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Processo nº 120/2024
(Autos de recurso jurisdicional)
   





ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. “A”, (“甲”), sociedade com sede em Macau, propôs, no Tribunal Administrativo, “acção sobre contrato administrativo” contra a REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU, pedindo, a final, que fosse a R. condenada a lhe pagar:

“1. Indemnização por incumprimento das obrigações emergentes do acordo de revisão do contrato de concessão de 21 de Junho de 1991, sendo-lhe exclusivamente imputáveis à RAEM as causas que motivaram a impossibilidade de aproveitamento do terreno concessionado para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), conforme a Planta de Condições Urbanísticas aprovada e entregue à Autora, nomeadamente:
1.1 A título de Danos Emergentes:
1.1.1 Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados, em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
1.1.2 Com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
1.2 A título de Lucros Cessantes:
1.2.1 Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), conforme a referida Planta de Condições Urbanísticas, tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença.
Alternativamente,
2. Indemnização por incumprimento das obrigações emergentes do contrato de concessão de 21 de Junho de 1991, sendo-lhe exclusivamente imputáveis à RAEM as causas que motivaram a impossibilidade de aproveitamento do terreno concessionado originariamente para fins industriais, nomeadamente:
1.1 A título de Danos Emergentes
1.1.1 Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados, em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
1.1.2 com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais de apresentação, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
1.2 A título de Lucros Cessantes
1.2.1 Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins industriais tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença.
Dos pedidos subsidiários
Em caso de improcedência dos pedidos acima formulados, requer-se a condenação da RAEM em:
1.º Pedido Subsidiário de indemnização, com fundamento em responsabilidade extra-contratual da RAEM, pelos danos causados à Autora, derivados de conduta ilícita e culposa, em violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade, nomeadamente:
• A título de Danos Emergentes:
1. Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
2. Com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
• A título de Lucros Cessantes
1. Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença ou
2. Montante indemnização necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins industriais tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença.
2.º Pedido Subsidiário de indemnização, com fundamento em enriquecimento sem causa pela Administração por conta de despesas efectuadas pela autora na sequência de obras realizadas no terreno concessionado, a título de prémio e custos de desenvolvimento que aumentam o valor patrimonial do terreno e beneficiam directamente o património da Administração em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%.
(…)”; (cfr., fls. 2 a 82-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Oportunamente, proferiu o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo decisão julgando procedente a excepção peremptória da prescrição e absolvendo a R. de todos os pedidos deduzidos; (cfr., fls. 204 a 214-v).

*

Do assim decidido, recorreu a A. “A”, (cfr., fls. 231 a 277-v), e, por Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 30.05.2024, (Proc. n.° 758/2023), decidiu-se “confirmar a decisão na parte respeitante à prescrição da responsabilidade extracontratual imputada à Ré, julgando-se improcedente o recurso nesta parte”, e “conceder provimento ao recurso, anulando-se a sentença recorrida do TA, mandando a baixa dos autos àquele Tribunal para proferir o saneador – selecionar os factos assentes e os quesitados – para seguir a tramitação processual ulterior nos termos legais, com vista a apurar a eventual responsabilidade contratual, imputada à Ré pela Autora, nos termos do pedido por esta última formulado, caso não exista outro obstáculo legal”; (cfr., fls. 311 a 332).

*

Em representação da Região Administrativa Especial de Macau, traz agora o Ministério Público o presente recurso, alegando para, a final, concluir pedindo a revogação do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e a confirmação do pelo Tribunal Administrativo decidido; (cfr., fls. 340 a 351-v).

*

Em resposta, bate-se a A. “A” pela confirmação da decisão recorrida do Tribunal de Segunda Instância; (cfr., fls. 353 a 404-v).

*

Adequadamente processados os autos, cumpre decidir.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Exmo. Juiz do Tribunal Administrativo foi considerada como assente a seguinte factualidade:

“- A Autora A (甲), foi titular de uma concessão por arrendamento de um terreno, com a área de 5,980 m2, designado por lote SQ2, situada na Ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, destinado à construção de uma unidade de produção de asfalto e armazenamento de equipamento e materiais de construção.
- A dita concessão por arrendamento foi autorizada, com dispensa de hasta pública, pelo Despacho n.º 167/GM/89, publicado no n.º 4 do suplemento do Boletim Oficial de Macau, n.º 52, de 29/12/1989.
- Por escritura pública outorgada em 21/6/1991, e registada na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX, o então Território concedeu à Autora por arrendamento o terreno acima referido.
- Fixou-se, no referido contrato, a cláusula segunda – Prazo do arrendamento, com o seguinte teor:
“1. O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do presente CONTRATO.
2. O prazo do arrendamento fixado no número anterior, poderá, nos termos da legislação aplicável e mediante condições a acordar, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049.”
- E a cláusula terceira – Aproveitamento e finalidade do terreno, tem o seguinte teor:
“O TERRENO será aproveitado para a instalação de uma unidade de produção de asfalto, ficando a área descoberta remanescente destinada a armazenamento de equipamento e de materiais e para a construção de uma casa para a residência dos guardas”.
- E além disso, a cláusula quinta – Prazo de aproveitamento, tem o seguinte teor:
“1. O aproveitamento do TERRENO deverá operar-se no prazo global de 24 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial do despacho que autoriza o presente CONTRATO.
2. Sem prejuízo do estipulado no número anterior, o SEGUNDO OUTORGANTE deverá, relativamente à apresentação dos projectos, observar os seguintes prazos:
a) 60 (sessenta) dias, contados da data da publicação do despacho mencionado no número anterior, para a elaboração e apresentação do anteprojecto de obra (projecto de arquitectura);
b) 90 (noventa) dias, contados da data da notificação da aprovação do anteprojecto de obra, para a elaboração e apresentação do projecto de obra (projecto de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais);
c) 45 (quarenta e cinco) dias, contados da data da notificação da aprovação do projecto da obra, para o início das obras.
3. Para efeitos do cumprimento dos prazos referidos no número anterior, os projectos só se considerarão efectivamente apresentados quando completa a devidamente instruídos com todos os elementos.
4. Para efeitos da contagem do prazo referido no número 1 desta cláusula entender-se-á que, para a apreciação de cada um dos projectos referidos no N.º 2, os Serviços competentes observarão um prazo de 60 (sessenta) dias.
5. Caso os Serviços competentes não se pronunciem no prazo fixado no número anterior, o SEGUNDO OUTORGANTE poderá dar início à obra projectada 30 (trinta) dias após comunicação por escrito à DSOPT, sujeitando, todavia, o projecto a tudo o que se encontra disposto no RGCU ou quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele RGCU, com excepção da falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensa o SEGUNDO OUTORGANTE da apresentação do respectivo projecto de obra.”.

- Mais se estabeleceu a cláusula sexta – Encargos Especiais, com o seguinte teor:
“Constituem encargos especiais a suportar exclusivamente pelo SEGUNDO OUTORGANTE a desocupação do TERRENO e remoção do mesmo de todas as construções e materiais aí existentes.”.
- Por Despacho do Chefe do Executivo, de 27/03/2017, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 26/2017, publicado no Boletim Oficial n.º 14, II Série, de 5/4/2017, foi declarada a caducidade da concessão do terreno, com o seguinte teor:
“Através de escritura pública de 21 de Junho de 1991, exarada de fls. 50 e seguintes do livro 284 da Direcção dos Serviços de Finanças, em conformidade com o Despacho n.º 167/GM/89, publicado no 4.º Suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 5 980 m2, designado por lote «SQ2», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, a favor da «A», com sede em Macau, na [Endereço], registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o n.º XXXX (SO) a fls. 155V do livro C8.
A concessão foi registada na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, ficando o terreno descrito sob o n.º XXXXX e o direito resultante da concessão inscrito a favor daquela sociedade sob o n.º XXXXXF.
De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão, o arrendamento do terreno é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da respectiva escritura pública.
Segundo o estabelecido na cláusula terceira do mesmo contrato, o terreno seria aproveitado com a instalação de uma unidade de produção de asfalto, ficando a área descoberta remanescente destinada a armazenamento de equipamento e de materiais e para a construção de uma casa para a residência dos guardas.
O prazo de arrendamento do aludido terreno expirou em 20 de Junho de 2016 e este não se mostrava aproveitado.
De acordo com o disposto no artigo 44.º e no n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável por força do preceituado no artigo 215.º desta lei, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo que não pode exceder 25 anos e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente.
As concessões provisórias não podem ser renovadas nos termos do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras).
Neste contexto, dado que a concessão em causa não se tornou definitiva, é verificada a sua caducidade pelo decurso do prazo.
Assim,
Usando da faculdade conferida pelo artigo 64.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e nos termos do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), o Secretário para os Transportes e Obras Públicas manda:
1. Tornar público que por despacho do Chefe do Executivo, de 27 de Março de 2017, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 5 980 m2, designado por lote «SQ2», situado na ilha de Coloane, na zona industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o n.º XXXXX, a que se refere o Processo n.º 45/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 20 de Setembro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
2. Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da «A», destinando-se o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
3. Do acto de declaração de caducidade cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados a partir da sua notificação, nos termos da subalínea (1) da alínea 8) do artigo 36.º da Lei n.º 9/1999, republicada integralmente pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 265/2004, e da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º e da alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º, ambos do Código do Processo Administrativo Contencioso, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro.
4. A referida sociedade pode ainda reclamar para o autor do acto, Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º e do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
5. O processo da Comissão de Terras pode ser consultado pelos representantes da mencionada sociedade na Divisão de Apoio Técnico da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, sita em Macau, na Estrada de D. Maria II, n.º 33, 18.º andar, durante as horas de expediente, podendo ser requeridas certidão, reprodução ou declaração autenticada dos respectivos documentos, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
6. O presente despacho entra imediatamente em vigor.
30 de Março de 2017.
O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo Arrais do Rosário.”
- Dessa decisão recorreu a Autora para o Tribunal de Segunda Instância, que veio a julgar improcedente o recurso interposto, por Acórdão n.º 419/2017, de 18/10/2018.
- Seguidamente, por Acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 16/2019, de 13/03/2019, foi negado provimento ao recurso interposto do referido Acórdão do TSI.
- Em 05/03/2020, a Autora intentou a presente acção no Tribunal Administrativo”; (cfr., fls. 205-v a 207 e 316 a 318-v).

Do direito

3. Vem o Ministério Público – em representação da R.A.E.M. – recorrer do segmento decisório do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que ordenou a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo para ser apreciada a matéria de facto pela A. alegada com vista a apurar da eventual “responsabilidade contratual da R.A.E.M.” e consequente dever de indemnização a seu favor.

Pois bem, para uma boa – ou melhor – compreensão do que em causa agora efectivamente está, importa desde já recordar e salientar que na decisão – “saneador-sentença” – pelo Exmo. Juiz do Tribunal Administrativo proferida e objecto do anterior recurso para o Tribunal de Segunda Instância se entendeu que prescrita estava a pela A., ora recorrida, imputada “responsabilidade extracontratual da R.”, concluindo-se, a final, pela total improcedência dos pedidos pela mesma deduzidos; (cfr., fls. 204 a 214-v).

E, confrontando-se com o recurso que do assim decidido interpôs a A., assim se acabou por decidir no Acórdão agora recorrido do Tribunal de Segunda Instância:

“Sobre a matéria semelhante este TSI já se pronunciou no processo nº 576/2024, com acórdão proferido em 29/02/2024 (em que o relator deste processo foi segundo-adjunto), cabendo aqui realçar que as duas acções estão estruturadas em modos diferentes, visto que os factos alegados são diferentes e a sua subsunção ao Direito é igualmente diferenciada, pois naquele processo o pedido principal consiste em responsabilidade extracontratual da Ré, enquanto este processo é a responsabilidade contratual como pedido principal da Autora, sendo igualmente muito diferentes os factos em discussão. Ora, bem vistas as coisas e melhor reflectidos sobre os argumentos invocados por cada uma das partes, passemos a analisar as questões deste processo sob as seguintes perspectivas.
*
Comecemos pela causa de pedir invocada pela Autora na sua PI.
Ela apresentou uma causa de pedir muito complexa, que consiste na ocorrência de um conjunto de factos concretos:
- Celebração dum contrato administrativo de concessão dum terreno devidamente identificado nos autos;
- Cumprimento e incumprimento de certas cláusulas contratuais pela Ré;
- Motivos que determinaram a impossibilidade de aproveitamento do terreno;
- Declaração da caducidade da concessão do terreno pelo Governo da RAEM;
- Prejuízos sofridos pela concessionária (Autora);
- Demais factos instrumentais pertinentes.
Em suma, a Autora apresentou uma causa de pedir complexa para fundamentar os seguintes pedidos:
- Responsabilidade contratual imputada à Ré (a RAEM) – artigos 84º a 177º da douta PI;
- Responsabilidade extracontratual imputada à Ré – artigos 178º a 300º da PI.
- Indemnização com base no enriquecimento sem causa.
A propósito de causa de pedir, é do entendimento dominante:
“são possíveis dois conceitos: a) a relação jurídica material, ou as relações jurídicas que legitimam a pretensão (o pedido): b) o próprio facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer «fattispecie» jurídica que a lei admita como criadora de direitos, abstracção feita da relação jurídica que lhe corresponda. A primeira é a teoria da individualização ou da individuação; a segunda a da substanciação (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed.1981, 1.º-205). No CPC de 1961, como no de 1939, foi consagrada a segunda (ob.cit.,207).
Ao nível da jurisprudência, tem-se vindo a defender:
a causa de pedir é o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida pelo autor, que serve de fundamento à acção; não é o facto abstracto configurado na lei, mera categoria legal, mas o facto concreto invocado pelo autor, o acontecimento natural ou acção humana de que promanam, por disposição legal, efeitos jurídicos. Assim, a causa de pedir não pode ser o incumprimento do contrato porque o incumprimento não passa de uma categoria legal, mas poderá ser o facto concreto que porventura se traduziu em incumprimento (Ac. S.T.J., de 24-5-83, BMJ. 327.°-653).
O raciocínio exposto no último caso citado tem especial valor para o caso destes autos, já que, conforme o quadro factual considerado assente pelo Tribunal recorrido, foram selecionadas para o elenco dos FACTOS ASSENTES apenas as cláusulas constantes do contrato de concessão do terreno, o que não é suficiente para fundamentar a decisão em causa, tendo em conta os diversos pedidos formulados pela Autora, pois devem ser selecionados os factos concretos que se traduzem em incumprimento ou cumprimento das respectivas cláusulas! Estas não são factos em rigor das coisas e nos termos do raciocínio do aresto acima citado!
Eis um dos vícios detectados da decisão recorrida! Aliás, quando se lê a decisão, fica-se sem saber o que foi feito e o que se deixou de fazer e onde está a causa de actuar desta maneira!
*
Feitas estas notas preliminares, passemos a ver o que se passou concretamente neste processo.
1ª Parte: responsabilidade extracontratual:
A sentença recorrida julgou procedente a excepção peremptória de prescrição com base no artigo 6º/1 do DL nº 28/91/M, de 22 de Abril, com redacção introduzida pelo DL nº 110/99/M, de um modo geral concordamos com os argumentos invocados pelo Tribunal recorrido, pois, o prazo é de três anos e este prazo já passou.
Nesta parte, a sentença não merece censura, é de a confirmar nos termos do artigo 631º/5 do CPC.
*
2ª parte: Responsabilidade contratual:
Quanto à causa de pedir conducente à responsabilidade contratual, vários aspectos merecem atenção.
Entre os outros factos, a Autora invocou os seguintes:
“(...)
1993
25. Em cumprimento do despacho emitido em 30.08.1993 pelo Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, exarado na informação n.º 063/SOTSDB/93, de 6 de Agosto de 1993, a DSSOPT, através de oficio n.º 849/8119.l/SOLDEP/93, de 2 de Dezembro de 1993, comunicou à concessionária o seguinte:
"Sobre o aproveitamento do lote concedido a V. Exa. cumpre-nos informar que devido à sua localização e ao elevado custo e dificuldade na execução das infra-estruturas de uma zona com as características de Seac Pai Van, foi decidido por despacho do Exmo. Senhor Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas, de 30 de Agosto de 1993, o seguinte:
1) Afectar o loteamento de Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial; 2) Atribuir a obra de regularização e loteamento do terreno a uma empresa com capacidade técnica para a sua execução.
Assim, e porque a referida regularização do terreno, o tratamento paisagístico e comparticipação nos custos das infra-estruturas dos lotes concedidos, constituem encargos dos respectivos concessionários, torna-se necessário, a fim de se evitarem contratempos, obter um acordo, por escrito, de V. Exa., quanto à aceitação de revisão do contrato de concessão, face à nova finalidade do terreno o qual implicará, nomeadamente:
a) A definição de um novo prazo de aproveitamento compatível com o prazo previsto para a disponibilização do lote;
b) O ajustamento do montante do prémio.
Caso V. Exa. continue a ter preferência pela concessão com finalidade industrial, deverá igualmente informar esta Direcção de Serviços com vista à concessão, por troca, de um terreno equivalente, em local mais adequado a essa finalidade.
Tornando-se necessário programar rapidamente o início dos trabalhos, solicita-se uma resposta de V. Exa. até dia 20 de Dezembro de 1993.”
26. A concessionária, através da carta apresentada em 20 de Dezembro de 1993, manifestou aceitar a alteração da finalidade do terreno para fins habitacionais.
2006
27. A requerimento da concessionária em 22 de Junho de 2006 o então Director da DSSOPT, responde que:
"Sobre o assunto a que se refere o requerimento em referência informa-se V. Exas de que se mantém o despacho de 30 de Agosto de 1993, do Exmo. Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Publicas, o qual foi comunicado a V. Exa. pelo nosso ofício 849/8119.1/SOLDEP/1993, de 02 de Dezembro de 1993. Mais se informa que não foi ainda aprovado para aquele local qualquer plano de urbanização e que esta Direcção de Serviços dará conhecimento a V. Exas. e aos restantes concessionários daquela zona, do plano que vier a ser aprovado para efeitos dos contratos de concessão".
2010
28. Após ter concordado com a alteração da finalidade do terreno, a concessionária solicitou, várias vezes (conforme processo instrutor) desde 17 de Março de 2010, à DSSOPT a emissão de Planta de Alinhamento Oficial (PAO).
29. Porém, não tendo a revisão do "Plano Urbanístico para a Zona de Seac Pai Van de Coloane" sido aprovada pela Administração, a respectiva PAO nunca foi emitida e a concessionária ficou impedida de realizar o aproveitamento do terreno.
2011
30. Em 21 de Janeiro de 2011, a concessionária foi notificada pela Administração solicitando o empréstimo do lote "SQ2" até 30 de Junho de 2011 para depósito e guarda temporária das britas produzidas pelos rebentamentos de explosivos a realizar durante a construção do "Complexo de Habitação Pública de Seac Pai Van".
31. A concessionária aceitou emprestar o lote para os fins pretendidos.
32. Em reunião de 9 de Março de 2011, a DSSOPT informou os concessionários dos Lotes SQ1, SQ2, SQ3 e SL, que os limites e as áreas dos referidos lotes deveriam ser alterados como consequência da execução do Plano Urbanístico de Zona de Seac Pai Van, designadamente devido à execução das obras das infra-estruturas da 1ª Fase.
33. Em carta de 25 de Março de 2011, com o número de entrada 36926, a concessionária veio aceitar a alteração dos limites e área do lote, solicitando os novos parâmetros urbanísticos para o terreno em causa.
34. Através da CSI n° 513/DPU/2011, de 7 de Abril, o DPUDEP respondeu ao Departamento de Gestão de Solos que: "Do ponto de vista do planeamento urbanístico nada ter a opor à finalidade do terreno, à altura permitida do edifício e ao respectivo IUS; a altura do pódio não deve ser superior a 13,5m”.
35. A DSODEP remeteu o parecer referido no número anterior à concessionária através do ofício de 13 de Abril de 2011.
36. Em 14 de Dezembro de 2011 a concessionária deu entrada pelo requerimento n° 145733/2011 do projecto de arquitectura para Lote "SQ2" para construção de um complexo hoteleiro, comercial, habitacional e de estacionamento.
37. Através de uma informação de 15 de Dezembro de 2011, o Departamento de Gestão de Solos solicitou ao DPUDEP a emissão do parecer sobre o projecto de arquitectura apresentado.
2012
38. O DPUDEP elaborou a informação n° 778/DPU/2011 de 30 de Dezembro referindo que concordava com o projecto de arquitectura, tendo notificado a concessionária desse despacho em 18 de Janeiro de 2012.
39. Em 7 de Julho de 2012, foi emitida à concessionária a licença de terraplanagem do terreno.
40. Ainda em 2012, a concessionária requereu a devolução do terreno, tendo a Administração informado que iria limpar o local antes do final de Outubro de 2012.
(...)”

A este propósito, importa destacar o seguinte:
a) - Estes factos acima transcritos não constam do elenco dos factos considerado assentes pelo Tribunal recorrido;
b) - Estes factos, a provar-se, demonstram eventualmente a violação do princípio da boa fé em matéria de responsabilidade contratual (e não tal como o Tribunal a quo afirmou que este princípio vale apenas para a responsabilidade extracontratual), Pois, merece destacar aqui: foi pela Ré apresentada a proposta de alteração da finalidade do terreno (de uso industrial para habitacional) e tal proposta foi aceite pela Autora que ficava à espera dos procedimentos posteriores, nomeadamente o de revisão de cláusulas de concessão, mas pela vista tal não foi feito, importa apurar por que razões e quais consequências daí decorrentes.
c) - Estes factos igualmente demonstram que existem eventualmente conjunto de prestações de deveres principais e secundários incumbidos à Ré, enquanto concedente do terreno e que tem a responsabilidade de definir e aprovar o respectivo plano urbanístico;
d) - Ao desconsiderar tais factos, há défice de instrução do processo e mal decidido o pedido nestes termos formulado pela Autora.
*
Face ao expendido e perante a deficiência da instrução e da falta de factos, não resta ao Tribunal ad quem outra solução senão a de anular a decisão (à excepção da decisão que julgou procedente a prescrição invocada pela Ré) e mandar baixar os autos para cumprir o que está previsto no artigo 629º/4 do CPC que estabelece:
(Modificabilidade da decisão de facto)
1. A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 599.º, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, o Tribunal de Segunda Instância reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham servido de fundamento à decisão de facto impugnada.
3. O Tribunal de Segunda Instância pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto objecto da decisão impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na primeira instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda Instância anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5. Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou escritos ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limita-se a justificar a razão da impossibilidade.
Julga-se assim procedente o recurso interposto pela Autora, anulando-se a decisão recorrida e mandando-se cumprir o que fica consignado neste aresto.
*
Síntese conclusiva:
I - A causa de pedir é o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida pelo autor, que serve de fundamento à acção; não é o facto abstracto configurado na lei, mera categoria legal, também não são as cláusulas contratuais constantes dum contrato administrativo, mas o facto concreto invocado pelo autor, o acontecimento natural ou acção humana de que promanam, por disposição legal, efeitos jurídicos. Assim, a causa de pedir não pode ser o incumprimento do contrato porque o incumprimento não passa de uma categoria legal, mas poderá ser o facto concreto que porventura se traduziu em incumprimento (Cfr. Ac. S.T.J., de 24-5-83, BMJ. 327.°-653).
II - Para apreciar o pedido da responsabilidade contratual imputada à Ré (a RAEM), não basta selecionar apenas as clausulas contratuais constantes do contrato de concessão dum terreno identificado nos autos para apreciar todos os pedidos formulados pela Autora, já que tal conteúdo é insuficiente, eis uma défice da instrução do processo, já que o artigo 430º do CPC manda que o julgador deve selecionar a matéria de facto relevante segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito. Ao não assim actuar, verifica-se uma défice de instrução e justifica-se mandar os autos para eliminar este vício nos termos do artigo 629º/4 do CPC.
(…)”; (cfr., fls. 326-v a 331-v).

Isto dito e visto, passemos a ver se o presente recurso merece provimento.

Ora, é a R., ora recorrente, de opinião que se deve confirmar a sentença do Mmo Juiz do Tribunal Administrativo, concluindo – essencialmente – que:

“A. Todos os factos alegados pela Autora/Recorrida na douta petição inicial e que corporizam a causa de pedir da presente acção, em abstracto, são exclusivamente subsumíveis às normas legais que prevêem e regulam os pressupostos responsabilidade civil extracontratual.
(…)
C. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a decisão tomada pela Administração no ano de 1993, que determinou a afectação do loteamento de Seac Pai Van, no qual estava integrado o lote de terreno aqui em causa, à finalidade habitacional em vez da finalidade industrial que até então tinha, não corresponde a uma qualquer proposta efectuada pelo Concedente (Território de Macau), no âmbito do contrato de concessão por arrendamento que celebrou com a Autora/Recorrida, tendo em vista a alteração da finalidade do terreno e, portanto, a modificação do contrato.
D. Tratou-se, ao invés, de uma decisão unilateral, autoritária e extracontratual da Administração de alteração do planeamento urbanístico anteriormente definido.
E. Por isso, salvo o devido respeito, de nenhuma forma se pode fundar naquela actuação da Administração, nem em qualquer outra, uma qualquer responsabilização da Ré/Recorrente a título contratual.
(…)
G. Nenhum dos factos alegados pela Autora/Recorrida que o Tribunal de Segunda Instância decidiu deverem ser seleccionados pelo Tribunal Administrativo, quer como matéria de facto assente, quer como factos integradores de uma base instrutória, é susceptível de ser juridicamente enquadrado como correspondendo a violações contratuais por parte da Ré/Recorrente das quais possa ter resultado para a Autora/Recorrida a impossibilidade do aproveitamento do terreno.
(…)
I. Sendo todos os factos alegados pela Autora/Recorrida, em abstracto, exclusivamente subsumíveis às normas legais que prevêem os pressupostos responsabilidade civil extracontratual, impunha-se, sem mais, a procedência da excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização, tal como muito bem decidiu o Tribunal Administrativo, com a consequente absolvição da Ré Ré/Recorrente do pedido.
J. O Tribunal recorrido ao considerar que os factos alegados pela Autora/Recorrida são, em abstracto, susceptíveis de justificar a responsabilidade contratual da Ré/Recorrente e ao anular parcialmente, com base nisso, a sentença proferida na 1.ª instância, ordenando o prosseguimento do processo, incorreu em erro de julgamento, em especial na interpretação e aplicação da norma legal do artigo 787.º do Código Civil, que deve justificar a revogação, nessa parte, do acórdão recorrido”; (cfr., fls. 340 a 351-v).

Nesta conformidade – transitada em julgado que se nos mostra já estar o segmento decisório relativamente à declarada “prescrição da (invocada) responsabilidade extracontratual da R.”, ora recorrente, (mais adiante se voltando a esta questão) – importa então começar por se ver se, pela A., ora recorrida, efectivamente alegada (e imputada) foi também uma “responsabilidade contratual” que pudesse justificar a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância prolatada.

Da análise aos autos, assim como da reflexão sobre o que pelas Instâncias recorridas foi decidido, eis a solução que se nos apresenta adequada.

Antes de mais, mostra-se-nos útil atentar no que segue.

Segundo o entendimento que se tem como bom, o “pedido é a solicitação do autor de uma actuação judicial determinada e que está na base do processo, é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção (artigo 417.º, n.º 3).
O pedido não se confunde com o objecto material da acção. Por exemplo, o mesmo prédio pode ser objecto de vários pedidos ou de várias acções”.
Com efeito, e como se sabe, “o autor pode formular um pedido que seja alternativo.
Os pedidos são alternativos quando no mesmo processo se formulam duas ou mais pretensões, para vir apenas a ser satisfeita uma.
A alternativa pode ser real ou aparente.
A alternativa é real, quando a mesma resulta das características da própria relação material. (…)
A alternativa é aparente quando o autor formula dois pedidos, reconhecendo que só um deles é substantivamente procedente e solicita ao tribunal que atenda apenas a um deles.
É o pedido subsidiário, que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (artigo 390.º, n.º 1). (…)
A formulação de pedidos subsidiários serve para o caso de o autor ter dúvidas (de direito) sobre se determinado pedido vai ser acolhido pelo Tribunal ou para o caso de o autor ter dúvida sobre se conseguirá provar certa situação de facto.
Assim apresentará um pedido subsidiário, para o caso de não merecer acolhimento o pedido principal.
RODRIGUES BASTOS dá exemplo de um outro tipo de possibilidades: “O autor pede, por exemplo, a declaração de nulidade de um contrato por simulação, mas tem fundamento, também, para deduzir impugnação pauliana. Se formula apenas aquele pedido, arrisca-se a que, vindo a decair nele, já não esteja em tempo de impugnar o acto, por entretanto, haver decorrido o prazo de caducidade previsto no artigo 618.º do Código Civil. Pode, neste caso, propor a acção anulatória, e deduzir subsidiariamente a impugnação”.
Neste exemplo, parece imprescindível, também, a formulação de causas de pedir subsidiárias, a que adiante nos referiremos. É que aos pedidos próprios da simulação e da impugnação pauliana correspondem factos substancialmente diversos e mesmo contraditórios”.
Nota ainda o mesmo autor que “Dá-se a cumulação de pedidos quando o mesmo autor pretende, em relação ao mesmo réu, o reconhecimento simultâneo de duas ou mais pretensões. (…)
Quando se fala em multiplicidade de pedidos quer-se significar os pedidos que se referem à relação jurídica material (cumulação real).
Os requerimentos meramente processuais, como o da citação do réu ou da condenação em custas ou da condenação em multa e indemnização, como litigante de má fé, não são pedidos em sentido técnico (cumulação aparente)”; (cfr., Viriato de Lima in, “Manual de Direito Processual Civil – Acção Declarativa Comum”, 3ª ed., pág. 131 a 136 e 141).

Assim postas as coisas, importa também saber se estamos perante uma “cumulação de causas de pedir”.

E, sobre tal matéria, e acompanhando o mesmo autor, vale a pena atentar que “a causa de pedir é o terceiro elemento identificador das acções, formando com o pedido o objecto do processo.
A causa de pedir é o facto jurídico de que procede a pretensão (artigo 417.º, n.º 4). (…)
A causa de pedir é integrada pelos factos necessários para fundamentar o direito ou interesse invocado pela parte e o pedido por ela formulado; é integrada pelos factos essenciais para individualizar a situação subjectiva alegada. E são essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente.
Mas, normalmente, não bastará que o autor na petição inicial se limite a indicar os factos que integram a causa de pedir. Terá de alegar outros factos circunstanciais que complementem os factos essenciais, de modo a permitir que o juiz tenha uma visão clara da situação. Por exemplo, em acção relativa ao incumprimento de um contrato, ou destinada a efectivar a responsabilidade pré-contratual, será quase sempre necessário historiar todos os passos da negociação entre as partes, designadamente, a correspondência trocada entre elas”; (in ob. cit., pág. 150 e 151).

Na verdade, e como também nota o S.T.J., com a “causa de pedir” não se confunde a “qualificação jurídica dos factos”:

“Ao propor uma ação, o demandante formula uma pretensão fundada, por imposição de uma substanciação, numa causa de pedir que exerce a função individualizadora do pedido formulado, assim conformando o objeto do processo (artigo 552.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil). Essa causa de pedir é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir.
Este objeto inicial do processo, definido pelo pedido e respetiva causa de pedir, só pode vir a ser modificado, ampliado ou reduzido por iniciativa das partes ou do tribunal, nos termos e modos previstos e definidos na lei processual. Não o tendo sido e não se encontrando o tribunal perante situações que permitem o conhecimento oficioso de determinadas questões, o tribunal só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes (artigo 608.º e 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil), ou seja só pode decidir sobre o mérito do pedido formulado, julgando a causa de pedir que o individualiza, estando-lhe vedada a apreciação de qualquer outra causa de pedir que não tenha resultado das regras que permitem a modificação ou ampliação da causa de pedir original.
Diferente é a situação em que ao tribunal apenas se pede uma diferente qualificação jurídica dos factos integrantes da causa de pedir formulada pelo demandante. Essa já é uma atividade que lhe é permitida, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Ora, como vimos, no presente caso, o Autor pretendeu no recurso de apelação que um dos pedidos por si formulado (entretanto reduzido), fosse julgado procedente, com fundamento em factos com um conteúdo distinto daqueles que integravam a causa de pedir por si invocada na petição inicial”; (cfr., v.g., o Ac. de 15.09.2022, Proc. n.° 188/20).

Com já dizia o Prof. José Alberto dos Reis: “O tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais constituem a causa de pedir. Como nota Chiovenda e já assinalámos, a causa petendi não é a norma de lei que a parte invoca em juízo; é o facto que se alega como capaz de converter em concreta a vontade abstracta da lei.
Apliquemos ao caso. Proposta acção de divórcio ou separação com fundamento em adultério ou injúrias, por exemplo, a causa de pedir não é o n.º 1.º ou o n.º 4.º do art. 4.º do Dec. de 3-II-º-910; estes números são normas legais que correspondem a conceitos abstractos, a meras categorias verbais; a causa de pedir é o facto material e específico que no caso concreto se imputa ao réu.
Claro que este facto não autorizará o decretamento do divórcio se não puder ser enquadrado na categoria que a lei concebeu e formulou como fundamento legítimo de dissolução do matrimónio; não se segue, porém, daí que a causa de pedir seja a rubrica abstracta da lei, a configuração conceitual do legislador, e não o facto material, a conduta concreta que o autor atribui ao réu e na qual se baseia para requerer o divórcio”, acrescentando também que, “a causa de pedir nada tem que ver com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos à apreciação do tribunal; a causa de pedir está no facto oferecido pela parte, e não na valoração jurídica que ela entenda atribuir-lhe.
Essa valoração é simples apreciação ou ponto de vista mental; se a parte ou o tribunal modificar a qualificação ou valoração, nem por isso se dirá que houve mudança na causa de pedir.
Isto equivale a dizer com Chiovenda: a causa petendi não é a norma abstracta de lei invocada pela parte, mas o facto que se alega como expressão da vontade concreta da regra legal; de sorte que a simples mudança de ponto de vista jurídico, isto é, a invocação de norma legal diversa, não significa diversidade de causa de pedir. Essa mudança é lícita à parte e ao juiz; quando muda somente o ponto de vista jurídico, não se evita a excepção de caso julgado (Chiovenda, Instituciones cit., tomo 1.º, págs. 370 e 371).
O ac. da Relação de Lisboa de 3-3.º-945 (Boletim, n.º 3, pág. 299, Rev. de Leg., 80.º, pág. 362) vai oferecer-nos ensejo de ilustrar esta doutrina.
Uma mulher casada, tendo conhecimento de que o marido se exibia, no cinema e na rua, em companhia de outra mulher e passeava com ela de braço dado, propôs contra ele acção de divórcio. Alegou, como fundamento, os factos apontados, que considerou como revelação de adultério do réu; enquadrou, por isso, a acção no n.º 2.º do art. 4.º do Dec. de 3-II.º-910.
O juiz de I.ª instância julgou provados os factos articulados; mas porque viu neles, não a revelação de adultério, mas injúria grave praticada pelo réu contra a autora, decretou o divórcio com fundamento, não no n.º 2.º do art. 4.º, invocado pela autora, mas no n.º 4.º do mesmo artigo.
Interposto recurso para a Relação, esta revogou a sentença, por entender que o juiz exorbitara. O excesso teria consistido nisto: decretamento do divórcio por causa de pedir diversa da que a autora alegara. Desde que o juiz chegara à conclusão, aliás legítima, de que os factos articulados não constituíam prova de adultério, não tinha outra coisa a fazer, observa a Relação, senão julgar improcedente a acção.
Já analisei largamente este caso na Rev. de Leg. (ano 80.º, págs. 364 a 367). Parece-me fora de dúvida que quem errou foi o tribunal de 2.ª instância, e não o de 1.ª.
A causa de pedir da acção eram os factos apontados pela autora e não a qualificação jurídica que ela entendera dar-lhes. A autora pediu o divórcio com o fundamento de adultério do marido. O que significa isto, em rigorosa técnica processual?
Significa que, ao fazer o enquadramento legal dos factos imputados ao marido, viu neles a manifestação de adultério, qualificou-os como expressão de relações adulterinas entre o réu e a mulher em companhia da qual se exibia em público. Catalogou-os, por isso, no n.º 2.º do art. 4.º do Dec. de 3-II.º-910.
Estava o tribunal adstrito a tal qualificação jurídica?
É evidente que não. O art. 664.º vincula o tribunal aos factos fornecidos pelas partes; mas não o vincula à aplicação, que as partes façam, das regras de direito. Quer dizer, o juiz não podia decretar o divórcio com base em factos diversos daqueles que a autora lhe oferecera; mas podia perfeitamente aplicar a esses factos norma de lei diferente da que a autora invocara”; (in “C.P.C. Anotado”, Vol. III, 4ª ed., pág. 127 a 128, com sub. nosso).

No caso dos presentes autos, (como atrás se deixou relatado, mas vale a pena aqui ponderar novamente), a A. concluiu a sua petição inicial formulando os seguintes “pedidos”:

“1. Indemnização por incumprimento das obrigações emergentes do acordo de revisão do contrato de concessão de 21 de Junho de 1991, sendo-lhe exclusivamente imputáveis à RAEM as causas que motivaram a impossibilidade de aproveitamento do terreno concessionado para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), conforme a Planta de Condições Urbanísticas aprovada e entregue à Autora, nomeadamente:
1.1 A título de Danos Emergentes:
1.1.1 Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados, em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
1.1.2 Com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
1.2 A título de Lucros Cessantes:
1.2.1 Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), conforme a referida Planta de Condições Urbanísticas, tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença.
Alternativamente,
2. Indemnização por incumprimento das obrigações emergentes do contrato de concessão de 21 de Junho de 1991, sendo-lhe exclusivamente imputáveis à RAEM as causas que motivaram a impossibilidade de aproveitamento do terreno concessionado originariamente para fins industriais, nomeadamente:
1.1 A título de Danos Emergentes
1.1.1 Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados, em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
1.1.2 com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais de apresentação, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
1.2 A título de Lucros Cessantes
1.2.1 Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins industriais tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença.
Dos pedidos subsidiários
Em caso de improcedência dos pedidos acima formulados, requer-se a condenação da RAEM em:
1.º Pedido Subsidiário de indemnização, com fundamento em responsabilidade extra-contratual da RAEM, pelos danos causados à Autora, derivados de conduta ilícita e culposa, em violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade, nomeadamente:
• A título de Danos Emergentes:
1. Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
2. Com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
• A título de Lucros Cessantes
1. Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença ou
2. Montante indemnização necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins industriais tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença.
2.º Pedido Subsidiário de indemnização, com fundamento em enriquecimento sem causa pela Administração por conta de despesas efectuadas pela autora na sequência de obras realizadas no terreno concessionado, a título de prémio e custos de desenvolvimento que aumentam o valor patrimonial do terreno e beneficiam directamente o património da Administração em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%.
(…)”; (cfr., fls. 79 a 81).

E, nesta conformidade, em nossa opinião, e como se nos afigura bom de ver, desconsiderando-se o “fundamento jurídico” invocado, cremos que estamos – sempre – perante o “mesmo (e único) pedido de condenação da R. no pagamento de uma indemnização” – que incluiria uma parte líquida, e uma parte ilíquida – nos termos seguintes:

“1.1 A título de Danos Emergentes:
1.1.1 Com os custos de desenvolvimento do terreno realizados, em montante não inferior a MOP 175,910,998.00 (cento e setenta e cinco milhões, novecentas e dez mil, novecentas e noventa e oito patacas), acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%;
1.1.2 Com custos associados a despesas com patrocínio judiciário e custas judiciais, acrescidos de juros à taxa legal sendo presentemente de 9.75%, a apurar em execução de sentença.
1.2 A título de Lucros Cessantes:
1.2.1 Montante indemnizatório necessário para colocar a Autora, lesada, na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins não industriais (habitação, hotelaria, comércio e estacionamento), conforme a referida Planta de Condições Urbanísticas, tivesse sido concretizado, pelo menos até à data do termo da concessão, acrescido de juros à taxa legal, a apurar em execução de sentença”; (cfr., fls. 79 a 79-v).

É certo – e não se pretende encobrir nem tão pouco escamotear – que há “pequenas variações” nos supostos pedidos subsidiários; (quando a indemnização assenta na “responsabilidade extracontratual”, é feito um “segundo” pedido subsidiário a título de lucros cessantes com o qual se pretenderia colocar a Autora “na situação em que se encontraria se o aproveitamento do terreno para fins industriais tivesse sido concretizado”, ao invés do aproveitamento para fins não industriais).

Porém, a nosso ver, e em bom rigor, não têm verdadeiro (e efectivo) impacto no que – essencialmente – em causa está, e que se traduz no “pedido indemnizatório”, (independentemente das razões que justificam a parte líquida e a parte ilíquida do montante a ser atribuído, e se as mesmas devem ou não ser qualificadas como danos emergentes e lucros cessantes).

Admite-se que se possa contestar esta “conclusão”, afirmando-se que não se está (essencialmente) perante o “mesmo pedido”, porque os seus “fundamentos jurídicos” são totalmente distintos: “responsabilidade contratual”, “responsabilidade extracontratual”, e, ainda, “enriquecimento sem causa”.

Contudo, cremos que tal argumentação só tem sustentação se estivermos perante “diferentes causas de pedir” e não perante uma (simples) “mudança de fundamento jurídico”.

E, percorrendo a petição inicial apresentada, constata-se que os “pedidos” da A., assentam, sempre, sobre a mesma “factualidade essencial”.

Aliás, se bem ajuizamos, é a própria A. que (expressamente) o afirma (por diversas vezes), valendo a pena aqui atentar-se nas seguintes passagens da sua petição inicial:
- “Tendo em conta que a responsabilidade pelo não aproveitamento do terreno é inteiramente imputável à Administração, isto, quer se considere que a responsabilidade daquela tenha natureza contratual ou extra-contratual”, (cfr., ponto 75°);
- “Porém, apenas a título subsidiário, se se entender que, quando a Administração frustrou as expectativas da Concessionária e promoveu uma conduta ilícita e culposa, em violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da igualdade, o teria feito ao abrigo de vestes extra-contratuais, sendo a sua responsabilidade apurada ao abrigo do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/91/M (socorrendo-se dos critérios previstos no n.º 1 do artigo 477.º e no artigo 557.º do Código Civil), então o montante indemnizatório continuará a ser fixado em obediência à directriz fixada no n.º 1 do artigo 558.º do Código Civil”, (cfr., ponto 82°);
- “Admita-se, com efeito, apenas em benefício do raciocínio, que a Administração argumentaria que, quando praticou as condutas activas e omissivas acima descritas, não estaria a agir nas vestes de contraente, apenas actuando no exercício geral da função administrativa e atingindo de modo colateral a Concessionário que era sua co-contratante”, (cfr., ponto 179°);
- “Insista-se: não se diga que a Autora pretende formular uma cumulação de pedidos de imputação de responsabilidade contratual e extra-contratual à Administração, procurando obter um duplo ressarcimento dos seus prejuízos e qualificando simultaneamente a mesma conduta da Administração como assumindo uma natureza contratual e extra-contratual.
Como acima se disse, está a Autora convicta de que, à luz da legalidade vigente, a Administração incorreu em responsabilidade contratual resultantes da violação do contrato de concessão celebrado em 21 de Junho de 1991.
Por isso, as páginas seguintes fundamentam unicamente um pedido subsidiário – e não cumulativo –, para a estrita hipótese – que se não concebe senão por dever de patrocínio – de se entender que a Administração não actuou nas suas vestes contratuais e que lhe não pode ser imputada qualquer responsabilidade contratual pelos factos acima descritos”; (cfr., pontos 187° a 189°).

E, nesta conformidade, em face do que se deixou exposto, adequado nos parece de (daqui se) concluir que estamos – essencialmente – perante o mesmo “núcleo factual”, acautelando, apenas, a A., uma “diferente interpretação jurídica dos seus efeitos”.

Apresenta-se-nos assim que, em bom rigor, de considerar é tão só a existência de apenas “um pedido” formulado pela A., (não obstante a existência de “pedidos subsidiários” que mais não seriam do que distintas “qualificações jurídicas” da mesma factualidade, e que, como tal, apenas operam como (meras) “fundamentações” que, ainda que distintas, dizem respeito ao “mesmo pedido”).

Assim, cremos que razão tem o Ministério Público, pois que, (rigorosamente), apenas “um único pedido de indemnização” foi apresentado, (independentemente das diferentes “fundamentações jurídicas” que justificariam os “diferentes pedidos subsidiários”).

Porém, e ainda que assim não se entenda, a mesma se nos apresenta dever ser a solução a adoptar.

Com efeito, mostra-se de atentar e salientar que o Tribunal Administrativo, (ao apreciar a acção), acabou (também) por concluir que “não há senão uma única maneira de configurar a acção indemnizatória a propor: considerando os factos concretos alegados que integram a causa de pedir, a acção deve ser apenas fundamentada em responsabilidade extracontratual, enquanto a pretensão de responsabilizar contratualmente a Ré carece de qualquer fundamento”, (cfr., fls. 320), e, depois de apreciar (de forma cuidada e aprofundada) a matéria que está na base da acção proposta, considerou “prescrito o direito de indemnização invocado nesta parte por ter exaurido o prazo de 3 anos a contar de 20/6/2016, na data de propositura da presente acção em 5/3/2020”; (cfr., fls. 325-v).

Contudo, importa igualmente não perder de vista que não se ficou por aí, pois que não deixou de observar, ainda, que:

“Independentemente da verificação dos pressupostos constitutivos da pretensão restitutiva no caso dos autos, a obrigação de restituir por parte da Administração aquilo que se locupletou, à custa dos investimentos realizados pela concessionária do terreno fica desde logo afastada pelas normas estatuídas na Lei n.º 10/2013.
Ao abrigo do artigo 168.º da referida Lei, a declaração da caducidade da concessão determina a reversão para a RAEM dos prémios pagos e as benfeitorias que “por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado.” (…)
Assim sendo, improcede o fundamento relativo ao enriquecimento sem causa”; (cfr., fls. 326).

E, em face do assim ponderado e decidido, cremos que o Tribunal Administrativo decidiu também pela “manifesta inviabilidade da acção na parte assente na responsabilidade contratual”, dada a “inconcludência do pedido” (ou “inconcludência jurídica”), pelo que irrelevante era a eventual prova dos factos alegados pela A..

Ora, de acordo com a melhor doutrina, a “inconcludência jurídica” traduz-se na “(…) situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da acção (…)”, (cfr., v.g., José Lebre de Freitas in, “C.P.C. Anotado”, Vol. 1, 2ª ed., pág.344), podendo e devendo assim o Juiz conhecer do “mérito da causa” por inconcludência do pedido no despacho-saneador; (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in, “C.P.C. Anotado”, Vol. 1, 2ª ed., pág. 373, e José Lebre de Freitas in, “A Acção Declarativa Comum, À luz do Código Revisto”, 2000, pág. 159).

Como sobre a mesma questão igualmente refere Abrantes Geraldes, “À semelhança do que decorria da anterior redacção do preceito, a antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em causa matéria de direito ou de facto, deva o juiz atalhar imediatamente e optar pela prolação de um despacho saneador-sentença (com valor de sentença, para todos os efeitos), quando o estado do processo possibilitar tal decisão, sem necessidade de mais provas, e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes.
Assim acontecerá quando: (…)
b) – Quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos.
Se, de acordo com as plausíveis soluções da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afectada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na elaboração da base instrutória e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito.
Tanto faz que esta decisão seja favorável ao autor ou ao réu.
Se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da acção, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil toda a tarefa de selecção da matéria de facto, instrução e julgamento da mesma. (…)
Na verdade, deixando a decisão para momento ulterior, para além dos dispêndios de tempo, de energia e de dinheiro que isso causa, o certo é que nenhum contributo o juiz poderá retirar da prova produzida que justifique o protelamento da decisão”; (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, 3ª ed., pág. 135 a 137).

Ora, cremos que foi também neste mesmo sentido que pelo Tribunal Administrativo se considerou que a matéria de facto alegada pela A. nunca poderia sustentar uma “responsabilidade contratual” da R., pelo que inútil seria proceder ao seu apuramento; (veja-se, pois, que consignou, expressamente, que: “Para nós, adiantamos que não há senão uma única maneira de configurar a acção indemnizatória a propor: considerando os factos concretos alegados que integram a causa de pedir, a acção deve ser apenas fundamentada em responsabilidade extracontratual, enquanto a pretensão de responsabilizar contratualmente a Ré carece de qualquer fundamento”; cfr., fls. 320).

E, em face do exposto, claro nos parece também que não se está aqui perante uma (eventual) questão de “qualificação dos factos”, mas antes, de uma clara constatação de que a matéria de facto alegada nunca permitiria sustentar uma “responsabilidade contratual da R.”, e, assim, da efectiva verificação de uma “inconcludência jurídica” desse “pedido” – na perspectiva da responsabilidade contratual, sendo que o “mesmo pedido” estaria prescrito na perspectiva de uma “responsabilidade extracontratual” – não se podendo pois desta forma reconhecer razão à A. quando, nas suas contra-alegações de recurso, defende que o Ministério Público se limitou a efectuar uma “interpretação do contrato” por inexistirem quaisquer outros factos na acção, (já que, como se viu, o que se entendeu foi que os factos alegados eram indiferentes para efeitos de uma eventual responsabilidade contratual).

Na verdade, e como se aponta nas alegações do presente recurso, a concessão por arrendamento de um terreno “reveste a natureza de um direito real limitado (ius in re aliena), por isso que, com evidente inspiração na figura do direito de superfície (artigo 1417.º do Código Civil), confere ao seu titular, poderes directos e imediatos sobre uma coisa alheia, nomeadamente os poderes de construção ou transformação, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, e poderes de manutenção da propriedade das construções efectuadas até expirar o prazo do arrendamento ou subarrendamento. Como direito real, é oponível erga omnes, com eficácia absoluta, portanto, tal qual sucede com o direito do superficiário (…)”; (cfr., fls. 346, podendo-se também ver Augusto Teixeira Garcia in, “Concessão por Arrendamento e Direito de Superfície”, pág. 699 e segs., que considera nomeadamente que: “(…) a situação da dita concessão por arrendamento para a construção de
edifícios, parece evidente que a mesma configura a constituição de um direito de superfície. (…)
A qualificação do direito do concessionário por arrendamento como afim de um direito de superfície foi defendida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Maio de 1992 (Silva Paixão), n.º RL199205210043096. Aí se diz que o direito do concessionário por arrendamento tem a natureza real e não obrigacional que revela particulares afinidades com o direito de superfície. De idêntico entendimento comunga Tong Io Cheng que considera que: “a relação jurídica criada com a concessão por arrendamento passou a ser muito semelhante à resultante do direito de superfície previsto no Código Civil português.”. Já Gonçalves Marques destaca a identidade de poderes do concessionário-arrendatário com o titular do direito de superfície, reconhecendo que o direito daquele é um direito real, e considera que a “natureza jurídica da concessão por arrendamento – com toda a clareza desde a publicação do Decreto-Lei n.º 51/83/M, de 26 de Dezembro – é a do direito de superfície na modalidade de duração temporária.”. Igualmente, Duarte Santos considera que “o regime da concessão por arrendamento similar ao regime do direito de superfície regido no Código Civil”. A esta perspectiva deu também a sua concordância o Professor Fernando Alves Correia, dizendo que “a concessão de terrenos do Estado aproxima-se do direito de superfície de duração temporária.”.
Mas diremos talvez mais, acompanhando Gonçalves Marques: não são apenas afinidades ou muitas semelhanças, mas verdadeiramente uma como que prática identidade entre um e outro. Em primeiro lugar, o direito é constituído por contrato, a chamada concessão por arrendamento, que é uma das formas de constituição do direito de superfície prevista na lei (artigo 1421.º do Código Civil de Macau). O objecto da concessão por arrendamento é a atribuição de poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, cuja propriedade pertence ao concessionário até à extinção da concessão (artigo 42.º, n.º 1 da Lei de Terras). A atribuição de poderes ao concessionário para manter a obra no terreno concessionado, que não era referida no direito pretérito, em que apenas se mencionavam poderes de construção e transformação, é, aliás, sintomática da consciência da lei quanto à identidade de conteúdo do direito resultante da concessão por arrendamento e do direito de superfície. Sobre a obra o superficiário tem um direito de propriedade, a chamada propriedade superficiária, que pode transmitir (artigo 1417.º e 1421.º do Código Civil de Macau). Talqualmente, o concessionário tem um direito de propriedade sobre os edifícios construídos, o qual pode transmitir a terceiro (artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Terras). O superficiário pode, se isso for estipulado, ficar obrigado a pagar uma certa prestação anual, em dinheiro (artigo 1423.º, n.º 1 e 3 do Código Civil de Macau), tal como o concessionário, que fica obrigado ao pagamento de uma renda anual (artigo 45.º, n.º 1 e 3). O direito de superfície é transmissível (artigo 1426.º do Código Civil de Macau), tal como o direito do concessionário (artigo 144.º da Lei de Terras), embora, em certos casos, sujeita a autorização do Chefe do Executivo. Há certamente diferenças de regime, p. e., o direito de superfície terá de ser perpétuo, quando respeite à construção de edifícios em regime de propriedade horizontal (artigo 1419.º, n.º 2, do Código Civil de Macau), e o direito do concessionário é sempre temporário, embora renovável. Trata-se de especialidades de regime que, no entanto, não infirmam a qualificação do direito do concessionário como sendo de superfície. Sendo certo, aliás, que o carácter temporário do direito de superfície sobre terrenos do domínio privado do Estado é uma das suas notas típicas, em face do direito de superfície privado.
Por outro lado, o facto de a Lei de Terras, quer a actual quer a pretérita, construir como dever ou obrigação o aproveitamento do terreno (artigo 103.º) não altera a natureza de direito de superfície do concessionário. Na verdade, na legislação sobre aproveitamento de solos do Estado, por constituição de um direito de superfície, o aproveitamento do terreno é sempre construído como dever do superficiário (poder-dever). É uma especialidade do direito de superfície público. (…)”).

E, então, importa desde logo notar que aceitável não nos parece que uma apontada “violação de uma obrigação de natureza real”, (ou propter rem), desse – ou pudesse dar – causa a uma situação de “responsabilidade contratual”.

Cabe, pois, não olvidar que o que efectivamente aconteceu no caso concreto foi que a Administração, através do Despacho do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de 30.08.1993, decidiu afectar o loteamento de Seac Pai Van à finalidade “habitacional” em vez de “industrial”, pelo que já não era possível proceder nos termos resultantes do contrato de concessão, sendo desse exacto acto administrativo que resulta o “impedimento de aproveitamento do terreno provocado pela R.”, (não se podendo aqui confundir com situações de eventuais “recusas injustificadas de autorizações e emissão de licenças para a construção da obra”, através das quais se pode, na prática, impedir o aproveitamento do terreno nos termos contratualmente estabelecidos).

Daí, como nos parece evidente, (e como igualmente afirma nas alegações do presente recurso), em causa não está aqui uma “actuação administrativa endocontratual”, nada tendo que ver com uma qualquer “modificação do contrato de concessão por arrendamento” ou sequer com uma “actuação no âmbito das relações contratuais”, mas antes de uma “decisão autoritária” (e extracontratual) em virtude de uma pretendida alteração de todo o planeamento urbanístico, movendo-nos, deste modo, no campo da “responsabilidade extracontratual”, mostrando-se assim que não era efectivamente necessário proceder a uma “instrução” para apuramento de outros “factos”, pois o que em causa verdadeiramente está, é, como se referiu, uma “inconcludência jurídica”: ou seja, uma situação em que a matéria de facto alegada não se conforma com uma situação de “responsabilidade contratual”, mas antes, e pura e simplesmente, de “responsabilidade extracontratual”.

Aqui chegados, e em face do que se expôs e da solução que se nos mostra de adoptar, importa ainda emitir pronúncia relativamente às “questões” que ficaram prejudicadas com a decisão pelo Tribunal de Segunda Instância proferida, assim como sobre a pela A. pretendida “ampliação do objecto do recurso”.

A tanto se passa.

–– Do alegado “erro de julgamento na aplicação do art. 429°, n.° 1, alínea b) do C.P.C.M.”.

Considerando a A. que o conhecimento de outros fundamentos do seu recurso para o Tribunal de Segunda Instância ficou prejudicado por conta da decisão por esse Tribunal prolatada, vem, à cautela, reiterar a importância desses vícios da decisão do Tribunal Administrativo, procurando desse modo chamar à atenção e salvaguardar a hipótese deste Tribunal de Última Instância deles conhecer em face do disposto no art. 630°, n.° 2 do C.P.C.M., (aqui aplicável nos termos do art. 652° do mesmo Código).

Pois bem, começa a A. por afirmar que o Tribunal Administrativo fez uma errada aplicação do art. 429°, n.° 1, alínea b) do C.P.C.M., dado que não procedeu a nenhuma “selecção da matéria de facto” (nem indicação de provas) quando, na verdade, o estado do processo não o permitia, na medida que havia ainda “matéria de facto alegada” que era relevante para o mérito da causa e que se mantinha “controvertida”.

Porém, (e sem prejuízo do muito mérito de toda a jurisprudência e doutrina citada), em nossa opinião, cremos que a verdade é que a “situação dos autos”, e a forma como pelo Tribunal Administrativo foi a mesma configurada, não implicou qualquer violação do invocado art. 429° do C.P.C.M., pois que se entendeu, (como atrás já se deixou consignado), que mesmo que todos os factos alegados pela A. resultassem “provados”, viável não era daí retirar qualquer “responsabilidade contratual da R.”; (pois que como já se referiu, o Juiz pode, no despacho-saneador, conhecer do mérito da causa por “inconcludência do pedido”; cfr., v.g., José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in, ob. cit., pág. 373, sendo ainda de considerar, igualmente, que: “(…) Em tal situação, é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido. O réu é absolvido do pedido”; in “A Acção Declarativa Comum, À luz do Código Revisto”, 2000).

Do exposto, impõe-se-nos pois concluir que a posição da A. assenta em pressupostos incorrectos quanto ao teor da decisão que foi proferida pelo Tribunal Administrativo, pois que assume, erradamente, que se “desconsiderou”, (em absoluto), os factos que foram por si alegados, quando o que efectivamente se entendeu e sucedeu foi que tais factos, (de todo), “não revelavam” para o apuramento do suposto “incumprimento de uma obrigação contratual”, “questão” que, como bem se vê, não se confunde ou identifica com a consideração no sentido de que a R. “impediu ou dificultou o aproveitamento do terreno” por parte da A., não havendo assim qualquer errada aplicação nem do art. 429°, (nem do art. 430°), do C.P.C.M..

–– Do alegado “erro de julgamento sobre a matéria de facto – insuficiência da matéria de facto”.

Atento o que a respeito desta questão alegado vem, constata-se que, uma vez mais, parte a A. do pressuposto (errado) de que o Tribunal Administrativo “desconsiderou” toda a matéria de facto, e que esta, (controvertida), poderia ter sustentado uma “outra leitura quanto à responsabilidade contratual” quando, como se tem vindo a referir, o que efectivamente sucedeu foi ter o Tribunal Administrativo decidido antes pela “inconcludência jurídica” quanto à dita responsabilidade contratual da R., visto que os factos (pela A.) alegados, ainda que provados, não poderiam demonstrar e justificar qualquer “incumprimento de uma obrigação contratual” por parte da R..

Recorde-se, pois que a “responsabilidade contratual” “resulta do incumprimento das obrigações”, pois que “enquanto a responsabilidade delitual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que aparecem assim desligados de qualquer relação inter-subjectiva previamente existente entre lesante e lesado, a responsabilidade obrigacional pressupõe a existência de uma relação inter-subjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica”, (cfr., v.g., Luís Menezes Leitão in, “Direito das Obrigações”, Vol. I, 5ª ed., pág. 282 e 284, podendo-se também sobre esta matéria ver os Acs. deste T.U.I. de 25.03.2022, Proc. n.° 26/2021, de 04.05.2022, Proc. n.° 101/2020, de 13.05.2022, Proc. n.° 116/2020, de 08.06.2022, Proc. n.° 115/2020 e de 17.06.2022, Proc. n.° 118/2020), e que, como atrás já se explicitou, os “factos” pela A. trazidos ao processo – entre os quais, os que alega nos “pontos 56° a 59°” das suas contra-alegações de recurso – mesmo que totalmente “provados”, não são aptos ou idóneos a demonstrar qualquer situação de “responsabilidade contratual”, pois que, seja-nos permitido aqui repetir, toda a “impossibilidade de aproveitamento do terreno” resultou, directamente, de um “acto administrativo unilateral” da Administração, ou seja, do já referido Despacho do Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de 30.08.1993 que afectou o loteamento de Seac Pai Van à finalidade habitacional em vez de industrial.

E, como se nos apresenta bastante evidente, nada disso se prende, (ou tem a ver), com uma qualquer “violação de uma prestação contratual” pela R., (nem, tão pouco, de um eventual atraso da R. no planeamento urbanístico daquela zona).

Nestes termos, e porque, (como se deixou consignado), não se está perante qualquer “insuficiência da matéria de facto”, mas antes perante uma situação de “indiferença da matéria de facto” alegada para efeitos de sustentação de uma “responsabilidade contratual da R.”, também aqui improcede o apontado vício.

–– Do alegado “erro de julgamento quanto à impossibilidade de procedência da causa de pedir atinente à responsabilidade contratual”.

Volta aqui a A. a repisar os mesmos argumentos para defender que não era evidente a improcedência da responsabilidade contratual da R.A.E.M..

Alega, essencialmente que: “A questão em torno do Despacho de 30/08/1993 (…) não se materializa numa suposta promessa de revisão de contrato. Materializa-se, ao invés, na circunstância de o concedente ter transmitido à concessionária que não era mais possível a finalidade do aproveitamento do terreno que estava prevista no contrato de concessão. (…)
A questão da (não) revisão do contrato de concessão assume relevo reflexo (no quadro da boa-fé que preside à relação entre duas partes contratuais): o concedente não permitiu o aproveitamento industrial do terreno, mas também não permitiu a revisão do contrato para consagrar outro tipo de aproveitamento”; (cfr., fls. 372-v e 373).

Ora, como se tem vindo a afirmar, o que na verdade e efectivamente ocorreu foi que relativamente à “zona” em questão entendeu a Administração praticar, ao abrigo das atribuições e competências que lhe são legalmente reconhecidas, um “acto administrativo (autoritário)”, no sentido da afectação do loteamento de uma zona onde se incluía o lote “SQ2” concedido à A., a uma finalidade distinta, acto esse que, não obstante praticado no “interesse público”, não deixou de “afectar” o aproveitamento do terreno nas condições em que o mesmo tinha sido concedido à A..

Porém, visto que através da “concessão por arrendamento” se constituiu um “direito real (limitado)” a favor da A., claro está que aquele “acto” da R. não se confunde com uma “actuação no âmbito da relação jurídica contratual”, pois que, em causa estando uma actuação da Administração no âmbito das suas competências de gestão territorial, esse mesmo “acto”, não se traduzindo ou consistindo um acto de incumprimento de uma “obrigação contratual” por parte da R., apenas poderia dar lugar a uma eventual “responsabilidade extracontratual”.

Por sua vez, e apesar de a R. ter actuado no sentido de dar à A. a oportunidade de aceitar uma “revisão do contrato de concessão” para permitir um “novo aproveitamento do terreno”, e, depois de ter obtido a concordância da A., “nada mais ter feito” até à declaração de caducidade, tal também não implica qualquer “responsabilidade contratual”, podendo, quiçá, integrar uma situação de “culpa in contrahendo”.

No entanto, importa notar que a A. não assentou a sua acção na “frustração de uma expectativa legítima na futura revisão do contrato para finalidade habitacional”, (isto é, numa “responsabilidade pré-contratual”), adequado também não se mostrando assim de considerar que se trata de um mero problema de “qualificação jurídica”, pois que em causa estaria “uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando mesmo contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa”; (cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 18.09.2018, Proc. n.° 21852/15).

De resto, (e este ponto merece especial destaque), não é por haver um “contrato” que toda e qualquer “actuação” de uma das partes que o celebrou se transforma em “actuação no âmbito da relação contratual”, (argumento que a A. parece querer defender nas suas contra-alegações de recurso; cfr., fls. 373-v e 374).

Por sua vez, cabe igualmente salientar que o “caso” dos presentes autos, não constitui, nem tão pouco se confunde, com situações de possível “concurso de responsabilidade contratual e extracontratual”, porque não foi ao abrigo da “execução de prestações de um contrato” que a R. infringiu um “direito (absoluto)” da A..

Uma nota adicional se nos mostra aqui adequada.

Socorrendo-se do “princípio da boa fé”, defende ainda a A. que, através dos seus actos, a R. infringiu “deveres acessórios contratuais” que eram impostos pela boa fé.

Ora, salvo melhor opinião, não nos parece que tenha aqui ocorrido qualquer “violação de deveres acessórios”, afigurando-se-nos que a A. apenas procura apoiar-se na designação desses “deveres” – “de protecção” ou “de lealdade” – para defender a sua pretensão.

Contudo, não se pode olvidar que os “deveres acessórios” destinam-se “a permitir que a execução da prestação corresponda à plena satisfação do interesse do credor e que essa execução não implique danos para qualquer das partes”, e que, como a própria expressão o diz, “desempenham uma função acessória do dever principal (…)”, sendo ainda de notar que, “De acordo com a sistematização de Menezes Cordeiro, os deveres acessórios podem classificar-se em deveres acessórios de informação, protecção e lealdade. Estes deveres resultam do princípio da boa fé e têm por função assegurar a realização do dever de prestação principal, em termos que permitam tutelar o interesse do credor, mas também evitar que a realização da prestação possa provocar danos para as partes. Assim, o devedor não estaria unicamente vinculado ao dever de prestar, mas também a outros deveres de protecção, informação e lealdade perante o credor em ordem a permitir a satisfação do seu interesse e assegurar a não existência de danos. Por sua vez, o credor também estaria vinculado a deveres acessórios perante o devedor, por forma a evitar a verificação de danos para este. No exemplo acima referido, relativo ao fornecimento de um automóvel novo, o devedor teria o dever de informar o credor do seu funcionamento adequado”; (cfr., v.g., Luís Menezes Leitão in, ob. cit., pág. 121 a 123).

E, nesta conformidade, seguindo-se o raciocínio pela A. apresentado, cabe ponderar: como é que a R. “impediu a prestação” (principal) da A., mas, (ao mesmo tempo), violou apenas um mero “dever acessório”?

Com todo o respeito, não nos parece fazer sentido.

Assim, e porque com a actuação imputada à R.A.E.M., ficou foi afectado um “direito real” da A., em causa não está qualquer “imperfeita execução do contrato”, sendo pois de se reafirmar que tão só se está no campo da “responsabilidade extracontratual”.

–– Resolvidas que assim nos parecem estar as questões prejudicadas com a decisão do Tribunal de Segunda Instância, vejamos agora da pretendida “ampliação do objecto do recurso”.

Pois bem, (para além das ditas questões cujo conhecimento teria ficado prejudicado com a solução pelo Tribunal de Segunda Instância dada ao litígio), vem também a A. pedir nas suas contra-alegações de recurso a “ampliação do objecto do recurso”, pretendendo que seja reapreciada a questão da “prescrição” da responsabilidade extracontratual, além de (pretender) acautelar, também por esta via, a possibilidade de se entender que a matéria do “enriquecimento sem causa” não ficou prejudicada pelo acórdão recorrido.

Assim, começa a A. por defender a nulidade parcial do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, na medida em que padece de uma “falta de fundamentação” do segmento decisório quanto à “prescrição da responsabilidade extracontratual” – que, em bom rigor, e como atrás se deixou adiantado, foi confirmada ao abrigo do art. 631°, n.° 5 do C.P.C.M. – pelo que verificado está o vício referido no art. 571°, n.° 1, alínea b) do mesmo Código, considerando, também, existir “oposição entre os fundamentos e a decisão”.

Para além desses vícios, e sem prejuízo dos mesmos, aponta ainda a A. um outro “erro de julgamento” no que toca à aludida “prescrição”, e (apoiando-se em abundante doutrina e jurisprudência), defende, ainda, (em síntese), que só quando foi declarada a caducidade da concessão, e, inversamente, se rejeitou a prorrogação do prazo de concessão requerido, é que o dano se produziu na sua esfera jurídica.

Contudo, e ressalvando melhor opinião, cremos que não se pode admitir a pretendida “ampliação do objecto do recurso” para se voltar a discutir da já declarada, (confirmada e transitada), “prescrição da responsabilidade extracontratual” da R..

Vejamos.

Nos termos do art. 590°, n.° 1 do C.P.C.M.:

“Se forem vários os fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”, sendo pois inegável que “As faculdades previstas no n.º 1 do artigo 590.º são aplicáveis não só no recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), como também no recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI), se o TSI mantiver integralmente a decisão de 1.ª Instância. No recurso para o TUI, o vencedor (nas 1.ª e 2.ª Instâncias) e recorrido em ambas as instâncias superiores, pode requerer a apreciação de fundamento em que decaiu na 1.ª Instância e que a 2.ª Instância não apreciou por ter julgado improcedente o recurso, se o TUI vier a dar razão ao recorrente”; (cfr., v.g., Viriato de Lima in, ob. cit., pág. 715 e 716).

Por sua vez, cabe também observar que, de acordo com o art. 585° do aludido C.P.C.M., “só a parte principal que tenha ficado vencida na causa pode recorrer. (…)
O vencimento ou decaimento devem ser aferidos em face do pedido formulado. É parte vencida aquela que é objectivamente afectada pela decisão, ou seja, a que não haja obtido a decisão mais favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o réu quando, no todo ou em parte, seja prejudicado pela decisão.
Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir. Sendo o réu absolvido do pedido, pouco importa se, para o efeito, o tribunal fundou a decisão na falta de prova dos factos alegados pelo autor ou na verificação de uma excepção peremptória alegada pelo réu ou ainda se, em lugar de determinado vício do contrato alegado pelo réu, conheceu oficiosamente de um outro, produzindo como resultado a improcedência da acção. Quanto ao autor, não deixa de ser parte vencedora se a sua pretensão foi acolhida, ainda que sem a argumentação jurídica aduzida. Em ambos os casos, mais do que as razões que presidirem à decisão, interessa a análise do resultado na esfera jurídica da parte”; (cfr., v.g., António Abrantes Geraldes in, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 3ª ed., 2010, pág. 71 a 73).

Por isso, confrontada com uma “decisão desfavorável”, a parte vencida, se quer reagir, e obter a alteração do seu sentido, tem de interpor (tempestivamente) um “recurso”, (principal ou subordinado), impugnando o decidido.

Na situação dos presentes autos, apresenta-se-nos inegável que a A. decaiu na parte respeitante à “excepção peremptória da prescrição” pela R. invocada, pois que o Tribunal Administrativo julgou procedente aquela (mesma) excepção no que diz respeito à eventual “responsabilidade extracontratual da R.”.

E, assim, admissível não é a pretendida “ampliação do objecto do recurso” para reapreciar uma decisão em que a A. decaiu, e que, como tal, se impunha que tivesse interposto o devido “recurso” oportunamente; (nesse sentido, veja-se v.g., o Ac. do S.T.J. de 22.06.2022, Proc. n.°
4280/17, onde se considerou que: “Tais questões podiam – e, consequentemente, deviam – ter sido suscitadas em sede de recurso (caso o mesmo fosse admissível), pelo que nos encontramos fora da previsão do art. 636.º, n.º 1.
De facto, a ampliação do objeto do recurso não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daquele que fique prejudicado com uma decisão judicial, mas, diferentemente, permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinado fundamento por si invocado no processo e que tenha sido julgado improcedente: a ampliação do âmbito do recurso destina-se (apenas) a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da ação (:integrante da causa de pedir) ou da defesa (:exceção) não considerado ou julgado desfavoravelmente na decisão recorrida que, apesar disso, com base em diverso fundamento, tenha julgado procedente a pretensão do recorrido (assim se prevenindo a possibilidade de, por força do recurso, vir a ser considerado improcedente o fundamento com base no qual este obteve ganho de causa no tribunal a quo).
Em síntese: a interposição de recurso tem como pressuposto o decaimento; enquanto a ampliação se situa no domínio dos fundamentos. Aliás, o requerente da ampliação não tem “estatuto de recorrente”, como desde logo decorre da sua qualidade de vencedor do pleito (na sua totalidade ou, pelo menos, na parte integrante do objeto do recurso que justifique a pertinência da ampliação).
Termos em que não se admite a peticionada ampliação do âmbito do recurso de revista”, podendo-se também ver o Ac. deste T.U.I. de 29.07.2024, Proc. n.° 17/2021).

De resto, e acompanhando-se António Abrantes Geraldes, diga-se também que: “Não pode confundir-se a interposição de recurso subordinado com a ampliação do objecto do recurso. Para além de serem diversos os objectivos que se pretendem alcançar com um e com outro instrumento processual, são diversas as circunstâncias que os motivam, já que o recurso subordinado implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, ao passo que a ampliação do objecto do processo pressupõe que o fundamento (ou fundamentos) invocado para sustentar a acção ou a defesa não foi acolhido.
A diversidade de pressupostos e de objectivos leva a que não possam qualificar-se como recurso subordinado as alegações complementares que o recorrido faça ao abrigo do art. 684.º-A. Uma tal intervenção não poderá superar o caso julgado que se tenha formado relativamente à decisão que não foi objecto de oportuna reacção traduzida na interposição de recurso autónomo ou de recurso subordinado”; (in ob. cit., pág. 87 e 88).

Pelo exposto, visto cremos estar que não se pode avançar na apreciação da alegada “ampliação do objecto do recurso”, dado que incide sobre “matéria” sobre a qual a A. ficou vencida, pelo que se impunha o devido “recurso” para que a mesma fosse reapreciada por este Tribunal de Última Instância, o mesmo valendo relativamente às “nulidades” igualmente imputadas ao Acórdão recorrido neste trecho decisório ao abrigo do art. 590°, n.° 2 do C.P.C.M.; (cfr.,v.g., Jacinto Rodrigues Bastos in, “Notas ao C.P.C.”, Vol. III, 3ª ed., pág. 231, que salienta que: “A situação a que se refere o n.º 2 do artigo pode figurar-se assim: A demanda B pedindo a condenação deste a pagar-lhe determinada importância, preço de uma venda que diz ter-lhe feito; B opõe a prescrição e a acção é julgada improcedente com esse fundamento. Se A recorre, B pode, na alegação, arguir a nulidade da sentença (art. 668.º) ou impugnar a decisão de certos pontos da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, para o caso de proceder a argumentação deste no recurso”).

Dest’arte, impõe-se rejeitar a pretendida “ampliação do objecto do recurso”.

–– Aqui chegados, e em face do que se pode retirar do teor do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, uma referência merece (também) a questão do “enriquecimento sem causa”.

Vejamos.

Depois de a R. ter defendido no seu recurso que o Tribunal de Segunda Instância manteve o que foi decidido pelo Tribunal Administrativo a propósito do “enriquecimento sem causa”, diz a A., ainda no âmbito de uma suposta “ampliação do objecto do recurso”, que o Acórdão recorrido é “nulo por omissão de pronúncia” atento o disposto no art. 571°, n.° 1, alínea d) do C.P.C.M., alegando ainda que, caso não se dê como verificada a referida nulidade por omissão de pronúncia, e admitindo-se que o Tribunal de Segunda Instância tenha mantido o que foi decidido, então sempre haveria “erro de direito” quanto a essa decisão.

Ora bem, como se deixou explicitado, admissível não é a pretendida “ampliação do objecto do recurso” quando se impunha a devida (e oportuna) impugnação da decisão.

Isto dito, afigura-se-nos no entanto que aqui estamos perante uma situação (totalmente) “diversa”, pois que o Tribunal de Segunda Instância não se pronunciou sobre a questão do “enriquecimento sem causa”.

Terá, assim, incorrido em “omissão de pronúncia”?

No nosso modesto entendimento, de sentido “negativo” deve ser a resposta, pois que se mostra de entender que o Tribunal de Segunda Instância considerou a matéria, (um “pedido subsidiário”), “prejudicada” em face daquilo que foi decidido a propósito da falta de factos para apoiar uma decisão quanto à “responsabilidade contratual”.

Assim, afigura-se-nos que pode – e deve – este Tribunal de Última Instância conhecer da aludida questão, (ao abrigo do art. 630°, n.° 2 do C.P.C.M.).

Pois bem, se bem ajuizamos, temos para nós que o Tribunal Administrativo também decidiu esta matéria com base na atrás já referida “inconcludência do pedido”, sendo, igualmente, indiferente, a prova dos factos pela A. alegados.

Com efeito, sobre o ponto agora em questão, assim ponderou e consignou o Mmo Juiz do Tribunal Administrativo na sua decisão:

“Independentemente da verificação dos pressupostos constitutivos da pretensão restitutiva no caso dos autos, a obrigação de restituir por parte da Administração aquilo que se locupletou, à custa dos investimentos realizados pela concessionária do terreno fica desde logo afastada pelas normas estatuídas na Lei n.º 10/2013.
Ao abrigo do artigo 168.º da referida Lei, a declaração da caducidade da concessão determina a reversão para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias que “por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado.” Aliás, como acabamos de referir em 3.4) supra, a hipótese de obter o ressarcimento das despesas suportadas pela concessionária seria configurável se a pretensão tivesse sido a de destruir todos os efeitos decorrentes da própria concessão através da anulação da concessão. Na pressuposição da concessão do terreno válida, e extinta por caducidade contratual, o reembolso das ditas despesas não é possível, quer por acção indemnizatória, quer por acção fundada no enriquecimento sem causa.
Assim sendo, improcede o fundamento relativo ao enriquecimento sem causa”; (cfr., fls. 214 a 214-v).

Ora, atento o teor da petição inicial, constata-se que para fundamentar o pedido de indemnização – restituição – com base no “enriquecimento sem causa da R.”, alegou a A. que o contrato de concessão tinha como objecto inicial a construção num terreno que não tinha condições para que fosse aproveitado, pelo que com o pagamento do “prémio”, foi feita uma “deslocação patrimonial” para a esfera da Administração com vista à concretização de determinados efeitos que, por causas que não lhe eram imputáveis, acabaram por não se concretizar.

Ademais, defendeu também a A. que por causa da aprovação do projecto de arquitectura e posterior emissão de licença de terraplanagem emitida pela Administração, foram feitas obras que aumentaram o valor do terreno e beneficiaram, por essa via, o património da Administração.

Pelo que seria necessário reestabelecer o “equilíbrio patrimonial” com a devolução de todas as despesas suportadas pela A., num valor não inferior a MOP$175.910.998,00, acrescido dos respectivos juros legais.

Para sustentar este pedido de restituição por “enriquecimento sem causa” defende pois a A. que se está perante a realização de “deslocações patrimoniais” em vista de “efeitos que não se verificaram”; (cfr., art. 467°, n.° 2, in fine, do C.C.M.).

Ressalvando-se melhor opinião, há equívoco.

Com efeito, “exemplos” de “deslocações patrimoniais” em vista de efeitos que acabam por se não verificar ocorrem nas “situações” em que se “entregou dinheiro para uma viagem e esta não pode realizar-se; pagou-se uma dívida de terceiro, com a intenção de realizar uma doação em seu benefício, mas o beneficiário recusa posteriormente a aceitação da liberalidade. É claro que os efeitos pretendidos devem resultar do próprio negócio, não sendo relevantes causas ocultas ou não acordadas (…)”; (cfr., v.g., Pires de Lima e Antunes Varela in, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., pág. 458).

E, aqui chegados, importa igualmente não olvidar que: “O objecto da concessão por arrendamento é a atribuição de poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, cuja propriedade pertence ao concessionário até à extinção da concessão (artigo 42.º, n.º 1 da Lei de Terras)”; (cfr., v.g., Augusto Teixeira Garcia in, ob. cit., pág. 703).

Ora, à época da “concessão” em causa, dispunha o art. 59°, n.° 1 da Lei n.° 6/80/M que: “Nos contratos de concessão por arrendamento podem introduzir-se cláusulas especiais com o fim de acautelar os interesses do Território ou os direitos de terceiros, designadamente fixando-se um prémio”.

E, assim, introduzida essa cláusula especial, o “prémio” corresponderia a uma prestação do concessionário que era efectuada em virtude da concessão (provisória).

Dest’arte, sendo inegável que a A. beneficiou da concessão do terreno em causa, o “efeito” verificou-se claramente.

Por último, e em especial quanto às “obras” feitas que supostamente aumentaram o valor do terreno, cabe igualmente atentar que quanto às mesmas não há igualmente lugar a qualquer “enriquecimento sem causa”, dado que a própria Lei n.° 10/2013, estabeleceu expressamente no seu art. 168° que:

“1. Declarada a caducidade da concessão, revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, no caso de declaração da caducidade da concessão por aforamento, revertem para a RAEM tantos vigésimos do respectivo preço do domínio útil quantos os anos em que o terreno esteve na posse do concessionário sem aproveitamento, sendo-lhe restituído o remanescente do preço.
3. A declaração da caducidade da concessão nos termos do artigo 166.º e do artigo anterior não prejudica a cobrança dos prémios vencidos, rendas ou foros em dívida e das eventuais multas ainda não pagas”.

E, nesta conformidade, apresenta-se-nos também (manifestamente) inviável este pedido pela A. formulado – estando assim demonstrada a sua “inconcludência jurídica” – necessária sendo a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância nos exactos termos consignados.

Custas pela A. recorrida.

Registe e notifique.

Macau, aos 02 de Abril de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

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