不履行合同的原因係因為行政當局(第三人)不可預視且不可避免之行為。其次,上訴人亦主張本案屬將來物之買賣合同。上訴人同樣認為其沒有對被上訴人隱瞞或提供虛假資訊,因為其從未想過不能履行合同的情況,且上訴人認為其並無引致被上訴人進入合同風險中,因為被上訴人既然選擇與上訴人簽署一份以未來物為標的之合同,亦知悉有關合同是與土地批給合同的有緊密關聯時,有關風險自然是被上訴人自願承擔。
3. 針對上訴人是否存在過錯方面,被上訴人完全同意原審法院之理解。
4. 除此之外,針對上訴人一再重覆行政當局之過錯的問題,正如被上訴人一如既往的主張,是基於上訴人未能在租賃期內完成利用,導致其無法獲行政當局批給「P」地段,才未能將涉案單位出售予被上訴人,因此,上訴人不能履行合約的原因,完全是可預見,且可避免的。
5. 而且,需要強調的是,行政當局並非涉案合同的任一主體,在履行合同的過程中,被上訴人不可能知悉行政當局的行為。
6. 參考葡萄牙最高法院2012年5月29日在第3987/07.9TBAVR.C1.S1號合議庭裁判中的見解,可得知,只有第三人存有權利濫用之情況下,即極端情況下,合同才對第三人產生效力,而本案中,未能證實行政當局存有權利濫用之情況。
7. 再者,在372/19-RA、352/19-RA及359/19-RA號案件中,數百名XXX預約買受人曾針對特區提出賠償請求,當中行政法院裁定該等預約買受人的理據不成立,因為特區並未對其有任何過錯,更未存在權利濫用之情況。
8. 反過來說,如果預約買受人未能因為行政當局之行為獲得任何賠償,上訴人卻能以行政當局之行為來免於歸責,這對被上訴人來說,實屬不公,亦違反了合同的相對性原則。因此,上訴人所主張的不可歸責於其之不能履行,係明顯不能成立的。
9. 至於上訴人認為被上訴人係自願承擔相關風險的這一部份,除了必要的尊重外,被上訴人完全不能認同。
10. 首先,上訴人係發展商,只有其與行政當局進行接洽,因此,到底行政當局在履行中是否有遲延,預計到底何時才能建成涉案物業,這屬於上訴人才能知悉的事宜。然而,在與被上訴人接洽的過程中,上訴人從未披露有關風險。
11. 上訴人在2011年1月7日已知悉,有關工程計劃係要在其主張從未出現過之環評報告通過後才能發出施工准照。但上訴人亦未向被上訴人透露過有關問題,且繼續於2011年4月28日承諾向被上訴人出售涉案單位。
12. 根據已證事實第14條,上訴人在2013年10月24日獲得工程准照,倘如上訴人所主張仍需要3年時間便能完成涉案樓宇,即無可能在批給期限內(2015年12月25日)完成涉案樓宇。
13. 根據善良家父的標準,在以上事實前提下,上訴人在係有能力預見其無法在批給期限內「交樓」予被上訴人,卻未曾向被上訴人提出相關事實及解釋,只是繼續向被上訴人表示可以如期「交樓」。
14. 由始可見,無論係簽署合同前抑或履行合同的過程中,上訴人均為過份自信地認為即使沒有任何法律依據之情況下,仍可獲得租賃批給續期或延期,又或重新獲得行政當局批給“P”地段,也無履行其告知義務。這一行為明顯不符合一個作為具多年經驗的且符合善良家父標準的發展商所為。
15. 基於此,原審法院在認同上訴人在履行合同中有過錯這一部份正確無誤,應維持原審法院之判決。
B. 合同定性方面
16. 上訴人除了認為不履行涉案合同的原因是不可歸責其之外,上訴人還認為,涉案合同並非是「預約買賣合同」,而是「預留合同」或「將來物的買賣合同」的結論。作為補充,上訴人主張,即使涉案合同為一預約買賣合同,被上訴人所支付的樓款,對應《民法典》第434條所指的提前履行,所以有關不履行所支付的賠償僅應為已付之樓款而非樓款之雙倍。
17. 被上訴人對以上見解表示尊重,但被上訴人認為並無道理。
18. 首先,根據《民法典》第404條第1款規定,預約買賣合同的特點,係基於預約合同承諾簽署特定合同,而在不動產交易中,預約買賣合同的目的,係為了將來以同樣的條件簽署買賣公證書。
19. 而本案中,不論文字上、在協商過程中以及相關(文件上)的文字、歷史上以及目的上,不同於上訴人的見解,被上訴人認為均充分顯示涉案合同為一份預約買賣合同。
20. 已證事實第18條至第22條已證明,上訴人承諾出售涉案單位予被上訴人;而為着獲得承諾出售的單位,被上訴人以分期付款方式,合共向上訴人支付了HKD6,505,000.00(儘管就有關金額不被原審法院所認同,而被上訴人已提出了上訴)。
21. 在合同的文字上,根據卷宗內第66頁至第69頁之涉案合同,標題上為《XXX樓宇買賣預約合約》。
22. 合同第1條再次重覆:「甲方...承諾出售予乙方...甲、乙雙方同意訂立及遵守買賣預約合同如下...」。
23. 合同第5條則將《民法典》第436條第2款中預約買賣合同之「沒收」定金之機制加入至合同內容中。
24. 而合同第15條明確規定,被上訴人有義務在收到上訴人通知後七天內前往上訴人之辦事處簽署買賣公證書。
25. 在合同第9條以及第22條,分別可見,被上訴人在簽署買賣公證書前仍受制於上訴人—無論對於其合同地位之移轉,抑或對於大廈外部與內部之外觀裝修,均取決於甲方(即真正業權人)作出決定。
26. 以上各種表述,均可以見到即使在簽署涉案合同後,被上訴人仍未取得所有人的權利,且有義務與上訴人簽署買賣公證書—由此可見原審法院將涉案合同定性為預約買賣合同正確無誤。
27. 至於上訴人所主張涉案合同第10條以及第12條為買賣將來物合同才會有的條款,然而,如果涉案合同為一買賣將來物之合同,即按照上訴人所主張,被上訴人在簽署涉案合同一刻已經為涉案單位之所有人,—那麼,為何仍要就這些「水、電錶」費用以及管理費用進行規管,並作為預約買賣合同的義務的一部份要求被上訴人支付相關費用?
28. 再者,雖然上訴人主張其所發出的收據中所寫的文字為「訂金(depósito)」而非「定金」,但相信作為一般受意人,在澳門的市場交易中,均為未區分這兩個表述,即使係現樓預約買賣,均習慣以「落訂」或「落大訂」作為定金的表述。更何況,無論有關字眼上表述為哪一個也好,根據《民法典》第435條規定,均推定為定金。
29. 另外,需要知道的是,涉案合同係由上訴人所準備,以上合同上的文字,均為上訴人所草擬。
30. 因此,實在是難以理解上訴人一方面主張在歷史上樓花法生效前法律並未有就買賣在建樓宇的形式進行規管、卻又一方面準備《XXX樓宇買賣預約合約》(而非《XXX樓宇買賣合同》)予被上訴人簽署,而最後卻主張有關合同並非預約買賣合同而是所謂的「預留合同」或「將來物的買賣合同」。
31. 還須強調的是,卷宗第57頁顯示在樓花法生效之後物業登記局係以第7/2013號法律第10條第3款作出「XXX」單位之登記—即登記的依據為預約買受人名義以及預約買賣合同,而這一依據係獲作為第三方的物業登記局所承認。
32. 因此,無論係文字上、背景上、歷史上以及目的上,均只能得出涉案合同為受《民法典》第404條、第435條以及第436條所規管之預約買賣合同。
33. 而法律上,無論係「將來物之買賣合同」,抑或「預留合同」,均明顯不適用於本案中。
34. 「將來物之買賣合同」受買賣合同的規定所約束,在司法以及學說上均認為,簽署「將來物之買賣合同」後無須另外再簽署其它合同,因為其物權在簽署將來物之買賣合同的時候已獲得轉讓,只是相關移轉基於將來物未存在而暫時被中止。
35. 由於將來物為一不動產,因此,根據同一法典第866條,需要採用公證書成立,否則根據第212條,為無效的合同。
36. 如上訴人有意與被上訴人簽署將來物的買賣合同,作為經驗豐富的發展商,顯然而見會選擇公證書而非準備一「無效」的合同去約束被上訴人。
37. 而就上訴人所主張的「預留合同」參考里斯本中級法院於第25178/20.3T8LSB.L1-7號案之見解便能知悉,「預留合同」屬於簽署在協商初期,即雙方的意願以及條件仍未確認時所簽署的合同,通常早於預約買賣合同所簽署。
38. 然而在涉案合同中,明顯雙方已經明確承諾作出涉案單位之交易,樓宇之價格、支付方式以及交付已作出了相應規管,明顯已遠超「預留合同」所規管之範疇。
39. 綜上,上訴人為着規避定金制度的適用而將同一份合同定性為兩種大相逕庭之合同之理據,係明顯不成立的。就原審法院將合同定性為預約買賣合同一部份應予維持。
40. 至於上訴人作為補充,倘涉案合同為預約買賣合同,其所主張被上訴人所支付的款項為《民法典》第434條所指的提前履行亦無道理。因為同一法典第435條已規定被上訴人享有法律推定,應由上訴人根據同一法典第337條推翻推定,即證明被上訴人所支付的所有款項均非為定金。
41. 然而,從事實事宜裁判中,並不存在任何已證事實能夠推翻被上述人所支付的HKD5,204,000.00款項是具定金性質的這一法律推定。(儘管被上訴人認為本案中定金金額應為HKD6,505,000.00,亦針對有關金額認定之部分提出上訴)
42. 故在沒有任何已證事實支撐上訴人單方面之說辭下,上訴人這一部份理據之上訴理由應同樣視為不成立。
C. 關於賠償金額
A. 上訴人認為,根據上述見解,應按照不當得利的制度,向被上訴人返還其曾支付的款項,即HKD1,643,825.00(HKD5,204,000.00-HKD3,561,175.00)。
44. 被上訴人同樣不認同上訴人上述主張。
45. 首先,在本案中,既然已經證實了上訴人與被上訴人之間存在《XXX樓宇買賣預約合約》之合同關係,也證實了基於上訴人之過錯不履行而無法簽署買賣公證書,因此,無論如何也不應適用不當得利的規定。
46. 另外,上訴人亦主張有關利息的計算應自判決日起計,因為只有自當日起有關金額才已經結算。
47. 然而,有關金額早已經確定,只係透過簡單計算便可得出,係屬於已確切定出的債。因此,原審法院按照由上訴人被傳喚起計算利息並無不妥。
48. 綜上,結合被上訴人所提交的上訴理由陳述,上訴人這一部份的理據應同樣不成立,上訴人應依法向被上訴人作出雙倍的定金賠償,合共HKD13,010,000.00,折合為MOP$13,400,300.00。
49. 最後,上述金額應按照被上訴人在其上訴理由陳述之方法減去已證事實第86條所指的由被上訴人為上訴人所支付的HKD3,561,175.00,折合為MOP$3,668,010.25。
50. 基於此,上訴人的上訴理由不應判處理由成立。
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade limitada, constituída no dia 8/2/1977 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° *** (SO), cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
2. Por Despacho n.° 160/SATOP/90, publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.° 52, de 26/12/1990, rectificado pelo Despacho n.° 107/SATOP/91, publicado no Boletim Oficial n.° 26, de 1/7/1991, foi concedido à Ré um terreno, resgatado ao mar, com a área de 60.782 m2, constituído por lote “O” para fins habitacionais, lote “S” para fins habitacionais e lote “Pa” para fins industriais, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta.
3. Em conformidade com o estipulado na cláusula 2.ª, n.° 1, do aludido Despacho de Concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da Escritura Pública do Contrato.
4. Isto é, o prazo da referida concessão do terreno foi contado a partir da data de publicação do aludido despacho (ou seja, 26/12/1990) e terminou em 25/12/2015.
5. Por Despacho n.° 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.° 35, de 1/9/1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.° 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb”, destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único designado por “P”, com a área global de 67.536 m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
6. O lote “P” supracitado, de concessão provisória, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 2****, a fls. 14 do livro B68M.
7. Em 2004, a Ré apresentou à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes um estudo prévio, pretendendo alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação.
8. O aludido estudo prévio da alteração da finalidade do lote “P” foi considerado, no dia 21/1/2005, passível de aprovação, constituindo condição para a revisão do contrato.
9. Neste contexto, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 19/2006, publicado na II Série do Boletim Oficial da RAEM n.° 9, de 1/3/2006, foram acordados a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, alterando a finalidade inicial de indústria para comércio e habitação, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por 1 pódio com 5 pisos, sobre o qual assentavam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção:
– Habitação: 599.730 m2;
– Comércio: 100.000 m2;
– Estacionamento: 116.400 m2;
– Área livre: 50.600 m2.
10. Por força da revisão atrás referida, o terreno objecto do Contrato de Concessão passou a ser constituído pelos lotes “O”, “P”, “S” e “V”, com a área de 105.437 m2.
11. Não obstante a total alteração do aproveitamento do lote “P”, o prazo de concessão de 25 anos estipulado no n.° 1 da cláusula 2.ª do Contrato de Concessão manteve-se inalterado.
12. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial da RAEM do despacho que titulasse a respectiva revisão.
13. Para concretizar o aproveitamento do lote “P”, a Ré requereu junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a aprovação do projecto de arquitectura para a construção das fracções autónomas de propriedade horizontal do edifício, denominado “XXX”.
14. No dia 24/10/2013, a Ré requereu, junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a emissão de licença para as obras das fundações, a qual foi emitida no dia 2/1/2014.
15. Pelo menos a partir de 2011, a Ré começou a promover a venda das fracções autónomas do Edifício “XXX”.
16. A Ré já celebrou, até à presente data, 3.020 Contratos-Promessa de Compra e Venda das fracções autónomas do Edifício “XXX”.
17. É o Autor um dos Promitentes-Compradores, constantes dos respectivos Contratos-Promessa de Compra e Venda.
18. No dia 28/4/2011, a Ré na qualidade de Promitente-Vendedora celebrou com o Autor, como Promitente-Comprador, um “Contrato-Promessa de Compra e Venda de imóvel do Edifício “XXX”.
19. Através do contrato atrás referido, a Ré prometeu vender ao Autor a fracção autónoma ... do ....° andar, para habitação, do Bloco 7 do Edifício “XXX”, em construção, situado em Macau, no Bairro da Areia Preta, s/n, Lote P (LOTE P) (lote “P”, ora em discussão), tendo os Autores aceitem a aquisição.
20. Em função da cláusula 3.ª do referido contrato, a forma de pagamento do preço da fracção autónoma pelo Autor era:
- O montante de HKD650.500,00, aquando da celebração do aludido contrato;
- O remanescente de HKD5.854.500,00, no prazo de 7 dias, após a celebração do referido contrato.
21. E, aquando da celebração do referido contrato, o Autor já pagou à Ré as quantias de HKD200.000,00 e HKD450.500,00, perfazendo o valor total de HKD650.500,00.
22. Tendo o Autor declarado junto da Direcção dos Serviços de Finanças a aquisição da fracção autónoma em discussão, em 29/4/2011, eles, após a emissão da guia de pagamento pelos mesmos serviços, pagaram, a 3/5/2011, o imposto do selo por transmissão de imóvel no montante de MOP35.177,00.
23. Os Autores efectuaram, no dia 10/12/2014, o registo da promessa de aquisição da fracção autónoma em discussão, junto da Conservatória do Registo Predial de Macau, inscrito sob o n.° 29****G, e nesse mesmo dia também procederam ao registo da hipoteca voluntária, inscrito sob o n.o ****35C.
24. Conforme a cláusula 15.ª do contrato acima referido, o Autor, informados pela Ré para proceder à celebração da Escritura Pública de Compra e Venda da fracção, devia deslocar-se pessoalmente ao escritório da Ré no prazo de 7 dias para tratamento das respectivas formalidades.
25. Segundo a cláusula 10.ª do contrato acima referido, a Ré prometeu entregar a fracção ao Autor no prazo de 1200 dias úteis de sol (ou seja, excluídos domingos, feriados e dias de chuva), contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura.
26. No dia 29/1/2016, foi publicado, na II Série do Boletim Oficial da RAEM, o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 6/2016, que tornou público o seguinte: “Por despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 68.001 m2, situado na península de Macau, nos NATAP, designado por lote «P», a que se refere o Processo n.° 2/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22/1/2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho”.
27. A partir da data da declaração, pelo Chefe do Executivo, da caducidade da concessão do lote “P”, a Ré deixou de desenvolver qualquer obra no respectivo terreno, no âmbito da construção do Edifício “XXX” e da fracção autónoma, ora em discussão.
28. Em 28/9/2018, a Ré liquidou ao Banco da China, S.A. o remanescente da dívida dos Autores referente ao empréstimo da fracção ... do ....o andar do bloco 7, no valor de HKD3.561.175,00 equivalentes a MOP3.668.010,25.
29. O preço acordado para a compra e venda da fracção autónoma em discussão foi de HKD6.505.000,00. (Q 1.º)
30. A Ré manifestou com autoconfiança depositada em si próprio, mesmo quando terminar o prazo da concessão provisória e não tornasse definitiva, também poderia ser renovada ou prorrogada ou até as autoridades competentes lhe fossem novamente adjudicar a concessão do Lote “P”. (Q 3.º)
31. Na data da entrada da petição inicial em juízo, no caso de adquirir uma fracção com o preço actual das frações de “XXX” e com a mesma área da fracção em discussão seria MOP12.900.567,00. (Q 4.º)
32. Na data da entrada da petição inicial em juízo uma fracção autónoma localizada perto do local onde iria ser construída a fracção em discussão e com qualidades similares custava mais MOP6.200.417,00 do que os autores acordaram pagar à ré. (Q 5.º)
33. A R. efectuou um desconto no valor de HKD1.301.000,00, sobre o preço constante do contrato (HKD6.505.000,00). (Q 6.º)
34. Relativamente a todos os contratos, cerca de 3.020, que a R. celebrou, havia duas modalidades de pagamento: (Q 7.º)
- A primeira e pela qual maioritariamente optaram os interessados era a de antecipação do pagamento fraccionado em seis prestações que cobririam 30% do preço previsto no contrato, sendo que os remanescentes 70% seriam pagos no prazo de 7 dias a contar da data da emissão da licença de utilização;
- A segunda era a de antecipação do pagamento do preço total no prazo máximo de um mês a contar da assinatura do contrato-promessa, sendo que, nestes casos, a vendedora, ora R., faria um desconto entre 12% e 20% sobre esse preço.
35. No caso vertente, os AA. optaram pela segunda modalidade e, como tal, receberam o referido desconto no montante de HKD1.301.000,00, correspondente a 20% do preço constante do contrato (6.505.000,00 x 20% = 1.301.000,00). (Q 8.º)
36. Com este desconto, o preço total que, na realidade, foi pago pelos AA. à R. referida fracção autónoma foi o de HKD$5.204.000,00 e não o de HKD$6.505.000,00. (Q 9.º)
37. Os AA. sabiam do desconto oferecido pela R. ainda fundam todos os seus pedidos e cálculos, tomando por base este último valor (HKD6.505.000,00). (Q 10.º)
38. Nos termos da cláusula 5ª, nº7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, a DSSOPT dispunha de um prazo de 60 dias para, obrigatoriamente, se pronunciar sobre os requerimentos da R., no âmbito da marcha do respectivo processo. (Q 11.º)
39. A DSSOPT emitiu três Plantas Oficiais de Alinhamento (PAO’s), uma em 23/12/2004, outra em 23/02/2005 e a terceira em 11/05/2007. (Q 12.º)
40. Em nenhuma destas PAO’s consta qualquer imposição de um afastamento mínimo entre as torres do empreendimento. (Q 13.º)
41. Em 29/04/2008 a R. apresentou o “Master Layout Plan” (Recibo de entrada nº T-3040) e em 06/05/2008 apresentou o projecto inicial de arquitectura (Talão nº T- 3163). (Q 14.º)
42. Em 22/10/2009 a Ré apresentou o projecto global de arquitectura à DSSOPT (Talão 7191/2009). (Q 15.º)
43. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (Q 16.º)
44. Esta PAO inclui, na parte dos “condicionamentos urbanísticos”, a observação de uma distância mínima de afastamento entre as torres correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 17.º)
45. A referida PAO emitida em 23/02/2010, foi enviada à Ré anexada ao Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (Q 18.º)
46. Em resposta a este Ofício, a Ré, em 03/06/2010, incorporou no projecto algumas sugestões, sem contudo contemplar a exigência de um afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da torre mais alta. (Q 19.º)
47. Em 30/12/2010, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura apresentado pela Ré em 22/10/2009, com o acolhimento das sugestões de 03/06/2010 referidas na alínea anterior, tendo-a notificado dessa aprovação através do Ofício nº 318/DURDEP/2011. (Q 20.º)
48. No ponto 19 deste Ofício, a DSSOPT não autorizou a emissão da licença de obras, incluindo a licença para implantação dos alicerces, até que fossem submetidos e aprovados, um relatório de circulação de ar e um relatório de impacto ambiental do empreendimento. (Q 21.º)
49. Em 11/05/2011 a R. apresentou um relatório de impacto ambiental (T- 5205/2011). (Q 22.º)
50. A DSPA elaborou um parecer em 21/06/2011, que foi notificado à R. em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011), onde formulou numerosas exigências adicionais, designadamente: (Q 23.º)
- A observância das Guidelines da DSPA, emitidas na altura, para a preparação de relatórios, as quais, porém, eram imprecisas e vagas, sem indicação concreta dos métodos de avaliação (qualitativa ou quantitativa, por exemplo);
- A obtenção do parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento (questão que devia ter sido levantada antes da revisão contratual);
- O impacto ambiental ao logo da fase de construção;
- Impacto sonoro;
- Qualidade do ar;
- Qualidade das águas;
- Resíduos sólidos;
- Contaminação do solo;
- Impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento);
- Acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado;
- Análise da colisão das aves contra os edifícios,
- Avaliação do impacto sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a sul do Projecto e a ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais).
51. Subsequentemente, a Ré preparou e apresentou então um segundo relatório de avaliação do impacte ambiental, em 19/04/2012 (T-4242/2012). (Q 24.º)
52. Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA apresentou diversas exigências, através do ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012), tais como: (Q 25.º)
- o projecto localiza-se nas proximidades da ETAR e do centro de tratamento de resíduos sólidos, pelo que tanto a disposição das fracções como das zonas públicas se devem ajustar por forma a garantir que é respeitada uma distância suficiente a evitar impacto negativo sobre os residentes, decorrente da mesma proximidade; sugere-se que as medidas de mitigação do ruído de trânsito sejam avaliadas de acordo com o método quantitativo, não bastando o método qualitativo;
- o projecto localiza-se perto de uma zona de passagem de voo e alimentação de aves, pelo que se sugere estudar o respectivo impacto ambiental;
- estudo detalhado no âmbito do plano de construção para avaliar o impacto ambiental e nos edifícios vizinhos e devem ser produzidos regulamentos considerando medidas de emergência (preparação do plano de gestão ambiental do local).
53. Subsequentemente, a Ré preparou e apresentou um terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental, em 31/08/2012. (Q 26.º)
54. A DSPA emitiu outro parecer sobre este relatório de avaliação do impacte ambiental em 16/10/2012, mas este parecer apenas foi notificado à R. cerca de quatro meses depois do requerimento da Ré, em 28/12/2012 (Ofício nº 13023/DURDEP/2012). (Q 27.º)
55. Neste parecer, a DSPA voltou a exigir elementos, designadamente uma avaliação sobre as “partículas em suspensão” e um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres com maior distância entre estas e a ETAR, com “simulação informática”, bem como, por parte da DSSOPT, uma “simulação informática” no estudo sobre circulação de ar. (Q 28.º)
56. A Ré apresentou um quarto relatório de avaliação do impacte ambiental em 15/03/2013 (T-3953/2013). (Q 29.º)
57. Em 03/05/2013 a DSPA emitiu o seu Parecer sobre este relatório de avaliação do impacto ambiental - cfr. Ofício nº 1545/071/DAMA/DPAA/2013. (Q 30.º)
58. Nesse Parecer são formuladas exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório, desta vez, entre outras, no que respeitaria a uma “avaliação quantitativa” dos odores provenientes da ETAR e do ruído do trânsito rodoviário. (Q 31.º)
59. Em 07/08/2013 foi apresentado o sexto relatório de avaliação do impacte ambiental pela R.. (Q 32.º)
60. Em 15 de Janeiro de 2014, a R. também apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, tendo-o repetido em 30/01/2014, 04/06/2014 e 02/07/2014. (Q 33.º)
61. Só cerca de seis meses e meio depois do primeiro pedido foi o mesmo autorizado, em 29 de Julho de 2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014. (Q 34.º)
62. A DSSOPT não se pronunciou sobre os projectos apresentados em Abril e Maio de 2008 e que a Ré solicitou, em 14/08/2009, a emissão de uma nova PAO. (Q 35.º)
63. Passados 60 dias ainda nenhuma resposta havia da DSSOPT a este pedido. (Q 36.º)
64. Na parte final, logo após o ponto 19 do Ofício n° 318/DURDEP/2011, a DSSOPT condicionou a emissão da licença de obra à apresentação de Relatórios de impacto ambiental. (Q 37.º)
65. Na apreciação do segundo relatório ambiental, a DSPA decidiu apontar novos requisitos a cumprir pela R. comunicando-os primeiro por escrito, através de Ofício nº 1586/054/DAMA/DPAA/2012, de 24/05/2012 e depois oralmente, em reunião ocorrida em 25/07/2012. (Q 38.º)
66. Teve a R. que elaborar um quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que fez e apresentou em 28/06/2013. (Q 39.º)
67. Perante a ausência de resposta a este novo relatório, a R. solicitou uma reunião à DSSOPT e à DSPA que teve lugar em 26/07/2013. (Q 40.º)
68. Em nenhuma das PAO’s se 2004, 2005 e 2007 se previa a necessidade de um afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta, do limite máximo de 50 metros para as fachadas das torres e da apresentação e aprovação de relatórios de impacto ambiental (artigos 36 e 37). (Q 41.º)
69. A PAO de 23/02/2010 e o Ofício de 09/04/2010, mencionados nas (sugeridas) Alíneas DD) e EE) dos Factos Assentes, vieram formular exigências e sugestões não previstas anteriormente e que também não constavam do contrato de concessão revisto, nomeadamente, a sugestão de uma distância mínima entre as Torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 42.º)
70. O acatamento da sugestão de afastamento entre torres num mínimo igual a 1/6 da altura da torre mais alta implicava um aproveitamento do terreno em termos diversos do constante do projecto apresentado em 2009 e dos estudos prévios apresentados em 2004 para revisão do contrato de concessão que viria a ocorrer em 2006. E se se pretendesse manter a vista de mar das torres projectadas em 2009 e das que tivessem a localização apresentada nos estudos prévios apresentados de 2004 havia o risco de ter de reduzir a área destinada a construção.(Q 43.º)
71. Implicava também, necessariamente, a elaboração de novos estudos prévios, novos projectos de arquitectura. (Q 44.º)
72. A ré não concordou com a sugestão de afastamento entre torres.(Q 45.º)
73. O projecto de arquitectura aprovado em 07/01/2011 através do Ofício nº 318/DURDEP/2011 não contemplava a sugestão mencionada no quesito 42° de uma distância mínima entre as Torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta, pelo que no fim a DSSOPT desistiu daquelas sugestão. (Q 46.º)
74. A DSSOPT acabou por aceitar, tardiamente, a aprovação nos moldes em que o projecto estava congeminado desde a apresentação em 22/10/2009, acolhendo, afinal de contas, o modelo construtivo saído da revisão do contrato de concessão de 2006 (que não previa o afastamento entre torres correspondente, no mínimo, a 1/6 da altura da torre mais alta).(Q 47.º)
75. A DSPA formulou exigências que nunca antes tinham sido efectuadas em Macau e que não se encontravam regulamentadas. (Q 49.º)
76. O projecto submetido pela Ré em 22/10/2009 já satisfazia plenamente as exigências sobre impacto ambiental. (Q 52.º)
77. Após a emissão da licença para as fundações, em 02/01/2014, a Ré iniciou de imediato os trabalhos. (Q 54.º)
78. - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “XXX” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora a fracção autónoma de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 55.º)
79. A Ré investiu avultadas verbas na preparação dos diferentes projectos da obra, na realização e densificação dos estudos de impacte ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM e no custeamento e execução das obras das fundações do “XXX” durante o último ano dos prazos de aproveitamento e de concessão, porque a RAEM deu a entender que iria prorrogar os prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 56.º)
80. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM: (Q 58.º)
i. Emitiram licença de obras de fundação em 2/1/2014;
ii. Prorrogaram o prazo de aproveitamento em 29/7/2014;
iii. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
A - Impugnação da matéria de facto
O Autor veio a impugnar a matéria de facto, atacando as respostas dadas pelo Colectivo aos quesitos 6º a 9º da BI, defendendo que as respostas deviam ser NEGATIVAS.
*
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
Os quesitos têm o seguinte teor:
6.º
A R. efectuou um desconto no valor de HKD1.301.000,00, sobre o preço constante do contrato (HKD6.505.000,00)?
Provado (fundamentação: documento nº 36 junto com a contestação – e depoimento da testemunha C, o qual foi claro, pormenorizado, coerente e revelador de directa razão de ciência por a testemunha ser a responsável pelo departamento de vendas da ré, tendo esclarecido o tribunal dos termos em que era feito pela ré um desconto de 20% no preço acordado aos contraentes que pagassem a totalidade desse preço por ocasião da celebração do contrato sem deixar qualquer prestação para momento futuro, tendo referido, designadamente que o valor do referido desconto não era pago efectivamente à ré, a qual recebia apenas a quantia líquida resultante da subtracção ao preço acordado da quantia correspondente ao desconto efectuado).
7.º
Relativamente a todos os contratos, cerca de 3.020, que a R. celebrou, havia duas modalidades de pagamento:
- A primeira e pela qual maioritariamente optaram os interessados era a de antecipação do pagamento fraccionado em seis prestações que cobririam 30% do preço previsto no contrato, sendo que os remanescentes 70% seriam pagos no prazo de 7 dias a contar da data da emissão da licença de utilização;
- A segunda era a de antecipação do pagamento do preço total no prazo máximo de um mês a contar da assinatura do contrato-promessa, sendo que, nestes casos, a vendedora, ora R., faria um desconto entre 12% e 20% sobre esse preço?
Provado (fundamentação: depoimento da testemunha C).
8.º
No caso vertente, os AA. optaram pela segunda modalidade e, como tal, receberam o referido desconto no montante de HKD1.301.000,00, correspondente a 20% do preço constante do contrato (6.505.000,00 x 20% = 1.301.000,00)?
Provado (fundamentação: idêntica à das respostas dos dois quesitos anteriores).
9.º
Com este desconto, o preço total que, na realidade, foi pago pelos AA. à R. referida fracção autónoma foi o de HKD$5.204.000,00 e não o de HKD$6.505.000,00?
Provado (fundamentação: idêntica à das respostas do quesito anterior).
Ora, digamos desde já que o impugnante não tem razão nesta parte do recurso, visto que:
a) – Não indicou concretamente quais os elementos constantes dos autos que imponham necessariamente uma solução diferente da fixada pelo Tribunal recorrido; ou seja, não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 599º/1-b) do CPC;
b) – O Autor fundamentou a sua impugnação com apelo ao artigo 370º do CCM, advogando que foi erradamente interpretada e aplicada a norma do artigo citado, mas sem razão, visto que com a celebração do 2º acordo em que se procedeu ao desconto do preço, foi introduzida uma alteração respeitante ao preço inicialmente acordado, ao que o Autor deu o seu consentimento e assinou. É de frisar-se que as provas devem ser apreciadas em conjunto e não isoladamente, há-de respeitar o critério fixado pelo artigo 437º do CPC.
c) – Igualmente há-de considerar-se que o remanescente do preço proveio do Banco que concedeu empréstimo, e depois o Banco veio a ceder o seu crédito à Ré que posteriormente procedeu à “remissão” da dívida que o Autor tinha perante o Banco (e perante a Ré), de algum modo esta situação é cabível no artigo 784º/2 do CCM.
d) – Depois, o Autor também veio a defender que foram mal aplicadas as normas dos artigos 400º, 434º e 436º do CCM, mas não chegou a indicar concretamente os termos que devem ser seguidos para interpretar e aplicar as normas em causa, nomeadamente os termos prescritos no artigo 598º do CPC quando apresentou conclusões do recurso.
e) O que o impugnante fez limitou-se a manifestar a sua discordância da decisão do Tribunal a quo, atacando a convicção do julgador, o que não é fundamento legal para impugnar a matéria de factos nos termos legalmente prescritos.
f) – Não encontramos erros na apreciação de provas, nem vícios invalidantes da fundamentação das respostas fixada pelo Tribunal recorrido.
g) – Na falta de elementos probatórios constantes dos autos, o que impõe a necessária improcedência da impugnação de factos em causa, rejeita-se esta parte do recurso.
*
Prosseguindo,
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO.
B e a sua mulher D, casados no regime da comunhão de adquiridos, ambos de nacionalidade chinesa, com outros elementos de identificação nos autos, intentaram a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra a Ré, A Limitada, registada na CRCBM sob o n.º ***(SO).
Alegando que, como promitentes-compradores e com entrega de sinal, celebraram com a ré, como promitente-vendedora, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma de um prédio urbano que a ré se propunha construir num terreno concessionado pela RAEM; alegando ainda que já cessou a concessão sem que a ré tivesse construído, incumprindo e já não podendo cumprir a promessa por razões que lhe são imputáveis, uma vez que, não diligenciou no sentido de concluir a construção dentro do prazo da concessão; e alegando ainda que a ré pagou por conta deles, autores, ao Banco da China a quantia que lhe deviam por lhes ter concedido empréstimo que utilizaram para pagar à ré,
Pedem os autores que:
1) Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
2) Seja a ré condenada a pagar-lhes a quantia de HKD13.010.000,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal, ou, subsidiariamente, seja a ré condenada a restituir-lhes o dobro do montante pago e determinado pelo Tribunal como sendo sinal, acrescido do valor da diferença entre MOP6.200.417,00 e tal montante determinado como sinal, bem como ainda a restituir o montante já pago pelos autores à ré e não considerado como sinal;
3) Seja a ré condenada a pagar os juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que for condenada, desde a data da publicação no Boletim Oficial da RAEM declaração de caducidade da concessão (29/01/2016) até integral pagamento.
4) Para o caso de se entender que a falta de cumprimento não é imputável à ré ou em virtude da alteração das circunstâncias, pedem a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de HKD6.505.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, a contar de 29/01/2016 até integral pagamento;
5) Pedem ainda que ao valor da condenação seja reduzido o montante de HKD3.561.175,00 equivalentes a MOP3.668.010,25, quantia que a ré liquidou ao Banco da China por conta dos autores e que estes deviam por terem contraído empréstimo para pagar à ré o preço acordado.
Contestou a Ré, aceitando a existência do contrato que os autores invocaram, mas rejeitando que deva ser qualificado como contrato-promessa; aceitando que pagou ao Banco da China por conta dos autores e que deve ser feita compensação; e alegando que a impossibilidade de cumprir não lhe deve ser imputada a si porquanto deve ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos do impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão.
Para o caso de se concluir que a impossibilidade da prestação é imputável à ré, veio esta, também na contestação, defender que os autores não têm direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado, porquanto foi acordado que as quantias pagas não constituíam sinal.
Também na contestação que apresentou, disse a ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade.
Ainda na contestação, disse a ré que o preço que os autores pagaram foi inferior ao alegado por lhes ter sido feito um desconto e que, alegando os autores o contrário, litigam de má fé e deverão ser condenados em multa e indemnização.
Por fim disse que a taxa dos juros de mora não deve ter o acréscimo dos juros comerciais.
Na réplica que apresentaram, os autores, com excepção do que respeita à taxa de juro moratório, impugnaram todas as teses da contestação, quer quanto à afirmação da prestação da ré como ainda possível, quer quanto à imputabilidade a terceiro da causa da impossibilidade da prestação, quer quanto à inexistência de sinal e à intervenção da equidade na fixação do montante da indemnização.
Também quanto ao valor efectivamente pago mantiveram os autores o que disseram na petição inicial e negaram litigar de má-fé.
Foi proferido despacho saneador e de selecção da matéria de facto relevante para a decisão a fls. 1310 a 1318.
Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e foram apresentadas doutas alegações de Direito pelos autores e pela ré. De tais alegações sobressai que os autores consideram que a relação contratual em litígio consubstancia um contrato-promessa e retiram do respectivo regime jurídico a solução de Direito do presente pleito e sobressai ainda que a ré concorda que a sua prestação se tornou impossível mas considera que a referida relação contratual se trata de um contrato atípico com elementos de proximidade com contratos típicos como o contrato-promessa e o contrato de compra e venda de bens futuros e só para efeitos de análise admite que possa ser qualificada de contrato-promessa.
*
II – SANEAMENTO.
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR.
Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente:
- Que a principal pretensão dos autores é serem indemnizados/restituídos em consequência dos danos que sofreram por a ré não ter cumprido, por impossibilidade superveniente, a prestação a que se vinculou por contrato;
- O facto de os autores e ré estarem de acordo que existe a relação contratual invocada pelos autores e que a prestação a cargo da ré se tornou impossível por causa superveniente;
- O facto de a essência da principal divergência entre as partes ser a imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal;
As principais questões a decidir gravitam à volta de:
1- Imputação à ré ou a terceiro da causa superveniente da impossibilidade da prestação a cargo da ré.
1.1 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada a terceiro, importa apurar as consequências jurídicas de tal imputação, designadamente:
1.1.1 - Quanto à extinção da obrigação da ré decorrente do contrato que celebrou com os autores;
1.1.2 - Quanto a eventual criação na esfera jurídica da ré de uma outra obrigação de restituir aos autores o que deles recebeu;
1.2 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada à própria ré, importa então apurar as consequências da referida impossibilidade superveniente da prestação decorrente de causa imputável à ré, designadamente:
1.2.1 – Criação na esfera jurídica da ré de uma obrigação de restituir aos autores o que deles recebeu.
1.2.2 – Direito dos autores de resolverem o contrato;
1.2.3 - Obrigação da ré indemnizar os autores.
1.2.3.1 - Caso se conclua que a ré tem obrigação de indemnizar os autores, caberá apurar o montante da indemnização e a ocorrência de mora no cumprimento desta obrigação de indemnizar, para isso é necessário averiguar se foi acordado e prestado sinal;
1.2.3.1.1 - Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização deve ser calculada com base no “regime-regra” do sinal ou se deve ser reduzida segundo juízos de equidade para montante inferior ao valor do sinal prestado.
1.2.3.1.2 Caso se conclua pela inexistência de sinal, caberá determinar qual o valor da indemnização na ausência de sinal.
1.2.3.1.3 – Caso se conclua pela ocorrência de mora no cumprimento da obrigação de indemnizar é ainda necessário apurar as consequências desta a nível indemnizatório, designadamente quanto ao início da mora e quanto à taxa dos juros moratórios.
2 - Ocorrência, ou não, de litigância de má fé por parte dos autores.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO.
A) – Motivação de facto.
Estão provados os seguintes factos:
(...)
B) – Motivação de Direito.
1. – Interposta questão – efeitos da impossibilidade da prestação do devedor em relação à 2ª autora, não contratante, mas cônjuge do contratante credor.
A segunda autora não celebrou com a ré o contrato em apreciação nos presentes autos, mas é casada em regime de comunhão de adquiridos com o 1º autor, o qual celebrou com a ré o contrato cujo incumprimento por impossibilidade da prestação da ré aqui se discute.
Tem a autora consorte o direito de resolver o contrato onde não é parte e o direito de ser ressarcida dos danos que sofreu em consequência do incumprimento do referido contrato?
Não tem.
Em caso de impossibilidade da prestação do devedor por causa que lhe seja imputável cabe apenas ao credor daquela prestação o direito de resolver o contrato bilateral, assim como só o mesmo credor tem o direito de ser restituído no caso de ter realizado alguma prestação (art. 790º, nº 2 do CC). No mesmo caso de impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor, este responde apenas perante o seu credor e apenas pelos danos por este sofridos (art. 790º, nº 1 e art. 787º do CC). Ora, só o 1º autor era credor da prestação que se tornou impossível, pelo que a segunda autora, não sendo credora de tal prestação não vê nascer na sua esfera jurídica o direito de resolver o contrato celebrado por terceiros nem o direito de ser indemnizada pelos danos que lhe causou o incumprimento.
Situações há em que os contratos podem ter eficácia de protecção de terceiros e que estes, no caso de sofrerem danos decorrentes do incumprimento, poderão ter direito de ser ressarcidos tendo a correspectiva responsabilidade um título que se pode aproximar da responsabilidade contratual. Pode pensar-se, por exemplo no caso de um bombeiro que em serviço sofre queimaduras por defeito do seu equipamento de combate a incêndios que foi contratualmente fornecido à sua corporação com defeito de fabrico. Não é, porém, o caso dos autos, onde não se vislumbra qualquer eficácia de protecção de terceiros no contrato celebrado pela ré.
Também a relação conjugal existente entre os autores não faz da segunda autora credora da ré em relação à indemnização por incumprimento contratual. Com efeito, o regime de bens do casamento poderá fazer com que a indemnização recebida por um dos cônjuges seja um bem comum do casal, mas só o cônjuge contratante é credor da obrigação de indemnização por incumprimento, ainda que, caso a receba, tenha de a fazer ingressar no património conjugal comum.
A segunda autora não tem qualquer direito de indemnização contra a ré em consequência da impossibilidade da prestação acordada entre o primeiro autor e a ré.
Improcede, pois, a pretensão da segunda autora.
2. – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré não questiona a referida impossibilidade invocada pelos autores. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva2. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa3. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável4. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com o autor.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
1.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
1
1.1.1
1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
A prestação da ré tornou-se impossível porque a ré não construiu no prazo em que poderia fazê-lo (entre a data em que acordou com o autor construir e entregar – 28/4/2011 e a data limite do prazo que tinha para construir, o prazo de aproveitamento da concessão – 28/2/2014 – que foi prorrogado até 25/12/2015).
A imputação da causa da impossibilidade tem de fazer-se a título de culpa5 e esta é, em sede de responsabilidade civil, um juízo de censura que assenta no facto hipotético de a impossibilidade não ter ocorrido se o agente, em vez de ter actuado como actuou, tivesse actuado como, no seu lugar, actuaria um bom pai de família (arts. 480º, nº 2, 788º, nº 2 e 790º, nº 1 do CC), o qual, entre o mais, é medianamente prudente e medianamente previdente6.
A ré necessitava de um período mínimo de três anos para conseguir construir como se comprometeu com o autor (artigo 84º da contestação da ré) e comprometeu-se a construir quando faltavam menos de três anos para terminar o prazo em que, em condições de normalidade, poderia construir. Além disso, para construir necessitava da “cooperação” da administração pública, cooperação que não vinha decorrendo de forma célere. Mesmo que os serviços da Administração pública não despendessem um único dia durante o qual a ré não pudesse construir, o tempo que a ré dispunha era insuficiente numa perspectiva prudente. Em tal situação, um bom pai de família, não se teria comprometido como a ré se comprometeu com o autor, designadamente sem esclarecer a outra parte contratante, o que se presume que a ré não fez (arts. 788º, nº 1 e 790º, nº 1 do CC), do CC). Na verdade, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé…” – art. 219º, nº 1 do CC7. Por isso, o esgotamento do tempo em que a ré poderia ter construído e não construiu, a causa da impossibilidade da prestação, é imputável à ré a título de culpa8.
O contraente que se compromete a prestar no futuro compromete-se ao mesmo tempo a remover os obstáculos ao cumprimento que previsivelmente se lhe deparem e a disponibilizar o esforço previsivelmente necessário à remoção. Assim, em caso de impossibilidade de remoção do obstáculo ao cumprimento, o insucesso do devedor é-lhe, em princípio, censurável se quando contratou calculou mal as suas forças para remover os obstáculos previsíveis, se previu mal esses obstáculos que eram previsíveis ou se calculou bem forças e obstáculos previsíveis e se conformou com a insuficiência de forças para remover os obstáculos. São a imprudência, a imprevidência, a intenção e a consciência os locais onde se pode ancorar a censura.
Por outro lado, não se provaram factos onde se possa concluir que, na data em que contratou, a ré tinha razões para estar segura que, contrariamente ao que aconteceu, o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão seriam prorrogados nem que lhe seria atribuída nova concessão do mesmo terreno com um grau de segurança que permitiria a um bom pai de família (determinado a cumprir os seus compromissos) vincular-se contratualmente perante terceiros. A ré até poderia confiar e ter expectativas, mas não suficientemente seguras ao ponto de levarem o “bom pai de família” a contratar como a ré contratou contraindo a obrigação de construir. Com efeito, as expectativas são isso mesmo: confiança que aconteça o que pode não acontecer.
Perante a factualidade provada, um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor que estivesse determinado a prosseguir a sua actividade comercial e que tivesse expectativas de conseguir, não contrataria com o autor sem o avisar da escassez de tempo que se verificava.
Em conclusão, a impossibilidade da prestação devida pela ré é imputável à devedora (ré) a título de culpa (negligência ou inobservância do cuidado devido) porquanto essa impossibilidade era previsível a um comerciante medianamente prudente no momento em que o dever de prestar foi assumido pela ré e essa previsibilidade levaria aquele comerciante a não contratar como a ré contratou ou a fazê-lo apenas depois de obter a adesão do autor ao seu risco empresarial.
1.1.3 - Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
1.1.4 - Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que o autor pagou à ré para receber dela um imóvel e que nada recebeu é forçoso concluir que o autor sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
Do montante da indemnização
O autor pretende ser indemnizado pelo dobro do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, como se concluiu, é diminuta e que os danos sofridos pelo autor são inferiores ao valor do sinal, uma vez que, devido à impossibilidade da prestação da ré pode o autor adquirir do governo uma fracção idêntica por preço idêntico. Por isso, entende a ré que, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
Da existência de sinal.
Da qualificação do contrato.
Esta questão já foi diversas vezes apreciada por este tribunal com conhecimento das partes, designadamente dos respectivos mandatários, razão por que se dispensa aqui a análise antes feita e se opta pela síntese, por ser mais conveniente para as partes, não lhes reduzindo qualquer garantia processual.
É a prestação característica acordada pelas partes que determina a qualificação do acordo que celebraram e é a qualificação desse contrato que determina o respectivo regime jurídico que há-de determinar a solução dos diferendos contratuais.
A prestação acordada que vincula as partes apura-se através da interpretação do contrato.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
No contrato celebrado entre o autor marido e a ré, reproduzido nos factos provados, as partes comprometeram-se a celebrar no futuro um contrato de compra e venda, o que se conclui da interpretação do contrato, quer pelo título que as partes lhe deram, quer pelas cláusulas de que o dotaram, designadamente estipulando que o autor não podia recusar a celebração do contrato definitivo em determinadas circunstâncias (cláusula 22ª) e fazendo depender de pagamento e de autorização da ré a transmissão da posição contratual do autor (cláusula 9ª), o que é incompatível com a convicção das partes no sentido de o autor ter adquirido da ré um direito real.
Conclui-se, pois, que deve ser qualificado como contrato-promessa o acordo celebrado entre o autor e a ré.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico9. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes10.
Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o autor entregou à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato-promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal.
Conclui-se, pois, por presunção legal, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar ao autor um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal11;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo12.
O valor do sinal.
Quanto a esta questão divergem as partes quanto ao valor do sinal prestado que deve relevar para a decisão da indemnização a fixar. O autor entende que prevalece o valor estipulado como preço da compra e venda prometida. Por sua vez, a ré entende que prevalece o valor efectivamente entregue pelo promitente comprador.
Releva para a solução desta questão a consideração da vertente real do sinal. Se para decidir se a quantia entregue tem carácter de sinal relevou a vertente negocial ou obrigacional do sinal (a vontade negocial das partes ainda que presumida), agora releva a vertente real. Com efeito, nesta vertente, o sinal assume-se como uma coisa entregue e não já como o acordo ou a convenção de entrega de uma coisa13. É essa dimensão que deriva do texto da lei e da função do sinal, quer seja confirmatório de uma vontade negocial séria, quer seja penitencial e convencionado para o caso de arrependimento previsto na vontade negocial das partes, mas sempre garantístico e destinado a ter efeitos em sede de incumprimento, seja incumprimento lícito porque previsto e regulado pelas partes, seja ilícito. Com efeito, sempre a lei se refere ao sinal como a coisa entregue ou a quantia entregue (arts. 434º a 436º do CC).
O sinal é, pois, um elemento contratual real quoad constitutionem, sendo que só fica eficazmente constituído com o acto material de entrega da coisa por parte daquele que constitui o sinal (tradens) àquele que dele beneficia (accipiens). Para a existência de sinal não basta o acordo de vontades negociais reais ou presumidas no sentido da respectiva constituição. É necessária a entrega da coisa em que o sinal se materializa14. Daqui deriva que só pode ser considerado sinal aquilo que foi efectivamente entregue, ainda que fosse acordado que deveria ser entregue a título de sinal coisa ou quantia superior. Com efeito, o sinal só desempenha eficazmente a sua função de garantia na medida em que é efectivamente entregue àquele que recebe a coisa que consubstancia o sinal. No fundo, um dos aspectos essenciais que distingue o sinal da cláusula penal é esta diferença estrutural, pois que esta última se restringe a uma convenção obrigando a uma prestação futura em caso de incumprimento, ao passo que o sinal, além de convenção, tem natureza real quoad constitutionem consubstanciada no acto de entrega.
Tendo em conta o teor dos pontos 29., 33., 35. e 36. dos factos provados, dir-se-á que o sinal tem também uma função de garantia, pelo que a quantia entregue e devolvida perde a referida função e só a quantia retida pela parte que recebe o sinal se mantem como garantia, pois o acordo de redução do preço (desconto) equivale a uma alteração consensual da convenção de sinal, alteração que as partes podem fazer livremente (art. 400º do CC).
O sinal que se encontra presentemente prestado no caso destes autos é pois constituído pela quantia efectivamente entregue pelos promitentes compradores à ré promitente-vendedora e que esta detem em seu poder - HKD5.204.000,00 (ponto 29, 33, 35 e 36 dos factos provados). Com efeito, o que acordou receber, que efectivmente recebeu e devolveu ou o que não chegou sequer a receber efectivamente não cumpre neste momento qualquer função de sinal15.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
A ré alegou que se esforçou por cumprir e que o autor vai receber uma fracção autónoma de um imóvel idêntica à que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
O valor do sinal é HKD5.204.000,00.
E qual é o dano efectivo do autor que decorre do incumprimento da ré?
O autor está privado há vários anos da fracção prometida e do dinheiro que pagou à ré para adquirir tal fracção.
Provou-se que na data da entrada da petição inicial em juízo uma fracção autónoma localizada perto do local onde iria ser construída a fracção em discussão e com qualidades similares custava mais MOP6.200.417,00 do que o autor acordou pagar à ré. Assim, o autor perdeu esse aumento do valor de mercado superior ao valor do sinal, pois, caso a ré tivesse entregue a fracção prometida vender, o autor teria tido um valor superior ao que pagou.
Acresce que não se provou que o autor vai adquirir uma fracção do Governo da RAEM por preço igual ao que acordou com a ré em consequência da impossibilidade da prestação da ré. Com efeito, como consta de fls. 1377, o autor prometeu adquirir outra fracção da ré e foi com base nessa outra fracção que se candidatou a adquirir a chamada “fracção para troca”, pois que, nos termos do disposto no nº 8 do Despacho do Chefe do Executivo nº 89/2019, de 30 de Maio16, as pessoas que prometeram adquirir mais do que uma fracção do empreendimento da ré denominado “XXX” só poderiam adquirir uma “habitação para troca”.
Quer porque o autor não se candidatou a adquirir uma “habitação para troca” semelhante à que está em litígio nes presentes autos, quer porque não pôde beneficiar o aumento do valor de mercado, quer por estar privado do uso da fracção prometida e do dinhero que pagou para a adquirir, não se pode concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano do autor.
Não procede, pois, a pretensão de redução equitativa da indemnização predeterminada pelo valor do sinal.
3. – Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
4. – Da mora na obrigação de indemnizar.
4.1 Do início da mora (art. 794º do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
Quer a obrigação de restituição do sinal prestado em consequência de resolução contratual, quer a obrigação de indemnizar os danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa aimputável ao devedor, ambas se venceram com a interpelação. E esta interpelação ocorreu com a citação.
4.2 A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito do autor nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.
5. – Da qualidade da litigância dos autores.
Os autores alegaram que pagaram à ré a quantia de HKD.6.505.000,00 e a ré alegou que apenas lhe foi paga a quantia de HKD5.204.000,00 porquanto fez um desconto à autora de HKD1.301.000,00.
Dizendo a ré que o referido desconto era do conhecimento dos autores, conclui aquela que esta litiga de má fé ao alegar factos contrários à verdade.
Os autores responderam aceitando que foi feito o referido desconto, mas rejeitando litigar de má fé e dizendo que a própria ré declarou por escrito que recebeu HKD.6.505.000,00 e que devolveu HKD1.301.000,00.
Em documento escrito, a ré declarou que recebeu do autor HKD6.505.000,00 e que lhe devolveu HKD1.301.000,00.
Provou-se também que “a Ré efectuou um desconto de HKD$1.301.000,00, sobre o preço constante do contrato (HKD6.505.000,00)” e que os “autores têm conhecimento de que a Ré efectuou” esse desconto (pontos 33, 35, 36 e 37 dos factos provados).
Temos então que tudo se resume ao enquadramento jurídico dos mesmos factos praticados e declarados pelas partes e não à alegação de factos não verdadeiros. Os autores entendem que os factos correspondem juridicamente a pagamento, a constituição de sinal e a restituição convencional de uma quantia que tem em seu poder, uma restituição ao jeito de “traditio brevi manu”. Por seu lado, a ré entende que os factos não correspondem aquelas qualificações jurídicas, embora tenha declarado em documento que restituiu quantia recebida.
Não se encontra, pois, litigância de má fé, porquanto são defensáveis as duas posições jurídicas divergentes acerca dos mesmos factos, os quais não foram escondidos nem escamoteados.
*
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a ré a pagar ao primeiro autor, B, a quantia de HKD6.846.825,00 (seis milhões, oitocentos e quarenta e seis mil, oitocentos e vinte e cinco dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento.
Custas a cargo de autores e ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
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Quid Juris?
Uma vez que está em causa essencialmente a aplicação de Direito, vamos apreciar os recursos interpostos pelo Autor e pela Ré em conjunto.
*
Ora, a particularidade do caso dos autos consiste no seguinte:
a) – O Autor pagou, no 1º momento, uma parte do preço acordado para adquisição da fracção autónoma em causa;
b) – Depois, em 29/04/2011, ele “hipotecou” o imóvel junto do Banco da China para obter empréstimos para pagar o remanescente do preço (fls. 79 a 80 dos autos);
c) – Em 29/06/2018 (fls. 14 a 17 dos autos) o referido Banco cessou os seus créditos à Ré;
d) - Agora, o Autor veio a reclamar a restituição em dobro da quantia total paga por ele.
Terá o Autor fundamentos legais para o fazer?
Tal como temos vindo a sublinhar que cada caso é um caso, não obstante existirem vários processos em que se discutem as questões idênticas ou semelhantes.
Ora, dada a identidade ou a semelhança da matéria discutida neste tipo de processos, as considerações por nós tecidas noutros processos valem, mutatis mudantis, para o caso, obviamente com as devidas adaptações, nomeadamente no processo nº 813/2024, com o acórdão proferido em 13/3/2025, em que ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)
1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pude cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indesculpável”, o que deve relevar para ponderar e fixar as sanções contratuais!
(…)”.
Aqui, merece igualmente destacar um outro ponto: o raciocínio do Tribunal a quo aponta, parece-nos, para a ideia de que toda a culpa de incumprimento se concentra na parte da Ré/Recorrente, mas tal como se refere anteriormente por nós, não é líquida esta argumentação, já que a Ré fazia e tentava fazer tudo para que pudesse cumprir os compromissos assumidos perante o Governo da RAEM, apesar que o resultado final não vir a ser “satisfatório” a todos os níveis. Mas os comportamentos assumidos pela Ré demonstram que não existe “dolo” de incumprimento por parte dela, quanto muito, negligência ou utilizando uma linguagem diferente, um “ risco de investimento” que a Ré há-de assumir, daí a sua quota-parte de responsabilidade, circunstâncias estas que devem ser valoradas na fixação das indemnizações que cabem no caso em análise. Aliás, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão dos factos afirmou: “A convicção do tribunal formou-se na análise crítica da globalidade da prova testemunhal e documental produzida, ponderada nos termos antes referidos e que podem ser explicitados sinteticamente como segue.
É uma evidência que a ré tinha vontade firme de concluir o empreendimento “XXX”, o que resulta da consideração dos esforços e dispêndios que fez, incontestáveis e incontestados nos autos, incluindo por via judicial.”
*
Conforme o quadro factual fixado pelo Tribunal recorrido, existem vários factos que são claros para demonstrar que a Ré não actuou com “dolo” no cumprimento dos acordos quer perante o Governo enquanto concedente quer perante as partes dos contratos-promessa, a saber:
“(…)
- A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo de impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
- Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
- Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013, foi aprovado o último relatório apresentado;
Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
- Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde.
“(…)”
1. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 24/12/2015 porque os serviços da RAEM criaram tais expectativas, nomeadamente:
a. Ao emitirem licença de obras para as fundação em 02/1/2014, um mês antes do terreno do prazo de aproveitamento;
b. Ao Prorrogarem o prazo de aproveitamento em 29/7/2014 até 25/12/2015, sabendo que tal não seria possível;
c. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no dentro do respectivo prazo. (Q 9.º)
(…)”.
Tudo isto demonstra claramente que a Ré não actuou com dolo para desrespeitar as obrigações decorrentes dos contratos-promessa, pelo contrário, os factos assentes acima transcritos podem constituir alteração superveniente das circunstâncias nos termos do artigo 431º do CCM (O Autor chegou também alegar esta matéria conforme o teor do artigo 138º a 139º da PI), já que se tratam de factos imprevisíveis e que ocorreram posteriormente ao momento da celebração dos acordos em análise.
*
Com as devidas adaptações, o disposto no artigo 784º/2 do CCM pode ser chamado para fundamentar a decisão em análise, já que tal normativo dispõe:
(Contratos bilaterais)
1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, o valor do benefício é descontado na contraprestação.
Em regra, a restituição do sinal não representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
*
1) - Agora, relativamente ao dano excedente, quando não pode ser calculado ao certo, à luz da doutrina dominante, e no caso da sua impossibilidade, recorre-se ao juízo de equidade.
A propósito deste ponto, escreveu-se:
“De harmonia com a lei substantiva, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma e outra norma (artº 609.º, n.º 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será equitativamente julgado5. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja6, nem serve para alijar por inteiro, o não cumprimento, seja pelo credor da obrigação de indemnização quantitativamente indeterminada do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito, seja pelo devedor de igual ónus que o vulnera no tocante a qualquer facto extintivo daquela mesma obrigação (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, e 346.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC).”17
2) – Pergunta-se, como é que se deve resolver este tipo de questões? A propósito desta matéria, citemos aqui a posição dominante vigente em Portugal, em nome do Direito Comparado (Cfr. ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/10/2012) sobre a matéria em discussão (uma situação semelhante):
“Acontece porém que nos situamos no âmbito da resolução do contrato. O autor optou pela resolução do contrato.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” [14].
Entre as partes e na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art.º 433º do Código Civil. Por isso tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes.
Ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. O que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, "de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida".
Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” [15].
Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado [16]. Tal entendimento tem sido seguido maioritariamente na jurisprudência. [17]
Com base nesta doutrina, não é aceitável a compatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao (interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela solução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.
Por isso e conclui no citado acórdão de 24.1.2012 que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido”.
Nada no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência. [18]
Por conseguinte, improcede o pedido de indemnização do A. relativo a lucros cessantes.”
O raciocínio vale, mutantis mudantis, para o caso dos autos, sendo certo que o artigo 436º do CCM (que tem uma redacção diferente da do CC de 1966 vigente em Portugal), consagra:
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Depois, o artigo 801º do CCM manda:
(Redução equitativa da pena)
1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
A propósito dos nº 4 e 5 do artigo 436º do CCM, anotou-se:
“15. No estudo global que se faça do problema, chega-se à conclusão que o nº 4 vem reforçar a ideia transversal consagrada no Código a respeito da natureza confirmatória do sinal (o próprio Menezes Leitão acaba por admitir que o nº 4 não tem natureza penitencial, em ob. cit., pág. 246). Ou seja, para lá da perda do sinal pelo tradens ou da devolução em dobro do sinal pelo accipiens, ainda pode haver lugar, salvo estipulação em contrário, a indemnização pelo dano excedente. Foi uma opção do legislador de Macau, que podia ter aproveitado a ocasião para ser mais generosa. Com efeito, não passou da criação dessa possibilidade indemnizatória pelo dano excedente, sem a estender a outra qualquer indemnização (nomeadamente, por danos não patrimoniais), tendo em conta que na parte final do nº 4 afirmou expressamente a impossibilidade de alargamento da extensão indemnizatória (habitualmente, alguns autores defendem que, sem limitação, pode haver a indemnização por perdas e danos no caso de sinal confirmatório).
Pior é, apesar de tudo, a situação do parente próximo preceito português, pois nele se preceitua que "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento".
De qualquer maneira, há mesmo aí quem sustente que, para além dessa indemnização pelo não cumprimento, possa haver uma ou mais indemnizações fundadas noutras causas, como, por exemplo, nos casos de terem sido feitas benfeitorias na coisa (Ana Prata, Código ... cit., pág. 568).
16. O nº 5 manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 801º. Não é bem claro o propósio da disposição legal: se apenas se aplica aos casos em que os contraentes estabelecem no contrato uma indemnização para o caso de incumprimento por arrependimento (arras ou sinal penitencial), ou se também aplicação no caso de sinal confirmatório-penal.
E se a resposta for no sentido de apenas cobrir a segunda hipótese de sinal confirmatório, ainda fica por saber se a redução por equidade (art. 801º) abrange somente as situações em que há dano excedente (nº 4), calculando-se aí a indemnização segundo critérios equitativos, ou se também atinge o dobro do sinal por incumprimento do accipiens.
Por um lado, poderia parecer que a melhor solução seria, efectivamente, a que permite a aplicação do regime de redução no caso de incumprimento de contrato em que o sinal tem a função de arra confirmatória. Na verdade, se o sinal tiver o sentido penitencial, isso se deve ao facto de as partes, de livre vontade e por consenso, terem estabelecido os próprios limites indemnizatórios, não fazendo sentido que o tribunal os possa baixar apenas porque o devedor lho tenha pedido.
Por outro lado, é de crer que a redução também não possa incidir sobre o dobro do sinal, porque isso seria contrariar a solução da lei (nº 2).
Nesta óptica, pareceria ficar assim a remissão para o art. 801º circunscrita às situações em tiver que haver indemnização pelo dano excedente. Este dano pode ser, realmente, elevado, se tivermos em conta as diferenças de preços em mercados (por exemplo, imobiliários) que frequentemente se pautam por regras pouco saudáveis de especulação. Tendo em conta que o dano pode ser realmente avultado, a intervenção do juiz pode eventualmente justificar-se, se bem que a redução também pode funcionar como um prémio ao devedor.
Não temos, enfim, a certeza sobre o alcance da norma.
Mas, se fizermos a conjugação dos artigos 436º, 801º (e o ambiemte da sua sistematização) e 820º, nº 2, (neste caso, para o contrato-promessa) talvez seja possível, afinal de contas, considerar que a remissão apenas faça sentido nos casos em que as partes contratantes tenham estipulado, por penitência, uma indemnização com caracter de pena no contrato para a hipótese de não cumprimento por arrependimento. A jurisprudência dirá o que for de justiça sobre o assunto. (Cfr. Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, CFJJ, 2020, Vol. VI, pág. 506 e 507).
Efectivamente pode existir alguma dúvida na interpretação e aplicação das normas em causa.
Mas não é pela primeira vez que este TSI é chamado para se pronunciar sobre o conceito de danos ou prejuízos excedentes, o mesmo conceito encontra-se consagrado no artigo 1027º do CCM em matéria locatária que dispõe:
(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
A propósito deste conceito, ficou consagrado o seguinte entendimento no Proc. nº 646/2017, com o acórdão proferido em 26/07/2018:
“I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!”
Não há razões bastantes para não seguirmos o entendimento acima referido, já que está em causa uma matéria de natureza idêntica: para além de pagar o dobro, pode pedir-se indemnização por danos excedentes, mas estes têm de estar devidamente demonstrados e comprovados, não bastam alegações abstractas ou provas indirectas.
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio18.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Voltando ao caso em análise, sublinhe-se aqui, é de verificar que a norma do nº 4 do artigo 436º é mais exigente do que a norma do artigo 1027º (que regula a matéria de locação), pois aquela norma fala de “dano consideravelmente superior’! O que exige provas mais rígidas e persuasivas!
*
Aqui, é de recordar-se que no processo nº 220/2024 fica consignado o seguinte entendimento:
“從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
事實上,本院在涉及“XXX”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
4. 就賠償金額方面:
第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
a) 法律規定容許者;
b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
在本個案中,原告們向原預約買受人支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。”
3) – Voltando ao caso dos autos, uma leitura possível: ao contrário que se pretende defender, temos por certo que as quantias pagas pelos Autores à Ré a título de sinal, se fossem depositadas nas instituições bancárias, certamente eles receberão juros, facto este que temos por certo que os Autores deixaram de poder os receber, razão pela qual a Ré deve indemnizá-los por esta via.
(…)
4) - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto (Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03). Ou seja, no caso, deve existir factos assentes no sentido de que os Autores tivessem a possibilidade de vender, pelo menos, pelos valores por ele alegados e comprovados (ex. mediante contratos-promessa de compra e venda celebrados) a uma terceira pessoa concreta, o que não se encontra devidamente demonstrado por factualidade assente.
5) (…)”.
*
Com base no raciocínio acima exposto, é concluir-se pela existência de
3 soluções possíveis:
1) – A solução defendida pelo Autor: no sentido de que como o preço pago por ele foi no valor de HK$6.385,000.00, veio a pedir a restituição em dobro e dele deduz o valor que a Ré tinha pago ao Banco da China no valor de HK$3,561,175.00. Ou seja, o Autor teria direito a receber uma quantia no valor de HK$13,010,000.00 - HK$3,561,175.00 = HK$9,448,825.00.
2) – A 2ª solução é aquela que é defendida pela Ré, no sentido de que da quantia paga pelo Autor se deduz o valor devolvido pela Ré (depois de ela passar a ser cessionária dos créditos concedidos pelo Banco da China), é este valor a restituir pela Ré em dobro, ou seja, HK$5,204,000.00 – HK$3,561,175.00 = HK$1,642,825.00 (X 2) (total: HK$3,285,650.00)
3) – A 3ª solução é aquela que é ditada pelo Tribunal a quo, ou seja, no sentido de que HK$5,204,000.00 X 2 – HK$3,561,175.00 = HK$6,846,825.00.
*
Relativamente à 1ª solução defendida pelo Autor, não é de a aceitar visto que:
a) – O preço referido no contrato-promessa não deve ser considerado como o preço “último” já que não sabia que, no momento da celebração do contrato-promessa, se o Autor iria pagar a totalidade do preço fixado para a adquisição da fracção autónoma em causa, ou iria pedir empréstimo bancário quando for notificado para outorgar a escritura pública de compra e venda, e o acordo complementar de fls. 913 prevê como condição necessária de obter “desconto” do preço total antes da data da celebrado do contrato prometido. E nesse documento, o Autor declarou que obteve tais descontos nos termos fixados nesse acordo, razão pela qual é de concluir pela correcta decisão proferida pelo Tribunal a quo neste ponto. Ou seja, é correcto fixar-se que o preço do imóvel em causa é HK$5,204,000.00.
b) – Do mesmo modo, o valor declarado para efeitos de imposto de selo igualmente não pode ser entendido como valor de transacção entre as partes do contrato-promessa, já que este ponto se prende com a função do sinal: garantia de cumprimento das obrigações fixadas no acordo pelas partes e a respectiva sanção no caso de incumprimento, o que pressupõe a retenção efectiva da quantia (proveniente do promitente-comprador) pela promitente-vendedora, qualquer desconto implica a dedução das respectivas quantias do valor total.
c) – Quanto ao demais, remetemos para a análise feita por nós na parte respeitante à impugnação de factos levada a cabo pelo Autor.
*
Relativamente à 2ª solução, é uma leitura possível, mas ela é incompatível com as normas jurídicas reguladoras da situação em análise, posto que:
a) – É certo que a Ré veio a adquirir os créditos cedidos pelo Banco da China (que incluem todos os empréstimos bancários concedidos para adquirir as fracções autónomas do Edifício em causa), mas tal acordo de cessão de créditos só vinculam as partes, ou seja, só vinculam o Banco da China e a Ré, não é por causa deste acordo que a Ré passou a suceder a posição do Autor no contrato-promessa, assim, quando a Ré na qualidade de cessionária dos créditos procedeu à “remissão” da dívida que o Autor tinha com ela, é um comportamento solvente, porque já sabia que não é possível celebrar o respectivo contrato de compra e venda prometido, mas antes, ou seja, no período entre a data da obtenção do empréstimo bancário (fls. 79 e 80) em 29/04/2011 e a data da “remissão” da dívida (29/06/2018) (fls. 915 a 917), esta parte remanescente do fundo estava na “mão da Ré”, por isso esta tem de assumir a responsabilidade daí decorrente.
b) – Por outro lado, nesta 2ª solução não foi considerada ainda a parte respeitante aos eventuais “reembolsos” feitos pelo Autor depois de este contrair empréstimos bancários. Por isso a fórmula utilizada pela Ré acima referida não é justa nem correcta para acautelar o direito do promitente-comprador(Autor).
c) – Devia incluir-se, quer no contrato-promessa, quer no acordo complementar, uma cláusula que mencionou expressamente que só a 1ª prestação que era considerado sinal, o remanescente era considerado como antecipação do preço, mas nada isto foi feito. Nem se conseguiu afastar tal presunção de sinal durante a audiência de julgamento. Daí as consequências imputadas à Ré.
*
Relativamente à 3ª solução, globalmente analisados os argumentos invocados pelo Tribunal a quo, é de entender que a solução é correcta, quando se afirmou:
“O valor do sinal.
Quanto a esta questão divergem as partes quanto ao valor do sinal prestado que deve relevar para a decisão da indemnização a fixar. O autor entende que prevalece o valor estipulado como preço da compra e venda prometida. Por sua vez, a ré entende que prevalece o valor efectivamente entregue pelo promitente comprador.
Releva para a solução desta questão a consideração da vertente real do sinal. Se para decidir se a quantia entregue tem carácter de sinal relevou a vertente negocial ou obrigacional do sinal (a vontade negocial das partes ainda que presumida), agora releva a vertente real. Com efeito, nesta vertente, o sinal assume-se como uma coisa entregue e não já como o acordo ou a convenção de entrega de uma coisa19. É essa dimensão que deriva do texto da lei e da função do sinal, quer seja confirmatório de uma vontade negocial séria, quer seja penitencial e convencionado para o caso de arrependimento previsto na vontade negocial das partes, mas sempre garantístico e destinado a ter efeitos em sede de incumprimento, seja incumprimento lícito porque previsto e regulado pelas partes, seja ilícito. Com efeito, sempre a lei se refere ao sinal como a coisa entregue ou a quantia entregue (arts. 434º a 436º do CC).
O sinal é, pois, um elemento contratual real quoad constitutionem, sendo que só fica eficazmente constituído com o acto material de entrega da coisa por parte daquele que constitui o sinal (tradens) àquele que dele beneficia (accipiens). Para a existência de sinal não basta o acordo de vontades negociais reais ou presumidas no sentido da respectiva constituição. É necessária a entrega da coisa em que o sinal se materializa20. Daqui deriva que só pode ser considerado sinal aquilo que foi efectivamente entregue, ainda que fosse acordado que deveria ser entregue a título de sinal coisa ou quantia superior. Com efeito, o sinal só desempenha eficazmente a sua função de garantia na medida em que é efectivamente entregue àquele que recebe a coisa que consubstancia o sinal. No fundo, um dos aspectos essenciais que distingue o sinal da cláusula penal é esta diferença estrutural, pois que esta última se restringe a uma convenção obrigando a uma prestação futura em caso de incumprimento, ao passo que o sinal, além de convenção, tem natureza real quoad constitutionem consubstanciada no acto de entrega.
Tendo em conta o teor dos pontos 29., 33., 35. e 36. dos factos provados, dir-se-á que o sinal tem também uma função de garantia, pelo que a quantia entregue e devolvida perde a referida função e só a quantia retida pela parte que recebe o sinal se mantem como garantia, pois o acordo de redução do preço (desconto) equivale a uma alteração consensual da convenção de sinal, alteração que as partes podem fazer livremente (art. 400º do CC).
O sinal que se encontra presentemente prestado no caso destes autos é pois constituído pela quantia efectivamente entregue pelos promitentes compradores à ré promitente-vendedora e que esta detem em seu poder - HKD5.204.000,00 (ponto 29, 33, 35 e 36 dos factos provados). Com efeito, o que acordou receber, que efectivmente recebeu e devolveu ou o que não chegou sequer a receber efectivamente não cumpre neste momento qualquer função de sinal21.”
Ora, é de verificar-se que nesta parte, todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, nesta sede de recurso concluímos, em face da argumentação acima transcrita, que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
*
Face ao exposto, é de negar provimento aos recursos, respectivamente interposto pelo Autor e pela Ré, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelas Partes em partes iguais.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 30 de Abril de 2025.
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos Pereira Ribeiro
1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
3 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
4 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
5 O art. 790º do CC, sob a epígrafe “imputabilidade culposa” dispõe que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
6 “Como definir então se uma conduta é culposa? Pela diferença entre o comportamento exigível… e o comportamento adoptado no caso concreto” - Alberto de Sá e Mello, “Critérios de apreciação da culpa na responsabilidade civil: breve anotação ao Regime do Código” in Revista da Ordem dos Advogados, sem n.º, ano 49, setembro 1989, Lisboa, p. 535, também acessível em https://www.oa.pt/upl/%7Ba2b9529f-1b59-4cec-94ff-b02dab234224%7D.pdf.
7 Também o credor está obrigado a proceder de boa fé no exercício do seu direito de crédito (art. 752º, nº 2 do CC), designadamente não lhe sendo lícito em certas circunstâncias recusar sem razão prestação semelhante à prestação devida que o devedor ofereça. No caso dos autos a ré alegou que propôs ao autor entregar-lhe outra fracção autónoma de entre as que tinha e que o autor escolhesse. Na dificuldade/impossibilidade de cumprir que a ré experimentou, ao autor poderia não ser lícito recusar se a fracção oferecida satisfizesse o interesse contratual, o que se desconhece, designadamente quanto a área, localização e preço da fracção devida e da oferecida.
8 A propósito da impossibilidade superveniente da prestação por facto de terceiro estranho ao cumprimento, escreve Pessoa Jorge (op. cit., pg. 136): “... só há impossibilidade exoneratória se o comportamento do terceiro reunir as características do caso fortuito ou de força maior: assim, se o devedor podia e devia ter previsto e evitado a sua actuação, não lhe é lícito invocar o impedimento por ele criado”.
O mesmo autor escreve também que não releva o facto de o comportamento de terceiro que impossibilita a prestação ser ele próprio ilícito e culposo ou ser lícito e não censurável.
9 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
10 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
11 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
12 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
13 “É entendimento comum que o sinal consiste na coisa ou direito fungíveis .. entregue … como garantia de cumprimento” – Professor Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144.
14 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
15 Em sentido algo diverso decidiu o acórdão do TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, Relator: Dr. Ho Wai Neng, acessível em www.court.gov.mo.
16 “8. O candidato promitente-comprador de mais do que uma fracção autónoma em construção, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 8/2019 (Regime jurídico de habitação para alojamento temporário e de habitação para troca no âmbito da renovação urbana), só pode optar por uma das fracções autónomas em construção para servir de padrão de referência à área útil da habitação para troca que pretende comprar”.
17 Ac do STJ, Proc. 3292/20.5TBLRA/C1.S1., de 11/02/2025.
18 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
19 “É entendimento comum que o sinal consiste na coisa ou direito fungíveis .. entregue … como garantia de cumprimento” – Professor Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144.
20 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
21 Em sentido algo diverso decidiu o acórdão do TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, Relator: Dr. Ho Wai Neng, acessível em www.court.gov.mo.
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