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Processo nº 933/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 15 de Maio de 2025

ASSUNTO:
- Contrato de promessa de compra e venda
- Caducidade da concessão por arrendamento de Terreno para construção
- Incumprimento
- Medida da Indemnização


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Rui Pereira Ribeiro


Processo nº 933/2024
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Maio de 2025
Recorrente: A, Limitada
Recorridos: B e C
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B e C, ambos com os demais sinais dos autos,
  vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
  A, Limitada, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo os Autores que:
1) Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
2) Seja a ré condenada a pagar-lhes a quantia de HKD4.779.600,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal;
3) Seja a ré condenada a pagar os juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que for condenada, desde a data da publicação no Boletim Oficial da RAEM declaração de caducidade da concessão (29/01/2016) até integral pagamento.
4) Para o caso de se entender que a falta de cumprimento não é imputável à ré ou em virtude da alteração das circunstâncias, pedem a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de HKD2.389.800,00 acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, a contar de 29/01/2016 até integral pagamento.
  
  Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a Ré a pagar aos Autores a quantia de HKD4.779.600,00 (quatro milhões, setecentos e setenta e nove mil e seiscentos dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da Ré até integral pagamento.
  
  Não se conformando com a sentença veio a Ré e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD4.779.600,00.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provado que se não fôsse um consumo de tempo além do expectável por parte da DSSOPT, a Recorrente teria conseguido aproveitar o terreno dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão contratados e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitetura do empreendimento “D”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
11. Não se pode pretender que uma Administração Páblica que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
13. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 289 a 291, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
14. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
15. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
20. Quanto ao risco, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
21. Os Recorridos sabiam necessariamente que o contrato que celebraram com a Recorrente estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
22. As datas dos termos das concessões são públicas, constando do Registo Predial.
23. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
24. Os Recorridos também sabiam perfeitamente que o contrato em causa tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do contrato que celebraram com a Recorrente.
25. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditâmes de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
26. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco do contrato em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
27. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
28. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
29. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de Penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
30. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
31. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
32. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
33. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, onde a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato e o adquirente tem o dever de pagar um preço.
34. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, esta é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
35. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
36. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, a Certidão Predial, a Declaração de Imposto do Selo e, sobretudo, o facto de os recibos de pagamento serem identificados como se tratando da liquidação de um preço e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo.
37. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei. Nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
38. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes “contratos-promessa” têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
39. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construir e lhe vai entregar.
40. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
41. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que o contrato em discussão não é um típico contrato-promessa mas um contrato de reserva ou um contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
42. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 59 a 70 dos autos. 
43. Relativamente à indemização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
44. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
45. Ficou provado que a Recorrente recebeu dos Recorridos o montante global de HKD2.389.800,00 por conta do contrato aqui em discussão, pelo que, salvo melhor opinião, deve ser esse o quantum final da indenização a arbitrar.
46. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 434º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 779º/1, 784º/1 e 801º do Código Civil.

  Contra-alegando vieram os Recorridos apresentar as seguintes conclusões:
1. Relativamente à sentença supramencionada, a recorrente interpõe o recurso que se divide principalmente em seguintes (A) Inimputabilidade do incumprimento à recorrente (B) Qualificação do contrato, e (C) Quantia da indemnização.
2. Salvo o devido respeito do entendimento da recorrente, os recorridos entendem que a sentença proferida pelo Tribunal a quo é correcta, pelo que não podem concordar com o entendimento da recorrente.
A. Quanto à inimputabilidade do incumprimento à recorrente
3. Em primeiro lugar, a recorrente considera a razão do incumprimento do contrato devido à actuação imprevista e inevitável da Administração (terceira), em particular, o atraso do procedimento da Administração e a sua exigência da apresentação do relatório da avaliação ambiental, causando que a recorrente não conseguiu concluir a construção do Edf. “D” no prazo de concessão.
4. A recorrente pretende ainda que, visto que o presente caso está absolutamente envolvido no contrato de compra e venda de coisa futura, de acordo com o artigo 870.º do Código Civil, a recorrente fica somente obrigada a exercer as diligências necessárias, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato.
5. Igualmente, entendendo a recorrente que não escondeu nem apresentou informações falsas aos recorridos, uma vez que nunca pensou no incumprimento do contrato. De acordo com o princípio de liberdade contratual, os recorridos escolheram por sua iniciativa a celebração do contrato com a recorrente, os respectivos riscos têm de ser assumidos pelos recorridos próprios devido à sua escolha. Além disso, entendendo que o respectivo dever de notificar existe apenas na responsabilidade pré-contratual, e conforme o facto já provado na sentença recorrida, não há nenhum facto provado para sustentar que a recorrente já violou a responsabilidade pré-contratual.
6. Contudo, no que diz respeito a que se a recorrente tem culpa ou não, entende o Tribunal a quo que a recorrente tem culpa nos presentes autos, e os recorridos estão plenamente de acordo com o entendimento do Tribunal a quo.
7. Quanto à questão da culpa da Administração que a recorrente frisou de novo, como os recorridos têm vindo a alegar, a razão directa é que a recorrente não conseguiu concluir o aproveitamento no prazo de arrendamento, causando que não foi aprovada novamente a respectiva concessão do lote “P” pela Administração. Pois, a razão pela qual a recorrente não conseguiu cumprir o contrato, é plenamente prevista e evitável.
8. Aliás, é frisar necessariamente que, a Administração não foi qualquer dos sujeitos do contrato em causa, quando se procedeu o cumprimento do contrato, era impossível que os recorridos soubessem a actuação da Administração.
9. Tomando-se como referência a seguinte jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, proferido no proc. n.º 3987/07.9TBAVR.C1.S1, de 29 de Maio de 2012, com a seguinte jurisprudência, o contrato produzirá efeitos contra o terceiro - Só quando o contrato é eficaz contra o terceiro é que podemo discutir a incumprimento do contrato devido à actuação do terceiro. Contudo, nos presentes autos, não conseguem comprovar a existência do abuso de direito na Administração.
10. Para além disso, nos processos n.º 372/19-RA, 352/19-RA e 359/19-RA, centenas de promitente-compradores de D apresentaram pedidos de indemnização contra a RAEM. O Tribunal Administrativo julgou improcedentes os fundamentos dos promitente-compradores de D porque a RAEM não tinha feito nada de culpado em relação a eles e não tinha havido abuso de direito.
11. Por conseguinte, pelo contrário, se os promitente-compradores não obtiverem qualquer indemnização devido à actuação da Administração, mas a recorrente puder utilizar a actuação da Administração para se isentar da responsabilidade, tal é injusto para os recorridos e viola o princípio da relatividade contratual.
12. Por conseguinte, são obviamente improcedentes as alegações da recorrente de que o incumprimento não lhe pode ser imputado.
13. Quanto à opinião da recorrente de que os recorridos tinham conhecimento e assumiram voluntariamente os respectivos riscos ao assinar o contrato em causa, e que o dever de notificar é apenas uma responsabilidade pré-contratual, salvo os devidos respeitos, os recorridos não estão totalmente de acordo.
14. Em primeiro lugar, a recorrente é a promotora de empreendimento, e só foi ela quem entrou em contacto com a Administração, portanto, se a Administração tem algum atraso no cumprimento e quando a propriedade em causa deve ser concluída são questões que só a recorrente pode conhecer. No entanto, durante as suas negociações com os recorridos, a recorrente nunca revelou os riscos.
15. A recorrente foi informada em 7 de Janeiro de 2011 que a licença de execução da obra para o projecto de obra em causa só poderia ser emitida após a aprovação do relatório de avaliação ambiental, que a recorrente, nas suas alegações, nunca tinha apresentado. Nessas circunstâncias, a recorrente ainda celebrou o contrato em causa com os recorridos em 25 de Março de 2013 nas situações em que não tinha sido aprovado o relatório de avaliação ambiental durante quase dois anos e que não sabia quando o relatório seria aprovado (ver artigo 20.º dos factos provados).
16. De acordo com o critério do bom pai de família, a recorrente, ao celebrar o contrato em causa, já tinha a capacidade de prever que a renovação da concessão não podia ser autorizada, não sendo possível de “entregar a fracção” aos recorridos, mas ainda celebrou com os recorridos o contrato em causa. Além do mais, segundo o facto provado n.º 67, a recorrente, em 24 de Outubro de 2013, obteve a licença de obra, se a recorrente conseguisse concluir a obra do prédio em apenas três anos tal como por si alegado, já não era possível concluir a obra do prédio em causa no período de concessão (ou seja em 25 de Dezembro de 2015), então qual a razão que ainda tinha que receber o sinal de HKD2.389.800,00 pago pelos recorridos desde 22 de Março de 2013 (vd. fls. 62 dos autos), altura em que evidentemente o prazo de concessão era inferior a 3 anos.
17. Mas por que não comunicou os respectivos factos aos recorridos antes de receber o preço da fracção?
18. Daí pode-se verificar que, quer antes de celebrar o contrato, quer no decurso do cumprimento do contrato, a recorrente estava demasiado confiante e acreditava que conseguiria obter a renovação ou prorrogação da concessão, e/ou obter novamente da Administração a concessão do lote “P”, mesmo que não tivesse qualquer fundamento jurídico, bem como, não cumpriu o seu dever de fornecimento de informação. Isto, evidentemente não reúne o acto de uma empresa promotora com muitos anos de experiência e que atende ao critério do bom pai de família.
19. Além disso, o dever de informar provém do princípio da boa fé e deve ser observado tanto antes de celebração do contrato como no decurso do seu cumprimento (vd. art.ºs 219.º e 752.º, n.º 2 do Código Civil). Nos autos, justamente antes de celebrar o contrato ou no decurso do seu cumprimento, a recorrente não observou nem o dever de informar nem os códigos de conduta baseados no critério do bom pai de família.
20. Com base nisso, é totalmente correcto o que considerou o Tribunal a quo que a recorrente tinha culpa no cumprimento do contrato, devendo ser sustentada a decisão do Tribunal a quo.
B. Quanto à qualificação do contrato
21. Entende a recorrente que, embora na audiência de julgamento não se conseguisse saber a vontade verdadeira das partes na celebração do contrato em causa, considerando os quatro elementos - (Em termos das palavras utilizadas no contrato; (2) Durante o processo de negociação e segundo as palavras respectivas (no documento): (3) Em termos de história; e (4) Em termos de finalidade, pelo que, o contrato em causa é um “contrato de reserva” ou “contrato de compra e venda de coisa futura”;
22. Para servir de complemento, a recorrente considera que, mesmo que o contrato em causa seja um contrato-promessa de compra e venda, o preço que foi pago pelos recorridos corresponde à antecipação do cumprimento prevista no art.º 434.º do Código Civil, pelo que o incumprimento de indemnização por pagamento deve coincidir com o preço do prédio já pago, mas não o dobro do preço de prédio.
23. Salvo o devido respeito, mas os recorridos não estão de acordo com o supracitado entendimento.
24. Em primeiro lugar, nos termos do art.º 404.º, n.º 1 do Código Civil, a característica do contrato-promessa de compra e venda é para celebrar a escritura pública no futuro sob as mesmas condições. Nos autos, os recorridos consideram que o contrato em causa é totalmente um contrato-promessa de compra e venda, o que é diferente do entendimento da recorrente, independentemente das análises feitas em quaisquer aspectos.
25. Segundo os factos provados n.ºs 20.º e 21.º, os quais mostram que a recorrente se comprometeu a vender aos recorridos a fracção em causa: e a fim de adquirir a fracção que se prometeu vender, os recorridos já pagaram à recorrente a prestações o valor total de HKD2.389.800,00.
26. Quanto às palavras utilizadas no contrato, segundo o contrato em causa, a fls. 55 a 58 dos autos, nele consta o título “Contrato-Promessa de compra e venda do Edifício D”; na cláusula 1.ª do contrato, repete-se novamente: “a Parte A…compromete-se a vender à Parte B ....Ambas acordam entre si celebrar e observar o contrato-promessa de compra e venda seguinte...”; segundo a cláusula 5.ª do contrato, nela foi introduzido o mecanismo de “confisco” do sinal previsto no art.º 436.º, n.º 2 do Código Civil; na cláusula 15.ª do contrato onde foi estipulado expressamente que os recorridos têm dever a celebrar, no escritório da recorrente, a escritura pública de compra e venda, no prazo de sete dias contado a partir da recepção da notificação da recorrente; nas cláusulas 9.ª e 22.ª do contrato, nelas pode-se verificar respectivamente que os recorridos, antes de celebrar a escritura pública de compra e venda, ainda estão sujeitos à decisão a tomar pela recorrente Parte A (como verdadeira titular do direito de propriedade), tanto na transmissão da posição contratual, quanto nas decorações externas ou internas da aparência do edifício.
27. Todas as expressões acima indicadas podem mostrar que, mesmo após a celebração do contrato em causa, os recorridos ainda não obtiveram o direito de propriedade, bem como tinham obrigação a celebrar com a recorrente a escritura pública de compra e venda – dai pode-se verificar que é correcto o que o Tribunal a quo qualificou o contrato em causa como um contrato-promessa de compra e venda.
28. Quanto a que alega a recorrente que as cláusula 10.ª e 12.ª do contrato em causa são cláusulas que só existem no contrato de compra e venda de coisa futura, contudo, se o contrato em causa for um contrato de compra e venda de coisa futura, segundo a supracitada alegação da recorrente, no momento em que os recorridos celebraram o contrato em causa, já passaram a ser titulares do direito de propriedade da fracção em causa – então qual a razão ainda tinha que regular as despesas do “contador de água e de electricidade”, bem como de condomínio, exigindo aos recorridos que pagassem as respectivas despesas, como parte dos deveres constantes do contrato-promessa de compra e venda?
29. Além do mais, embora a recorrente tenha alegado que a palavra escrita no recibo por si emitido era o “depósito” mas não “sinal”, é de acreditar que, como um declaratário em geral, nas transacções feitas no mercado de Macau, quase não faz a distinção de tais expressões, isto é, na compra e venda de edifícios já construídos, ambas as partes costumam exprimir como “dar sinal” ou “dar grande sinal” para servir de pagamento do depósito. E muitos menos ainda, independentemente de qual a expressão que foi utilizada, nos termos do art.º 435.º do Código Civil, é sempre presumido que se trata de um sinal.
30. Ademais, importa saber que o contrato em causa foi preparado pela recorrente, cujo texto foi elaborado por si própria. Pelo exposto, é difícil de compreender porque é que a recorrente, por um lado, alegou que na história a lei nunca regulou a forma de compra e venda de edifícios em construção antes da entrada em vigor da lei de imóvel em construção, por outro lado, preparou o «contrato-promessa de compra e venda do Edifício D» (e não «contrato de compra e venda do Edifício D» para os recorridos assinarem e, no fim, indicou que tal contrato não era contrato-promessa de compra e venda, mas sim o chamado “contrato de reserva” ou “contrato de compra e venda de coisa futura”.
31. Importa ainda salientar que a fl. 47 dos autos revela que os recorridos efectuaram, após a entrada em vigor da lei de imóvel em construção, o registo com base no art.º 10.º, n.º 3, da Lei n.º 7/2013 – ou seja, tal como invocou a recorrente, o registo é efectuado em nome dos promitentes-compradores e com base no contrato-promessa de compra e venda, sendo estes fundamentos reconhecidos pela terceira parte, Conservatória do Registo Predial.
32. Portanto, quer literalmente, quer dos antecedentes, quer historicamente, quer das finalidades, só se pode concluir que o contrato em causa é o contrato-promessa de compra e venda regulado pelos art.ºs 404.º, 435.º e 436.º do CC.
33. Juridicamente, quer o “contrato de compra e venda de coisa futura”, quer o “contrato de reserva”, não são aplicáveis nesta causa.
34. O “contrato de compra e venda de coisa futura” é regulado pelas normas referentes ao contrato de compra e venda. Judicialmente e na doutrina, entende-se que não é necessário assinar outro contrato no caso de se ter celebrado o “contrato de compra e venda de coisa futura”, porquanto a propriedade é alienada no momento da celebração do contrato de compra e venda de coisa futura, só que a transmissão fica temporariamente suspensa por não existir ainda a coisa futura. Uma vez que a coisa futura é um imóvel, nos termos de art.º 866.º do mesmo Código, é necessária a celebração de escritura pública, sob pena de nulidade do contrato, ao abrigo do art.º 212.º.
35. Caso a recorrente tivesse vontade de celebrar com os recorridos o contrato de compra e venda de coisa futura, como um promotor de empreendimentos com vasta experiência, obviamente a recorrente iria optar por celebrar escritura pública e não preparar um contrato “nulo” para vincular os recorridos. Quanto ao “contrato de reserva” invocado pela recorrente, segundo a opinião expressa no acórdão proferido no Processo n.º 25178/20.3T8LSB.L1-7 do Tribunal da Relação de Lisboa, o “contrato de reserva” é a fase de negociação preliminar, isto é, o contrato assinado por ambas as partes na altura em que as vontades e condições não tinham sido confirmadas, o qual, em geral, é assinado antes do contrato-promessa de compra e venda.
36. Porém, no contrato em questão, aparentemente ambas as partes ultrapassaram muito o âmbito regulamentado pelo “contrato de reserva” (sic).
37. Pelo exposto, a recorrente, a fim de evitar a aplicação do regime de sinal, qualificou o mesmo contrato como dois tipos de contrato extremamente diferentes, sendo manifestamente improcedente este fundamento.
38. Nos casos semelhantes, o Tribunal de Segunda Instância, no seu processo n.º 22/2024, qualificou os contratos do mesmo tipo como contrato-promessa de compra e venda. Por conseguinte, deve ser mantida a decisão do Tribunal a quo na parte em que se qualificou o contrato como contrato-promessa de compra e venda.
39. Quanto à complementação da recorrente, caso o contrato em causa seja considerado contrato-promessa de compra e venda, também é irrazoável a sua alegação de que o valor pago pelos recorridos se enquadra na antecipação do cumprimento prevista no art.º 434.º do CC. É porque o art.º 435.º do mesmo Código prevê que “no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.”
40. Uma vez que os recorridos gozam da presunção legal acima indicada, cabe à recorrente o ónus de ilidir a dita presunção nos termos do art.º 337.º do mesmo Código, ou seja, provar que a quantia de HKD2.389.800,00 paga pelos recorridos não é o sinal. Na decisão sobre a matéria de facto, não foi provada a resposta ao facto em causa (quesito 28.º). Na presente motivação de recurso, a recorrente não impugnou a decisão sobre os factos não provados, tal como dispõe o art.º 599.º, n.º 1, do CPC.
41. Perante a inexistência de quaisquer factos provados que suportem a alegação unilateral da recorrente, os fundamentos de recurso da recorrente nesta parte também não devem ser considerados procedentes.
C. Quanto ao valor da indemnização
42. Na óptica da recorrente, segundo o entendimento supra expresso, deve restituir aos recorridos a quantia já paga por eles, conforme o regime de enriquecimento sem causa. Os recorridos também discordam de tal pretensão da recorrente.
43. Nos presentes autos, como foi provada a existência de uma relação contratual – contrato de compra e venda do Edifício D – entre a recorrente e os recorridos, foi ainda provado que não se conseguiu celebrar escritura pública de compra e venda devido ao incumprimento culposo da recorrente, assim, não se devem aplicar, de qualquer modo, as disposições sobre o enriquecimento sem causa.
44. Do facto provado 63.º resulta que a recorrente e os recorridos nunca excluíram a natureza de sinal da quantia de HKD2.389.800,00. Nesta conformidade, deve manter-se a aplicação do art.º 434.º do CC, reconhecendo-se que a quantia de HKD2.389.800,00 tem natureza de sinal e condenando-se a recorrente a pagar aos recorridos o dobro do sinal a título de indemnização, ao abrigo do art.º 436.º, n.º 2 do mesmo Código.
45. Face ao exposto, também deve ser considerado improcedente o fundamento invocado pela recorrente nesta parte.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade limitada, constituída no dia 8 de Fevereiro de 1977 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.° XX (SO), cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
2. Por Despacho n.° 160/SATOP/90, publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.° 52, de 26 de Dezembro de 1990, rectificado pelo Despacho n.° 107/SATOP/91, publicado no Boletim Oficial n.° 26, de 1 de Julho de 1991, foi concedido à Ré um terreno, resgatado ao mar, com a área de 60.782 m2, constituído por lote “O” para fins habitacionais, lote “S” para fins habitacionais e lote “Pa” para fins industriais, situado na península de Macau, nos XX
3. Em conformidade com o estipulado na cláusula 2.ª, n.° 1, do aludido despacho de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato.
4. A contagem do prazo de concessão do terreno acima referido teve início na data da publicação do despacho de concessão (ou seja, 26 de Dezembro de 1990) e findo em 25 de Dezembro de 2015.
5. Por Despacho n.° 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.° 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.° 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb”, destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único designado por “P”, com a área global de 67.536 m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
6. O lote “P” supracitado, de concessão provisória, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 2XXX0, Fls. XX do livro XX.
7. Em 2004, a Ré apresentou à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes um estudo prévio, pretendendo alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação.
8. O aludido estudo prévio da alteração da finalidade do lote “P” foi considerado, no dia 21 de Janeiro de 2005, passível de aprovação, constituindo condição para a revisão do contrato.
9. Através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 19/2006, publicado na II Série do Boletim Oficial da RAEM n.° 9, de 1 de Março de 2006, foram acordados a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, alterando a finalidade inicial de indústria para comércio e habitação, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por 1 pódio com 5 pisos, sobre o qual assentavam 18 blocos com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção:
– Habitação: 599.730 m2;
– Comércio: 100.000 m2;
– Estacionamento: 116.400 m2;
– Área livre: 50.600 m2.
10. Por força da revisão atrás referida, o terreno objecto do contrato de concessão passou a ser constituído pelos lotes “O”, “P”, “S” e “V”, com a área de 105.437 m2.
11. Não obstante a total alteração do aproveitamento do lote “P”, o prazo de concessão de 25 anos estipulado na cláusula 2.ª, n.° 1, do contrato de concessão manteve-se inalterado.
12. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial da RAEM do despacho que titulasse a respectiva revisão.
13. Posteriormente, foi autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e, por isso, tinha a Ré cerca de 9 anos e 9 meses para concluir a obra de construção no lote “P”.
14. Para concretizar o aproveitamento do lote “P”, a Ré requereu junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a aprovação do projecto de arquitectura para a construção das fracções autónomas de propriedade horizontal do edifício, denominado “D”.
15. Em Janeiro de 2011, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes aprovou o projecto de arquitectura submetido pela Ré.
16. No dia 24 de Outubro de 2013, a Ré requereu, junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a emissão de licença para as obras das fundações, a qual foi emitida no dia 2 de Janeiro de 2014.
17. Pelo menos a partir de 2011, a Ré começou a promover a venda das fracções autónomas do Edifício “D”.
18. A Ré já celebrou, até à presente data, 3.020 contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas do Edifício “D”.
19. São os Autores um dos promitentes-compradores, constantes dos respectivos contratos-promessa de compra e venda.
20. No dia 25 de Março de 2013, a Ré na qualidade de promitente-vendedora celebrou com os Autores, como promitente-compradora, um “Contrato-promessa de compra e venda de imóvel do Edifício “D”.
21. Através do acima referido contrato, a Ré prometeu vender aos autores a fracção autónoma B, no 28.° andar, para habitação, do Bloco 3 do Edifício “D”, em construção, situado em Macau, no Bairro da XX, s/n, Lote P (lote “P”, ora em discussão), tendo os Autores aceite a aquisição.
22. O preço para a compra e venda da acima referida fracção autónoma era de 7.966.000,00 dólares de Hong Kong, equivalentes a 8.204.980,00 patacas.
23. Em função da cláusula 3.ª do contrato, a forma de pagamento do preço pelos Autores à Ré era:
* O montante de 796 600,00 dólares de Hong Kong, aquando da celebração do aludido contrato;
* O montante de 398 300,00, antes do dia 23 de Setembro de 2013;
* O montante de 398 300,00, antes do dia 23 de Março de 2014;
* O montante de 398 300,00, antes do dia 23 de Setembro 2014;
* O montante de 398 300,00, antes do dia 23 de Março de 2015;
* O remanescente de 5 576 200,00 dólares de Hong Kong, no prazo de 7 dias, após a emissão da licença de utilização (licença de ocupação) pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes.
24. Os Autores já pagaram à Ré o montante de 796 600,00 dólares de Hong Kong no momento da celebração do contrato, ora em discussão.
25. Além disso, os Autores efectuaram, sucessivamente, por quatro vezes, pagamentos à Ré conforme o acordado no contrato, todos eles no montante de 398 300,00 dólares de Hong Kong, perfazendo o total de 1 593 200,00 dólares de Hong Kong (=HKD 398 300x4).
26. No dia 27 de Novembro de 2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo um pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26 de Dezembro de 2015.
27. No dia 30 de Novembro de 2015, o Chefe do Executivo indeferiu o aludido pedido de prorrogação com fundamento de a Lei n.° 10/2013, impedir a renovação de concessões provisórias, não podendo, por isso, ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
28. No dia 29 de Janeiro de 2016, foi publicado, na II Série do Boletim Oficial da RAEM, o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.° 6/2016, que tornou público o seguinte: “Por despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 68.001 m2, situado na península de Macau, nos NATAP, designado por lote «P», a que se refere o Processo n.° 2/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho”
29. A Ré era concessionária do Lote “P”, situado nos XX, onde estava prevista a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal, designado por “D”, conforme contrato de concessão titulado pelo Despacho no 160/SATOP/1990, publicado no 2. o Suplemento ao no 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990.
30. O referido contrato de concessão foi revisto em 1/3/2006 e conforme resulta do anexo ao Despacho n.° 19/2006 do STOP, publicado na II Série do Boletim Oficial n.° 9, de Março de 2006, o reaproveitamento do terreno do Lote “P” abrangia a construção do prédio atrás citado, compreendendo 18 torres habitacionais, com 47 pisos cada, assentes num pódio de 5 pisos, havendo ainda áreas significativas para comércio e estacionamento de automóveis e motociclos.
31. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses, isto é, 8 anos.
32. A DSSOPT emitiu três Plantas Oficiais de Alinhamento (PAO’s), uma em 23/12/2004, outra em 23/02/2005 e a terceira em 11/05/2007. (artigo 36 e docs. 4, 5 e 9)
33. Em 29/04/2008 a R. apresentou o “Master Layout Plan” (Recibo de entrada nº T-3040). (artigo 40 e doc. 10)
34. Em 06/05/2008 a R. apresentou o projecto inicial de arquitectura (Talão nº T-3163). (artigo 41 e doc. 11)
35. Em 22/10/2009 a R. apresentou o projecto de arquitectura à DSSOPT (Talão nº 7191/2009). (artigo 44 e doc. 3 ora junto)
36. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (artigo 46 e doc. 13)
37. Em 09/04/2010, a Ré recebeu o Ofício nº 4427/DURDEP/2010 contendo em anexo a referida PAO, cujo teor aqui se dá por reproduzido. (artigo 47 e doc. 14)
38. Em resposta, a Ré, em 03/06/2010, incorporou no projecto algumas sugestões, sem contudo contemplar a exigência de um afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da torre mais alta e a de 50 metros entre as fachadas. (artigo 50 e doc. 15)
39. Em 07/01/2011 a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009 através do Ofício nº 318/DURDEP/2011. (artigo 53 e doc. 4 ora junto)
40. Em 11/05/2011 a R. apresentou um relatório de impacto ambiental (T-5205/2011). (artigo 63 e doc. 17)
41. Mas a DSPA elaborou um parecer em 22/06/2011, que apenas foi notificado à R. em 04/10/2011 (ofício com referência nº 11599/DURDEP/2011, onde formulou numerosas exigências adicionais, designadamente no que respeita aos factores “ruído”, “qualidade da água”, “paisagem”, “vista” e “voo de pássaros”. (artigos 64, 65 e 67, e doc. 18)
42. A resposta a essas novas exigências exigiu a preparação de um segundo relatório de avaliação do impacte ambiental, o qual foi apresentado pela R em 19/04/2012 (T-4242/2012). (artigo 7º e 71 e doc. 19)
43. Em 31/08/2012, foi apresentado o terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental. (artigo 78 e doc. 21)
44. A DSPA emitiu outro parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacte ambiental em 16/10/2012, mas este parecer apenas foi notificado à R cerca de quatro meses depois do requerimento da Ré, em 28/12/2012 (Ofício nº 13023/DURDEP/2012). (artigos 79 e 80 e doc. 22)
45. Neste parecer, desta feita a DSPA exigiu um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres, com “simulação informática”, uma avaliação sobre as “partículas em suspensão” e “uma nova avaliação ou em alternativa a alteração do Layout, em virtude da questão da ETAR”. (artigo 83 e 85 e o mesmo doc. 22)
46. A R apresentou um quarto relatório de avaliação do impacte ambiental em 15/03/2013 (T-3953/2013). (artigo 86 e doc. 23)
47. Em 03/05/2013 a DSPA emitiu o seu Parecer sobre este novo relatório de avaliação do impacto ambiental – cfr. Ofício nº 1545/071/DAMA/DPAA/2013. (artigo 90 e doc. 5 ora junto)
48. Nesse Parecer são formuladas exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório, desta vez, entre outras, no que respeitaria ao “impacto ambiental sobre os novos aterros, a ilha artificial, o feor, etc”. (artigo 91 e cfr. O mesmo doc. 5 ora junto)
49. Em 07/08/2013 foi apresentado o sexto relatório de avaliação do impacte ambiental pela R. (artigo 98 e doc. 27)
50. Em 15/10/2013 ocorreu a aprovação final do projecto de obra, incluindo o Estudo de Avaliação do Impacto ambiental e de Circulação do Ar, atento o parecer da DSPA de 29/08/2013, sujeita apenas a condições de pormenor, designadamente resultantes dos pareceres da CEM (17/06/2011), IACM (17/06/2011), Corpo de Bombeiros (01/06/2011) e DSAT (13/07/2011). (artigo 101 e doc. 28)
51. A DSSOPT só emitiu a licença de obra em 2 de Janeiro de 2014 com um período de validade até 28 de Fevereiro de 2014, i. é, inferior a dois meses. (artigo 107 e doc. 30)
52. Em 15 de Janeiro de 2014, a R também apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. (artigo 109 e doc. 31)
53. Só cerca de seis meses e meio depois foi o mesmo autorizado, em 29 de Julho de 2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014. (artigo 110 e doc. 32)
54. Contra o despacho que declarou a caducidade da concessão do lote “P”, a Ré interpôs recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância (Processo nº: 179/2016) (…). (P.I. art. 53º)
55. No dia 19 de Outubro de 2017, o Tribunal de Segunda Instância proferiu o acórdão que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pela Ré, mantendo-se o despacho que declarou a caducidade da concessão do lote “P”. (P.I. art. 57º)
56. A Ré recorreu junto do Tribunal de Última Instância contra o referido acórdão proferido pelo Tribunal de Segundo Instância (Processo nº: 7/2018). (P.I. art.º 58º)
57. No dia 23 de Maio de 2018, o Tribunal de Última Instância proferiu o acórdão que negou provimento ao recurso interposto pela Ré. (P.I. art. 59º)
58. Tanto o Tribunal de Segunda Instância, como o Tribunal de Última Instância, entendem fundar-se a declaração da caducidade da concessão do lote “P”, em caducidade preclusiva, a qual depende do facto objectivo de ter decorrido o prazo do contrato de concessão e não ter a Ré apresentado a licença de utilização de imóvel. (P.I. art. 60º)
59. O referido facto é relevante para apreciar a impossibilidade do cumprimento ou o não cumprimento do contrato em causa por parte da Ré, bem como se relaciona com a decisão definitiva do facto assente BB).
60. Por outro lado, os autores entendem que o art. 27º da Réplica deve integrar nos factos assentes.
61. Conforme a cláusula 5ª do contrato, tinha os promitentes-compradores a obrigação de efectuar os pagamentos dentro dos prazos estipulados, implicando um eventual atraso o incumprimento ao contrato e desistência do sinal, tendo, assim, a ré o direito de fazer seu todo o dinheiro pago pelos promitentes-compradores, bem como de reaver, de forma gratuita, a fracção que os promitentes-compradores tinha prometido adquirir, para revenda. (P.I. art. 25º)
62. Por outro lado, segundo a cláusula 10ª do contrato, a Ré prometeu entregar a fracção à autora no prazo de 1200 dias úteis de sol (ou seja, excluídos domingos, feriados e dias de chuva), contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura. (P.I. art. 35º)
63. Autores e ré não acordaram que a quantia de HK$2.389.800,00 paga pelos autores à ré não tinha da natureza de sinal nem acordaram excluir-lhe essa natureza. (Q 1.º)
64. Aquando da obtenção da concessão de arrendamento do Lote “P” e da autorização de alteração da finalidade, a Ré tinha perfeito conhecimento que o prazo da concessão de arrendamento do aludido Lote “P”, terminaria em 25 de Dezembro de 2015. (Q 2.º)
65. 3.ºA Ré sabia, perfeitamente, que nos termos da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), só os terrenos convertidos à concessão definitiva que sejam renováveis. (Q 3.º)
66. Em circunstâncias normais de funcionamento dos serviços de Administração Pública 8 anos eram mais do que suficientes para concluir a construção de todo o empreendimento e, por esta via, obter a conversão da concessão provisória do terreno arrendado em definitiva, garantindo-se depois a sua renovação automática, nos termos da lei. (Q 4.º)
67. - Em 06/05/2008 a ré apresentou à DSSOP, para aprovação, um projecto parcial de arquitectura, não tendo a DSSOPT emitido pronúncia sobre tal projecto;
- Em 22/10/2009 a ré apresentou à DSSOP, para aprovação, um projecto global de arquitectura em 22/10/2009, a que a DSSOPT respondeu em 9/4/2010 fazendo exigências e sugestões de alteração, designadamente sugerindo que as torres do projecto fossem afastadas entre elas numa distância mínima correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta;
- Em 3/6/2010 a ré apresentou alteração ao referido projecto global, mas não alterou o distanciamento entre as torres como havia sido sugerido pela DSSOPT;
- Em 7/1/2011 A DSSOPT comunicou à ré a aprovação do projecto global de arquitectura apresentado em 22/10/2009 e alterado em 3/6/2010 e comunicou-lhe também que a licença de obras não seria emitida sem que a ré apresentasse um relatório sobre o impacto que teria a construção do projecto sobre o ambiente exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes;
- A ré realizou o estudo e apresentou o respectivo relatório em 11/5/2011;
- Após a apresentação do referido relatório a DSSOPT pediu mais estudos da mesma natureza (impacto ambiental) até que aprovou o relatório respectivo em 15/10/2013;
- Em 24/10/2013 a ré pediu à DSSOPT a emissão de licença de obras;
- A DSSOPT emitiu a licença de obras em 02/01/2014. (Q 5.º)
68. Aceitação desse prazo de aproveitamento deriva de vários factores, nomeadamente: (Q 5.ºA)
a) As Plantas de Alinhamento Oficiais referentes ao Lote “P” já emitidas em 2004 e 2005;
b) A apresentação pela Ré do Estudo Prévio em 10/09/2004, complementado em 15/12/2004, que serviu de base para o cálculo do prémio devido pela revisão do contrato de concessão;
c) Ter sido aprovado o Estudo Prévio em 21/01/2005, por Ofício n° 747/DURDEP/2005, e emitidos os pareceres técnicos de todas as entidades que, por lei, são chamadas a pronunciar-se de acordo com as suas áreas funcionais;
d) Ser expectável para a Ré, de acordo com a sua vasta experiência no desenvolvimento de projectos imobiliários em Macau, poder concluir a empreitada em questão antes do fim do prazo da concessão;
e) Não haver indícios de funcionamento anormal e impeditivo de uma actuação célere, adequada e proporcional dos serviços da Administração Pública, em conformidade com os parâmetros constantes do Código do Procedimento Administrativo.
f) A existência de uma cláusula no contrato de concessão de 1990, que se manteve em vigor, consagrando o princípio da colaboração dos serviços da Administração Pública no respeitante ao prazo de pronúncia para os projectos que lhes fossem submetidos para aprovação: ou seja, conforme a cláusula 5.a, n° 7, a Administração dispunha de um prazo de 60 dias para aceitar ou rejeitar os pedidos da ora Contestante.
69. O teor do acordo celebrado entre os autores e a ré que consta do documento de fls. 55 a 58. (Q 6.º)
70. A ré solicitou em 14/08/2009 a emissão de uma nova PAO. (Q 7.º)
71. Na parte final, logo após o ponto 19 do Ofício nº 318/DURDEP/2011, a DSSOPT condicionou a emissão da licença de obra à apresentação de Relatórios de impacto ambiental. (Q 8.º)
72. Na apreciação do segundo relatório ambiental, a DSPA decidiu apontar novos requisitos a cumprir pela Ré, não previstos em qualquer norma legal ou regulamentar em vigor (Ofício nº 1586/054/DAMA/DPAA/2012, de 24/05/2012 e depois oralmente, em reunião ocorrida em 25/07/2012), cujo teor foi objecto de discussão entre a A, a DSSOPT e a DSPa, em 25/07/2012. (Q 9.º)
73. Houve, assim, negociações em 25/07/2012 – três meses após a apresentação do 2.º Relatório. (Q 10.º)
74. Contudo, essas negociações, em lugar de servirem para esclarecer o que já havia sido solicitado, acabaram por ter como consequência o aditamento, pela DSPA, de havia sido solicitado, acabaram por ter como consequência o aditamento, pela DSPA, de novas exigências sobre a matéria a aplicar nas fachadas, padrões de avaliação sobre o ar e os ruídos. (Q 11.º)
75. Nessa ocasião, a DSPA propôs que a DSSOPT emitisse parecer sobre as novas exigências a incluir no relatório a apresentar. (Q 12.º)
76. Em 28/06/2013, a R apresentou o quinto relatório de avaliação do impacte ambiental. (Q 13.º)
77. Tendo em vista evitar maiores demoras, a R. solicitou uma reunião à DSSOPT e à DSPA que teve lugar em 26/07/2013. (Q 14.º)
78. Em nenhuma das PAO’s de 2004, 2005 e 2007 se previa a necessidade de um afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta, do limite máximo de 50 metros para as fachadas das torres e da apresentação e aprovação de relatórios de impacto ambiental. (Q 15.º)
79. A PAO de 23/02/2010 e o Ofício de 09/04/2010, mencionados nas alíneas LL) e MM) dos factos assentes, vieram formular exigências não previstas anteriormente e que também não constavam do contrato de concessão revisto, nomeadamente, a obrigatoriedade de uma distância mínima entre as Torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta que era uma sugestão e não uma exigência. (Q 16.º)
80. O acatamento da sugestão de afastamento entre as torres num mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta implicava um aproveitamento em termos diversos dos constantes dos estudos prévios apresentados para revisão do contrato de concessão e, caso se pretendessem manter as vistas das torres para o mar, poderia implicar redução da área destinada a construção. (Q 17.º)
81. O acatamento da sugestão de afastamento entre as torres implicava, necessariamente, a elaboração de novos projectos de arquitectura. (Q 18.º)
82. A ré não concordou com a sugestão de afastamento mínimo entre as torres feita pelo Ofício de 09/04/2010. (Q 19.º)
83. O projecto de arquitectura aprovado em 07/01/2011 através do Ofício nº 318/DURDEP/2011 não contemplava a sugestão relativa ao distanciamento entre torres, pelo que no fim a DSSOPT desistiu daquela sugestão. (Q 20.º)
84. A DSSOPT acabou por aceitar, tardiamente, a aprovação nos moldes em que o projecto estava congeminado desde a apresentação em 22/10/2009, acolhendo, afinal de contas, o modelo construtivo saído da revisão do contrato de concessão de 2006 (que não previa o afastamento entre torres correspondente, no mínimo, a 1/6 da altura da torre mais alta). (Q 21.º)
85. A DSPA formulou exigências que nunca antes tinham sido efectuadas em Macau e que não se encontravam regulamentadas. (Q 23.º)
86. Após a emissão da licença para as fundações, em 02/01/2014, a ré iniciou de imediato os trabalhos. (Q 26.º)
87. - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “D” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora a fracção autónoma de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 27.º)
88. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM: (Q 30.º)
i. Emitiram licença de obras de fundação em 2/1/2014;
ii. Prorrogaram o prazo de aproveitamento em 29/7/2014;
iii. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento.
  
b) Do Direito

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «1 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
  Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar o contrato prometido de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar a referida fracção. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva1. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir a fracção autónoma em causa2. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável3. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
  Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração do contrato a prestação que a ré acordou com os autores.
  Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
1.1.1 - Em geral.
  Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
  Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
  Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
  Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
  Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
  Vejamos.
1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
  Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos e não encontrou ainda razões para decidir de modo diferente. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que, não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
  Em síntese:
  A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar os autores (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
  A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído a facção acordada com os autores no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
  A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa.
  A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
  Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em relação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil , estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não despresível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.
  A ré, quando se comprometeu com os autores a cumprir (25/3/2013), dispunha de menos de um ano até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014) e de menos de três anos até ao fim do prazo da concessão (25/12/2015), sendo notório que se trata de tempo insuficiente, pois que a ré se comprometeu a construir em “1200 dias úteis de sol, contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura” (ponto 62. dos factos provados). Além disso, necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não despresível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, que respeitem a falhas de organização ou outras falhas.
  Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré vê vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família. A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação.
  Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonomia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
  Em conclusão, a causa da impossibilidade da prestação é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à ré a título de culpa.
  2 – Da resolução contratual.
  No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
  Procede, pois, esta pretensão dos autores e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
  3 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
3.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
  Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
  Tendo-se provado que os autores pagaram à ré para receber dela um imóvel e que nada receberam é forçoso concluir que os autores sofreram danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagaram para adquirir e nada adquiriram.
  Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar os autores, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização. E esta conclusão é afirmada sem necessidade de discussão sobre a existência de sinal penitencial, aquele sinal acordado pelas partes como “preço do arrependimento”, o qual torna lícita a desvinculação unilateral do normal dever de cumprimento do contrato.
  3.2 Do montante da indemnização
  Os autores pretendem ser indemnizados pelo dobro do sinal prestado.
  Por seu lado, a ré entende que não foi constituído sinal.
  O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
  No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
  É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foi e a ré que não foi.
  3.2.1 Da existência de sinal
  Da qualificação do contrato.
  Como antes se referiu, os autores entendem que o contrato em discussão nos presentes autos deve ser qualificado como contrato-promessa, ao passo que a ré entende nas suas alegações de Direito que deve ser qualificado como contrato de compra e venda de bem futuro.
  A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
  A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes4. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual5. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
  Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular6. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
  A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual7.
  Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das partes não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
  Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
  A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
  Este tribunal também já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos, conhecendo as partes, designadamente os seus ilustres mandatários, a fundamentação da referida decisão, razão por que, não se tendo encontrado ainda razões para alterar o sendido da decisão, também não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
  A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das prtes não foi de mera reserva ou encomenda de um bem futuro é que os autores foram pagando prestações do preço e não apenas uma comissão de reserva. Crê-se que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de mera reserva de lugar para aquisição em face do facto de terem sido colocadas perante a escolha de pagar todo o preço ou apenas um parte e perante o pagamento de várias e sucessiva “comissões de reserva”. Reserva, terá havido no pagamento dos primeiros HKD200.000,00, mas com a formalização do contrato em discussão e com os pagamentos seguintes, nenhum declaratário normal considerará que as partes se quiseram manter em situação de mera reserva.
  A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de compra e venda de um bem futuro, contrato que seria formalmente inválido, é que no contrato que celebraram não consideraram os autores como titular de um direito real, oponível erga omnes, mas consideraram-no na situação de alguém que necessitava do consentimento da ré e de lhe pagar para exercer o direito que adquiriu por via contratual, se esse exercício passasse pela transmissão para terceiros.
  Crê-se também que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de tornar os autores donos ou proprietários, mas de torná-los mero titular de um direito a ultimar uma qualquer relação contratual com a ré, o que é, precisamente a prestação característica do contrato-promessa.
  Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
  Da convenção de sinal.
  O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico8. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
  Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
  Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes9.
  Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
  Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
  Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que os autores entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 5º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão.
  Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
  Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
  Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelos autores à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
  Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
  Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
  Ora, se em caso de incumprimento dos autores a ré é indemnizada em “X”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que os autores ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelos autores fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
  As partes não estipularam que em caso de incumprimento dos autores a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
  Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
  Assim, mesmo que não se qualifique o contrato como contrato-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
  Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
  Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
  O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal.
  “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
  Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
  Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
  Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere aos autores o direito de resolver o contrato-promessa.
  Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar aos autores um montante igual ao do sinal que recebeu.
  4 – Dos pedidos subsidiários.
  Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
  5 - Da mora na obrigação de indemnizar.
  5.1 Do início da mora.
  Os autores pediram a condenação da ré em indemnização moratória. Para o caso de a ré ser condenada a pagar o sinal em dobro, pediram que a indemnização moratória se consubstanciasse no pagamento de juros de mora contados à taxa legal para as obrigações de natureza comercial (11,75%), desde a publicação do Despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão do terreno onde a ré iria construir a fracção autónoma a entregar aos autores até integral pagamento.
  A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre quanto às obrigações puras e líquidas, como é a da ré, no momento da interpelação (art. 794º, nºs 1 do CC).
  A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
  A mora ocorreu, pois, com a citação por não se ter provado interpelação anterior.
  5.2 A taxa de juro moratório.
  A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
  Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito dos autores nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
  A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.».
  Por discordar da subsunção jurídica dos factos feita na decisão vem a Recorrente repetir nas suas alegações e conclusões de recurso questões que já antes havia suscitado, a saber:
  - Nas conclusões 2ª a 26ª sustenta que o incumprimento do contrato celebrado com os Autores ora recorridos resulta de uma impossibilidade jurídica superveniente que não lhe é imputável;
  - Nas conclusões 27ª a 42ª no que concerne à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes como não sendo de promessa de compra e venda e a qualificação das quantias pagas pelos Autores ora Recorridos como não sendo a título de sinal;
  - Nas conclusões 43ª a 45ª vem atacar o valor da indemnização em que foi condenada porque o incumprimento não lhe é imputável.
  A questão suscitada nestes autos repete-se em largas centenas de processos onde sem prejuízo de algumas alterações factuais a questão de direito a decidir se mantém inalterada.
  Estamos perante o género de situação que tem vindo a ser qualificada pela Doutrina e Jurisprudência como “processos em massa10” entendendo-se como aqueles em que a situação de facto subjacente poucas alterações sofre, ainda assim repetindo-se e para os quais a solução de direito não pode deixar de ser a mesma, levando o legislador noutras jurisdições a adoptar soluções que garantam uma decisão igual do ponto de vista jurídico para todas as acções.
  Na decisão recorrida são detalhadamente analisadas todas as questões agora repetidamente invocadas.
  A decisão recorrida não só segue a mesma solução jurídica adoptada nos demais casos no Tribunal a quo, como também, aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal11.
  Destarte, em face do exposto, nada mais havendo a acrescentar aos fundamentos da Douta decisão recorrida, para os quais remetemos e aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, impõe-se negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.
  
  Custas a cargo da Recorrente.
  
  Registe e Notifique.
  RAEM, 15 de Maio de 2025
  
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Relator)

Fong Man Chong
(1o Juiz-Adjunto)

Tong Hio Fong
(2o Juiz-Adjunto)
  
1 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
2 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
3 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
4 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
5 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
6 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
7 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
8 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
9 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
10 Veja-se artº 48º do CPTA Português
11 Vejam-se Acórdão deste Tribunal de 09.05.2024 proferido no Procº 22/2024 e de 16.01.2025 proferido no processo 292/2024.
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933/2024 CÍVEL 1