Processo n.º 123/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 08 de Maio de 2025
ASSUNTOS:
- Função do sinal no contrato-promessa de compra e venda e consequência de impossibilidade de cumprimento definitivo de prestação prometida
SUMÁRIO:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 123/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 08 de Maio de 2025
Recorrentes : - A (1ª Autora)
- B (2º Autor)
- C, Limitada (C有限公司) (1ª Ré)
Recorridos : - Os Mesmos
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A e B, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 22/07/2024, veio, em 13/09/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1692 a 1697, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 上訴人對判決第6點駁回遲延賠償之內容(以下簡稱“被上訴判決”)不服,故提起本上訴。
2. 除了對原審法庭法官之見解保持應有的尊重外,上訴人認為卷宗第1671背頁第6點之部份存在錯誤理解起訴狀請求之瑕疵。
3. 被上訴判決第60頁(對應卷宗第1671背頁)第6點之內容指原審法庭認為上訴人在請求返還雙倍定金之賠償時並沒有要求遲延賠償,遲延賠償僅針對第二被告,有關第一被告方面,只是在提出返還定金金額之補充請求時有提出遲延賠償。
4. 除對原審法庭之見解保留應有的尊重外,上訴人無法認同原審法庭之上述見解,這是因為上訴人在起訴狀中提出之請求內容與判決第60頁第6點中所理解之請求內容不盡相同。
5. 根據隨起訴狀提交之請求內容結構及《民事訴訟法典》第390條第1款之規定,可以得知上訴人以合併方式提出的主請求為第1點、第3點、第4點及第5點;而第2點則為第1點之補充請求。
6. 因此,起訴狀請求第4點之內容並非僅針對第2點及第3點之內容,而是同時適用於第1點之請求,是故第4點之表述內容為“自提起本訴訟之日起計至兩名被告完全返還款項及倘有之賠償之11.75%之遲延利息”,而非自提起本訴訟之日起計至兩名被告完全返還第2點及第3點所述之款項及倘有之賠償之11.75%之遲延利息。
7. 另外,由於上訴人要求第一被告返還雙倍定金之請求是包含要求第一被告返還已收取之定金款項及相當於定金款項之賠償,故上訴人在起訴狀第4點要求遲延賠償之請求亦應包括彼等要求返還雙倍定金之請求。
8. 由此可知,上訴人在請求第一被告返還雙倍定金之賠償時亦已同時要求第一被告支付自提起訴訟之日起計至第一被告完全返還款項及倘有之賠償之11.75%之遲延利息。
9. 因此,被上訴判決第6點之部份存在錯誤理解起訴狀請求之瑕疵。
綜上所述,以及有賴諸位尊敬的中級法院法官 閣下的高見,現恭敬地請求尊敬的法官 閣下判處本上訴理由成立。
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C, Limitada (C有限公司), veio, 16/12/2024, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 1813 a 1815, tendo alegado o seguinte:
1. Vêm os aqui Recorrentes insurgir-se contra o ponto nº 6 da douta sentença recorrida, o qual considerou que os Autores não pediram a condenação da ora Recorrida no pagamento de juros de mora, relativamente ao pedido principal por eles formulado contra a ora Recorrida, o qual consiste, nas palavras dos Recorrentes, na condenação da Recorrida no pagamento do "sinal em dobro".
2. Consequentemente, apesar da procedência deste Pedido dos Recorrentes, não foi a ora Recorrida condenada no pagamento de juros de mora.
3. Decisão correcta, uma vez que, concordamos, não foram peticionados juros de mora caso a Recorrida fôsse condenada no pedido principal, ou seja, no pagamento do "sinal em dobro".
4. No que diz respeito à ora Recorrida, apenas foram peticionados juros de mora relativamente a alguns pedidos subsidiários.
5. É somente isto o que resulta expressamente do Pedido formulado na petição inicial.
6. E esta interpretação do Pedido vem corroborada pelo que consta da própria petição inicial (p.i.).
7. Com efeito, entre os artigos 49º e 78º da p.i., no capítulo intitulado, precisamente, "Restituição em dobro do sinal", os Recorrentes fazem a sua análise de direito relativamente à qualificação dos pagamentos, para concluirem que eles têm a natureza de "sinal" (vg. artigo 58º).
8. E, face a esta análise, rematam este capítulo afirmando, no seu artigo 78º que: "Em virtude da existência de contrato-promessa (...) podem os dois Autores exigir à 1ª Ré a restituição em dobro do sinal, devido a factos imputáveis à mesma, i. é, HKD7.491.000,00 (...)."
9. Os Recorrentes encerram, assim, esta parte da sua petição, não aludindo, em momento nenhum, a juros de mora.
10. No entanto, no capítulo imediatamente a seguir, donde consta o seu primeiro pedido subsidiário, intitulado "Restituição do montante pago e indemnização", já reclamam o seu direito ao pagamento de juros de mora, no seu artigo 90º, incluindo até o seu montante em concreto.
11. Com efeito, ali se pode ler o seguinte: "Nestes termos, têm os dois autores o direito de exigir à 1ª Ré a restituição do preço do imóvel, no montante de MOP3.857.865,00, bem como juros de mora no montante de MOP1.652.989,45, perfazendo, no total, MOP5.510.854,45".
12. E também logo depois, entre os artigos 91º e 94º da p.i, ao analisarem um segundo pedido subsidiário, também os Recorrentes reclamam expressamente o seu direito a juros de mora, concluindo, no artigo 94º, da seguinte forma: "Nestes termos, têm os dois Autores o direito de exigir à 1ª Ré (...) a devolução do preço do imóvel no montante de MOP3.857.865,00, bem como juros de mora no montante de MOP599.845.865,00,16, perfazendo, no total, MOP4.457.710,16.".
13. Finalmente, ainda quanto à ora Recorrida, os Recorrentes fazem um terceiro pedido subsidiário por enriquecimento sem causa onde também não reclamam o direito a juros de mora, mas somente o valor recebido pela ora Recorrida, MOP3.857.865,00 (vd. artigo 98º da p.i.)
14. Pelo exposto, enquadrados os Pedidos no contexto da petição inicial, resulta confirmado que, efectivamente, como foi correctamente interpretado pela douta sentença recorrida, os Recorrentes não formularam nenhum pedido de condenação no pagamento de juros de mora relativamente ao seu pedido principal formulado contra a Recorrida, o qual procedeu.
15. Não vale vir agora, tardiamente, invocar que o ponto 4 do Pedido se aplica a todos os Pedidos.
16. Se assim fôsse, porquê que na própria p.i., relativamente à Recorrida, os Recorrentes apenas pedem juros de mora relativamente a alguns pedidos subsidiários (cfr. artigos 90º e 94º da p.i.), mas não o fizeram relativamente ao pedido principal (cfr. artigo.78º da p.i.)?
17. Consequentemente, não podendo o tribunal condenar ultra petitum, está correcta, neste ponto, a douta sentença recorrida, atento o disposto no artigo 571º/1/al. e) do CPC.
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C, Limitada (C有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 22/07/2024, veio, em 13/09/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1700 a 1721, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD7.491.000.00.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento dos contratos em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provado que se não fôsse um consumo de tempo além do expectável por parte da DSSOPT, a Recorrente teria conseguido aproveitar o terreno dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão contratados e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento "XX", comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
13. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls.261 e 262, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
14. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
15. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de "facto do príncipe".
20. Quanto ao risco, desde logo, em boa verdade, o risco para os Recorridos nasce sim com a cessão da posição contratual que celebraram com o contraente inicial, cedente, sem que tenha havido ali qualquer intervenção da Recorrente.
21. Nesta situação, a questão da distribuição do risco em contratar diz respeito somente ao cedente e aos Recorridos, enquanto cessionários, mas não, salvo melhor opinião, à Recorrente, que nunca teve qualquer conhecimento do teor do que foi previamente contratado entre eles, limitando-se a consentir na cessão.
22. Além de que os Recorridos adquiriram 3 fracções autónomas o que, de acordo com as regras da experiência comum, significa que são investidores na área imobiliária e não, leigos que procuram uma habitação.
23. São sujeitos que actuam no mercado, que conhecem o mercado e os seus contornos. Que têm integral conhecimento do risco conatural à aquisição de bens imóveis futuros.
24. Por outro lado, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
25. Os Recorridos sabiam necessariamente que os contratos que celebraram com a Recorrente estavam umbilicalmente ligados ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naqueles.
26. Também nos ensinam as regras da experiência comum que, certamente, consultaram o Registo Predial antes de adquirirem as fracções em causa, tendo conhecimento dos prazos de aproveitamento e de concessão do terreno onde elas seriam construídas.
27. Com efeito, as datas dos termos dos prazos de aproveitamento e das concessões são públicas, constando do dito Registo Predial.
28. E, de qualquer modo, um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
29. Os Recorridos também sabiam perfeitamente que cada um dos contratos em causa, tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do respectivo contrato.
30. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditâmes de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
31. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco dos contrato em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
32. Quanto à qualificação dos contratos, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se tratam de contratos de reserva ou de contratos de compra e venda de um bem futuro.
33. A respeito da letra dos contratos, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
34. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão "訂" referente ao conceito de "sinal" (com o sentido de penalização), em prol da expressão "訂金", correspondente ao conceito de "depósito" (que não tem sentido penalizador).
35. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta dos contratos em causa.
36. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
37. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
38. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, onde a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato e o adquirente tem o dever de pagar um preço.
39. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
40. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
41. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com os contratos em questão, designadamente, os recibos de pagamento e o facto de os contratos conterem uma planta da respectiva fracção adquirida em anexo, apontam para uma qualificação outra que não a de "contrato-promessa".
42. Relativamente ao elemento histórico subjacente aos contratos em causa, há a destacar que os contratos foram celebrados antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
43. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, "Estes 'contratos-promessa' têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção".
44. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construír e lhe vai entregar.
45. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
46. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que os contratos em discussão não são típicos contratos-promessa mas antes contratos de reserva ou contratos de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
49. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que os contratos em discussão nos presentes autos se tratam de contratos-promessa típicos, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço das fracções a construir que foram vendidas, configuram um cumprimento antecipado dos contratos prometidos tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil.
50. Pelo que, ressalvado diverso entendimento, não há lugar a uma indemnização correspondente ao dobro dessas quantias.
51. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: "A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor."
52. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor recebido pelo alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
53. Ficou provado que a Recorrente recebeu por conta dos contratos em discussão nos autos, o montante global de HKD3.745.500,00, pelo que, salvo melhor opinião, deve ser esse o quantum finar da indemnização a arbitrar.
54. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 434º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 779º/1 e 784º/1 do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
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A e B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 1804 a 1808, tendo alegado o seguinte:
A. 有關上訴理由第A點所述之合同之不履行不能歸責於上訴人方面
1. 就上訴人指無法履行本案預約買賣合同不可歸責於上訴人之事實,兩名原告並不知悉有關事實不屬彼等可知悉及無義務知悉之內容。
2. 事實上,無論在第一原告與D簽訂三份XX樓宇買賣預約合同之合同地位讓與合同(經上訴人之代表簽名同意)前或後,第一原告均無法知悉上訴人與澳門特別行政區相關政府部門處理及洽談本案所涉及之土地之利用事宜。
3. 第一原告只知悉其與D簽訂XX轉讓聲明時,上訴人為該土地的合法發展商,故與D簽訂有關單位之XX轉讓聲明需要上訴人之同意。
4. 同時根據有關XX轉讓聲明內容,第一原告知悉D將其向上訴人承購之位於澳門 XX P地段(LOTE P),登記於澳門物業登記局標示編號第2XXX0號發展地段,發展興建之「XX」第6幢16樓A、E及H座住宅單位出讓與第一原告承受,D向上訴人交付之款項已於即日與第一原告交收清楚。
5. 至於上訴人與澳門特別行政區相關政府部門就有關土地利用之爭端或問題,第一原告無義務去了解,亦無正當性協助上訴人解決有關問題,第一原告只需按照上述讓與合同之規定,取代D與上訴人於2011年2月26日簽訂之樓宇買賣預約合約之預約買受人地位,等候與上訴人簽訂有關單位之買賣合同。
6. 即使澳門特別行政區政府部門就有關土地利用方面存有過錯(純粹假設),但在第一原告取代D之預約買受人地位後,上述預約合同僅約束第一原告及上訴人,因此,就合同責任而言,上訴人應就其確定無法履行上述預約買賣合同而向兩名原告依法作出賠償,至於上訴人是否可就相關政府部門之過錯向澳門特別行政區追討民事賠償責任,兩名原告並不知悉及無義務知悉。
7. 根據《民法典》第788條第1款之規定,就債務之不履行須由債務人證明非因其過錯造成。
8. 因此,倘上訴人認為其在確定無法履行上述預約買賣合同之事實中並無過錯,其負有證明有關預約合同之無法履行非因其過錯造成之責任,否則推定上訴人就有關不履行存有過錯。
9. 倘上訴人認為其在有關預約合同之不履行中不存有過錯,上訴人應通過人證或物證證明有關事實,而非通過證明相關政府部門在處理有關土地利用問題中存有過錯,這是因為即使相關政府部門在有關問題中存有過錯,亦不代表上訴人在有關預約合同之不履行中不存有過錯。
10. 事實上,根據被上訴判決第13點至第15點之已證事實內容,上訴人通過聲明確認未於土地批給期限前完成利用涉案土地是可歸責於上訴人,且其亦已支付因有關事宜所生之澳門幣180,000元罰款。
11. 綜上所述,上訴人在有關預約合同之不履行中存有過錯。
B. 有關上訴理由B點i)所述之合同定性方面
12. 上訴人在上訴陳述中以解釋合同雙方意願為依據而否定本案所涉及之“樓宇買賣預約合約”具有預約買賣合同性質,除對上訴人之有關見解保留應有之尊重外,兩名原告對有關上訴陳述內容不表認同,這是因為:
13. 根據被上訴判決已證事實第22點之內容:
“Em 22 de Fevereiro de 2011, a 1.ª ré e o 2.º ré celebraram contratos-promessa de compra e venda das três fracções habitacionais A, E e H, do 16º andar do bloco 6, para desenvolvimento urbanístico, registo na Conservatória de Registo Predial de Macau sob o n.º 2XXX0, situadas em Macau, no Bairro da XX, s/n, Lote“P”. (vide fls. 48 a 62, cujos teores aqui se dá por integralmente reproduzidos)”。
14. 首先,上訴人與D於2011年2月22日簽訂之“XX”第6幢16樓A、E及H座住宅單位之合同名稱為“樓宇買賣預約合約”。
15. 上述合同內容並未載有與上訴人在上訴理由陳述中所提及之買賣將來之物有關之字眼或內容,相反,根據有關合同之名稱,該合同與“樓宇買賣預約”有關。
16. 需要強調的是,第一原告由始至終只知悉D向上訴人支付之款項是用作訂購上述預約買賣合同所述之三個單位及在第一原告取得D就上述三個單位之合同地位後,倘第一原告不履行有關預約買賣合同(即“撻訂”),上訴人將不返還第一原告已支付之款項(通過合同地位讓與合同所承受之款項),相反,當上訴人不履行該預約買賣合同時,上訴人需向第一原告返還相等於上訴人已收取之款項之雙倍作為賠償。
17. 第一原告認為D合共向上訴人支付高達數佰萬元款項之原因是為了避免上訴人不履行有關預約買賣合同,這是因為在上訴人不履行該預約合同時,上訴人需向D支付相等於其已向上訴人支付之款項之雙倍作為賠償,數佰萬元之賠償金額可以減低上訴人不履行預約買賣合同之可能性,根據一般經驗,倘買家訂購“樓花”時預先向發展商支付較少之款項,發展商在興建好“樓花”後有機會因為樓價之升幅遠超不履行與買家間之預約買賣合同所生之賠償而選擇不履行與買家之預約買賣合同。
18. 因此,第一原告取得D就上述單位之合同地位及承受D已向上訴人支付之金額之目的亦是為了取得有關單位及在上訴人“撻訂”的情況下獲得相等於上訴人已收取之款項之雙倍作為賠償。
19. 就上訴人與D於2011年2月22日簽訂之“XX”第6幢16樓A、E及H座住宅單位之“樓宇買賣預約合約”之內容,我們需強調,兩名原告作為一個不諳法律之人,其並不知悉預約買賣合同中特定法律用詞的性質。
20. 因此,我們同時需結合“樓宇買賣預約合約”之內容來分析合同方在簽署有關合同時所認定之合同性質。
21. 根據上述三份預約買賣合同第5點之內容,當中規定“每屆規定付款期限,乙方必須如期支付,逾期則作乙方違約及撻訂論,甲方有權沒收乙方所有已付樓款...”。(粗體字及下劃線由本人加上)
22. 眾所週知,“撻訂”是指合同方在不履行合同時所生之賠償機制,且有關賠償機制是適用於預約買賣合同的。
23. 儘管上訴人在上訴陳述中強調“訂金”與“定金”之區別,但對於D抑或第一原告來說,彼等並不一定能知悉如何區分“訂金”與“定金”。
24. 由於上述預約買賣合同寫有“撻訂”之用語,故第一原告在取得有關單位之預約買受人地位前已認定上訴人“撻訂”時需賠償相等於上訴人已收取之款項之雙倍。
25. 就分析合同方就意思表示方面,根據《民法典》第228條之規定:
“一、法律行為意思表示之含義,以一般受意人處於真正受意人位置時,能從表意人之有關行為推知之含義為準,但該含義未能為表意人所預料係屬合理者除外。
二、如受意人明知表意人之真正意思,則表意人所作之意思表示應以該真正意思為準。”
26. 正如上述條文第2點所述,如受意人明知表意人之真正意思,則表意人所作之意思表示應以該真正意思為準;本案中,上訴人與D將所簽署之合同定名為“樓宇買賣預約合約” ,另外,更在該合同中寫有不履行時以“撻訂”論處,而非“沒收款項”,因此無論是合同名稱還是合同內容均可以得出上訴人與D簽訂合同時是欲簽訂預約買賣合同,並在合同方不履行時適用預約買賣合同之賠償機制。
27. 故即使以解釋合同雙方意願來判定本案所涉及之合同性質時,亦能得出本案所涉及之合同具有預約買賣合同性質。
C. 有關上訴理由B點ii)所述之提前履行方面
28. 儘管上訴人與D簽訂之三份預約買賣合同第3點將預約買受人分期向上訴人支付之款項命名為“樓款”,但事實上,根據該預約合同第5點之內容可以得悉D及上訴人在有關預約買賣合同中明確表示D逾期支付“樓款”時將視D違約及撻訂論,倘D與上訴人將前者支付之款項定性為“樓款”,有關合同第5點之表述應為“...逾期則作乙方違約及沒收所支付的樓款” ,而非“...逾期則乙方違約及撻訂論”。
29. 由此可見,合同雙方在簽訂有關預約合同時已知悉預約買受人支付之“樓款”具定金性質,否則不會在不履行的情況下以撻訂之方式處理。
30. 由於D及上訴人明知預約買賣合同中由D向上訴人支付之款項具定金性質,因此即使有關預約合同將D分期向上訴人支付之款項命名為“樓款” ,但事實上合同雙方之真正意思為有關支付具定金性質,故應以該真正意思為准。
31. 鑑於第一原告並無參與上訴人與D簽訂有關「XX」第6幢16樓A、E及H座之樓宇買賣預約合約之部份,因此第一原告只能依據有關預約合約之內容作出認定,並與D簽訂有關三個單位之合同地位讓與合同及與D交收清楚其已向上訴人交付之款項。
32. 根據《民法典》第435條之規定,在買賣之預約合同中,預約買受人向預約出賣人交付之全部金額,即使以提前履行或首期價金之名義交付者,亦推定具有定金性質。
33. 況且待證事實第57點之內容不獲證實。
34. 因此,第一原告與上訴人間之三份“樓宇買賣預約合約”應適用預約買賣合同之制度,且D向上訴人支付及已由第一原告繼受之款項具定金性質。
D. 有關上訴理由C點所述之賠償方面
35. 首先,上訴人以上述預約買賣合同之不能履行不可歸責予其為由而認為第一原告應以不當得利為依據收取賠償。
36. 然而,根據上述第1點至11點之內容,上訴人在上述三份預約買賣合同之不能履行中存在過錯,故上訴人應按照合同責任向第一原告作出賠償。
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A 1.ª Ré é uma sociedade limitada registada em Macau, tendo como objecto a exploração das actividades de comércio de importação e exportação, agência de comércio e de transportes, peças de vestuário, têxteis, indústria de etiquetas e de malhas, pintura de vestuários e impressão, produção de bordados, bem como o desenvolvimento imobiliário, obras de construção e reparação de edifícios (vide fls. 43 a 47 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
2. Por Despacho n.° 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Oficial n.° 52, de 26 de Dezembro de 1990, alterado pelo Despacho n.°107/SATOP/91, publicado no Boletim Oficial n.° 26, de 1 de Julho de 1991, foi concedido à 1.a Ré um terreno, resgatado ao mar, constante nas fls. 7 do processo n.º 7/2018, com a área de 60.782 m2, constituído por três lotes designados por «O» para fins habitacionais, «S» para fins habitacionais e por «Pa» para fins industriais.
3. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1, dos termos fixados no despacho de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da outorga da escritura pública do contrato.
4. Nos termos da cláusula 5ª, nº 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo despacho nº 160/SATOP/90, estipula-se que para efeitos da contagem do prazo referido no número um desta cláusula, entender-se-á que, para a apreciação de cada um dos projectos referidos no número dois, os serviços competentes observarão um prazo de sessenta dias.
5. Por Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à 1.a Ré concedida a parcela de terreno designada por «Pb» destinada a ser anexada à parcela «Pa», constituindo um lote único, com a área global de 67.536 m2, e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
6. Através dessa rectificação, o prazo de aproveitamento do citado terreno foi prorrogado até 26 de Dezembro de 2000.
7. A parcela de terreno «Pa» e a parcela de terreno «Pb» vieram a ser anexadas e constituíram um lote designado por «P» que se encontra descrito sob o n.º 2XXX0 a Livro BXXM.
8. Refere o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado na II Série do «Boletim Oficial da RAEM» n.º 9, de 01 de Março de 2006: “É parcialmente revista, nos termos e condições do contrato em anexo, a concessão, por arrendamento, do terreno com a área global de 91.273 m2, constituído por três lotes designados por «O», «P» e «S», situado nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), na península de Macau,...”
9. Por Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado na II Série do «Boletim Oficial da RAEM» n.º 9, II Série, de 01 de Março de 2006, foram acordados a alteração de finalidade e o reaproveitamento do Lote “P”, a finalidade inicial, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por 1 pódio com 5 pisos, sobre o qual assentavam 18 torres com 47 pisos cada uma.
10. O prazo de aproveitamento do terreno foi de 96 meses, contados a partir da data da publicação no «Boletim Oficial da RAEM» do despacho que titulasse a respectiva revisão.
11. Em 15 de Janeiro de 2014 e 30 de Janeiro de 2014, a 1.ª ré apresentou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, nos quais apresentou como fundamento: motivos não imputáveis a 1ª ré causaram a impossibilidade do aproveitamento até à presente data.
12. Em 04 de Junho de 2014, a 1.ª ré voltou a requerer, junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a prorrogação do prazo.
13. Em 29 de Julho de 2014, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes enviou à 1.ª ré um ofício, assinado pelo seu director, substituto, do seguinte teor:
“1. Nos termos da cláusula 2.ª do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já ficou caduco aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do artigo 2° do Despacho n° 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai acabar aos 25 de Dezembro de 2015.
2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP$180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1 Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.º da Lei n° 7/2013 - «Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção» - a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2 Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
3. Nestes termos, avisa-se a vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia do pagamento da multa.”
14. A 1.ª ré concordou em efectuar o pagamento da multa de 180.000,00.
15. Em 04 de Agosto de 2014, a 1.ª ré comunicou ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte:
“… declara aceitar a multa no valor de MOP$180.000,00, condenada segundo o despacho proferido aos 15 de Julho de 2014, e também as seguintes condições:
1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5° da Lei n° 7/2013 - «Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção» - a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P" ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.”
16. No dia 27 de Novembro de 2015, a 1.ª ré apresentou ao Chefe do Executivo um pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por um período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26 de Dezembro de 2015.
17. No dia 30 de Novembro de 2015, o Chefe do Executivo concordou com o parecer que lhe foi submetido, o qual considerava não dever ser deferido o aludido pedido de prorrogação.
18. Em 26 de Janeiro de 2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n° 2/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
19. Depois, contra o despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, a 1.ª ré interpôs recurso contencioso, requerendo a sua anulação.
20. Em 19 de Outubro de 2017, o Tribunal de Segunda Instância proferiu o acórdão que julgou improcedente o recurso contencioso, interposto pela 1.ª ré, mantendo-se o acto administrativo recorrido. Não conformada, a 1.ª ré apresentou recurso jurisdicional junto do Tribunal de Última Instância contra o respectivo acórdão.
21. Em 23 de Maio de 2018, o Tribunal de Última Instância proferiu o acórdão que negou provimento ao recurso, mantendo-se o acto administrativo recorrido.
22. Em 26 de Fevereiro de 2011, a 1.ª ré e a 2.ª ré celebraram contratos-promessa de compra e venda das três fracções habitacionais A, E e H, do 16º andar do bloco 6, a ser construído no Lote “P”, para desenvolvimento urbanístico, registo na Conservatória de Registo Predial de Macau sob o n.º 2XXX0, situadas em Macau, no Bairro da XX, s/n, Lote “P”. (vide fls. 48 a 62, cujos teores aqui se dá por integralmente reproduzidos)
23. A 1ª ré e a 2ª ré acordaram ser o preço de compra e venda da fracção habitacional A, do 16º andar do bloco 6, no valor de quatro milhões, quatrocentos e quinze mil dólares de Hong Kong (HKD4.415.000), correspondentes a quatro milhões, quinhentas e quarenta e sete mil, quatrocentas e cinquenta patacas (MOP$4.547.450).
24. A 1ª ré e a 2ª ré acordaram ser o preço de compra e venda da fracção habitacional E, do 16º andar do bloco 6, no valor de três milhões, novecentos e dez mil dólares de Hong Kong (HKD$3.910.000), correspondentes a quatro milhões e vinte e sete mil e trezentas patacas (MOP$4.027.300).
25. A 1ª ré e a 2ª ré acordaram ser o preço de compra e venda da fracção habitacional H, do 16º andar do bloco 6, no valor de quatro milhões, cento e sessenta mil dólares de Hong Kong (HKD$4.160.000), correspondentes a quatro milões, duzentas e oitenta e quatro mil e oitocentas patacas (MOP$4.284.800).
26. Segundo as três referidos contratos-promessa, a 1ª ré prometeu entregar as fracções, no prazo de 1.200 dias úteis de sol (ou seja, excluídos domingos, feriados e dias de chuva), contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura; no caso de entrega fora do prazo, a 1ª ré compensaria a 2ª ré com juros de mora, calculados à taxa de juro de depósito bancário sobre o preço do imóvel já recebido.
27. No dia 25 de Julho de 2012, as duas rés com a 1ª autora celebraram três “declarações de transmissão de fracção do Edifício XX” para as três fracções habitacionais mencionadas. (vide fls. 75 a 80 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).
28. Segundo o teor das três “Declaração de transmissão de fracção do Edifício “XX”, a 2.ª ré transmite à 1.ª autora, de livre vontade, as suas posições contratuais de promitente-comprador dos contratos-promessa de compra e venda, celebrado com a 1ª ré, das três fracções habitacionais A, E e H, do 16º andar do bloco 6, situadas em Macau, no Bairro da XX, s/n, Lote “P”, bem como declara que pagou à 1ª ré parte dos preços, pagamentos esses confirmados pela 1ª Autora; ao mesmo tempo, a 1ª ré, na qualidade de promitente-vendedora, concordara também, com a respectiva transmissão da posição contratual; o remanescente do preço de cada fracção será liquidado totalmente, pela 1ª autora à 1ª ré, (respectivamente, nos valores de três milhões, noventa mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$3.090.500); dois milhões, novecentos e doze mil dólares de Hong Kong (HKD$2.912.000) e dois milhões, setecentos e trinta s sete mil dólares de Hong Kong (HKD$2.737.000), no prazo de sete dias, a contar da emissão de licença de ocupação pela DSSOPT ou através de hipoteca bancária.
29. Em 10/09/2004, a Ré apresentou um Estudo Prévio junto da DSSOPT (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar.
30. Tal Estudo Prévio foi aprovado pela DSSOPT em 21/1/2005, por Ofício com o nº 747/DURDEP/2005.
31. A DSSOPT emitiu três Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO’s): uma em 23/12/2004, outra em 23/2/2005 e a terceira em 11/5/2007.
32. Em 23/2/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO (Doc. n.º 13 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
33. A PAO referida em X) foi notificada à Ré, em 9/4/2010, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010. (Doc. n.º 14 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais)
34. Em 11/5/2011, a Ré apresentou o relatório de impacto ambiental (1.º relatório) (T-5205/2011).
35. A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (DSPA), levou 1 mês para emitir o parecer, de 21/06/2011.
36. Depois, tal parecer foi notificado à R. em 4/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011).
37. Não obstante isso, em tal parecer a RAEM introduziu várias novas exigências, designadamente no que respeita a:
- Ruídos;
- Qualidade de água;
- Paisagem;
- Vista;
- Voo de pássaros;
- Estacionamento automóvel nas redondezas da ETAR;
- Outros.
38. O 2.º Relatório foi apresentado pela R. em 19/04/2012 (6 meses de preparação) (T-4242/2012).
39. Em 31/08/2012, a R. apresentou o 3.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (tendo levado um mês para a sua preparação).
40. A DSPA entregou à DSSOPT, em 16/10/2012, o seu Parecer sobre o 3.º Relatório.
41. Em 15/03/2013, a R. apresentou o 4.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (T-3953/2013).
42. Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu 4.º Parecer para a DSSOPT, sobre o 4.º Relatório apresentado pela R. (tendo levado para o efeito 2 meses).
43. Tal Parecer apenas foi notificado à R. em 28/12/2012.
44. Aprovado o projecto de obra em 15/10/2013, a Ré, em 24/10/2013, requereu a licença para as obras de fundações (T-11874/2013).
45. A DSSOPT, em 2/1/2014, emitiu tal licença e com validade até 28/2/2014, i. é, inferior a dois meses.
46. Na altura da celebração do acordo entre as rés relativo à fracção habitacional A, do 16.º andar do bloco 6, a 2ª Ré efectuou à 1ª Ré o pagamento total de um milhão, trezentos e vinte e quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$1.324.500), sendo o remanescente liquidado à 1ª Ré, nos termos do n.º 3b da cláusula 3. a do contrato.(Q 3.º)
47. Na altura da celebração do acordo entre as rés relativo à fracção habitacional E, do 16.º andar do bloco 6, a 2ª Ré efectuou à 1ª Ré o pagamento total de um milhão, cento e setenta e três mil dólares de Hong Kong (HKD$1.173.000), sendo o remanescente liquidado à 1ª Ré, nos termos do n.º 3b da cláusula 3. a do contrato.(Q 5.º)
48. Na altura da celebração do acordo entre as rés relativo à fracção habitacional H, do 16.º andar do bloco 6, a 2ª Ré efectuou à 1ª Ré o pagamento total de um milhão, duzentos e quarenta e oito mil dólares de Hong Kong (HKD$1.248.000), sendo o remanescente liquidado à 1ª Ré, nos termos do n.º 3b da cláusula 3. a do contrato. (Q 7.º)
49. Posteriormente, no dia 17 de Junho de 2012, a 2ª Ré deliberou com a 1ª Autora, sobre a transmissão da posição contratual dos três mencionados contratos-promessa de compra e venda, no sentido de antecipar o pagamento de parte do preço para a transmissão da posição contratual, tendo a 1ª Autora, a 2ª Ré e o gerente da “E” celebrado três contratos-promessa de compra e venda.(vide fls. 63 a 74 dos autos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).(Q 9.º)
50. Segundo o teor dos três contratos-promessa de compra e venda, a 2ª Ré comprometeu-se a vender a posição contratual de promitente-comprador das três fracções habitacionais A, E e H, do 16º andar do bloco 6, à 1ª Autora; na data em que a 1ª Autora assinou os contratos-promessa de compra e venda já pagou à 2ª Ré, a título de sinal para cada fracção, o valor de trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD$300.000), ou seja, no total de novecentos mil dólares de Hong Kong (HKD$900.000). (Q 10.º)
51. No mesmo dia, a 1ª Autora efectuou também o pagamento à 2ª Ré, cumprindo a cláusula 2.a al. (c) arts. 42.º a 43.º, referidos nos três contratos-promessa de compra e venda, a título de transmissão da posição contratual, no valor total de seis milhões, setecentos e setenta e oito mil, duzentos e setenta e cinco dólares de Hong Kong (HKD$6.778.275) e, para cada fracção, pagara o seguinte preço:(Q 12.º)
1) Fracção habitacional A, do 16.º andar do bloco 6 – Dois milhões, quatrocentos e quinze mil, duzentos e vinte e cinco dólares de Hong Kong (HKD$2.415.225);
2) Fracção habitacional E, do 16.º andar do bloco 6 – Dois milhões, cento e quatro mil, seiscentos e cinquenta dólares de Hong Kong (HKD$2.104.650); e
3) Fracção habitacional H, do 16.º andar do bloco 6 – Dois milhões, duzentos e cinquenta e oito mil e quatrocentos dólares de Hong Kong (HKD$2.258.400).
52. A 1ª Autora e o 2.º Autor casaram em Macau no dia 7 de Outubro de 1985.(Q 14.º)
53. A 1ª Ré, já em 2011 iniciara a venda das “fracções a construir” do Edifício “XX” e celebrado com terceiros contratos-promessa de compra e venda de imóvel e consentimentos de transmissão da posição contratual de promitente-comprador.(Q 15.º)
54. A 1ª Ré tinha a intenção de construir o empreendimento e a capacidade de concluir a obra no prazo de 4 anos.(Q 16.º)
55. A 1ª Ré, tinha perfeito conhecimento de que o prazo de aproveitamento era de 25 anos.(Q 17.º)
56. O Governo da RAEM declarou que decidira reaver o LOTE P, situado em Macau, no Bairro da XX, para, durante a renovação urbana, desenvolver e construir habitação para alojamento, podendo parte das fracções serem adquiridas pelos proprietários do Edifício XX”, no sentido de auxiliar a questão de aquisição de uma fracção e o melhoramento de seu bem-estar.(Q 18.º)
57. Em nenhum dos documentos referidos em W) se previa quer a necessidade de um afastamento mínimo de 1/6 da altura do prédio mais alto entre as diversas torres a construir no terreno, quer a de um limite máximo de 50 metros para a extensão das fachadas das torres.(Q 19.º)
58. Também em lado nenhum se previa a apresentação e aprovação de Relatórios de Avaliação do Impacto Ambiental e de Circulação do Ar.(Q 20.º)
59. Em 29/4/2008, a Ré apresentou o Plano de Consulta “Master Layout Plan”, relativo à proposta de localização das torres (T-3040)(Doc. n.º 10 junto com a contestação).(Q 21.º)
60. Em 6/5/2008, a Ré apresentou o projecto inicial de arquitectura (T-3163) (Doc. n.º 11 junto com a contestação), mas decorridos 60 dias, a DSSOPT nada decidiu.(Q 22.º)
61. Este projecto, aliás, nunca chegou a ser analisado pela DSSOPT, porquanto o mesmo foi absorvido pelo projecto que contemplava todo o empreendimento, incluindo áreas comerciais, apresentado para aprovação em 22/10/2009.(Q 23.º)
62. A ré solicitou em 14/08/2009 a emissão de uma nova PAO.(Q 24.º)
63. Uma vez que a DSSOPT, ultrapassado o prazo contratual de 60 dias, não emitira a Planta solicitada, preocupada com o escoar do prazo de 96 meses de aproveitamento, a Ré não aguardou pela nova Planta e submeteu o projecto global de arquitectura, para efeitos de aprovação, em 22/10/2009 (T-7191/2009) (Doc. n.º 12 junto com a contestação).(Q 25.º)
64. O projecto inicial de arquitectura de 2008 e o projecto global de arquitectura de 2009 mantinham as mesmas soluções arquitectónicas já previstas nos Estudos Prévios de 2004. E o “estudo prévio de 2004” previa a construção de 18 torres com 46 andares cada assentes em pódio de 6 pisos, o contrato de concessão revisto previa a construção de 18 torres com 47 andares assentes num pódio de 5 pisos, o “projecto inicial de arquitectura de 2008” continha 4 torres de um conjunto de 16 com 43 andares assentes em pódio de 2 pisos de cave e mais três pisos acima do nível do solo e o projecto global de 2009 continha 18 torres com 52 pisos mas com localização diferente da indicada no “estudo prévio de 2004”. (Q 26.º)
65. A nova PAO e o referido ofício vieram formular exigências não previstas anteriormente, nomeadamente, através dos pontos 5 e 6 do referido Ofício, que pretendiam a contemplação de uma extensão máxima contínua das fachadas das torres de 50 metros e de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta, que era uma sugestão e não uma exigência.(Q 27.º)
66. O cumprimento desta sugestão alteraria de modo significativo, o citado modelo construtivo, o que constituiria uma inutilização do tempo já despendido para a sua concepção e elaboração.(Q 28.º)
67. O acatamento da sugestão de afastamento mínimo entre torres correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta implicava a necessidade de ainda mais tempo para a redefinição do empreendimento, implicava a relocalização (layout) das torres projectadas e tinha o sério risco de, se se pretendesse manter as vistas das torres para o mar e uma concepção harmoniosa de vistas internas entre as torres, implicar uma diminuição de áreas de construção e a redução do número de torres. (Q 29.º)
68. Em 7/1/2011, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009 (Ofício nº 318/DURDEP/2011) - Doc. n.º 16 junto com a contestação.(Q 30.º)
69. O projecto aprovado não contemplava as exigências mencionadas nos n.ºs 5 e 6 do referido Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 9/4/2010.(Q 31.º)
70. A decisão de aprovação do projecto de arquitectura sujeitou a emissão de licença de obras à condição de (a) a Ré apresentar um relatório de avaliação do impacte ambiental que poderia ser causado pela nova construção a implementar no Lote “P” e (b) de tal relatório vir ser aprovado pelo serviço administrativo competente da Região – a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (“DSPA”).(Q 32.º)
71. Aquando da celebração do contrato de revisão da concessão do lote de terreno em causa, e nas respectivas negociações, a Administração nunca afirmou ser necessário a apresentação e a aprovação de qualquer relatório de avaliação de impacto ambiental do empreendimento referido objecto do contrato, sem o que a obra de construção não se iniciaria.(Q 34.º)
72. Na apreciação do 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, cujo teor foi objecto de discussão entre a C, a DSSOPT e a DSPA, em 25/07/2012 (Doc. n.º 20 junto com a contestação).(Q 35.º)
73. A R. precisou de preparar novo estudo para dar resposta às solicitações adicionais e supervenientes que foram feitas, sob pena de a licença de obra não ser emitida.(Q 36.º)
74. No parecer sobre o 3º Relatório, a DSPA voltou a formular novas exigências.(Q 37.º)
75. Desta feita, a R. precisou de fornecer: (Q 38.º)
Um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres, com “simulação informática”; e
Uma avaliação sobre as partículas em suspensão.
76. A DSPA exigiu ainda da R. uma nova avaliação ou, em alternativa, a alteração do “Layout”, em virtude da questão da ETAR. (Q 39.º)
77. Para a elaboração do 4º relatório, a C precisou de recorrer a serviços especializados da Austrália, para a realização da “simulação informática”. (Q 40.º)
78. No parecer sobre o 4º relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, desta feita em relação à avaliação do impacto ambiental sobre os novos aterros, a ilha artificial, o fedor. (Q 41.º)
79. A DSPA não sabia, desde o início, que conteúdo pretendia fosse investigado no estudo que a R. tinha que apresentar. (Q 42.º)
80. Em 28/06/2013, a R. apresentou o 5.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental (Doc. n.º 25 junto com a contestação). (Q 43.º)
81. Tendo em vista evitar maiores demoras, a R. pediu uma reunião conjuntamente com a DSSOPT e a DSPA, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação deste 5.º Relatório. (Q 44.º)
82. Essa reunião teve lugar em 26/07/2013 (isto é, 1 mês depois de o 5.º Relatório ter sido apresentado. (Q 45.º)
83. Dessa reunião, resultou novas exigências, que obrigaram a C a elaborar um novo relatório com conteúdo adicional. (Q 46.º)
84. Em 07/08/2013 (isto é, 12 dias depois da reunião), a C apresentou o 6.º Relatório de Avaliação do Impacto Ambiental, contemplando as novas exigências manifestadas pelos serviços públicos na referida reunião de 26/07/2013 (Doc. n.º 27 junto com a contestação). (Q 47.º)
85. Em 15/10/2013 ocorreu a aprovação final do Estudo de Avaliação do Impacto Ambiental e de Circulação do Ar, atento o parecer da DSPA de 29/08/2013, sujeita apenas a condições de pormenor, designadamente resultantes dos pareceres da CEM (17/06/2011), IACM (17/06/2011), Corpo de Bombeiros (01/06/2011) e DSAT (13/07/2011) (Doc. n.º 28 junto com a contestação). (Q 48.º)
86. O projecto da R. (apresentado em 22/10/2009 e parcialmente alterado em 03/06/2010 para atender a certos requisitos impostos pela DSSOPT), com a aprovação da DSSOPT de 07/01/2011, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 49.º)
87. O projecto submetido pela R. 4 anos antes (em 22/10/2009) já então satisfazia as exigências sobre a ventilação e respectiva avaliação do impacto ambiental. (Q 50.º)
88. A Ré deu de imediato início aos respectivos trabalhos logo a seguir à emissão da licença para as obras de fundações. (Q 51.º)
89. Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “XX” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 52.º)
90. A RAEM bem sabia, que o prazo que a Ré teve para o aproveitamento do projecto, após a emissão das licenças e suas prorrogações, era manifestamente insuficiente. (Q 53.º)
91. Foi com a licença administrativa para a execução das obras de fundações, emitida em Janeiro de 2014, quer a Ré, quer os terceiros avançaram com os seus investimentos e financiamentos. (Q 54.º)
92. Em resposta, em 3/6/2010, a Ré incorporou no projecto de 22/10/09, as exigências obrigatórias, mas não acolheu as exigências do afastamento mínimo entre torres e da extensão máxima da fachada. (Q 58.º)
93. Estavam em causa exigências novas que apenas iam sendo formuladas à medida que o tempo passava e após a análise dos anteriores elementos entregues pela Ré. (Q 59.º)
94. A exigência do afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta e de elaboração de estudos de impacto ambiental e apresentação de relatórios impostas à Ré era exigências inéditas em Macau. (Q 60.º)
95. Aquando do contrato de revisão da concessão do terreno aqui em causa e nas respectivas negociações, nunca foi afirmado ser necessário a apresentação e aprovação de relatórios de impacto ambiental como condição para início das obras. (Q 61.º)
96. Obtidas as licenças de construção, a Ré construiu e concluiu todo o trabalho de fundações durante o último ano dos prazos de aproveitamento e concessão. (Q 62.º)
97. Entre a data da aprovação do projecto, comunicada em 7/1/11, até ao termo dos prazos de aproveitamento ou da concessão, a Ré dispunha de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento e entregar a fracção autónoma aqui em causa aos autores. (Q 63.º)
98. A ré apresentou à DSSOPT um projecto parcial de arquitctura em 6/5/2008 e a DSSOPT não emitiu qualquer pronúncia sobre ele.
- Em 22/10/2009, a ré apresentou outro projecto de arquitectura que substituiu o apresentado em 6/5/2008 e a ré apreciou-o tendo, em 09/04/2010 com exigências e sugestões.
- A ré respondeu em 3/6/2010 acatando as exigências, mas não a sugestão de afastamento entre as torres projectadas correspondente, no mínimo, a 1/6 da altura da torre mais alta.
-A DSSOPT aprovou este projecto e notificou a ré em 7/1/2011 para apresentar o relatório de estudos de impacto ambiental que teria a construção do empreendimento em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes.
- A ré realizou o estudo e apresentou o respectivo relatório em 11/5/2011;
- Depois, a DSSOPT pediu mais estudos da mesma natureza (impacto ambiental) até que aprovou o relatório respectivo em 15/10/2013.
- A ré pediu a emissão de licença de obras em 24/10/2013.
- A licença de obras foi emitida em 02/01/2014. (Q 64.º)
99. Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “XX” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora as fracções autónomas de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 65.º)
100. À Ré bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento e entregar aos AA a fracção autónoma. (Q 66.º)
101. A Ré foi obrigada a aceitar as condições impostas para a prorrogação do prazo de aproveitamento, por não dispor de alternativa que lhe permitisse imediatamente continuar a executar o aproveitamento e para permitir a abertura de procedimento administrativo com vista a abrir caminho à Ré a uma nova concessão sobre o mesmo terreno. (Q 67.º)
102. Só cerca de 6 meses e meio, depois do pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, foi o mesmo autorizado por despacho de 29/7/2014, mas apenas até 25/12/2015. (Q 68.º)
103. Após aprovação do projecto, a Ré investiu avultadas verbas na preparação dos diferentes projectos da obra, bem como na realização e densificação dos estudos de impacte ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM, e na execução das obras de fundações do edifício durante o último ano dos prazos de aproveitamento. (Q 69.º)
104. Em casos de inimputabilidade do concessionário, a política da RAEM era de atribuir, por ajuste directo, nova concessão ao anterior concessionário. (Q 70.º)
105. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 25/12/2015, porque os Serviços da Administração lhe criaram tais expectativas, nomeadamente: (Q 71.º)
1) Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da distância mínima entre torres de 1/6 da torre mais alta, o que foi dispensando em momento ulterior, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que fez com que despendesse o tempo entre 22/10/2009 a 7/1/2011;
2) Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que obrigou que se despendesse o tempo entre 7/1/2011 e 15/10/2013;
3) Ao emitirem a licença de obra para as fundações, em 2/1/2914, um mês antes do termo do prazo de aproveitamento, sabendo que era impossível concluir o empreendimento até ao termo do contrato de concessão;
4) 4) Ao prorrogarem o prazo de aproveitamento, em 29/07/2014, até 25/12/2015, sabendo que seria impossível concluir o empreendimento até essa data;
5) 5) Ao ser essa a prática seguida anteriormente em casos análogos, de se fazer nova concessão do mesmo terreno ao mesmo concessionário, em caso de não aproveitamento do terreno dentro do prazo.
106. A Ré ofereceu ao público milhares de fracções autónomas por construir deste seu empreendimento em termos semelhantes àqueles que acordou com o autor no contrato em apreço nos presentes autos, com pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado. (Q 74.º)
107. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n.º 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do CE de 30/5. (Q 75.º)
108. Tal requerimento foi deferido. (Q 76.º)
109. O valor de mercado dessa fracção é superior ao valor inicialmente pago pelos Autores à Ré por fracção idêntica. (Q 79.º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO.
A e B, casados entre si, ambos de nacionalidade chinesa, titulares dos BIRPM n.º 74XXXX8(8) e 73XXXX7(3), respectivamente, com outros elementos de identificação nos autos, intentaram a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra
1ª - C Limitada (C有限公司), registada na CRCBM sob o n.º XX(SO);
2º - D, casada, titular do BIR de HK n.º K6XXXX3(7).
Em síntese, alegaram os autores que a 1ª autora celebrou com a 2ª ré três contratos através dos quais esta lhe transmitiu a posição de promitente-compradora que detinha num contrato-promessa de compra e venda de três fracções autónomas de um prédio urbano que havia celebrado com a 1ª ré. Alegaram ainda os autores que a primeira ré não cumpriu e já não pode cumprir a prometida venda porquanto, por razões que lhe são imputáveis, não construiu nem pode já construir o imóvel prometido vender, uma vez que foi declarada pelo Chefe do Executivo e “confirmada” no TUI a caducidade da concessão por arrendamento do terreno destinado à construção. Por fim, disseram os autores que a 1ª autora pagou pela posição contratual da segunda ré o preço de HKD7.678.275,00,00 e que a segunda ré apenas havia pago à primeira ré o sinal de HKD3.745.500,00, pelo que se enriqueceu em HKD3.932.775,00 por uma causa que veio a desaparecer com a impossibilidade de celebração da compra e venda prometida.
Pediram os autores que seja declarado resolvido o referido contrato-promessa e que a 1ª ré seja condenada a pagar-lhes o dobro do sinal que recebeu (HKD3.745.500,00 x 2) e que a 2ª ré seja condenada a restituir-lhes a quantia em que se enriqueceu (HKD3.932.775,00) por ter cedido a sua posição contratual por preço superior ao sinal que havia prestado à 1ª ré, acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações comerciais, contados desde a data da propositura da acção até integral pagamento.
Para o caso de se entender que não foi constituído sinal, pedem a condenação da 1ª ré a pagar-lhes a quantia que recebeu da 2ª ré (HKD3.745.500,00) acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, a contar da publicação da declaração administrativa de caducidade da concessão ou, subsidiariamente, da decisão do Tribunal de Última Instância que não anulou aquela decisão administrativa.
Para o caso de se entender que a falta de cumprimento não é imputável à 1ª ré, pedem a condenação da 1ª ré a pagar-lhes a quantia que recebeu da 2ª ré, sem juros de mora.
Contestou a 1ª Ré, aceitando a existência do contrato invocado pelos autores mas discordando que o mesmo configure contrato-promessa e rejeitando que já não possa ser cumprido, alegando que intentou uma acção judicial contra a RAEM na qual pretende conseguir um novo contrato de concessão por arrendamento do mesmo terreno onde pretendia construir o empreendimento imobiliário de que faziam parte as fracções autónomas contratadas, as quais, em caso de procedência da referida acção judicial, poderão ser entregues aos autores1.
Ainda em contestação, disse a 1ª ré que, caso improceda a referida acção que intentou contra a RAEM e caso não possa efectivamente construir o seu empreendimento imobiliário nem possa cumprir a sua obrigação para com os autores, essa impossibilidade não lhe deve ser imputada a si porquanto deve ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos do impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão.
Para o caso de se concluir que ocorre impossibilidade da prestação e que esta é imputável à ré, veio esta, também na contestação, defender que os autores não têm direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado, porquanto não foi acordado o referido sinal nem a existência do mesmo se presume porquanto o contrato celebrado é um contrato de compra e venda de coisa futura que não pode ser qualificado de contrato-promessa.
Também na contestação que apresentou, disse a 1ª ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade por ser diminuta a culpa pela causa da impossibilidade da prestação.
Quanto aos juros de mora peticionados disse que, a serem devidos, devem contar-se apenas desde a citação e sem o acréscimo de 2% dos juros legais comerciais.
Por fim, requereu a 1ª ré contestante a intervenção acessória da RAEM invocando como fundamento que, caso seja condenada a indemnizar os autores, terão direito de regresso contra a RAEM para esta lhe reembolsar o montante da condenação.
Contestou a 2ª ré, aceitou a celebração do contrato-promessa com a 1ª ré e do contrato de cessão da posição contratual com a autora, mas rejeitou que tenha obrigação de restituir em consequência de enriquecimento sem causa e disse desconhecer os factos alegados pelos autores na petição inicial.
A 2ª ré qualificou a sua negação do dever de restituir como sendo excepção. Porém a ré apenas impugnou a tese da autora quanto à obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, não tendo alegado qualquer facto novo com efeitos capazes de obstar à apreciação do mérito ou capazes de causar a improcedência da pretensão dos autores, ainda que parcialmente. Assim, nenhuma excepção há a apreciar (art. 407º, nº 2, al. a) do CPC).
Na réplica que apresentaram, os autores, com excepção da que respeita aos juros moratórios, impugnaram todas as teses das contestações das rés, quer quanto à não ocorrência de enriquecimento sem causa, quer quanto à afirmação da prestação da ré como ainda possível, à imputabilidade a terceiro da causa da impossibilidade da prestação, à qualificação do contrato, à inexistência de sinal e à intervenção da equidade na fixação do montante da indemnização.
Foi admitida a intervenção acessória da RAEM, a qual contestou e foi objecto de resposta pelas partes principais. Porém, a ré veio depois comunicar aos autos que desistiu da acção de indemnização que movera contra a RAEM e, por isso, foi proferido despacho a fls. 1154 a declarar extinta a instância relativamente à RAEM por inutilidade superveniente da lide.
Foi proferido despacho saneador a fls. 1105 a 1114 que seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão.
Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e foram apresentadas doutas alegações de Direito pelos autores.
*
II – SANEAMENTO.
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Dir-se-á, no entanto, que o segundo autor é parte ilegítima por não se apresentar como sendo sujeito da relação material controvertida que ambos os autores introduziram em juízo, uma vez que, tal como alega, não é ele o empobrecido nem é parte no contrato de que a sua esposa (1ª autora) adquiriu a posição contratual, e por não ocorrer qualquer situação que imponha o litisconsórcio, seja a lei, a convenção ou a necessidade para que a decisão atinja o seu efeito útil normal, designadamente não se impondo que ambos os cônjuges exerçam em juízo o direito a indemnização por incumprimento de um contrato em que apenas um dos cônjuges é parte (arts. 58º, 61º e 62º, nº 1 do CPC). Serão, pois, as rés absolvidas da instância relativamente ao pedido formulado pelo 2º autor.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR.
Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente:
- Que o 2º autor é parte ilegítima;
- Que a principal pretensão dos autores é serem indemnizados/restituídos em consequência dos danos que sofreram por a ré não ter cumprido, por impossibilidade superveniente, a prestação a que se vinculou por contrato;
- O facto de os autores e rés estarem de acordo que entre eles existe a relação contratual invocada pelos autores;
- O facto de neste momento processual autores e 1ª ré estarem também de acordo que a prestação contratual a cargo da 1ª ré se tornou impossível depois da celebração do respectivo contrato;
- O facto de a essência da principal divergência entre as partes ser a imputabilidade à 1ª ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal;
As principais questões a decidir gravitam à volta de:
1- Ocorrência de impossibilidade superveniente da prestação contratual devida pela ré à 1ª autora e imputação à 1ª ré ou a terceiro da causa dessa impossibilidade.
1.1 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da 1ª ré deve ser imputada a terceiro, importa apurar as consequências jurídicas de tal imputação, designadamente:
1.1.1 - Quanto à extinção da obrigação da 1ª ré decorrente do contrato cuja posição contratual a 1ª autora adquiriu por cessão;
1.1.2 Quanto a eventual criação na esfera jurídica da 1ª ré de uma outra obrigação de restituir à 1 autora o que recebeu da 2ª ré;
1.1.3 Quanto a eventual criação na esfera jurídica da 2ª ré de uma obrigação de restituir aos autores o que deles recebeu e que excede o que havia pago à 1ª ré.
1.2 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da 1ª ré deve ser imputada à própria 1ª ré, importa então apurar as consequências da referida impossibilidade superveniente da prestação decorrente de causa imputável à ré, designadamente:
1.2.1 – Direito da 1ª autora de resolver o contrato;
1.2.2 – Criação na esfera jurídica da 2ª ré de uma obrigação de restituir à 1ª ré o que dela recebeu e que excede o que havia pago à 1ª ré.
1.2.3 - Obrigação da 1ª ré indemnizar a 1ª autora.
1.2.3.1 - Caso se conclua que a 1ª ré tem obrigação de indemnizar a 1ª autora, caberá apurar o montante da indemnização e a ocorrência de mora no cumprimento desta obrigação de indemnizar, para isso é necessário averiguar se foi acordado e prestado sinal;
1.2.3.1.1 - Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização deve ser calculada com base no “regime-regra” do sinal ou se deve ser reduzida segundo juízos de equidade para montante inferior ao valor do sinal prestado.
1.2.3.1.2 Caso se conclua pela inexistência de sinal, caberá determinar qual o valor da indemnização na ausência de sinal.
1.2.3.1.3 – Caso se conclua pela ocorrência mora no cumprimento da obrigação de indemnizar é ainda necessário apurar as consequências desta a nível indemnizatório, designadamente quanto ao início da mora e quanto à taxa dos juros moratórios.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO.
A) – Motivação de facto.
Estão provados os seguintes factos:
(...)
B) – Motivação de Direito.
1 – Da obrigação da segunda ré (restituir com fundamento em enriquecimento sem causa).
Como se disse em sede de enunciação das questões a decidir, a primeira questão a solucionar seria a ocorrência ou não de impossibilidade da prestação contratual devida pela 1ª ré à 1ª autora e a imputação à 1ª ré ou a terceiro da causa daquela impossibilidade. Só depois disso se deveria averiguar se em consequência dessa impossibilidade imputável à 1ª ré surgiria na esfera jurídica da 2ª ré a obrigação de restituir à 1ª autora aquilo com que se enriqueceu à custa desta. Porém, como a seguir se verá, não ocorre tal obrigação de restituir, quer a prestação da 1ª ré ainda seja possível, quer já não seja. Por isso, aprecia-se em primeiro lugar a pretensão formulada pelos autores contra a 2ª ré fundada no instituto do enriquecimento sem causa.
Apreciando.
O autores demandaram a segunda ré pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de HKD3.932.775,00 acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações contados desde a propositura da acção até integral pagamento. Como causa de pedir invocaram que a 1ª autora:
- Adquiriu a posição contratual de promitente-compradora que a segunda ré tinha num contrato-promessa que havia celebrado com a primeira ré (promitente-vendedora), tendo a 1ª autora pago à segunda ré para adquirir a sua posição contratual mais HKD3.932.775,00 do que esta tinha pago à primeira ré a título de sinal;
- A primeira ré, por culpa sua, não construiu nem poderá construir o imóvel prometido vender, não podendo cumprir a sua promessa de vender;
- A razão de ser do pagamento que a 1ª autora fez à 2ª ré foi o cumprimento do referido contrato-promessa, o qual deixou de existir porque se tornou impossível.
Concluem os autores que a 2ª ré tendo pago à promitente-vendedora, a título de sinal, apenas HKD3.745.500,00 e tendo recebido da 1ª autora HKD7.678.275,00 se enriqueceu à custa desta pelo montante que deve restituir em consequência de enriquecimento sem causa (HKD3.932.775,00). Dizem os autores que, sendo impossível o cumprimento da promessa de venda, cessou a causa da cessão da posição contratual de promitente-comprador e não se verificou o efeito por ela visado.
A segunda ré contestou a obrigação de restituir que os autores lhes atribuem por entender que não se verificam os pressupostos necessários para ocorrer a fonte das obrigações denominada enriquecimento sem causa.
Está em causa uma obrigação de restituir.
As obrigações são vínculos jurídicos que adstringem uma pessoa a realizar uma prestação (art. 391º do CC). Tais vínculos resultam das fontes das obrigações - os contratos, os negócios unilaterais, a gestão de negócios, o enriquecimento sem causa e a responsabilidade civil.
No caso em apreço, a alegada fonte da obrigação dos segundos réus de restituírem à autora parte do dinheiro que deles receberam é o enriquecimento sem causa.
“Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. É esta a cláusula geral inserta no nº 1 do art. 467º do CPC que proíbe o enriquecimento à custa de outrem sem razão suficiente.
Para surgir na esfera jurídica de uma pessoa esta obrigação de restituir é necessário que:
- Haja um enriquecimento de alguém;
- O enriquecimento careça de causa justificativa e
- Que seja obtido à custa de quem requer a restituição ou do antecessor deste2.
O enriquecimento, o empobrecimento e a ausência de nexo entre eles são, pois, os elementos de que se compõe esta fonte das obrigações3.
Do enriquecimento.
Muito conclusivamente, o enriquecimento à custa de outrem consiste numa deslocação patrimonial de uma esfera jurídica para outra com empobrecimento desta última4. Enriquecer à custa de outrem é ver a sua esfera jurídica patrimonial aumentada por força de uma diminuição da esfera jurídica de outrem.
O enriquecimento da segunda ré que os autores invocam consiste no facto de a 2ª ré ter cedido a sua posição de promitente-compradora por um montante superior àquele que tinha pago a título de sinal. Trata-se da situação que Menezes Cordeiro identifica como a modificação de um direito de tipo quantitativo num sentido economicamente mais favorável ao enriquecido5.
Vejamos.
Na tese dos autores, a 2ª ré pagou “3.745.500,00” a título de sinal e recebeu “7.678.275,00”, pela cedência da sua posição contratual, pelo que se enriqueceu em “3.932.775,00”.
Será assim?
O enriquecimento é um aumento na esfera jurídica patrimonial e esta é composta por posições activas – direitos – e por posições passivas – deveres ou obrigações. Muito sucintamente, a 2ª ré, enquanto promitente-compradora, tinha na sua esfera jurídica o direito de celebrar o contrato definitivo prometido ou, em caso de aquele contrato não ser celebrado por culpa da promitente vendedora, receber o sinal em dobro ou o valor do dano efectivo, no caso de ser consideravelmente superior (arts. 400º e 436º do CC).
Na esfera jurídica patrimonial da 2ª ré existia um direito “alternativo” de adquirir um imóvel mediante o pagamento de um determinado preço ou de, em caso de incumprimento do promitente-vendedor, receber o dobro do sinal já pago ou o valor do dano que o incumprimento causar se exceder consideravelmente o valor do sinal.
Uma vez que a autora não alegou factos relativos ao valor efectivo do imóvel prometido vender não é possível saber se tal valor é inferior ou superior ao preço prometido. Nem isso releva para a decisão da pretensão da autora, tal como a formulou.
A 2ª ré cedeu um activo seu à 1ª autora. Com a cedência onerosa do seu activo aumentou a esfera jurídica patrimonial da 2ª ré? Os autores entendem que sim, porque a 2ª ré o adquiriu por “menos” e o cedeu por “mais”. Mas o que releva saber é quanto valia o activo da 2ª ré quando o cedeu e não quando o adquiriu. A ré adquiriu algum tempo antes de ceder à 1ª autora. Quando cedeu o direito de adquirir um imóvel por determinado preço e de, em caso de incumprimento do promitente-vendedor, receber o dobro do sinal ou o “dano excedente”, quanto valia o direito que cedeu? Desconhece-se nos autos. Sabe-se que cedeu por HKD7.678.275,00, mas não se sabe quanto cedeu. Como pode concluir-se que enriqueceu com a cedência? Não pode.
Mesmo que não se pondere a eventual existência de “dano excedente” ao valor do sinal e mesmo que o direito que a ré transferiu para a autora não contenha qualquer faculdade relativa ao “dano excedente” causado pelo incumprimento do promitente-vendedor, sempre terá de ser ponderado o direito a receber o sinal em dobro como transferido para a esfera jurídica da autora. E tanto assim é que nos presentes autos os autores vêm exercer esse direito contra a primeira ré. O que não se afigura correcto é afirmar que da esfera jurídica da segunda ré só saiu o valor que algum tempo antes havia pago a título de preço pela promessa de venda da 1ª ré. Os autores não podem querer convencer que com a cedência da posição contratual só saiu da esfera jurídica da 2ª ré o sinal por ela pago (HKD3.745.500,00). Como refere Carlos Alberto da Mota Pinto, a cessão da posição contratual extingue a relação entre cedente e cedido6 transferindo-a para a relação entre cedido e cessionário. Têm, pois, os autores de explicar como aparece na sua esfera jurídica o direito de exigirem da promitente vendedora o sinal em dobro (HKD7.491.000,00). Se tal direito ao dobro não veio da esfera jurídica da ré cedente, de onde surgiu para entrar na esfera dos autores? Só ficcionando se pode concluir que da esfera jurídica da ré apenas saiu por cedência da posição contratual o sinal singelo que aquela havia pago e que na esfera jurídica dos autores entrou um direito de exigir o dobro. Como se multiplicou para o dobro na esfera jurídica patrimonial dos autores um direito que saiu da esfera jurídica da 2ª ré em singelo?
Ao ceder por 7.678.275,00 o direito potencial de exigir 7.491.000,00 e eventuais danos manifestamente superiores, não está demonstrado que a esfera jurídica patrimonial da 2ª ré se enriqueceu, pelo que nenhum enriquecimento haverá a restituir7. Na esfera jurídica da 2ª ré não existia o direito de exigir o sinal em singelo. Existia o direito de imputar o sinal em singelo no preço da venda, mas os autores não utilizam essa causa de pedir porquanto desprezaram (com razão, ao que se afigura) o valor real do imóvel prometido vender e que já não pode ser vendido.
Conclui-se, pois, que não está demonstrado que houve enriquecimento da 2ª ré, pelo que falta um dos elementos da fonte das obrigações invocada e, por isso, não pode nascer na esfera jurídica da 2ª ré a obrigação de restituir por enriquecimento à custa alheia.
Do nexo (da causa justificativa do enriquecimento e da ausência dela).
Não é ilícito o enriquecimento de uma esfera jurídica à custa de outra desde que haja razão jurídica suficiente8. O enriquecimento à custa alheia só gera obrigação de restituir na ausência de causa justificativa.
Mas o que é a causa justificativa do enriquecimento e quando é que se está perante uma ausência de tal causa? Há ausência de causa justificativa do enriquecimento quando tal causa nunca existiu e quando existiu mas deixou de existir.
A causa do enriquecimento trata-se de um nexo de ordenação jurídica de bens entre o enriquecimento e o empobrecimento, a causa jurídica da deslocação patrimonial9. A causa que pode justificar o enriquecimento à custa alheia há-de buscar-se na ordenação jurídica dos bens, nos diversos regimes jurídicos das deslocações patrimoniais10. Nas palavras de Menezes Cordeiro11 “a ausência de causa emerge … da inexistência de normas jurídicas que … levem a considerar o enriquecimento como coisa … tolerada ou querida pelo Direito”. Nas palavras de Antunes Varela, “o enriquecimento é injusto” quando, “segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo direito, ele deve pertencer a outro12”. Refere ainda Menezes Cordeiro que “a deslocação-enriquecimento é dita sem causa por não ter uma determinada cobertura normativa que justifique a passagem …” e que “a ausência de causa traduz-se … pela inexistência de norma” que incida sobre a deslocação determinando-a ou permitindo-a13.
Num contrato de doação, o donatário tem causa justificativa do seu enriquecimento à custa de património alheio e, por isso, pode conservá-lo (arts. 934º e 948º do CC). Mas se se vier a tornar indigno cessa a causa que havia permitido qualificar o enriquecimento como justificado (art. 964º do CC). É, pois, no regime jurídico concreto da deslocação patrimonial que se há-de averiguar da existência ou da inexistência da causa justificativa da deslocação patrimonial. No caso dos autos a deslocação deu-se no âmbito de um contrato de cessão da posição contratual.
No caso dos autos o alegado enriquecimento da segunda ré deu-se por prestação14, deu-se através do pagamento que a 1ª autora fez do preço acordado pela cessão de uma posição contratual. Tem esse pagamento uma causa que justifique que a 2ª ré o conserve na sua esfera jurídica? Terá causa justificativa? Em caso de resposta afirmativa, há que perguntar ainda se terá cessado a capacidade justificativa da causa da deslocação patrimonial pelo facto de o outro contraente do contrato cuja posição contratual foi cedida não cumprir a sua prestação. Como se disse, seguindo de perto Menezes Cordeiro, é no regime concreto da situação jurídica15 onde ocorreu a deslocação patrimonial que há-de procurar-se a resposta. Se existir norma que tolere ou imponha a deslocação, há causa justificativa; se existir norma que não a aceite, não haverá tal causa justificativa para o enriquecimento.
Se em geral a causa jurídica é uma razão para que uma consequência jurídica seja admitida ou tolerada16, em sede de enriquecimento sem causa a causa é uma razão jurídica para que se aceite que aquele que enriquece à custa de outrem possa conservar o enriquecimento.
Mesmo em sede de enriquecimento sem causa, a causa ganha ainda especificidades conforme o enriquecimento tenha lugar por prestação do empobrecido, por intervenção do enriquecido (por exemplo aquele que constrói em terreno alheio – acessão), por envolvimento de terceiro ou por intervenção de fenómeno natural17.
O enriquecimento por prestação, como é o que está em discussão nos presentes autos, chama à colação a questão da causa negocial ou da causa da prestação feita pelo empobrecido18. A causa da prestação é o fim económico típico visado pelo negócio criador do dever de prestar. O fim económico-social típico do contrato de compra e venda é a transferência da propriedade. Se a propriedade não se transfere não há causa para o vendedor manter o preço que recebeu. O fim típico do contrato de cessão da posição contratual é a transmissão da posição contratual, do conjunto de direitos e deveres resultantes de um contrato19. Se a posição contratual não se transmite, não há causa justificativa da prestação do cessionário.
A questão colocada pelos autores prende-se com a causa negocial. Esta tem sido entendida como o fim típico visado pelo negócio jurídico e como o fundamento da sua juridicidade20. “Quando esse fim falha, o negócio fica sem causa”21. Mas a questão do incumprimento nada tem a ver com o fim típico do contrato. O incumprimento, assim como o cumprimento, é externo à causa negocial. E também não releva em sede de enriquecimento sem causa o alegado pelos autores que a 1ª autora pagou no pressuposto de que a ré cumpriria a promessa de venda. Tal pressuposto é alheio ao enriquecimento sem causa. A causa que permite a conservação do enriquecimento é o fim económico-social típico do contrato e não a motivação de uma das partes. Se aquela finalidade está presente, o enriquecido pode conservar o enriquecimento. Se a posição contratual se transferiu, o cedente pode conservar o preço por se verificar a causa negocial. A motivação que os autores invocam, por ser relativa ao futuro, nem chega a ser erro negocial, nem sobre a base do negócio nem sobre os motivos. Apenas poderia configurar questão relativa a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar se, efectivamente, ambas tivessem decidido contratar elevando tal pressuposto de cumprimento da promessa de venda à categoria de base do negócio: circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, o que permitiria a resolução ou a modificação do contrato mas nunca fundaria a restituição por enriquecimento sem causa.
Voltando à afirmação que a causa justificativa do enriquecimento à custa alheia (ou da deslocação patrimonial entre esferas jurídicas) se procura no regime normativo da deslocação em concreto, somos remetidos para o regime jurídico da cessão da posição contratual onde se deu a deslocação patrimonial que os autores pretendem reverter. E aí encontramos a norma jurídica de que fala Menezes Cordeiro que autoriza a deslocação patrimonial irreversível se o cedente não garantir o cumprimento da outra parte contratual. Afinal a causa justificativa que os autores dizem que falta existe e consta do art. 420º, do CC. Ali se dispõe que “o cedente garante ao cessionário a existência da posição contratual transmitida” e que “a garantia do cumprimento das obrigações só existe se for convencionada nos termos gerais”. Se a posição contratual cedida não existe e não se transmite do cedente para o cessionário, então não há causa para a contrapartida do cessionário e se existe e se transmite é essa a causa justificativa da eventual deslocação patrimonial feita pelo cessionário, a aqui 1ª autora22. O cedente só é responsável pelo cumprimento do contrato cedido se assim for convencionado23. A contrario sensu, se não for convencionada a garantia de cumprimento, o cedente só garante a existência da posição contratual cedida. A causa justificativa da contrapartida da cedência não é, pois, contrariamente à tese dos autores, o cumprimento do contrato cedido, mas a existência desse mesmo contrato.
Diga-se agora que os autores só pretendem reverter parte da deslocação patrimonial que a 1ª autora fez. Se a 1ª autora pagou 7.678.275,00 sem causa justificativa, por que razão só pretendem reverter 3.932.775,00? Parece que entendem que há causa justificativa para a deslocação de 3.745.500,00 para poderem exigir 7.491.000,00 (sinal em dobro) da primeira ré promitente-vendedora inadimplente e parece que entendem que não há causa justificativa para a deslocação patrimonial de 3.932.775,00, porque não podem exigir mais 7.865.550,00 à promitente-vendedora faltosa. Mas a causa enquanto razão da deslocação patrimonial é a mesma: a função económico-social da cessão da posição contratual. Se não há causa para a deslocação patrimonial, então os autores deveriam pedir a restituição de tudo que a 1ª autora pagou. Contraditoriamente pretendem que haja causa para poderem demandar a promitente vendedora inadimplente e pretendem que não haja causa para poderem demandar a 2ª ré cedente da posição contratual. Nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Se a causa é a função económico-social do contrato, na cessão da posição contratual é a transferência da posição contratual e, logo, os autores não podem dizer que a posição da 2ª ré não se transferiu e falta a causa para o seu enriquecimento e, ao mesmo tempo, dizer que essa posição contratual se transferiu para a sua esfera jurídica e têm os autores causa para exigir da primeira ré o sinal em dobro.
A causa da deslocação patrimonial (fim típico do negócio de cessão da posição contratual) foi a cedência da posição contratual. E essa cedência ocorreu (ao ponto de os autores estarem a exercer contra a 1ª ré a posição contratual que adquiriram. A causa justificativa da deslocação patrimonial existe. Por isso o nº 2 do art. 467º do CC dispõe que “a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa tem de modo especial por objecto o que for recebido em vista de um efeito que não se verificou”. Ora, o efeito da cessão da posição contratual é a transferência de tal posição. E essa transferência/efeito ocorreu, nos termos combinados do disposto no nº 2 do art. 406º e 418º do CC, ao ponto de os autores estarem a invocar a sua posição contratual para exigir indemnização da ré por incumprimento.
Conclui-se, pois, que, a existir enriquecimento da 2ª ré, tal enriquecimento não tem falta de causa justificativa, pois os autores, em troca do pagamento que a 1ª autora fez, receberam a posição contratual que estão a “utilizar” para reclamar da 1ª ré o sinal em dobro. Falta, pois, outro dos elementos da fonte das obrigações invocada e, por isso, não pode nascer na esfera jurídica da 2ª ré a obrigação de restituir por enriquecimento à custa alheia. A causa contratual (fim típico do negócio de cessão da posição contratual – transferência da posição contratual) existiu e mantêm-se, quer porque não ocorreu o desaparecimento de tal causa contratual, como seria o caso de extinção da posição contratual transmitida, quer por se ter produzido o efeito visado pelos contraentes (cedente e cessionário), não podendo concluir-se que com o incumprimento da promitente vendedora não ocorreu a produção do efeito contratual visado pelos contraentes, cedente e cessionária, pois que tal efeito foi apenas a transmissão da posição contratual e não a aquisição da propriedade da fracção autónoma prometida vender.
Do empobrecimento.
A 1ª autora pagou 7.678.275,00 e têm direito de exigir 7.491.000,00 ou o dano que exceda consideravelmente o dobro do sinal prestado pela ré cedente. Os autores não empobreceram, no sentido de verem a sua esfera jurídica patrimonial reduzida. Logo, mesmo que a 2ª ré tivesse enriquecido, não teria sido à custa dos autores, faltando também este pressuposto da obrigação de restituir em consequência de enriquecimento sem causa. Destaca-se que os autores não demandaram a segunda ré subsidiariamente, para o caso de apenas receberem o sinal em singelo. Demandaram em pedido principal.
Da subsidiariedade do enriquecimento sem causa.
Dispõe o art. 468º do CC que “não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído…”.
Os autores alegadamente empobrecidos, além do direito de receber o dobro do sinal podem ser indemnizados pelo dano excedente resultante do incumprimento da promitente-vendedora (art. art. 436º, nº 4 do CC). Logo, não podem socorrer-se do enriquecimento sem causa. Além disso, como se viu, a 1ª autora tinha outro meio de ser ressarcida: no contrato de cessão da posição contratual acordava com os cedentes a responsabilização pelo incumprimento por parte da cedida promitente-vendedora. Não o fez, sibi imputet. Não pode recorrer ao meio subsidiário se desprezou o meio “ordinário”. Se celebrou um contrato de cessão da posição contratual que quis sem garantia de cumprimento do contrato cedido, não pode agora obter tal garantia pela via “excepcional” do enriquecimento sem causa. E se não demanda a ré incumpridora da promessa pelo dano que excede o sinal em dobro, não pode também obter tal indemnização pela via “excepcional” do enriquecimento sem causa.
Em conclusão, faltam todos os pressupostos da obrigação de restituir em consequência de enriquecimento sem causa: há causa justificativa para a deslocação patrimonial; os autores não empobreceram a sua esfera jurídica patrimonial com o pagamento feito; Não está demonstrado que a 2ª ré enriqueceu com o pagamento que recebeu e os autores têm outros meios de obter indemnização pelos danos sofridos em consequência do incumprimento da promitente-compradora.
Improcede, pois, a pretensão dos autores contra a 2ª ré.
*
2 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da 1ª ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a 1ª ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação dizendo que mantinha pendente uma acção judicial que lhe poderia proporcionar a faculdade de construir aquela fracção. Por outro lado, a 1ª ré veio aos autos informar que já terminou por desistência a referida acção judicial que movera contra a RAEM na qual pretendia recuperar a possibilidade jurídica de construir a fracção a entregar à 1ª autora. Acresce que, não tendo a 1ª ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva24. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a 1ª ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa25. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à 1ª ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável26. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a 1ª ré acordou com a 2ª ré e se transmitiu à 1ª autora.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
2.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
2.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da 1ª ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à 1ª ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
2.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que, não se tendo encontrado ainda razões para alterar o sentido da decisão, não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
Em síntese:
A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar a 1ª autora (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído a facção acordada com a cedente da posição contratual de promitente-comprador à 1ª autora no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa.
A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em relação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil , estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não despresível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.
A ré, quando se comprometeu com a 2ª ré “cedente” (26/02/2011), precisava de três a quatro anos para preparar a sua prestação (ponto 100 dos factos provados) e, considerando que necessitava de licença de obras que só lhe seria emitida depois de apresentado e aprovado estudo de impacto ambiental que ainda não tinha apresentado (apresentou em 11/05/2011) não dispunha desse tempo de 3 a 4 anos até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014). Além disso, necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não desprezível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, que respeitem a falhas de organização ou outras falhas.
Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré se vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família. A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação.
Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos de gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonomia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
Em conclusão, a causa da impossibilidade da prestação é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à ré a título de culpa.
3 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão dos autores e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
4 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
4.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da 1ª ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à 1ª ré, basta que haja danos na esfera jurídica da 1ª autora com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da 1ª ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que a 2ª ré pagou à 1ª ré para receber dela um imóvel, que a 2ª ré transmitiu onerosamente a sua posição contratual à 1ª autora e que esta nada recebeu da 2ª ré, é forçoso concluir que a 1ª autora sofreu danos decorrentes do incumprimento da 1ª ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da 1ª ré a obrigação de indemnizar 1ª autora, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
4.2 Do montante da indemnização
Os autores pretendem ser indemnizados pelo dobro do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foi e a 1ª ré que não foi.
4.2.1 Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Como antes se referiu, os autores entendem que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a 1ª ré entende que deve ser qualificado como contrato atípico.
A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes27. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual28. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular29. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual30.
Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das parte não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
Este tribunal também já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos, conhecendo as partes, designadamente os seus ilustres mandatários, a fundamentação da referida decisão, razão por que, não se tendo encontrado ainda razões para alterar o sendido da decisão, também não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
No contrato celebrado entre as rés, reproduzido nos factos provados, as partes comprometeram-se a celebrar no futuro um contrato de compra e venda, o que se conclui da interpretação do contrato, quer pelo título que as partes lhe deram, quer pelas cláusulas de que o dotaram, designadamente estipulando que a autora não podia recusar a celebração do contrato definitivo em determinadas circunstâncias (cláusula 22ª) e fazendo depender de pagamento e de autorização da ré a transmissão da posição contratual da autora (cláusula 9ª), o que é incompatível com a convicção das partes no sentido de a autora ter adquirido da ré um direito real.
Conclui-se, pois, que deve ser qualificado como contrato-promessa o acordo celebrado entre as rés e cuja posição contratual de promitente-comprador foi adquirida pela 1ª autora.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico31. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes32.
Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que a 2ª ré entregou à 1ª ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que ambas celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A 1ª ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 54º da base instrutória). Tem a 1ª ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão. Com efeito, a 1ª ré logrou apenas provar que o contrato que celebrou refere a palavra preço, não constituindo tal facto “prova do contrário” do facto presumido. Isto é, não é prova de que as partes não quiseram atribuir carácter de sinal.
Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
Ora, se em caso de incumprimento da 2ª ré a 1ª ré é indemnizada em “X”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da 1ª ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que a 2ª ré ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pela autora fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
As partes não estipularam que em caso de incumprimento da 2ª ré a 1ª ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a 1ª ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a 1ª ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à 1ª ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da 1ª ré confere à 1ª autora o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a 1ª ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar à 1ª autora um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal33;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo34.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à 1ª ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo da autora e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
A 1ª ré limitou-se a dizer que a sua culpa é reduzida, sem nada dizer quanto ao dano efectivo da 1ª autora (arts. 204º a 211º da contestação).
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações35, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento36.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que a 1ª autora sofreu. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à 1ª ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo da 1ª autora e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré nada disse, embora em sede de audiência de julgamento tivessem sido aditados à base instrutória factos não alegados e relativos à candidatura dos autores à aquisição de uma fracção autónoma em condições favoráveis no âmbito de um programa governamental que beneficia a 1ª autora devido ao facto de a prestação da 1ª ré se ter tornado impossível.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
A 1ª autora adquiriu a posição contratual de promitente vendedora por preço superior ao dobro do sinal e está privada há vários anos da quantia que pagou e das três fracções autónomas que pretendia adquirir, não se sabendo quando irá adquirir outra fracção autónoma no âmbito do referido programa governamental, pelo que não está minimamente deponstrado que o dano efectivo da 1ª autora é consideravelmente inferior ao valor do sinal, razão por que não pode haver redução do valor da indemnização por recurso à equidade.
Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pela 1ª autora, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
Conclui-se, pois, que procede a pretensão da 1ª autora de ser indemnizada em montante igual ao sinal prestado e improcede a pretensão da 1ª ré de ver reduzida a indemnização segundo juízos de equidade.
Este tribunal já julgou outra acção entre os autores e a 1ª ré onde foi colocada a mesma questão (Processo nº CV3-19-0101-CAO). Verifica-se a partir desse outro caso que a fracção que a 1ª autora pode adquirir tem por base aqueles outros autos que respeitavam à fracção autónoma “H” do 9º andar do Bloco 6 do empreendimento “XX”. Também ali se entendeu não estar demonstrado que o valor do sinal é superior ao valor do dano da 1ª autora, tendo a decisão sido impugnada por via de recurso para o Venerando TSI e tendo este tribunal julgado o recurso improcedente pelo seu acórdão nº 220/2024, de 30 de Maio de 2004, Relator: Dr. Ho Wai Neng.
5 – Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
6 Da mora na obrigação de indemnizar.
Os autores não pediram indemnização moratória no caso de proceder a sua pretensão de pagamento do dobro do sinal. Apenas pedira indemnização moratória contra a 2ª ré e, quanto à 1ª ré, para o caso de apenas proceder o pedido subsidiário de restituição do sinal em singelo.
Assim, não pode a 1ª ré ser aqui condenada no pagamento de juros moratórios, sendo que a presente sentença apenas se reporta ao período até ao encerramento da discussão em primeira instância.
V – DECISÃO.
Pelo exposto:
a) – Julga-se o segundo autor, B, parte ilegítima e, em consequência, absolvem-se as rés da parte da instância respeitante ao segundo autor;
b) – Julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1. Declaram-se resolvidos os contratos celebrados entre as rés e cuja posição contratual da segunda ré foi adquirida pela primeira autora;
2. Absolve-se a segunda ré, D, do demais peticionado pelos autores;
3. Condena-se a primeira ré, C Limitada (C有限公司), a pagar à primeira autora, A, a quantia de HKD7.491.000,00 (sete milhões, quatrocentos e noventa e um mil dólares de Hong Kong).
Custas a cargo dos autores e da primeira ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Uma vez que está em causa essencialmente a aplicação de Direito, vamos apreciar os recursos interpostos pela Autora e pela Ré em conjunto.
*
Ora, a particularidade do caso dos autos consiste no seguinte:
a) – A primeira promitente-adquirente (2ª Ré) pagou, no 1º momento, uma parte dos preços acordados para adquisição das 3 fracções autónomas em causa;
b) – Depois, ela cedeu as posições contratuais para a Autora dos autos;
c) – Agora, a Autora veio a reclamar a restituição em dobro das quantias totais pagas por ele.
Terá a Autora fundamentos legais para o fazer?
Tal como temos vindo a sublinhar que cada caso é um caso, não obstante existirem vários processos em que se discutem as questões idênticas ou semelhantes.
Ora, dada a identidade ou a semelhança da matéria discutida neste tipo de processos, as considerações por nós tecidas noutros processos valem, mutatis mudantis, para o caso, obviamente com as devidas adaptações, nomeadamente no processo nº 813/2024, com o acórdão proferido em 13/3/2025, em que ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)
1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pude cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indesculpável”, o que deve relevar para ponderar e fixar as sanções contratuais!
(…)”.
Aqui, merece igualmente destacar um outro ponto: o raciocínio do Tribunal a quo aponta, parece-nos, para a ideia de que toda a culpa de incumprimento se concentra na parte da Ré/Recorrente, mas tal como se refere anteriormente por nós, não é líquida esta argumentação, já que a Ré fazia e tentava fazer tudo para que pudesse cumprir os compromissos assumidos perante o Governo da RAEM, apesar que o resultado final não vir a ser “satisfatório” a todos os níveis. Mas os comportamentos assumidos pela Ré demonstram que não existe “dolo” de incumprimento por parte dela, quanto muito, negligência ou utilizando uma linguagem diferente, um “risco de investimento” que a Ré há-de assumir, daí a sua quota-parte de responsabilidade, circunstâncias estas que devem ser valoradas na fixação das indemnizações que cabem no caso em análise. Aliás, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão dos factos afirmou: “A convicção do tribunal formou-se na análise crítica da globalidade da prova testemunhal e documental produzida, ponderada nos termos antes referidos e que podem ser explicitados sinteticamente como segue.
É uma evidência que a ré tinha vontade firme de concluir o empreendimento “XX”, o que resulta da consideração dos esforços e dispêndios que fez, incontestáveis e incontestados nos autos, incluindo por via judicial.”
*
Conforme o quadro factual fixado pelo Tribunal recorrido, existem vários factos que são claros para demonstrar que a Ré não actuou com “dolo” no cumprimento dos acordos quer perante o Governo enquanto concedente quer perante as partes dos contratos-promessa, a saber:
“(…)
- A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo de impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
- Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
- Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013, foi aprovado o último relatório apresentado;
Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
- Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde.
“(…)”
1. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 24/12/2015 porque os serviços da RAEM criaram tais expectativas, nomeadamente:
a. Ao emitirem licença de obras para as fundação em 02/1/2014, um mês antes do terreno do prazo de aproveitamento;
b. Ao Prorrogarem o prazo de aproveitamento em 29/7/2014 até 25/12/2015, sabendo que tal não seria possível;
c. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no dentro do respectivo prazo. (Q 9.º)
(…)”.
Tudo isto demonstra claramente que a Ré não actuou com dolo para desrespeitar as obrigações decorrentes dos contratos-promessa, pelo contrário, os factos assentes acima transcritos podem constituir alteração superveniente das circunstâncias nos termos do artigo 431º do CCM (O Autor chegou também alegar esta matéria conforme o teor do artigo 138º a 139º da PI), já que se tratam de factos imprevisíveis e que ocorreram posteriormente ao momento da celebração dos acordos em análise.
*
Com as devidas adaptações, o disposto no artigo 784º/2 do CCM pode ser chamado para fundamentar a decisão em análise, já que tal normativo dispõe:
(Contratos bilaterais)
1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, o valor do benefício é descontado na contraprestação.
Em regra, a restituição do sinal não representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
*
1) - Agora, relativamente ao dano excedente, quando não pode ser calculado ao certo, à luz da doutrina dominante, e no caso da sua impossibilidade, recorre-se ao juízo de equidade.
A propósito deste ponto, escreveu-se:
“De harmonia com a lei substantiva, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma e outra norma (artº 609.º, n.º 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será equitativamente julgado5. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja6, nem serve para alijar por inteiro, o não cumprimento, seja pelo credor da obrigação de indemnização quantitativamente indeterminada do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito, seja pelo devedor de igual ónus que o vulnera no tocante a qualquer facto extintivo daquela mesma obrigação (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, e 346.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC).”37
2) – Pergunta-se, como é que se deve resolver este tipo de questões? A propósito desta matéria, citemos aqui a posição dominante vigente em Portugal, em nome do Direito Comparado (Cfr. ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/10/2012) sobre a matéria em discussão (uma situação semelhante):
“Acontece porém que nos situamos no âmbito da resolução do contrato. O autor optou pela resolução do contrato.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” [14].
Entre as partes e na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art.º 433º do Código Civil. Por isso tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes.
Ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. O que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, "de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida".
Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” [15].
Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado [16]. Tal entendimento tem sido seguido maioritariamente na jurisprudência. [17]
Com base nesta doutrina, não é aceitável a compatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao (interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela solução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.
Por isso e conclui no citado acórdão de 24.1.2012 que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido”.
Nada no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência. [18]
Por conseguinte, improcede o pedido de indemnização do A. relativo a lucros cessantes.”
O raciocínio vale, mutantis mudantis, para o caso dos autos, sendo certo que o artigo 436º do CCM (que tem uma redacção diferente da do CC de 1966 vigente em Portugal), consagra:
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Depois, o artigo 801º do CCM manda:
(Redução equitativa da pena)
1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
A propósito dos nº 4 e 5 do artigo 436º do CCM, anotou-se:
“15. No estudo global que se faça do problema, chega-se à conclusão que o nº 4 vem reforçar a ideia transversal consagrada no Código a respeito da natureza confirmatória do sinal (o próprio Menezes Leitão acaba por admitir que o nº 4 não tem natureza penitencial, em ob. cit., pág. 246). Ou seja, para lá da perda do sinal pelo tradens ou da devolução em dobro do sinal pelo accipiens, ainda pode haver lugar, salvo estipulação em contrário, a indemnização pelo dano excedente. Foi uma opção do legislador de Macau, que podia ter aproveitado a ocasião para ser mais generosa. Com efeito, não passou da criação dessa possibilidade indemnizatória pelo dano excedente, sem a estender a outra qualquer indemnização (nomeadamente, por danos não patrimoniais), tendo em conta que na parte final do nº 4 afirmou expressamente a impossibilidade de alargamento da extensão indemnizatória (habitualmente, alguns autores defendem que, sem limitação, pode haver a indemnização por perdas e danos no caso de sinal confirmatório).
Pior é, apesar de tudo, a situação do parente próximo preceito português, pois nele se preceitua que "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento".
De qualquer maneira, há mesmo aí quem sustente que, para além dessa indemnização pelo não cumprimento, possa haver uma ou mais indemnizações fundadas noutras causas, como, por exemplo, nos casos de terem sido feitas benfeitorias na coisa (Ana Prata, Código ... cit., pág. 568).
16. O nº 5 manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 801º. Não é bem claro o propósio da disposição legal: se apenas se aplica aos casos em que os contraentes estabelecem no contrato uma indemnização para o caso de incumprimento por arrependimento (arras ou sinal penitencial), ou se também aplicação no caso de sinal confirmatório-penal.
E se a resposta for no sentido de apenas cobrir a segunda hipótese de sinal confirmatório, ainda fica por saber se a redução por equidade (art. 801º) abrange somente as situações em que há dano excedente (nº 4), calculando-se aí a indemnização segundo critérios equitativos, ou se também atinge o dobro do sinal por incumprimento do accipiens.
Por um lado, poderia parecer que a melhor solução seria, efectivamente, a que permite a aplicação do regime de redução no caso de incumprimento de contrato em que o sinal tem a função de arra confirmatória. Na verdade, se o sinal tiver o sentido penitencial, isso se deve ao facto de as partes, de livre vontade e por consenso, terem estabelecido os próprios limites indemnizatórios, não fazendo sentido que o tribunal os possa baixar apenas porque o devedor lho tenha pedido.
Por outro lado, é de crer que a redução também não possa incidir sobre o dobro do sinal, porque isso seria contrariar a solução da lei (nº 2).
Nesta óptica, pareceria ficar assim a remissão para o art. 801º circunscrita às situações em tiver que haver indemnização pelo dano excedente. Este dano pode ser, realmente, elevado, se tivermos em conta as diferenças de preços em mercados (por exemplo, imobiliários) que frequentemente se pautam por regras pouco saudáveis de especulação. Tendo em conta que o dano pode ser realmente avultado, a intervenção do juiz pode eventualmente justificar-se, se bem que a redução também pode funcionar como um prémio ao devedor.
Não temos, enfim, a certeza sobre o alcance da norma.
Mas, se fizermos a conjugação dos artigos 436º, 801º (e o ambiemte da sua sistematização) e 820º, nº 2, (neste caso, para o contrato-promessa) talvez seja possível, afinal de contas, considerar que a remissão apenas faça sentido nos casos em que as partes contratantes tenham estipulado, por penitência, uma indemnização com caracter de pena no contrato para a hipótese de não cumprimento por arrependimento. A jurisprudência dirá o que for de justiça sobre o assunto. (Cfr. Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, CFJJ, 2020, Vol. VI, pág. 506 e 507).
Efectivamente pode existir alguma dúvida na interpretação e aplicação das normas em causa.
Mas não é pela primeira vez que este TSI é chamado para se pronunciar sobre o conceito de danos ou prejuízos excedentes, o mesmo conceito encontra-se consagrado no artigo 1027º do CCM em matéria locatária que dispõe:
(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
A propósito deste conceito, ficou consagrado o seguinte entendimento no Proc. nº 646/2017, com o acórdão proferido em 26/07/2018:
“I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!”
Não há razões bastantes para não seguirmos o entendimento acima referido, já que está em causa uma matéria de natureza idêntica: para além de pagar o dobro, pode pedir-se indemnização por danos excedentes, mas estes têm de estar devidamente demonstrados e comprovados, não bastam alegações abstractas ou provas indirectas.
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio38.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Voltando ao caso em análise, sublinhe-se aqui, é de verificar que a norma do nº 4 do artigo 436º é mais exigente do que a norma do artigo 1027º (que regula a matéria de locação), pois aquela norma fala de “dano consideravelmente superior’! O que exige provas mais rígidas e persuasivas!
*
Aqui, é de recordar-se que no processo nº 220/2024 fica consignado o seguinte entendimento:
“從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
事實上,本院在涉及“XX”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
4. 就賠償金額方面:
第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
a) 法律規定容許者;
b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
在本個案中,原告們向原預約買受人支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。”
3) – Voltando ao caso dos autos, uma leitura possível: ao contrário que se pretende defender, temos por certo que as quantias pagas pelos Autores à Ré a título de sinal, se fossem depositadas nas instituições bancárias, certamente eles receberão juros, facto este que temos por certo que os Autores deixaram de poder os receber, razão pela qual a Ré deve indemnizá-los por esta via.
(…)
4) - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto (Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03). Ou seja, no caso, deve existir factos assentes no sentido de que os Autores tivessem a possibilidade de vender, pelo menos, pelos valores por ele alegados e comprovados (ex. mediante contratos-promessa de compra e venda celebrados) a uma terceira pessoa concreta, o que não se encontra devidamente demonstrado por factualidade assente.
5) (…)”.
*
Relativamente à solução ditada pelo Tribunal a quo, globalmente analisados os argumentos invocados pelo Tribunal a quo, é de entender que a solução é correcta, quando se afirmou:
“O valor do sinal.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à 1ª ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo da autora e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
A 1ª ré limitou-se a dizer que a sua culpa é reduzida, sem nada dizer quanto ao dano efectivo da 1ª autora (arts. 204º a 211º da contestação).
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações39, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento40.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que a 1ª autora sofreu. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à 1ª ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo da 1ª autora e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré nada disse, embora em sede de audiência de julgamento tivessem sido aditados à base instrutória factos não alegados e relativos à candidatura dos autores à aquisição de uma fracção autónoma em condições favoráveis no âmbito de um programa governamental que beneficia a 1ª autora devido ao facto de a prestação da 1ª ré se ter tornado impossível.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
A 1ª autora adquiriu a posição contratual de promitente vendedora por preço superior ao dobro do sinal e está privada há vários anos da quantia que pagou e das três fracções autónomas que pretendia adquirir, não se sabendo quando irá adquirir outra fracção autónoma no âmbito do referido programa governamental, pelo que não está minimamente deponstrado que o dano efectivo da 1ª autora é consideravelmente inferior ao valor do sinal, razão por que não pode haver redução do valor da indemnização por recurso à equidade.
Não está, pois, demonstrado nos autos que o valor do sinal é manifestamente excessivo em relação ao valor dos danos efectivamente sofridos pela 1ª autora, razão por que não há lugar à pretendida redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal.
Conclui-se, pois, que procede a pretensão da 1ª autora de ser indemnizada em montante igual ao sinal prestado e improcede a pretensão da 1ª ré de ver reduzida a indemnização segundo juízos de equidade.
Este tribunal já julgou outra acção entre os autores e a 1ª ré onde foi colocada a mesma questão (Processo nº CV3-19-0101-CAO). Verifica-se a partir desse outro caso que a fracção que a 1ª autora pode adquirir tem por base aqueles outros autos que respeitavam à fracção autónoma “H” do 9º andar do Bloco 6 do empreendimento “XX”. Também ali se entendeu não estar demonstrado que o valor do sinal é superior ao valor do dano da 1ª autora, tendo a decisão sido impugnada por via de recurso para o Venerando TSI e tendo este tribunal julgado o recurso improcedente pelo seu acórdão nº 220/2024, de 30 de Maio de 2004, Relator: Dr. Ho Wai Neng.
7 – Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
8 Da mora na obrigação de indemnizar.
Os autores não pediram indemnização moratória no caso de proceder a sua pretensão de pagamento do dobro do sinal. Apenas pedira indemnização moratória contra a 2ª ré e, quanto à 1ª ré, para o caso de apenas proceder o pedido subsidiário de restituição do sinal em singelo.
Assim, não pode a 1ª ré ser aqui condenada no pagamento de juros moratórios, sendo que a presente sentença apenas se reporta ao período até ao encerramento da discussão em primeira instância.”
*
Uma nota expressa sobre o recurso da Autora, que se prende com os juros moratórios, o Tribunal a quo entendeu que não foi formulado expressamente este pedido neste ponto, pois, no seu seu artigo 78º da PI alegou "em virtude da existência de contrato-promessa (...) podem os dois Autores exigir à 1ª Ré a restituição em dobro do sinal, devido a factos imputáveis à mesma, i. é, HKD7.491.000,00 (...).", a Recorrente/Autora encerrou, assim, esta parte da sua petição, não aludindo, em momento nenhum, a juros de mora. Depois, formou o seu pedido nos seguintes termos: “nestes termos, têm os dois autores o direito de exigir à 1ª Ré a restituição do preço do imóvel, no montante de MOP3.857.865,00, bem como juros de mora no montante de MOP1.652.989,45, perfazendo, no total, MOP5.510.854,45".
Depois, entre os artigos 91º e 94º da PI, ao analisar um segundo pedido subsidiário, também a Recorrente reclamou expressamente o seu direito a juros de mora, concluindo, no artigo 94º, da seguinte forma: "Nestes termos, têm os dois Autores o direito de exigir à 1ª Ré (...) a devolução do preço do imóvel no montante de MOP3.857.865,00, bem como juros de mora no montante de MOP599.845.865,00,16, perfazendo, no total, MOP4.457.710,16.".
Finalmente, a Recorrente fez um terceiro pedido subsidiário por enriquecimento sem causa onde também não reclama o direito a juros de mora, mas somente o valor recebido pela ora Recorrida, MOP3.857.865,00 (vd. artigo 98º da p.i.)
Pelo exposto, enquadrados os pedidos no contexto da petição inicial, fica demonstrado que, efectivamente, como foi correctamente interpretado pela douta sentença recorrida, a Recorrente não formulou nenhum pedido de condenação no pagamento de juros de mora relativamente ao seu pedido principal formulado contra a Recorrida, o qual procedeu.
Pelo que, não pode o Tribunal a quo condenar ultra petitum, sob pena de se violar o disposto no artigo 571º/1-e) do CPC, não merecendo assim censura a decisão recorrida, julgando-se deste modo improcedente o recurso interposto pela Autora.
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Quanto ao demais, é de verificar-se que nesta parte, todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido e, nesta sede de recurso concluímos, em face da argumentação acima transcrita, o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
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Face ao exposto, é de negar provimento aos recursos, respectivamente interposto pela Autora e pela Ré, mantendo-se a decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelas Partes em partes iguais.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 08 de Maio de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)
1 Nas suas alegações sobre solução jurídica da causa já a ré entende que ocorre impossibilidade do cumprimento da sua prestação contratual. Talvez por já ter desistido do pedido na acção que intentara contra a RAEM.
2 Acórdão do Venerando Tribunal de Segunda Instância de 25/04/2002, proferido no processo nº 36/2002 25.04.2002, Relator: Dr. Dias Azedo, acessível em www.court.gov.mo; Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/03/2019, proferido no processo nº 26274/16.7T8LSB.L1-7 e acessível em www.dgsi.pt e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 480.
Há quem acrescente mais um requisito ligado à subsidiariedade do enriquecimento sem causa que consiste no facto de não haver outro meio de o empobrecido ser ressarcido.
3 Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, Lisboa AAFDL, 1988, pg. 53, fala em enriquecimento, empobrecimento ou dano e em falta de causa desse enriquecimento.
4 Cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º Volume, Lisboa AAFDL, 1988, pgs. 43 a 46 e Professor Manuel Trigo, Lições de Direito das Ogrigações, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 2014, p. 222.
5 Op. Cit., p. 53.
6 Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Almedina, Coimbra 1982, p. 452: “em princípio, essa transmissão da posição contratual produz a exoneração dos vínculos anteriormente existentes entre cedente e cedido integrados no contrato transmitido. A referida transferência é pressuposto desta exoneração, no sentido de que não se registará este último efeito se, por invalidade ou ineficácia da respectiva cessão, a posição contratual não se transmitir para a nova parte contratual”.
7 Quanto à forma de avaliar o dano segue-se a posição de Menezes Cordeiro (in concreto e objectivamente) – op. Cit., p. 59. Luís Menezes Leitão, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, Edições Almedina, 2005, p. 960 parece seguir uma forma de avaliação do enriquecimento in abstracto e objectivamente.
8 Em “situações em que o funcionamento normal dos institutos jurídicos leva a um enriquecimento causal de um sujeito a expensas doutro” – Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, Volume III, Lisboa 1992. P. 330.
9 Menezes Cordeiro, op. Cit., p. 55 e Luís Menezes Leitão, O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil, Edições Almedina, 2005, p. 758, 959 e 963.
10 Professor Manuel Trigo, Op. Cit., p. 229, citando Rui de Alarcão: “pode dizer-se que o enriquecimento sem causa é o enriquecimento que carece de causa segundo a ordenação jurídica dos bens”.
11 Op. Cit., p. 56.
12 Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 487.
13 Op. Cit., p. 46.
14 Luís Menezes Leitão, op. Cit., p. 441.
15 Ou relação jurídica para a teoria geral do direito civil que elege esta categoria como compreensiva do direito privado.
16 Sobre a problemática geral da causa, Oliveira Ascensão, op. Cit., p. 330 e segs. Menezes Cordeiro faz referência a um entendimento da causa como causa-justificação – Op. Cit, 1º Volume, pág. 511.
17 Por todos, Luís Menezes Leitão, op. Cit.
18 Menezes Cordeiro (op. Cit., p. 46) faz distinção entre a causa do enriquecimento e a causa contratual. Por sua vez, Antunes Varela (op. Cit., p. 484) associa a causa do enriquecimento à causa contratual enquanto fim típico do negócio.
19 Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Almedina, Coimbra 1982, p. 450: “o efeito típico principal da cessão de contrato, caracterizador da sua função económico-social, é a transferência da posição contratual, no estádio de desenvolvimento em que se encontrava no momento da eficácia do negócio, de uma das partes do contrato para a outra. Verifica-se a extinção subjectiva da relação contratual, quanto ao cedente, sendo a mesma relação adquirida pelo cessionário e permanecendo idêntica, apesar da modificação de sujeitos. O cedente perde os créditos em relação ao cedido, …, igualmente se passando as coisas quanto aos demais vínculos inseridos na relação contratual. Todas essas situações subjectivas, activas e passivas, cujo complexo unitário, dinâmico e funcional, constitui a chamada relação contratual, passam a figurar na titularidade do cessionário. A transmissão da relação contratual, com todo o seu conteúdo, opera-se por mero efeito do contrato de cessão”.
20 Sobre o conceito de causa como fundamento da juricidade ou como função económico-social, Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 2ª edição, 2009, pgs. 121 a 130.
21 Antunes Varela, op. Cit., p. 484.
22 “Não terá lugar, em princípio, uma responsabilidade do cedente por força do inadimplemento pelo cedido do contrato transmitido. Não pode, deste modo, exigir-se-lhe qualquer indemnização em consequência desse inadimplemento, nem sequer o contrato de cessão pode ser resolvido ou recusada pelo cessionário a contraprestação eventualmente convencionada com o cedente, com fundamento na inexecução pelo cedido das suas obrigações. Uma indemnização com este fundamento só pode ser reclamada do próprio cedido, assim como só em face deste poderá o cessionário invocar, relativamente ao contrato cedido, o direito de resolução ou a excepção do incumprimento do contrato, ficando, aliás, intocado o contrato de cessão” – Carlos Alberto da Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Almedina, Coimbra 1982, p. 468.
23 Cfr. Pires de Lima/Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, p. 402.
24 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
25 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
26 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
27 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
28 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
29 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
30 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
31 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
32 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
33 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
34 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
35 Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
36 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
37 Ac do STJ, Proc. 3292/20.5TBLRA/C1.S1., de 11/02/2025.
38 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
39 Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
40 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
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