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Processo nº 129/2024
(Autos de recurso civil e laboral)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (甲), A., propôs no Tribunal Judicial de Base acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra:
- (1°) B (乙);
- (2°) C (丙);
- (3ª) D (丁); e,
- (4ª) “E”, todos com os demais sinais dos autos; (cfr., fls. 2 a 13 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, pelo Mmo Juiz Presidente do Colectivo do Tribunal Judicial de Base foi proferida sentença onde, na parcial procedência da acção pelo A. proposta se veio a:

“1. Declarar a nulidade, por simulação, da compra e venda da fracção autónoma “BN11” realizada entre o A. A e o 1.º R. B ordenando-se o cancelamento da correspondente inscrição n.º XXXXXXG;
2. Declarar a nulidade da compra e venda da fracção autónoma “BN11” realizada entre o 1.º R. B e o 2.º R. C ordenando-se o cancelamento da correspondente inscrição n.º XXXXXXG;
3. Declarar a nulidade da compra e venda da fracção autónoma “BN11” realizada entre o 2.º R. e o 3.º R. D ordenando-se o cancelamento da correspondente inscrição n.º XXXXXXG”, consignando-se ainda que se “julgava que o vício de nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda da fracção autónoma “BN11” realizado entre o A. A e o 1.º R. B e o vício de nulidade dos negócios posteriores não podem ser arguidos contra a 4.ª R. nos termos do artigo 235.º do Código Civil, mantendo-se válida a hipoteca voluntária correspondente inscrição n.º XXXXXXC”; (cfr., fls. 661 a 670-v e 826 a 857).

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Em sede do recurso que do assim decidido apresentou a (3ª) R. D, proferiu o Tribunal de Segunda Instância o Acórdão de 23.05.2024, (Proc. n.° 72/2024), onde – no que agora interessa – se decidiu: “Conceder parcial provimento ao recurso interposto da decisão da matéria de facto e em consequência revoga-se a decisão de alterar a redacção da alínea M) dos Factos Assentes revogando-a e quanto à Base Instrutória decide-se manter como provados nos termos em que o foram os quesitos 5º e 18º, dar também como provados os quesitos 76º, 80º e 81º nos termos supra indicados, dar como não provados os quesitos 7º, 10º, 11º, 14º, 19º, 20º, 26º, 27º, 43º, 45º, 50º e 55º e manter como não provados os quesitos 83º, 84º e 85º e em consequência revogar a decisão recorrida no que concerne aos 1º, 2º e 3ª Réus, absolvendo-os dos pedidos, mantendo-se o decidido quanto ao 4º Réu relativamente ao qual não foi interposto recurso”; (cfr., fls. 1083 a 1135-v).

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Traz agora o aludido A. A o presente recurso, produzindo em sede das suas alegações as seguintes conclusões:

“A. O objecto discutido neste caso é se deve ser declarado nulo o contrato de compra e venda da fracção autónoma BN11 em causa, celebrado ente os Recorrente e Recorrido, B, bem como se os ulteriores contratos de compra e venda da mesma fracção autónoma em causa, devem ou não ser declarados nulos.
B. O Tribunal Judicial de Base (TJB) entendeu como provados os factos fundamentais que preencheram os requisitos de constituição da simulação, julgando procedentes os fundamentos do pedido, apresentado pelo Recorrente na petição inicial (p.i.).
C. O Tribunal de Segunda Instância (TSI) alterou a decisão do TJB sobre a matéria de factos, entendendo como não provados os quesitos 7.º, 10.º, 11.º, 14.º, 19.º, 20.º, 26.º, 27.º, 43.º, 45.º, 50.º, 55.º, 80.º e 81.º da base instrutória, consequentemente, entendeu que neste caso faltava os requisitos de constituição da simulação e indeferiu todos os pedidos apresentados pelo Recorrente na p.i..
D. O motivo principal para o TSI alterar a supra decisão do TJB sobre a matéria de factos é a ausência do princípio de prova escrita neste caso, enquanto o TJB, ao admitir a prova testemunhal para provar o facto da existência do acordo simulatório entre os Recorrente e Recorrido, B, violou ao artigo 388.º do Código Civil.
E. A questão fulcral para a apreciação de ora recurso é se o entendimento do TJB sobre o acordo de simulação existente entre os Recorrente e Recorrido tinha violado ou não ao artigo 388.º do Código Civil.
F. Se conforme uma rigorosa interpretação à letra do articulado, o artigo 388.º, n.º 2 do Código Civil veda completamente os simuladores de comprovar o acordo simulatório e o negócio dissimulado, através da prova testemunhal, pelo que, os simuladores só podem provar os respectivos factos através das provas documentais ou confissões.
G. Mas, de acordo com a doutrina dominante e jurisprudência, ambas entendem que devem ser aplicadas com uma interpretação restritiva ao preceituado do artigo 388.º, n.º 2 do Código Civil, que em certas situações são admissíveis prova testemunhal e presunção de facto como meios probatórios do acordo simulatório.
H. Em relação aos meios probatórios aplicáveis à simulação, segundo os académicos portugueses, Mota Pinto, Pinto Monteiro, Manuel de Andrade, o Acórdão n.º 503/18.0T8GMR.GI, do Tribunal Colectivo, do Tribunal da Relação de Guimarães de Portugal e o Acórdão n.º 1116/2020, do Tribunal Colectivo, do TSI de Macau, podemos ver que desde que exista um princípio de prova escrita é quase possível (desnecessário cem por cento) provar a existência do acordo simulatório, assim, pode, através de prova testemunhal ou presunção de facto para complementar e consolidar a certeza das respectivas provas.
I. A divergência principal entre os TJB e TSI é como se devia qualificar o princípio de prova escrita, e no direito positivo não há uma interpretação relativamente ao respectivo conceito jurídico, sendo necessário com o apoio das doutrinas e jurisprudências para o efeito de análise.
J. Segundo as opiniões sobre o princípio de prova escrita referidas pelos Acórdão n.º 1116/2020 do Tribunal Colectivo, do TSI de Macau e académico português, Vaz Serra, podemos ver que o princípio de prova escrita inclui todos os documentos por escrito que se mostram a eventual existência do acordo simulatório, incluindo os documentos produzidos pelos simuladores, bem como outros documentos não produzidos pelos simuladores.
K. Tendo o TJB admitido as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio da fracção, o foro, a contribuição predial, os registos de levantamento dos montantes, o documento assinado pelo Recorrido, B, em 31 de Março de 2010, a escritura pública de compra e venda da fracção em causa, celebrada entre os Recorrente e Recorrido e a escritura pública de hipoteca, celebrada entre os [Banco(1)] e Recorrido, que serviram como o princípio de prova escrita do acordo simulatório, depois, conjugando com a prova testemunhal ou a presunção de facto para complementar ou consolidar as respectivas provas, o que não violava ao artigo 388.º, n.º 2 do Código Civil.
L. Mesmo se aplique um critério mais rigoroso ao princípio de prova escrita, o Recorrente vem analisar conjugado com os Acórdãos n.ºs 5397/18.3T8BRG.GI e 2808/18.1T8GMR.GI, ambos do Tribunal Colectivo, do Tribunal da Relação de Guimarães de Portugal, que o princípio de prova escrita é o documento emitido pelo simulador, e através deste documento consegue presumir razoavelmente a existência do acordo simulatório.
M. Neste caso, tendo o Recorrente apresentado um documento assinado pelo Recorrido, B (constante de fls. 107 dos autos), a assinatura do aludido documento foi reconhecida notarialmente, e segundo o relatório de perícia, constante de fls. 419 dos autos, indicava também que a assinatura do documento em causa foi feita pelo Recorrido, B, cujo conteúdo era sobre a intensão, do mesmo, da celebração do contrato de compra e venda da fracção BN11 visada neste caso e que iria alienar novamente a fracção ao Recorrente.
N. O aludido documento quase consegue provar a eventual existência do acordo simulatório entre os Recorrente e Recorrido, pois, constituindo o princípio de prova escrita.
O. Como antes citado no Acórdão n.º 1116/2020 do Tribunal Colectivo, do TSI de Macau, que o conteúdo da declaração assinada pelo 1.º Réu é semelhante ao do documento assinado pelo Recorrido, B, constante de fls. 107 dos autos, mas, ora caso, tendo o TSI aplicado um critério mais rigoroso para provar se constitui ou não o princípio de prova escrita, sobre isto, o Recorrente é impossível de concordar.
P. Constava divergência entre os Acórdão do Tribunal Colectivo do TSI de ora caso e Acórdão n.º 1116/2020 do Tribunal Colectivo, do TSI, no entendimento sobre a constituição do princípio de prova escrita
Q. O Recorrente julga que deve observar ao critério do entendimento constante do Acórdão n.º 1116/2020 do Tribunal Colectivo, do TSI, e julga-se que o documento lavrado de fls. 107 dos autos constitui o princípio de prova escrita o acordo simulatório, pelo que pode, através dos meios probatórios de prova testemunhal e presunção de facto, complementar e consolidar as respectivas provas.
R. Caso os Venerandos Juízes admitam os argumentos jurídicos supracitados, então os factos provados dos autos são suficientes para provar que não havia o intuito de compra e venda da fracção BN11 em causa, entre os Recorrente e Recorrido, B, incluindo os seguintes factos em concreto:
․Na celebração de escritura pública de compra e venda, o Recorrido, B não tinha visitado, nem verificado a fracção;
․Depois da celebração de escritura pública de compra e venda, o Recorrente não entregou ao Recorrido, B, a fracção e a sua chave, e o mesmo Recorrido, B, também nunca solicitou ao Recorrente a efectuar a entrega da fracção;
․O Recorrido, B não solicitou ao Recorrente a celebração do contrato de arrendamento, nem solicitou ao Recorrente o pagamento das rendas a si;
․O Recorrente e seus familiares continuavam a residir na fracção, bem como efectuando, mensalmente, o pagamento das despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial da fracção e todas as despesas relacionadas com a fracção;
․O preço de compra e venda da fracção (HKD1.300.000,00) foi muito inferior ao valor (HKD1.980.000,00) do empréstimo bancário.
S. Pelo que deve-se julgar que o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do TSI violou ao artigo 388.º, n.º 2 do Código Civil”; (cfr., fls. 1155 a 1162 e 3 a 4-v do Apenso).

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Adequadamente processados os autos, e nada obstando, cumpre conhecer.

A tanto se passa.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal Judicial de Base considerou provados os factos seguintes:

“1. Em 14 de Novembro de 2001, o Autor assinou uma escritura pública no 2.º Cartório Notarial (fls. 75 a 80v do Livro XXXX do 2.º Cartório Notarial), nos termos da qual o Autor declarou comprar a fracção autónoma, com finalidade habitacional (doravante designada por “fracção”), situada na [Endereço], Macau, pelo preço de MOP$548.900,00. O prédio onde se situa a fracção foi descrito sob o n.º XXXXXX, inscrito na matriz sob o n.º XXXXXX e inscrito sob o n.º XXXXXXG (cfr. fls. 43 a 55 e 56 a 88 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea A) dos factos assentes)
2. Em 6 de Maio de 2008, o Autor pediu empréstimo junto do [Banco(2)] (doravante designado por [Banco(2)]), constituindo uma hipoteca sobre a fracção a favor do [Banco(2)] para garantir o empréstimo concedido pelo referido banco ao Autor no valor de MOP$900.000,00. A referida hipoteca foi inscrita sob o n.º XXXXXXC (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea B) dos factos assentes)
3. Em 9 de Março de 2010, o Autor e o 1.º Réu outorgaram uma escritura pública de compra e venda no Cartório do Notário Privado F (a fls. 29 a 31 do Livro do Notário Privado F n.º 549), nos termos da qual o Autor declarou vender a fracção ao 1.º Réu pelo preço de MOP$1.300.000,00 e o 1.º Réu declarou comprar a fracção (cfr. fls. 89 a 92 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea C) dos factos assentes)
4. No mesmo dia, o 1.º Réu assinou uma escritura pública de hipoteca (a fls. 32 a 36 do Livro do Notário Privado F n.º 549), nos termos da qual o 1.º Réu declarou constituir uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor do [Banco(1)] (doravante designado por “[Banco(1)]”) para garantir o empréstimo concedido pelo referido banco ao 1.º Réu no valor de MOP$2.070.292,36 (cfr. fls. 93 a 98 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea D) dos factos assentes)
5. Depois de concluir a aludida transacção e o registo predial, o direito de propriedade sobre a fracção foi inscrito a favor do 1.º Réu sob o n.º XXXXXXG; enquanto a hipoteca a favor do [Banco(1)] foi inscrita sob o n.º XXXXXXC (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea E) dos factos assentes)
6. Em 30 de Agosto de 2011, os 1.º e 2.º Réus outorgaram uma escritura pública de compra e venda no Cartório do Notário Privado G (a fls. 87 do Livro do Notário Privado G n.º 94A), nos termos da qual o 1.º Réu declarou vender a fracção ao 2.º Réu, pelo preço de HKD2.100.000,00 e o 2.º Réu declarou comprá-la (cfr. fls. 108 a 112 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea F) dos factos assentes)
7. No mesmo dia, o 2.º Réu assinou uma escritura pública de hipoteca (a fls. 91 do Livro do Notário Privado G n.º 94A), nos termos da qual o 2.º Réu declarou constituir uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor do [Banco(3)] (doravante designado por “[Banco(3)]”) para garantir o empréstimo concedido pelo referido banco ao 2.º Réu no valor de HKD2.681.000,00 (cfr. fls. 113 a 119 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea G) dos factos assentes)
8. Depois de concluir a aludida transacção e o registo predial, o direito de propriedade sobre a fracção foi inscrito a favor do 2.º Réu sob o n.º XXXXXXG; enquanto a hipoteca a favor do [BANCO(3)] foi inscrita sob o n.º XXXXXXC (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea H) dos factos assentes)
9. Em 2 de Maio de 2014, o 2.º Réu assinou uma escritura pública de hipoteca no Cartório da Notária Privada H (a fls. 41 a 46 do Livro da Notária Privada H n.º 225), nos termos da qual declarou constituir uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor da 4.ª Ré para garantir um empréstimo de HKD3.870.000,00, hipoteca essa foi inscrita sob o n.º XXXXXXC (cfr. fls. 144 a 150 e 56 a 88 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea I) dos factos assentes)
10. A 4.ª Ré intentou uma acção executiva sob o n.º CV3-17-0078-CEO contra o 2.º Réu para reclamar o empréstimo e os juros no valor total de MOP$3.895.821,39 e procedeu ao registo de penhora da fracção (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea J) dos factos assentes)
11. Em 18 de Maio de 2018, os 2.º e 3.º Réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual o 2.º Réu prometeu vender ao 3.º Réu e este prometeu comprar a fracção (cfr. fls. 169 a 171 dos autos). (Alínea K) dos factos assentes)
12. Conforme o conteúdo do contrato-promessa de compra e venda, o preço da venda da fracção é de HKD$7.800.000,00 (cfr. acima referido). (Alínea L) dos factos assentes)
13. Conforme o conteúdo do contrato-promessa de compra e venda, no dia da celebração do contrato-promessa de compra e venda, o 3.º Réu já pagou ao 2.º Réu um sinal de HKD$4.000.000,00 e iria pagar o remanescente, no valor de HKD$3.800.000,00, no dia da transacção da compra e venda (cfr. acima referido). (Alínea M) dos factos assentes)
14. Concluída a aludida transacção, o 3.º Réu procedeu ao registo provisório de aquisição da fracção, inscrito sob o n.º XXXXXXG (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea N) dos factos assentes)
15. Em 29 de Agosto de 2018, os 2.º e 3.º Réus outorgaram uma escritura pública de compra e venda e de hipoteca no Cartório do Notário Privado I (a fls. 50 a 55 do Livro do Notário Privado I n.º 321), nos termos da qual o 2.º Réu declarou vender ao 3.º Réu e este declarou comprar a fracção pelo preço de HKD7.800.000,00 (cfr. fls. 176 a 182 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (Alínea O) dos factos assentes)
16. No mesmo dia, o 3.º Réu constituiu uma hipoteca voluntária sobre a fracção a favor da 4.ª Ré para garantir o empréstimo concedido pela 4.ª Ré ao 3.º Réu no valor de HKD3.880.000,00 (cfr. acima referido). (Alínea P) dos factos assentes)
17. Depois de concluir a aludida transacção e o registo predial, o registo do direito de propriedade sobre a fracção a favor do 3.º Réu passou a ser definitivo; enquanto a hipoteca a favor da 4.ª Ré foi inscrita sob o n.º XXXXXXC (cfr. fls. 56 a 88 dos autos). (Alínea Q) dos factos assentes)
18. O pedido de registo mencionado na Alínea Q) dos factos assentes foi apresentado à Conservatória do Registo Predial em 30 de Agosto de 2018 (cfr. acima referido). (Alínea R) dos factos assentes)

- Factos dados como provados após audiência de julgamento: (os seus fundamentos cfr. fls. 621 a 636 dos autos)
19. Após a aquisição da fracção, o Autor e os seus familiares residem sempre na fracção, considerando-a como residência da família. (Resposta ao quesito 1.º da base instrutória)
20. O Autor, o 1.º Réu e o 2.º Réu conheceram-se no ensino secundário e tornaram-se melhores amigos. (Resposta ao quesito 2.º da base instrutória)
21. Em 2010, o 1.º Réu precisou de dinheiro com urgência para liquidar a dívida contraída junto de outrem. (Resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
22. Em 2010, o Autor trabalhava como croupier no [Casino], auferindo mensalmente cerca de MOP$13.000,00. (Resposta ao quesito 4.º da base instrutória)
23. Por ter contraído empréstimo junto do [Banco(2)] em 2008 e devido ao rendimento mensal do Autor naquela altura, o Autor impossibilitou de pedir um novo empréstimo através da segunda hipoteca para ajudar o 1.º Réu a pagar a dívida. (Resposta ao quesito 5.º da base instrutória)
24. Em 2010, o 2.º Réu dedicava-se à actividade de mediação imobiliária, sendo dono da [Agência de Propriedade]. (Resposta ao quesito 6.º da base instrutória)
25. Para resolver a dívida, o Autor e o 1.º Réu pediram opiniões ao 2.º Réu. (Resposta ao quesito 7.º da base instrutória)
26. Em 2010, o 1.º Réu trabalhava igualmente no [Casino]. (Resposta ao quesito 8.º da base instrutória)
27. Dado que o Autor impossibilitou de pedir empréstimo através da segunda hipoteca junto do [Banco(2)], o 2.º Réu propôs aos Autor e 1.º Réu o seguinte: O Autor alienasse a fracção ao 1.º Réu através da compra e venda simulada, de forma que o 1.º Réu pedisse empréstimo ao banco com a fracção para liquidar a dívida contraída junto do terceiro. (Resposta ao quesito 10.º da base instrutória)
28. Para ajudar o 1.º Réu a resolver o problema financeiro, o Autor aceitou a proposta do 2.º Réu. (Resposta ao quesito 11.º da base instrutória)
29. O Autor e o 1.º Réu incumbiram o 2.º Réu de proceder às formalidades da compra e venda e contactar o notário privado F para tratar das formalidades da celebração da escritura. (Resposta ao quesito 12.º da base instrutória)
30. O 1.º Réu incumbiu o 2.º Réu de tratar das formalidades de pedir empréstimo bancário. (Resposta ao quesito 13.º da base instrutória)
31. Pelo que, o 2.º Réu sabia perfeitamente os pormenores da transacção da fracção entre o Autor e o 1.º Réu. (Resposta ao quesito 14.º da base instrutória)
32. Após a celebração da escritura pública mencionada na Alínea D) dos factos assentes, o [Banco(1)] emitiu ao Autor uma livrança bancária no valor de HKD1.980.000,00. (Resposta ao quesito 15.º da base instrutória)
33. Em 10 de Março de 2010, o Autor levantou o dinheiro da aludida livrança bancária e depositou-o na sua conta bancária aberta no [Banco(2)] n.º XXXXXXXXXX. (Resposta ao quesito 16.º da base instrutória)
34. Em 11 de Março de 2010, o Autor utilizou a quantia de HKD754.937,11 na aludida conta e o numerário para pagar todo o empréstimo que o [Banco(2)] lhe concedeu no valor de HKD759.585,22. (Resposta ao quesito 17.º da base instrutória)
35. No mesmo dia, o Autor também levantou numerário no valor de HKD880.000,00 e entregou a quantia de HKD600.000,00 ao 1.º Réu para que este liquidasse directamente a dívida para com o terceiro. (Resposta ao quesito 18.º da base instrutória)
36. Apesar de o Autor e o 1.º Réu terem outorgado a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea C) dos factos assentes, o 1.º Réu não tinha intenção de adquirir a fracção nem o Autor tinha intenção de vender a fracção, a finalidade deles foi apenas ajudar o 1.º Réu a obter o empréstimo concedido pelo banco com a fracção. (Resposta ao quesito 19.º da instrutória)
37. O Autor e o 1.º Réu tinham intenção de enganar o [Banco(1)] para este conceder empréstimo. (Resposta ao quesito 20.º da base instrutória)
38. Antes de outorgar a dita escritura pública de compra e venda, o 1.º Réu não visitou nem examinou a fracção. (Resposta ao quesito 21.º da base instrutória)
39. Depois de outorgar a dita escritura pública de compra e venda, o Autor não entregou a fracção e as suas chaves ao 1.º Réu e o 1.º Réu também nunca pediu ao Autor que lhe entregasse a fracção. (Resposta ao quesito 22.º da base instrutória)
40. O 1.º Réu também não pediu ao Autor que celebrasse o contrato de arrendamento com ele nem lhe pediu que pagasse a renda. (Resposta ao quesito 23.º da base instrutória)
41. Pelo que, o Autor e os seus familiares continuam a residir na fracção como se nunca tivesse outorgado a escritura pública de compra e venda com o 1.º Réu. (Resposta ao quesito 24.º da base instrutória)
42. E o Autor e os seus familiares pagam mensalmente as despesas da fracção, como as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial e todas as despesas relacionadas com a fracção. (Resposta ao quesito 25.º da base instrutória)
43. Dado que o empréstimo contraído pelo Autor foi liquidado pelo empréstimo contraído pelo 1.º Réu junto do [Banco(1)], porém, a compra e venda entre o Autor e o 1.º Réu não é real, o Autor pagou dinheiro ao 1.º Réu a cada dois meses para ajudar o 1.º Réu a pagar as amortizações do [Banco(1)], o que é como o Autor liquidou mensalmente o empréstimo ao [Banco(2)]. (Resposta ao quesito 26.º da base instrutória)
44. Para esclarecer a verdadeira pertença do direito de propriedade sobre a fracção, o 1.º Réu assinou uma declaração de fls. 107 dos autos em 31 de Março de 2010, altura em que esteve presente J como testemunha, da qual constava que o 1.º Réu pediu ao Autor que lhe emprestasse a fracção para pedir empréstimo ao banco e comprometeu-se a transmitir incondicionalmente a fracção para o Autor no futuro depois de liquidar o dinheiro contraído junto do banco. (Resposta ao quesito 27.º da base instrutória)
45. Ao outorgar a escritura pública de compra e venda em 9 de Março de 2010 com o Autor, o 1.º Réu era solteiro. (Resposta ao quesito 28.º da base instrutória)
46. Caso devolvesse a fracção ao Autor, o 1.º Réu deveria liquidar imediatamente o empréstimo em falta ao [Banco(1)] e os correspondentes juros. (Resposta ao quesito 33.º da base instrutória)
47. No dia em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea F) dos factos assentes, o preço da fracção na compra e venda, no valor de HKD2.100.000,00, foi inferior ao preço de mercado geral. (Resposta ao quesito 38.º da base instrutória)
48. O 2.º Réu sabia perfeitamente que a compra e venda da fracção entre o Autor e o 1.º Ré não foi uma transacção real e também sabia que a transmissão da referida fracção pelo Autor para o 1.º Réu destinou-se apenas a deixar o 1.º Réu obter empréstimo bancário. (Resposta ao quesito 43.º da base instrutória)
49. Antes de assinar a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea F) dos factos assentes, o 2.º Réu não visitou nem examinou a fracção. (Resposta ao quesito 44.º da base instrutória)
50. Dado que o 2.º Réu sabia que a fracção pertence ao Autor e o Autor e os seus familiares residem na referida fracção, pelo que, depois de os 1.º e 2.º Réus outorgaram a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea F) dos factos assentes, nunca pediu ao Autor e aos seus familiares que saíssem da fracção nem pediu ao Autor que celebrasse qualquer contrato de arrendamento nem pediu ao Autor que lhe pagasse a renda. (Resposta ao quesito 45.º da base instrutória)
51. Pelo que, o Autor e os seus familiares ainda residem na referida fracção, como se o 1.º Réu nunca tivesse outorgado a escritura pública de compra e venda com o 2.º Réu. (Resposta ao quesito 46.º da base instrutória)
52. E o Autor e os seus familiares continuam a pagar mensalmente as despesas da fracção, como as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial e todas as despesas relacionadas com a fracção. (Resposta ao quesito 47.º da base instrutória)
53. Depois de outorgar a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea F) dos factos assentes, o Autor ainda pagou dinheiro ao 1.º Réu como referido na resposta ao quesito 50.º da base instrutória. (Resposta ao quesito 50.º da base instrutória)
54. Provado apenas o mesmo conteúdo da resposta ao quesito 50.º da base instrutória. (Resposta ao quesito 55.º da base instrutória)
55. Antes de outorgar o contrato-promessa de compra e venda e a escritura pública de compra e venda mencionados nas Alíneas K) e O) dos factos assentes e depois de concluir a transacção, o 3.º Réu não visitou nem examinou a fracção. (Resposta ao quesito 63.º da base instrutória)
56. Pelo menos em Maio de 2019, o Autor soube que o 2.º Réu transferiu a fracção para o 3.º Réu. (Resposta ao quesito 64.º da base instrutória)
57. Depois de os 3.º e 2.º Réus terem outorgado a escritura pública de compra e venda mencionada na Alínea O) dos factos assentes, o 3.º Réu nunca manifestou ao Autor por via escrita ou verbal que ele adquiriu o direito de propriedade sobre a fracção. (Resposta ao quesito 71.º da base instrutória)
58. Até à data de propositura da presente acção, o 3.º Réu não pediu ao Autor que lhe entregasse as chaves da fracção nem pediu ao Autor que lhe pagasse a renda resultante da utilização da fracção nem pediu ao Autor por qualquer forma que saísse da fracção. (Resposta ao quesito 72.º da base instrutória)
59. Até à data de propositura da presente acção, o Autor e os seus familiares continuam a residir na fracção e pagam mensalmente as despesas da fracção como as despesas de água e electricidade, as despesas de condomínio, o foro, a contribuição predial e todas as despesas relacionadas com a fracção. (Resposta ao quesito 73.º da base instrutória)
60. O 3.º Réu não pagou o foro e a contribuição predial da fracção em causa. (Resposta ao quesito 78.º da base instrutória)
61. O 3.º Réu não pagou as despesas de condomínio da fracção em causa. (Resposta ao quesito 79.º da base instrutória)
62. Em 13 de Fevereiro de 2020, o 3.º Réu intentou uma acção de despejo contra o 2.º Réu no Tribunal Judicial de Base de Macau, pedindo ao tribunal que declarasse a rescisão do alegado contrato de arrendamento celebrado entre o 2.º e o 3.º Réu e a devolução da fracção em causa ao 3.º Réu pelo 2.º Réu. (Resposta ao quesito 82.º da base instrutória)
63. O 4.º Réu, que nos negócios que tiveram por objecto a fracção autónoma discutida nos presentes autos interveio, observou nas duas concessões de crédito bancário com hipoteca a que se referem as escrituras públicas juntas as fls. 144 a 150 e 176 a 182, as práticas normas do giro bancário, desconhecendo qualquer suposto vício dos negócios anteriores. (Resposta ao quesito 86.º da base instrutória)”; (cfr., fls. 663-v a 667-v e 834 a 846).

Do direito

3. Feito que está o relatório que antecede, vejamos se tem o A., ora recorrente, razão na pretensão que, agora, com o seu recurso, a este Tribunal de Última Instância apresenta.

Pois bem, antes de mais, vale a pena fazer uma (abreviada) síntese do processado e decidido para melhor se entender o que em causa realmente está no presente recurso.

E, então, cabe dizer que acolhendo – quase toda – a “versão fáctica” pelo A. apresentada na sua petição inicial, deu o Tribunal Judicial de Base como “provada” a aí alegada “simulação” na compra e venda da “fracção BN11” entre o dito A. e o 1° R., declarando assim, na sentença que proferiu a sua nulidade, com a consequente invalidade dos negócios que sobre a mesma fracção foram (posteriormente) celerados entre os 1°, 2° e 3ª RR., negando apenas procedência ao pedido de declaração de nulidade da escritura pública de hipoteca outorgada entre a 3ª e 4ª RR..

Porém, alterando a “decisão da matéria de facto” do Tribunal Judicial de Base em sede do recurso pela 3ª R. interposto, veio o Tribunal de Segunda Instância a proferir o Acórdão ora recorrido onde, em face desta alteração, considerou inverificados os pressupostos legais da alegada “simulação”, revogando assim as declaradas “nulidades” e absolvendo os 1°, 2°, 3ª RR. dos pedidos pelo A. contra os mesmos deduzidos.

É agora esta Instância chamada a se pronunciar sobre o acerto do assim decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, centrando o ora recorrente o seu inconformismo na “decisão de alteração da matéria de facto” em que assentou a sentença do Tribunal Judicial de Base, (e, onde, como se referiu, obteve provimento relativamente às já referidas “declarações de nulidade”).

Nesta conformidade, (e, muito especialmente, em face do pelas partes alegado), importa antes de mais saber se na sua “decisão sobre a matéria de facto”, observou o Tribunal Judicial de Base o que em sede de “prova” sobre a referida “simulação” (como a dos autos) se encontra estipulado no art. 388° do C.C.M., onde se estatui que:

“1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 367.º a 373.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros”; (sendo exactamente a inobservância deste preceito legal que é pelo A., ora recorrente, imputada ao decidido pelo Tribunal de Segunda Instância).

Vejamos.

Nos termos do art. 649° do C.P.C.M.:

“1. Aos factos materiais que o tribunal recorrido considerou provados, o Tribunal de Última Instância aplica definitivamente o regime que julgue adequado em face do direito vigente.
2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Ora, em causa no presente recurso está, exactamente, a “situação” a que se refere o n.° 2 do transcrito comando legal, pelo que constitui “questão” sobre a qual pode esta Instância (conhecer e) emitir pronúncia.

E, nesta conformidade, da análise e reflexão que nos foi possível efectuar, somos de opinião que bem andou Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, mostrando-se-nos a decisão proferida acertada e em consonância com o que nos parece que em face dos elementos dos presentes autos se impunha decidir.

Passa-se a tentar explicitar o porque deste nosso entendimento.

Sob a epígrafe “Liberdade contratual” prescreve-se no art. 399° do C.C.M. que:

“1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”.

Atento o assim preceituado, e centrando a nossa atenção na questão que nos ocupa, útil se apresenta de aqui recordar as considerações pela Prof. Mafalda M. Barbosa tecidas a título de introdução do seu trabalho sobre a “Falta e vícios da vontade: uma viagem pela jurisprudência”, onde considera o que segue:

“Negócio jurídico é um dos temas centrais do direito privado, mormente do direito civil. Definido comumente como o facto jurídico voluntário ou ato jurídico cujo núcleo essencial é integrado por, pelo menos, uma declaração de vontade tendente à produção de determinados efeitos práticos que se pretende que sejam juridicamente vinculantes1, a categoria encontra nas declarações de vontade (uma ou várias no mesmo sentido, no caso dos negócios jurídicos unilaterais; pelo menos duas de sentido oposto mas convergente, no caso dos contratos) um dos seus elementos essenciais. Tais declarações, por sua vez, são integradas por dois elementos: um elemento externo (traduzido na declaração propriamente dita) e um elemento interno (que consiste na vontade por aquela exteriorizada)2. Em situações normais, estes dois elementos coincidem. Pode, porém, haver casos em que, em vez da desejável sintonia, ocorre um dissídio entre a vontade e a declaração. Noutras hipóteses, vontade e declaração não divergem; contudo, a vontade foi formada de um modo não natural. O que assim se diz, correspondendo a uma lição básica da civilística, identifica dois núcleos problemáticos bem conhecidos dos juristas: o problema das divergências entre a vontade e a declaração, por um lado, e o problema dos vícios da vontade, por outro lado”.

Isto visto, continuemos, sendo agora de atentar que, no Capítulo do “Negócio jurídico”, e inserido na parte respeitante à “Falta e vícios da vontade” prescreve que o art. 232° do C.C.M. que:

“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo”.

Ora, aquando da redacção do art. 240° do C.C. português, com a mesma redacção do art. 232° do nosso C.C.M., o Prof. Rui Alarcão teceu o seguinte comentário: “(…) pode definir-se a simulação como a «divergência intencional entre a vontade a declaração, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros». É a noção que temos por preferível doutrinalmente, e que, embora esteja longe de poder considerar-se pacificamente aceite – sobretudo pelos ataques que têm sido dirigidos à tese da divergência entre a vontade e a declaração – corresponde aos ensinamentos da doutrina tradicional e preponderante designadamente entre nós”; (in “Simulação”, B.M.J. 84°-305, e do mesmo autor in, “Do negócio jurídico”, B.M.J. 105°-256).

Significa isto que há uma “simulação” quando, num negócio, existe uma divergência intencional entre a vontade e a declaração que é realizada pelas partes, em resultado de uma combinação ou conluio que determina a falsidade da declaração, também designado por “acordo simulatório”, (“pactum simulationis”), que tem como escopo, intenção, intuito ou propósito, enganar ou prejudicar terceiros.

Neste particular, é importante referir que, muitas vezes, não existe intenção fraudulenta, ou seja, de “prejudicar terceiros” (chamado “animus nocendi”) mas, continuará a existir simulação se, entre as partes, existir o propósito de “enganar terceiros” (chamado de “animus decipiendi”).

E sintetizando o conceito de simulação considerava o Prof. Mota Pinto que a mesma integrava os seguintes elementos:
- a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
- o acordo entre declarante e declaratário, (“acordo simulatório”), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais; e,
- o intuito de enganar terceiros; (cfr., v.g., António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto in, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª ed., pág. 466, podendo-se também neste sentido, ver os Acs. deste T.U.I. de 11.03.2015, Proc. n.° 10/2015, de 13.05.2015, Proc. n.° 69/2014 e de 27.07.2022, Proc. n.° 54/2022).

Neste último elemento, e como se referiu, pode distinguir-se o mero intuito de enganar, mas sem prejudicar, (“animus decipiendi”), que faz apodar a simulação de inocente, e o “animus nocendi”, (de prejudicar terceiros ou de violar norma legal), geradora da simulação fraudulenta.

O Prof. Pedro Pais de Vasconcelos considera, por sua vez, que “na simulação é de crucial importância o pacto simulatório. Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial assim criado pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantém oculto ou pode também não corresponder qualquer negócio”; (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 8ª ed., 2015, pág. 598, podendo-se, também ver Rui Alarcão in, “Simulação”, e “Do Negócio Jurídico”, B.M.J. 84°-305 e 105°-256).

No primeiro caso há “simulação relativa”, enquanto no segundo existe “simulação absoluta”, onde só existe o negócio simulado.

Na relativa, além deste, (que o Prof. Manuel de Andrade apoda de “patente”, “ostensivo”, “decorativo”, “aparente” ou “fictício” – in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 171 e segs.), há um “negócio oculto” (“latente”, disfarçado, “real”), que é o “dissimulado”.

“A simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir um determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar”; (cfr., v.g., Henrich Ewald Hörster in, “A Parte Geral do Código Civil Português”, 1992, pág. 536).

Na verdade, a simulação traduz um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes, (“simulação absoluta”), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes, (“simulação relativa”), com o intuito de enganar terceiros; (cfr., v.g., Mota Pinto in, “Teoria Geral do Direito Civil”, 1976, pág. 357 e segs.).

Assim, (e em síntese), o negócio simulado tem, por definição, uma aparência distinta da realizada, quer porque não existe em absoluto, quer porque é distinto do modo como aparece: ou seja, sob a aparência de um negócio normal, existe um outro propósito negocial.

Ao invocar a simulação, o simulador afirma que a vontade declarada intencionalmente não correspondeu à vontade representada e querida pelas partes, através de um concerto defraudatório, emitindo intencionalmente declarações não consonantes com aquilo que efectivamente queriam e com o fito de enganar terceiros.

Consubstanciando uma conduta desviante, mas, (infelizmente, bastante), institucionalizada, a simulação é tratada pelo legislador com desvalor porquanto constitui uma “forma”, “meio” ou “instrumento” para enganar terceiros, (“animus decipiendi”), e, até frequentemente, de os prejudicar (“animus nocendi”).

Daí que o legislador comece, desde logo, por estabelecer restrições à prova do “acordo simulatório”, que é exactamente o que sucede com o atrás transcrito art. 388° (n.° 2) do C.C.M..

Esta “proibição”, tem por objectivo afastar, (ou “esconjurar”) os perigos que comportaria a admissibilidade da prova testemunhal do acordo simulatório contra o conteúdo do documento, como sucederia por exemplo quando um dos contraentes, querendo infirmar o negócio, poderia valer-se de (mera) prova testemunhal para demonstrar que o negócio é simulado, destruindo dessa forma o “valor” e a “eficácia” do documento mediante simples prova de testemunhas.

Contudo, não se pode também olvidar que não sendo questionável o valor de prova plena de documento autêntico quanto às declarações negociais das partes nele representadas, o mesmo já não se passa, em princípio, quanto à “conformidade das suas declarações com a respectiva vontade real”, ou seja, quanto ao valor de prova plena da sua veracidade.

Assim, só através da alegação e da prova da ocorrência de algum dos casos tipificados de divergência entre a vontade e a declaração das partes ou de vício na formação da vontade, é que podia ser posta em causa, não já a força probatória do documento que formalizou o contrato de compra e venda, que faz prova plena do facto constitutivo do contrato, mas a sua validade ou eficácia jurídica.

Nesta conformidade, e como nota L. F. Pires de Sousa – in “Prova da Simulação”, Revista Julgar, número Especial, 2013, pág. 71 a 88 – desde os estudos com vista à elaboração do Código Civil português de 1966 que Vaz Serra tem sustentado a formulação de “excepções” à regra da “inadmissibilidade da prova testemunhal/por presunções” contra ou além do conteúdo de documentos, mesmo no caso da arguição da simulação entre os simuladores, sob pena da ocorrência de graves iniquidades; (cfr., v.g., Vaz Serra in, “Provas – Direito Probatório Material”, B.M.J., 112°-194, e na R.L.J. n.° 107, pág. 311 e segs., em anotação ao Acórdão do S.T.J. de 04.12.1973, sendo de notar que o dito “Código Civil de 1966” aprovado pelo Decreto Lei n.° 47 344 de 25.11.1966, vigorou em Macau por força de Portaria n.° 22 869 de 04.09.1967 até a entrada do actualmente em vigor C.C.M., em 01.11.1999).

Como salienta o mesmo autor:

“Tais excepções estão consagradas nos Artigos 1347º e 1348º do Código Civil Francês e Artigo 2724º do Código Civil Italiano. Este artigo, sob a epígrafe, Excepções à proibição de prova testemunhal, dispõe que:
“A prova por testemunhas é admissível em qualquer caso:
1) quando existe um princípio de prova por escrito: este é constituído por qualquer escrito, proveniente da pessoa contra quem é dirigida a demanda ou do seu representante, que faça parecer verosímil o facto alegado;
2) quando o contraente ficou impossibilitado, moral ou materialmente, de munir-se de uma prova escrita;
3) quando o contraente, sem culpa, perdeu o documento que lhe fornecia a prova” (tradução nossa).
Justificando a primeira excepção, esclarece VAZ SERRA que “Existindo um começo de prova por escrito, a prova testemunhal terá o papel de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a excepção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já formada em parte com base num documento.”
O começo da prova por escrito pode ser constituído por um só escrito ou por vários, mesmo que não subscrito. Deve emanar daquele a quem é oposto, não de um terceiro. A letra ou assinatura desse escrito devem ser previamente reconhecidas ou verificadas; “enquanto não é verificado, o escrito discutido não pode servir de começo de prova porque não se sabe de quem emana.” Será de admitir o escrito que não seja do punho da contraparte (ou seu procurador) mas que tenha sido criado com a sua participação, v.g., auto que contenha respostas da parte a interrogatório formal. Não é necessário que o escrito esteja dirigido à parte que o exibe.
O escrito deve tornar verosímil o facto alegado. Entre o facto indicado pelo escrito e aquele que deveria ser objecto de prova testemunhal, deve existir um nexo lógico tal que confira ao último um relevante fumus de credibilidade. Esse nexo lógico não corresponde a um simples momento inferencial de uma argumentação presuntiva, mas deve ser entendido como dado instrumental de um convencimento probabilístico, que o juiz pode firmar com uma razoável correlação lógica entre o conteúdo do escrito e o facto controverso.
(…)
A doutrina nacional foi sensível à argumentação de Vaz Serra, e tem propugnado que a restrição do nº2 do Artigo 394º não veda a possibilidade de os simuladores provarem o acordo simulatório e o negócio dissimulado com base num princípio de prova escrita contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial. (…)
Na verdade, há que conciliar as exigências contrapostas que presidem à razão de ser da proibição do uso da prova testemunhal, por um lado, e a necessidade de acautelar os interesses de um dos simuladores contra o aproveitamento iníquo da simulação pelo outro, sobretudo quando aquele não se encontra munido de uma prova escrita suficiente (contradeclaração). Tal conciliação passa pela admissão da prova testemunhal quando convocada para complementar prova escrita que possa valer como um princípio de prova do acordo simulatório”, (em sentido diverso,
cfr., v.g., Beleza dos Santos in, “A Simulação em Direito Civil”, Vol. II, pág. 151, para quem, “se o acto simulado consta de um documento autêntico ou
de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432.º e 2433.º do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, art.º 2412.º). Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais em matéria de prova”, Rodrigues Bastos in, “Notas ao Código Civil”, Vol. II,
pág. 177 e Pires de Lima e Antunes Varela in, “C.C. Anotado”, Vol. I, 3ª ed., pág. 342, considerando, essencialmente, que essa interpretação favorável colidia com a letra da norma).

Como também nota de Carvalho Fernandes, (in “Estudos sobre a simulação”, 2004, pág. 59 a 60):

“Pode, (…) dar-se o caso de haver um ou mais documentos escritos, sem que, contudo, qualquer deles, isoladamente ou no seu conjunto, possa ser visto como título suficiente de uma contradeclaração. Se, ainda assim, esse documento ou esse conjunto valer como começo de prova da simulação, o recurso ao depoimento de testemunhas afigura-se-nos admissível.
(…) O que se exige é que o documento ou o conjunto de documentos disponíveis no processo torne plausível ou razoável admitir a verosimilhança dos factos que segundo a parte que os alega, qualificam a simulação. Por outras palavras, esses documentos têm de permitir, como um dos sentidos possíveis do seu conteúdo, a comprovação dos factos em que se traduz a simulação”; (seguindo idêntica orientação, cfr., também Mota Pinto e Pinto Monteiro que veicularam a admissão de prova testemunhal, em ordem a evitar eventuais “resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro”, embora sem colocar em causa a «ratio» do preceito, a certeza da prova documental, e “a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais”, o mesmo sucedendo com Menezes Cordeiro in, “Tratado de Direito Civil Português”, pág. 850 e segs., que considerava nomeadamente que “nada impedia que seja realizada prova testemunhal a partir de documento com a forma legal do negócio simulado”, e que defendia “a admissão da denominada prova testemunhal secundária na simulação invocada entre os simuladores, destinada a complementar outro documento – princípio da prova escrita – adicionando a existência de acordo simulatório ou negócio simulado arguido pelos próprios”).

No mesmo sentido, considerou-se também no Acórdão do S.T.J. de 07.02.2017, Proc. n.° 3071/13 que:

“(…)
2-2- O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil excepciona a admissibilidade da prova testemunhal quando se tenha “por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
Cabem no âmbito do preceito as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado.
Mas o legislador foi mais longe, ao detalhar no n.º 2 que a proibição é aplicável ao “acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores”.
Pretendeu, assim, deixar claro que a proibição também abrange aquele vício de vontade, ou seja apenas aquela divergência entre a vontade e a declaração, que não as outras.
Na vigência do Código Civil 1867, o Prof. Beleza dos Santos explicava o regime legal: “Em conclusão: se o acto simulado consta de um documento autêntico ou de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432.º e 2433.º do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, art.º 2412.º). Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais em matéria de prova.” (in “A Simulação em Direito Civil”, II, 151).
Assim se entendia pacificamente.
A polémica surge nos trabalhos preparatórios do vigente Código Civil e na tendência da doutrina para menorizar (quiçá por razões sociológicas) a valia da prova testemunhal (cf. os Profs. Pires de Lima e A. Varela: que a apodavam de “prova extremamente insegura” – in “Código Civil Anotado” I, 4.ª ed.; “… falibilidade e fragilidade da prova testemunhal” –Prof. Carvalho Fernandes – “A Prova da Simulação Pelos Simuladores”, apud “O Direito” 124.º, 1992, IV, 600; “ …esconjurar os perigos que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia ser contraditado.” Ac STJ de 5.6.2007-07A3134).
Antes de prosseguirmos devemos deter-nos-emos nas palavras do Prof. Manuel de Andrade ao referir que “os simuladores em geral procuram as trevas, fogem de testemunhas. Por outro lado, está pouco divulgada entre nós a prática das contra-declarações. Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções”. (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1972, p. 207).
É certo que a demonstração da simulação é quase uma “probatio diabólica”, mesmo para os terceiros lesados, ou enganados.
(…)
2-3- Retomando os atrás referidos trabalhos preparatórios do Código Civil, iremos percorrer a história do n.º 2 do artigo 394.º citado.
O Prof. Vaz Serra (in “Provas – Direito Probatório Material”- BMJ 112, p. 194-197; 219-232; 236-292) invocando os artigos 1417.º e 2724.º do Código Civil Italiano de 1942 e 1347.º e 1348.º do Código Civil Francês, projectou uma norma que permitia que os simuladores pudessem, excepcionalmente usar a prova testemunhal, mas apenas se:
— existisse um princípio de prova escrita “proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante” ou quando “da qualidade das partes, da natureza do contrato, ou de quaisquer outras circunstâncias seja verosímil que tenham sido feitas contradeclarações”;
(…)
Daí que o tal “princípio de prova” só poderia ser constituído por qualquer dos documentos a que se refere o n.º 1 do artigo 394.º que, se não unívocos, só poderão tornar-se completos se conjugados com a prova secundária (que ,então, se concede ser testemunhal), complementar ou, com rigor, meramente residual, e só por si sem valor autónomo, por não lho permiti o n.º 2 do artigo 394.º.
De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.
Daí que, adicionando esse documento a existência de acordo simulatório ou um negócio dissimulado se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar, tornando-se, então, o primeiro elemento de prova e sem que colida com o citado n.º 2 do artigo 394.º (v.g. os Acórdãos do STJ de17.6.2003 -03A1565; de 5.6.2007 –Pº 7A1364; Pº 758/06.3TBCBR-BP1.S1; e de 9.7.2014 -5944/07. 6TBVNG.P1:S1)”.

Na verdade, e como em idêntico sentido vem apontado por L. F. Pires de Sousa, (in ob. cit.), “há que conciliar as exigências contrapostas que presidem à razão de ser da proibição do uso da prova testemunhal, por um lado, e a necessidade de acautelar os interesses de um dos simuladores contra o aproveitamento iníquo da simulação pelo outro, sobretudo quando aquele não se encontra munido de uma prova escrita suficiente (contradeclaração). Tal conciliação passa pela admissão da prova testemunhal quando convocada para complementar prova escrita que possa valer como um princípio de prova do acordo simulatório”, sendo pois de se concluir por uma posição que talvez se possa apelidar de mais “pragmática” e de melhor e mais saudável equilíbrio, fazendo-se uma “interpretação restritiva” ao comando legal em questão, e considerando-se, assim, que o mesmo não impede a produção de prova testemunhal, (e, as presunções judiciais inferentes), quando apresentadas em complemento de outras provas, maxime, documentos.

Isto visto e dito – e, relativamente ao qual, se nos mostra haver consenso relativamente ao entendido pelas Instâncias recorridas – é então chegado o momento de se apreciar se o pelo Tribunal de Segunda Instância considerado inexistente “princípio de prova”, (alterando anterior decisão do Tribunal Judicial de Base que, inversamente, o deu como verificado), merece censura!

Ora, como atrás se deixou adiantado, cremos que o Acórdão agora recorrido fez uma rigorosa (e pormenorizada) análise da “situação” pelas partes alegada, assim como uma correcta e judiciosamente fundamentada apreciação dos “elementos probatórios” nos presentes autos existentes em perfeita harmonia com o entendimento que se deixou explicitado quanto ao aludido “princípio de prova”.

Com efeito, e como no Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância se deixou exposto, os apresentados “documentos” (na sentença recorrida invocados) não têm a virtude de constituir o aludido “princípio de prova”, útil se apresentando pois recordar e aqui expor as “razões” que levaram à prolação do veredicto agora recorrido que – na parte que agora interessa – tem o teor seguinte:

“(…)
Vem a 3ª Ré interpor recurso da decisão final.
Nas suas alegações e conclusões de recurso vem a 3ª Ré:
(…)
- Impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos itens 5º, 7º, 10º, 11º, 14º, 18º a 20º, 26º, 27º, 50º, 76º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º da Base Instrutória.
- Erro na aplicação de direito por inoponibilidade da simulação a terceiros de boa-fé e abuso de direito do Autor.

Atacando-se a decisão sobre a matéria de facto é por aí que iniciamos a apreciação do recurso pois depende desta a solução de direito a seguir.

Da impugnação do despacho de alteração da redacção da alínea M dos factos assentes.
(…)
Da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos itens 5º, 7º, 10º, 11º, 14º, 18º a 20º, 26º, 27º, 50º 76º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º da Base Instrutória.
(…)
A primeira questão que se impõe apreciar consiste em saber se foi violada norma expressa que exija certa espécie de prova para a demonstração do facto ou que viole a força probatória de determinado meio de prova.
O artº 388º do C.Civ. proíbe a prova testemunhal quando se trate de convenções contrárias ao conteúdo de documento autêntico e quanto ao acordo simulatório quando invocada pelos simuladores.
No caso em apreço todos os negócios de compra e venda e constituição de hipoteca a favor do 4º Réu e objecto destes autos foram celebrados por escritura pública.
Sobre esta matéria em sede jurisprudência comparada é esclarecedor o Acórdão do STJ Português de 07.02.2017 proferido no processo 3071/13.6TJVNF.G1. S1 consultado em www.dgsi.pt do qual transcrevemos o seguinte:
(…; cfr., a transcrição atrás feita a pág. 34 a 36 deste aresto)
Vejamos agora se no caso em apreço existe esse princípio de prova escrita.
No caso em apreço temos 2 negócios que se alega serem simulados, a saber as compras e vendas entre o Autor e 1º Réu e entre este e o 2º Réu.
Contudo, a factualidade impugnada quanto aos itens 5º, 7º, 10º, 11º, 14º, 18º a 20º, 26º, 27º e 50º versa apenas sobre o negócio celebrado entre o Autor e o 1º Réu, pelo que, por agora apenas essa será objecto de apreciação por este tribunal.
Na fundamentação do tribunal “a quo” mencionam-se os documentos de fls. 183 a 188 e 191.
Os documentos de fls. 186 a 188 são facturas de electricidade em nome de sujeito que não é aqui parte de Dezembro de 2018, Abril e Junho de 2019 referentes à fracção autónoma a que se reportam estes autos.
Os documentos de fls. 137 a 143 (estes não mencionados na decisão recorrida) emitidos em nome do 2º Réu e fls. 183 emitido em nome da 3ª Ré e os de 184 e 185 nada provam de relevante para a tese invocada pelo Autor, sendo certo que não há um único meio de prova de quem os pagou.
Os documentos de fls. 189 e 190 nada provam igualmente. Embora não mencionados na decisão recorrida o mesmo se diga dos documentos de fls. 103 a 106 e 120 a 136.
O documento de fls. 191 em nome do 2º Réu também nada prova para a tese do Autor uma vez que não se sabe quem o pagou.
Destarte, com base nestes documentos nada podemos concluir, sendo que até aqui não temos um princípio de prova escrita que indicie a simulação.
Documento de fls. 101 referido na decisão impugnada, conjugado com os documentos de fls. 99 e 100 permitem-nos concluir que na conta bancária do Autor no dia a seguir à outorga da escritura celebrada com o 1º Réu entraram HKD1.980.000,00 que supostamente correspondem à ordem de caixa a fls. 99 o que não corresponde ao valor da compra e venda, o qual como se deu como provado foi de HKD1.300.000,00, nem exactamente ao valor do empréstimo contraído pelo 1º Réu que foi de MOP2.070.292,36. Também não se percebe porque é que esta ordem de caixa é emitida a favor do Autor e este valor é creditado na conta do Autor se não corresponde ao valor da compra e venda.
Se o empréstimo foi contraído pelo 1º Réu seria na conta deste que devia ser depositado o valor do mesmo ainda que deduzido do valor da compra e venda este a depositar na conta do Autor.
Segundo as regras da experiência seria normal que tivesse sido emitido um cheque bancário ou uma ordem de caixa no valor da compra e venda e esse valor tivesse sido creditado na conta do vendedor aqui Autor. O remanescente do valor correspondente ao empréstimo contraído pelo 1º Réu seria creditado na conta do 1º Réu. Mas nada disso aconteceu.
Se se tivesse procedido segundo aquilo que é praxe em qualquer negócio deste género, uma vez que o valor que foi creditado na conta do Autor já excedia em HKD680.000,00 o valor da compra e venda, o normal seria estes terem ficado na conta do 1º Réu para resolver os seus problemas financeiros que ao que parece seriam de HKD600.000,00 por ter sido esse o valor que recebeu do Autor, sem que houvesse necessidade de andar a “passear em numerário HKD600.000,00” cujo volume ainda que seja em notas de HKD1.000,00 é considerável.
O valor creditado na conta do Autor são HKD1.980.000,00.
Se a este valor deduzirmos os HKD600.000,00 que como resulta da resposta dada ao quesito 18º da Base Instrutória seria o valor das dificuldades financeiras do 1º Réu e que este teria de pagar a terceiros, na mão do Autor ficaram HKD1.380.000,00, montante este ainda superior ao valor da compra e venda (1.300.000,00) em HKD80.000,00.
Destes documentos resulta apenas que foram levantados os HKD880.000,00.
Tudo o que os documentos indiciam é contraditório com a versão que se pretende apresentar.
Em suma o que daqui resulta é que deste negócio resultou o Autor pagar o empréstimo que tinha antes da venda e ter ainda feito seus HKD280.000,00 resultante da diferença entre os HKD880.000,00 que levantou da sua conta e os HKD600.000,00 que terá entregue em numerário ao 1º Réu e ainda HKD345.062,89 de cujo destino ninguém fala e que ficaram na conta do Autor como resulta de fls. 101 e que corresponde à diferença dos HKD1.980.000,00 menos os HKD880.000,00 que foram levantados e menos os HKD754.937,11 que foram usados para pagar o empréstimo que o Autor tinha garantido por hipoteca sobre a fracção em causa.
Ou seja neste negócio aceitando que o Autor entregou ao 1º Réu os HKD600.000,00 ficaram na sua mão depois de pago o empréstimo que havia contraído a quantia de HKD625.062,89.
Assim sendo, daqui não resulta nenhum documento que possa ser princípio de prova escrita relativamente ao acordo simulatório.
O Autor recebeu o preço pelo qual vendeu e o 1º Réu ficou com a diferença entre o preço por que comprou e o empréstimo que pediu.
Bem antes pelo contrário, o que resulta da compra que o Autor fez inicialmente a seu favor, da compra e venda entre o Autor e 1º Réu, da compra e venda entre o 1º Réu e o 2º Réu e da subsequente hipoteca feita pelo 2º Réu sobre o imóvel é que Autor, 1º Réu e 2º Réu sempre contraíram empréstimos e constituíram hipotecas sobre o imóvel em causa em valor superior ao das compras e vendas o que indicia que usavam o imóvel para se financiarem e obterem empréstimos dando o imóvel em garantia, o que não permite concluir pelo acordo simulatório.
Do documento de fls. 107 v. resulta que o Autor e o 1º Réu terão assinado um documento – usual aquando da transferência de propriedade de fracções em que resulta a forma como aquando da venda acordaram na partilha das despesas relativas à fracção a que se reportam os autos nomeadamente quanto aos valores devidos por cada de contribuição predial e arrendamento do terreno, sendo que o Autor pagou os primeiros 68 dias e o 1º Réu os restantes. Acrescentando a final que se fosse atribuída a isenção do pagamento para o ano em curso o comprador aqui 1º Réu teria de devolver o valor que nos termos daquele documento recebeu.
Ora esta partilha das despesas não é necessária para se realizar a compra e venda, mas é comumente usada quando há uma transacção real e efectiva entre vendedor e comprador.
No verso deste documento consta uma declaração que parece ter sido assinada em 31.03.2010 pelo 1º Réu em que declara que por problemas financeiros seus pediu ao Autor a fracção a que se reportam os autos emprestada para fazendo de contas que a comprava pedir ao banco um empréstimo dando a mesma em garantia para assim poder solver os problemas financeiros, comprometendo-se a uma vez pago esse empréstimo voltar a transferir a titularidade do direito sobre a fracção para o Autor, com base na qual se deu como provado o item 27º da Base Instrutória.
Pretende-se que esta declaração a fls. 107 seria o princípio de prova de escrita que completado com depoimentos testemunhais seria suficiente para fazer a chamada prova diabólica da simulação.
Quando se fala de princípio de prova escrita esse documento não pode conter o facto que é objecto de decisão nos autos o que redundaria em presunção judicial que como vimos no citado Acórdão do STJ Português não é permitido.
Repete-se a parte já citada que a esta matéria alude:
«De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.».
Admitir como princípio de prova escrita uma simples declaração assinada pelo simulador em que expressamente assume e confessa a simulação corresponde a aceitar como tal um documento que integra o “facto”.
Mas ainda que remotamente o pudesse ser, esta declaração alegadamente é assinada pela primeira vez pelo 1º Réu em 31.03.2010 quando esta feita no verso do tal acerto de contas datado de 09.03.2010 e a assinatura só vem a ser reconhecida em 26.06.2019 quando a acção é apresentada em Julho de 2019.
Ou seja, cabe perguntar porque é que se o acerto de contas é de 09.03.2010 data da escritura porque é que a declaração não foi assinada na mesma data? Não há justificação.
Se havia interesse em que a assinatura fosse reconhecida porque não logo em 2010 aquando da escritura pública de compra e venda? Não há justificação.
Esta declaração em síntese mais não é do que o mesmo do que o depoimento do 1º Réu em audiência de julgamento confessando que sim houve o acordo simulatório.
Ora, se nos termos do artº 345º nº 2 do C.Civ. não pode ser aceite a confissão do litisconsorte sendo o litisconsórcio necessário como é o caso dos autos, aceitar esta declaração escrita e assinada pelo 1º Réu ou o seu depoimento de parte como confissão parece-nos ser a mesma coisa, pelo que, não podemos aceitar este documento como princípio de prova escrita.
Por outro lado, considerando que do documento que consta a fls. 107v. e que é a pagina principal em cujo verso foi aposta a suposta declaração de 31.03.2010 resulta uma repartição de despesas que não faz sentido algum se o negócio fosse simulado por ser totalmente desnecessária, bem como que, das transacções financeiras resulta terem ficado para o Autor a quantia de HKD625.062,89 superior ainda aos HKD600.000,00 que alegadamente terá entregue ao 1º Réu o que acrescido dos HKD754.937,11 usados no pagamento do empréstimo que o Autor tinha perfaz HKD1.380.000,00 que praticamente corresponde ao valor declarado para a venda, somos forçados mais uma vez a concluir que não só não há qualquer princípio de acordo simulatório entre o Autor e 1º Réu, como também estar demonstrada uma verdadeira compra e venda.

Concluindo-se pela ausência de princípio de prova escrita quanto ao alegado acordo simulatório entre o Autor e o 1º Réu face ao disposto no artº 388º do C.Civ. mal andou o tribunal “a quo” ao aceitar a prova testemunhal para se convencer pelos factos de onde emerge a simulação entre o Autor e o 1º Réu.
Assim sendo, procede o recurso no que concerne à impugnação da matéria das respostas dadas aos quesitos 7º, 10º, 11º, 14º, 19º, 20º, 26º, 27º e 50º da Base Instrutória cuja resposta haveria de ter sido NÃO PROVADO.
(…)
Os quesitos 43º, 45º e 55º da Base Instrutória correspondem à alegada simulação da compra e venda celebrada entre o 1º e 2º Réu.
Ora, não consta da fundamentação do tribunal “a quo” documento algum que seja princípio de prova de escrita quanto ao acordo simulatório.
Sendo vários os negócios celebrados entre os alegados sucessivos simuladores o disposto no artº 388º do C.Civ. aplica-se a cada um dos negócios.
Destarte, os elementos que constam do processo impõem uma decisão diversa daquela que foi feita em 1ª instância uma vez que foi violada regra quanto aos meios de prova admissíveis, pelo que, de acordo com o disposto na al. b) do nº 1 do artº 629º do CPC se impõe alterar a decisão sobre esta parte da matéria de facto havendo os quesitos 43º, 45º e 55º da Base Instrutória de ser respondidos como NÃO PROVADO.

Da impugnação da matéria das respostas dadas aos quesitos da Base Instrutória 76º, 80º, 81º, 83º, 84º e 85º aos quais foi respondido Não provado.
Respeitam estes quesitos a um eventual contrato de arrendamento da fracção a que se reportam os autos, celebrado entre o 2º Réu e a 3ª Ré referente ao período de 30.08.2018 a 29.08.2019 e que o 2º Réu não havia entregue no termo do contrato e de uma suposta carta a pedir que devolvesse ou confirmasse a intenção de renovar (76º, 80º e 81º) e de como a 3ª Ré soube de que a fracção estava à venda, de que não sabia ser o Autor o dono da mesma e que se soubesse nunca a teria comprado nem que fosse por preço inferior ao de mercado (83º, 84º e 85º).
Para prova de que o contrato de arrendamento foi celebrado juntou a 3ª Ré o documento de fls. 318 o qual é um contrato de arrendamento celebrado entre si e o 2º Réu cujas assinaturas foram reconhecidas com base na pública forma dos respectivos documentos de identificação.
Compulsada a fundamentação do tribunal “a quo” nada resulta que justifique porque se entendeu não ser este documento verdadeiro.
À mingua de outros elementos e na ausência de outra justificação impõe-se concluir pela veracidade da matéria do quesito 76º da Base Instrutória nos termos em que consta do respectivo contrato.
Quanto aos quesitos 80º e 81º da Base Instrutória o seu conteúdo resulta dos documentos a fls. 319 a 321 também não constando da fundamentação do tribunal “a quo” a razão porque se desacreditou dos mesmos, pelo que, também estes à mingua de outro argumento haveriam de ter sido dados como provados.

Quanto aos quesitos 5º, 18º, 83º, 84º e 85º da Base Instrutória a impugnação da Recorrente baseia-se naquela que é a sua apreciação da prova produzida, contudo ao tribunal de segunda instância não cabe em sede de recurso de impugnação da matéria de facto fazer um segundo julgamento da causa, mas apenas, apreciar se houve erro flagrante na apreciação da prova. Ora em face da fundamentação apresentada pelo tribunal “a quo” quanto a estes quesitos e na impugnação apresentada pela Recorrente não podemos concluir que os dois primeiros não hajam sido provados e os restantes hajam sido provados, pelo que, nesta parte improcede o Recurso mantendo-se as respostas dadas.
Nestes termos, procedendo parcialmente o recurso quanto à impugnação da matéria de factos, impõe-se alterar a mesma de acordo com o agora decidido.
(…)”; (cfr., fls. 1113 a 1128-v, com sub. nosso).

Aqui chegados, e ponderando nas “razões” – de forma tão clara e acertada – expostas no Acórdão recorrido, sem esforço se mostra de concluir que nenhuma censura merece o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido.

De facto, os “documentos” juntos aos autos são (excessivamente) “vagos” (e “obscuros”) quanto à sua “origem” e “motivação”, e (especialmente), os relativos às “quantias monetárias” e “contas bancárias”, em nada também ajudam pois que, as mesmas, como bem se deixou explicitado, não coincidem nem se apresentam em conformidade com os “valores” e “datas” dos “negócios” em questão, mostrando-se-nos assim que a sua – validade e eficácia em termos de – “força probatória” foi escrupulosa e correctamente ponderada.

Por sua vez, e da mesma forma, temos como acertado o decidido relativamente à aí também referida “declaração”, pois que a mesma, consistindo num expresso “reconhecimento” pelo 1° R. aí efectuado de uma “compra fictícia” da “fracção BN11” ao A. – afirmando mesmo que se tratava de um “empréstimo para fazer de conta que era uma compra” – é, exactamente, a “confissão” da “matéria de facto” que, dada a sua relevância para a decisão de direito nos presentes autos importava efectivamente apurar e decidir, e, como tal – para além de outros pormenores também bastante “interessantes” no que toca à sua alegada “produção”, em 31.03.2010, e posterior “reconhecimento”, tão só e apenas em 26.06.2019, a poucos dias da apresentação da petição inicial – evidente se nos mostra não poder constituir, (o “documento” em que a mesma se encontra materializada), um “princípio”, ou “começo de prova” para, com o seu recurso e em seu complemento, se poder valorar a “prova testemunhal” produzida, e, desta forma, se chegar à solução a que chegou o Tribunal Judicial de Base quanto à sua decisão da matéria de facto, e que, como se deixou consignado e sublinhado, pelo Tribunal de Segunda Instância foi, e bem, alterada.

E, dest’arte, correctamente afastados os “factos” em que assentava a decisão de direito que deu como verificados os necessários pressupostos e requisitos legais de uma (efectivamente ocorrida) “simulação”, motivos não há para se confirmar as declaradas “nulidades” relativamente às compras e vendas celebradas, impondo-se, desta forma, manter integralmente o pelo Tribunal de Segunda Instância decidido.

Decisão

4. Em face de tudo o que se deixou exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.

Macau, aos 09 de Abril de 2025


Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Song Man Lei
Choi Mou Pan

1 C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por A. Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 378.
2 C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 414.
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