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Processo n.º 595/2024
(Autos de recurso cível)

Data: 22/Maio/2025

Assuntos:
- Execução
- Título executivo
- Prova testemunhal
- Começo de prova

SUMÁRIO
Cabe ao exequente demonstrar que no documento particular que serve se base à execução consta o reconhecimento de uma obrigação pecuniária pelo devedor, cujo montante é determinado ou determinável.
Compete ao executado, uma vez que assinou a declaração de dívida, a prova da inexistência dessa dívida, por meio de embargos.
A dívida está plenamente provada, por ser um facto desfavorável ao seu autor, nos termos do n.º 2 do artigo 370.º do Código Civil, pelo que compete ao embargante, se assim entender, provar o contrário.
Não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto está plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (artigo 387.º, n.º 2 do CC).
Constitui excepção a esta regra, ou seja, deve ser permitida a prova por testemunhas, no caso do facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, o que não é o caso.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo n.º 595/2024
(Autos de recurso cível)

Data: 22/Maio/2025

Recorrente:
- A (executado e embargante)

Recorrido:
- B (exequente e embargado)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Nos autos de execução movida por B, devidamente identificado nos autos (doravante designado por “exequente”, “embargado” ou “recorrido”), deduziu A, identificado nos autos (doravante designado por “executado”, “embargante” ou “recorrente”), embargos à execução.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.
Inconformado, interpôs o embargante/executado recurso jurisdicional para este TSI, tendo formulado as seguintes conclusões alegatórias:
     “I. Através do presente recurso pretende o Recorrente i) invocar a inexistência de título executivo suficiente, ii) invocar a ilegitimidade activa e ad causam do Exequente; iii) impugnar o despacho de fls. 449 que indeferiu a reclamação da selecção da matéria de facto levada à Base Instrutória; iv) impugnar a decisão de facto proferida pelo Douto Tribunal a quo; v) impugnar a interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto; v) invocar a nulidade do título executivo.
     II. A decisão do Douto Tribunal a quo é fruto de um errado julgamento da matéria fáctica em discussão e da errada interpretação e aplicação das normas jurídicas subsumíveis ao caso concreto.
     III. Os factos alegados pelo Exequente no seu requerimento inicial balizam o objecto do processo.
     IV. Na sua contestação aos Embargos, o Embargado veio demonstrar uma versão completamente diferente da inicialmente alegada, configurando uma nova causa de pedir.
     V. Nos termos do requerimento inicial de execução, o contrato de mútuo celebrado entre o Exequente e o Embargante configura a causa de pedir na presente demanda, a que a declaração de reconhecimento de dívida serve de título.
     VI. A realidade dos factos vertidos na contestação do Exequente é completamente distinta daquela descrita no requerimento inicial de execução: já não estamos perante um contrato de mútuo celebrado entre o Exequente e o Embargante, mas estamos antes perante um contrato de mútuo celebrado entre o Embargante e D, e uma alegada cessão de parte do crédito detido pelo Lei Tin Meng a favor do Exequente.
     VII. O título executivo é o instrumento considerado como condição necessária e suficiente da acção executiva, e realiza, portanto, uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada, através das medidas coactivas impostas ao executado pelo Tribunal.
     VIII. Tendo o título executivo eficácia constitutiva, importa que a extensão da demanda executiva se ache bem definida, quanto ao direito do credor e à obrigação ou responsabilidade executiva do devedor, isto é, que entre a causa de pedir, o título, com a respectiva factualidade obrigacional nele reflectida, e o pedido de satisfação da quantia nele contida, exista harmonia ou conformidade.
     IX. A alegação do Exequente demonstra que afinal a causa de pedir que invocou no requerimento inicial - contrato de mútuo celebrado entre o Exequente e o Embargante a através do qual o Exequente se declarou devedor da quantia mutuada - não é verdadeira, pois o eventual direito do Exequente não advém desse alegado contrato vertido no documento que foi dado à execução, mas antes de uma sucessão nos direitos do D (primitivo credor) sobre o Embargante por via de um alegado acordo de cessão de créditos a seu favor.
     X. A declaração nele representada, que devia ser o facto constitutivo do direito de crédito, não corresponde à realidade, já que nenhum empréstimo foi celebrado, tal como resulta da contestação do Embargado.
     XI. Existe, portanto, uma desconformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer.
     XII. Não estando comprovada a existência da alegada obrigação exequenda, e não estando comprovado que desse título decorre algum crédito, a execução não poderia ser levada a cabo, já que a dívida supostamente decorrente de tal título não existe.
     XIII. O título executivo - escrito particular de mútuo - atesta um empréstimo que nunca ocorreu, pois que o alegado empréstimo nunca fora celebrado com o Exequente (tal como esse define no seu requerimento inicial), mas havia sido celebrado com o Sr. D, em montantes diferentes do que resulta do título executivo, com prazos e formas de pagamento próprias.
     XIV. O título executivo não consubstancia qualquer contrato de mútuo subjacente e não pode servir para fundar o prosseguimento da execução, pois dele não deriva nenhuma obrigação exequenda, nem crédito do exequente, nem dívida do Embargante.
     XV. A declaração que o Exequente deu à execução não satisfaz o requisito da suficiência, isto é, não constitui título executivo bastante.
     XVI. Dessa forma, a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 5º, nºs 1 e 2, 12º e 677º do СРС.
     XVII. O Exequente não apresenta qualquer suporte documental que comprove a cessão do crédito exequendo que invocou como base da sua legitimidade, com tudo aquilo que seria necessário à cabal demonstração de que o crédito lhe foi transmitido e em que termos.
     XVIII. O Exequente carece de legitimidade activa para a propositura da acção executiva em virtude de inexistirem no processo elementos que permitam aferir e confirmar a cessão de crédito invocada nos autos a seu favor.
     XIX. Nos termos do nº 3 do art. 68º do CPC, havendo cessão de créditos, impõe-se ao exequente algo mais do que a mera solicitação do cumprimento coercivo da obrigação exequenda, devendo alegar no requerimento inicial factos reveladores da sua legitimidade activa ou da legitimidade passiva do executado, em moldes semelhantes aos que devem ser respeitados quando tal ocorre na acção declarativa (habilitação-legitimidade, nos termos dos art. 301º e seguintes).
     XX. É ao embargado-exequente que incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, ou seja, de que o título é válido e a relação jurídica material que lhe deu causa corresponde à realidade dos factos.
     XXI. No requerimento executivo o Exequente nada alegou quanto à aludida cessão de créditos, fazendo passar uma versão de que pura e simplesmente havia celebrado um contrato de mútuo com o Embargante, facto que, como se veio a ver, era falso.
     XXII. Como o Exequente nem tão pouco juntou aos autos o aludido acordo de cessão de créditos, não poderia o Embargante ter-se por notificado do mesmo para os efeitos previstos no art. 577º, nº 1 do Código Civil, pelo que ainda assim tal cessão não poderia ter produzido efeitos em relação ao Embargante.
     XXIII. O contrato de cessão de créditos dever permitir identificar os créditos nele englobados de molde a possibilitar saber qual o seu objecto, porém, o Exequente não fez prova de que o aludido acordo de cessão de créditos que o Exequente celebrou com o D, primitivo credor, tenha englobado no seu âmbito o crédito exequendo.
     XXIV. Não poderia o Douto Tribunal a quo concluir no sentido de que o crédito exequendo tenha sido efetivamente abrangido pelo aludido negócio de cessão.
     XXV. Carece o Exequente de legitimidade ad causam, a qual constitui um pressuposto processual positivo, i.e., uma condição que deve estar preenchida para que possa ser proferida a decisão de mérito.
     XXVI. É ao Exequente quem compete assegurar o preenchimento dos pressupostos processuais.
     XXVII. Não é o réu que tem de provar que o pressuposto não está preenchido, mas o autor que deve provar que o pressuposto está satisfeito (artº 342º, n.º 1, do Código Civil).
     XXVIII. O risco da falta de prova do pressuposto positivo recai sobre o autor, porque é ele a parte onerada com a sua prova.
     XXIX. O Exequente carece de legitimidade para instaurar a acção executiva, o que determina a absolvição da instância do Embargante nos termos do disposto nos arts. 412º, nºs 1 e 2, 413º, al. e) do CPC.
     XXX. A ilegitimidade é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso nos termos do art. 414º do CPC, razão pela qual deveria o Tribunal a quo ter declarado o Exequente como parte ilegítima na presente acção.
     XXXI. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 12º, 68º, 413º, al. e) e 414º do CPC, e o art. 577º, nº 1 do Código Civil, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a ilegitimidade activa do Exequente, com a consequente absolvição da instância do Embargante.
     XXXII. A par da ampliação da base instrutória, como resulta claro do Douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, sufragado pelo Acórdão do Tribunal de Última Instância, todo o julgamento, incluindo a matéria de facto dos quesitos 1º, 2º e 3º da base instrutória deveria ser repetido.
     XXXIII. Através do Despacho de fls. 432 e 433, o Tribunal a quo veio definir o objecto do novo julgamento cingindo-o aos quesitos ali constantes e enumerados como 1º, 1A, 1B, 1C, 1D e 1E e que resultaram da referida ampliação, fundamentando para tanto que “...quanto aos quesitos nº 2 e 3, conforme a decisão do TUI, não se vê a necessidade da repetição nem ampliação da sua instrução.”
     XXXIV. Não se conformando com tal despacho, o Recorrente apresentou a competente reclamação nos termos do disposto no art. 430º, nº 2 do CPC, tendo o Tribunal a quo indeferido a mesma por despacho de fls. 449, e que ora se impugna nos termos do nº 3 do mesmo preceito legal.
     XXXV. O despacho ora em crise interpretou de forma incorrecta as decisões do TSI e do TUI, inquinando a selecção da matéria de facto de deficiência.
     XXXVI. O Acórdão do Tribunal de Última Instância ordenou a ampliação da base instrutória dos factos alegados nos artigos 8.1 a 8.7 da Oposição por Embargos à Execução, conjugada com o requerimento de aperfeiçoamento a fls. 39 e 40, por forma a que fosse apurada a natureza da dívida.
     XXXVII. Relativamente às circunstâncias em que foi assinada a suposta declaração de dívida que serve de título executivo aos presentes autos, e ao contrário do que havia sido decidido pelo Tribunal de Segunda Instância, o Tribunal de Última Instância não ordenou a ampliação dos quesitos 2º e 3º da Base Instrutória, por entender que esses mesmos quesitos abarcam já os factos que se pretendiam ampliar.
     XXXVIII. No que respeita à repetição de todo o julgamento, o Tribunal de Última Instância manteve o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância.
     XXXIX. Assim sendo, relativamente às circunstâncias em que foi assinada a suposta declaração de dívida que serve de título executivo aos presentes autos, conjugados os termos do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e do Acórdão do Tribunal de Última Instância, podemos concluir que a matéria dos quesitos 1º, 2º e 3º deveria ser mantida enquanto objecto em discussão nos presentes autos, e mais do que isso, teria que ser sujeita a novo julgamento.
     XL. O Tribunal a quo, no seu despacho de fls. 432 e 433 e no despacho de fls. 449 que decidiu sobre a reclamação apresentada pelo Embargante, ao retirar do objecto do novo julgamento os referidos quesitos 2º e 3º, para além de violar os comandos das decisões dos Tribunais Superiores, acaba por coarctar o Embargante do seu direito ao recurso sobre a matéria constante dos quesitos 2º e 3º, o que é manifestamente ilegal.
     XLI. Assim, e salvo o devido respeito, a selecção da matéria de facto mostra-se deficiente, pelo que, deverá ser dado provimento à reclamação ao Despacho Saneador apresentada pelo Recorrente, revogando-se o despacho de fls. 449 que veio indeferir essa mesma Reclamação, e, ao abrigo do disposto no art. 629º, nº 4º do CPC, deverá ser permitida a repetição do julgamento também quanto à matéria constante dos quesitos 2º e 3º da Base Instrutória, em pleno cumprimento das decisões dos Tribunais Superiores.
     XLII. Caso se entenda que a matéria do quesito 2º e 3º não é objecto do novo julgamento, então deveremos ter em conta o primeiro julgamento que incidiu sobre tais factos, e em consequência, porque tal julgamento foi impugnado em sede de recurso, deverá ser apreciado o primeiro recurso do Recorrente quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos quesitos 2º e 3º, e cujo conhecimento ficou prejudicado por decisão do Tribunal de Segunda Instância.
     XLIII. Dos depoimentos das duas testemunhas arroladas pelo Embargante e que prestaram depoimento no primeiro julgamento, Cha Chi Kuan e Yang NingNing (depoimentos esses que ali se encontram devidamente transcritos), resulta claro que a declaração que serve de base à presente execução foi assinada pelo Embargante sob coacção.
     XLIV. Ambas as testemunhas são peremptórias em afirmar que o Embargante, seu patrão, foi coagido a assinar o referido documento por um conjunto de pessoas que se encontravam dentro daquele quarto de Hotel, que o intimidaram e ameaçaram que se não assinasse o documento iria ter problemas e que não poderia sair do quarto.
     XLV. A resposta negativa aos referidos quesitos 2º e 3º resulta assim de um claro erro de julgamento, devendo merecer uma resposta positiva.
     XLVI. Mostram-se preenchidos todos os pressupostos do vício da vontade nos termos e para os efeitos do disposto do art. 239º do Código Civil, pelo que, deve a declaração vertida no referido documento particular ser anulada.
     XLVII. O julgamento da matéria de facto vertida nos quesitos 1º, 1ºA, 1ºB, 1ºC, 1ºD e 1ºE da Base Instrutória é igualmente erróneo, uma vez que uma análise criteriosa e crítica do depoimento testemunhal obtido e que abaixo se transcreve, impõe respostas diferentes àquelas que o Tribunal a quo decidiu dar.
     XLVIII. Do depoimento da testemunha Yang Ningning - [Passagem gravada em 05.09.2023 aos 1 minutos e 48 segundos até 19 minutos e 52 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.24.57]; [Passagem gravada em 05.09.2023 aos 00 minutos e 00 segundos até 6 minutos e 23 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 11.15.12]; [Passagem gravada em 05.09.2023 aos 00 minutos e 00 segundos até 10 minutos e 25 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 11.22.02] - resulta claro que a divida ora em execução nunca existiu, e a existir, tratar-se-ia de uma dívida de jogo, e por isso mesmo, ilícita.
     XLIX. Os montantes aqui em discussão nada têm a ver com empréstimos do Embargado para os negócios do Embargante, como numa primeira versão dos factos veio o Embargado fazer crer.
     L. A própria versão dos factos vertida na contestação do Embargado é suficiente para que o Tribunal a quo pudesse dar como provado que não existiu qualquer empréstimo entre o Embargante e o Embargado, sendo bastante para uma resposta positiva ao quesito 1º da Base Instrutória.
     LI. Os montantes em causa resultam antes de dividas de jogo contraídas pelo Embargante e às quais o Embargado é totalmente alheio.
     LII. As regras da experiência comum dizem-nos que não será crível a versão dos factos apresentada pelo Embargado no seu requerimento inicial.
     LIII. O Embargado não faz qualquer prova de que emprestou esse montante astronómico de 420 milhões de dólares de Hong Kong, não há um documento comprovativo de uma qualquer transferência bancária, um cheque emitido em nome do Embargante.
     LIV. Não se fez qualquer prova da entrega desse montante.
     LV. O contrato de mútuo tem a natureza de contrato real (quoad constitutionem), e implica necessariamente a entrega efectiva da coisa (datio rei), sendo esta entrega elemento essencial à formação do contrato.
     LVI. O contrato de mútuo pressupõe a existência de um acordo de vontades nesse sentido, envolvendo as obrigações (recíprocas) quer da entrega de dinheiro ou de outra coisa fungível ao mutuário, quer da restituição, por este ao mutuante, de outro tanto do mesmo género ou qualidade.
     LVII. Atenta a prova produzida a existência do referido contrato não ficou provada, como nem tão pouco ficou provada a existência de qualquer um dos aludidos elementos que o constituem.
     LVIII. O ónus da prova da existência desse contrato incumbe a quem o invoca - art. 335º do Código Civil e entendimento contrário seria obrigar o Embargante a fazer prova de um facto negativo, o que equivale àquilo que usualmente se denomina por prova diabólica.
     LIX. A lei impõe uma obrigação do mutuante de fazer duas provas: a prova do contrato e a prova da transferência efectiva do valor mutuado.
     LX. O valor em causa e uma pretensa transferência em dinheiro é altamente suspeita.
     LXI. Ao nível da justiça os Tribunais não podem ser alheios às necessidades de empréstimos realizados profissionalmente por princípio só puderem ser realizados através de instituições financeiras licenciadas e sujeitas à supervisão das entidades reguladoras.
     LXII. O tribunal não pode ignorar esta matéria dando cobertura à conduta pelo menos suspeita por parte do Embargado que se apresenta nos presentes autos munido de apenas e tão só de um papel que, como se viu, foi assinado sob coacção.
     LXIII. Em face dos factos alegados pelas partes, incumbia ao Tribunal a quo um poder-dever de apurar as exactas circunstâncias em que este suposto empréstimo havia sido contraído, ao abrigo do princípio do dispositivo e do inquisitório, consagrados nos arts. 5º e 6º do СРС.
     LXIV. Devia o Tribunal a quo questionar como, quando e onde foi entregue a astronómica quantia ao Embargante pelo Embargado.
     LXV. Não se tendo apurado a existência do empréstimo, e tendo sido comprovado que os montantes em causa dizem respeito a dívidas de jogo, a resposta negativa aos quesitos 1º, 1ºA, 1ºB, 1ºC, 1ºD e 1ºE da Base Instrutória padece de um clamoroso erro de julgamento, sendo que esse erro de julgamento veio a ter uma influência nefasta na aplicação do Direito ao caso concreto.
     LXVI. A alteração da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto implicará necessariamente uma alteração da aplicação do Direito, conduzindo naturalmente à procedência da pretensão do Recorrente.
     LXVII. Da prova produzida em sede de julgamento torna-se inequívoco que não há qualquer empréstimo para a actividade do negócio do Embargado, e que a declaração vertida no documento sub judice foi efectuada sob coacção, e dessa forma viciada.
     LXVIII. Ainda que se entendesse que o Embargado beneficiaria de uma presunção a seu favor decorrente da declaração de divida assinada pelo Embargante no documento dado à execução, a mesma tem-se por ilidida em face da comprovação dos factos invocados pelo Embargante.
     LXIX. A decisão recorrida interpretou e aplicou de forma errada as normas contidas nos artigos 239º, 335º e 1070º do Código Civil.
     LXX. Resultou da instrução e da discussão da causa, nomeadamente do depoimento testemunhal aqui descrito, que a quantia aqui em causa resultou de uma dívida de jogo.
     LXXI. Tratando-se de dívida de jogo, ainda que tal crédito pertencesse ao Embargado, o que não se concede, estamos perante dívida de jogo decorrente de uma aposta ilícita, e nesse caso, a mesma é nula porque contraria à Lei - art. 273º do Código Civil.
     LXXII. Ainda que se entendesse existir o suposto empréstimo, o mesmo tratar-se-ia de uma concessão de crédito para jogo por quem não está habilitado para tal, em violação do artigo 3º da Lei 5/2004, e nesse caso, trata-se de uma obrigação natural ao abrigo do art. 4º da citada Lei, e o seu cumprimento não poderá ser judicialmente exigível, designadamente através da execução (art. 396º do Código Civil).
     LXXIII. E ainda que entenda que estamos no âmbito de uma dívida de jogo decorrente de uma aposta lícita, o que igualmente não se concede, sempre se diga que tal dívida apenas constitui uma obrigação natural e como tal, também não pode ser judicialmente exigida - arts. 1171º e 396º do Código Civil.
     LXXIV. A decisão recorrida, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos arts. 239º, 273º, 279º e 396º do Código Civil.
     Nestes termos, e nos mais em Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso nos termos supra explanados, fazendo V. Exas. dessa forma inteira e sã JUSTIÇA!”
*
Ao recurso respondeu o embargado/exequente, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
     “1. O recurso interposto pelo Embargante fundamenta-se na (pretensa) insuficiência do título executivo (capítulo B. das alegações); na alegada ilegitimidade do Exequente (capítulo C. das alegações); na impugnação do despacho de fls. 449 que indeferiu a reclamação à selecção da matéria de facto levada à base instrutória (capítulo D. das alegações); na impugnação da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos quesitos 2º e 3º da base instrutória (capítulo E. das alegações); na impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 1º, 1ºA, 1ºB, 1ºC, 1ºD e 1ºE da base instrutória (capítulo F. das alegações); e na (suposta) nulidade do documento dado à execução e do negócio subjacente (capitulo G. das alegações).
     2. Começando pela pretensa insuficiência do título dado à execução, em resumo, vem o Embargante alegar uma suposta contradição entre os factos vertidos no requerimento inicial de execução e aqueles que constam na contestação aos embargos do que resultaria uma desconformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer, com o que ficaria provada a inexistência da obrigação exequenda.
     3. Não tem razão o Embargante. Com efeito, a lei é clara ao dispor que, desde que contenha os requisitos necessários para, por si só, nos certificar da existência da obrigação e do direito correspondente, o título executivo é suficiente para constituir a base da execução: é isso em que consiste o denominado princípio da suficiência do título executivo.
     4. Ora, nos termos da alínea c) do artigo 677º do CPC podem servir de base à execução os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.”
     5. Conforme decorre da norma supra citada, o título executivo constitui sempre um documento escrito que representa ou incorpora uma declaração e, como tal, constitui meio de prova legal plena (artigos 355º, 368º e 370º do Código Civil) para fins executivos e que a declaração nele contida tem por objecto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria, este mesmo facto.
     6. Assim, estando assente a validade formal do título dado à execução para que, do ponto de vista substancial se possa concluir por uma desconformidade entre o título e a obrigação exequenda haverá que provar uma desconformidade entre o título e a declaração de vontade ou de ciência que lhe constitui o conteúdo
     7. A prova dessa desconformidade, não resultando do próprio título ou não dizendo respeito a factos que sejam do conhecimento oficioso ou de facto notório ou conhecido pelo juiz em virtude do exercício das suas funções, apenas poderá resultar da acção declarativa de embargos de executado instituída com essa finalidade.
     8. Com efeito, constando do título, a existência da obrigação exequenda é por ele (título) presumida, sendo que esta presunção apenas pode ser ilidida nos termos supra mencionados. É que, para além da eficácia própria do documento que o consubstancia, o título executivo constitui base da presunção da existência e titularidade da obrigação exequenda e não apenas da existência do facto que a constitui.
     9. No caso em apreço verifica-se que o documento dado à execução consiste num documento particular, cuja letra e autoria foi reconhecida pelo Embargante, sendo que nesse documento o Recorrente reconhece ser devedor perante o Recorrido de um determinado montante líquido.
     10. Nesse sentido, o referido documento faz prova plena quanto ao seu conteúdo, ou seja, que em 13.12.2013 o Recorrente contraiu uma dívida perante o Recorrido no montante de HK$420,000,000. E isso é quanto basta para se ter por assente a existência da obrigação exequenda e do correspondente direito.
     11. Por outro lado, conforme refere ainda a douta sentença, a declaração subscrita pelo Embargante consubstancia por parte deste o reconhecimento unilateral de uma dívida.
     12. Assim, há que forçosamente trazer à colação o disposto no n.º 1 do artigo 452º do Código Civil onde se dispõe que “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”
     13. A declaração, isto é, o título executivo, subscrito pelo Recorrente constitui uma presunção de que a dívida existe; que há uma causa que a justifica. Inverte-se, como tal o ónus da prova pelo que o Recorrido, credor, não precisava de provar a causa da dívida, uma vez que beneficia da presunção decorrente da declaração que lhe foi dirigida pelo Executado/Devedor. Era a este que competia provar que afinal não é devedor, porque a dívida nunca teve causa ou essa causa já cessara.
     14. Olhando para a matéria de facto que resultou assente outra conclusão não se pode retirar de que essa prova não foi feita e quem, portanto, o título executivo mantém intacta a sua virtualidade de consubstanciar um reconhecimento de dívida.
     15. Por último, apesar da manifesta irrelevância para o caso em apreço, sempre se dirá, à cautela, que não existe qualquer contradição entre a versão apresentada no requerimento inicial de execução e aquela que consta da contestação aos embargos.
     16. Efectivamente, os factos apresentados são totalmente coincidentes: a existência de um mútuo cujo devedor é o Embargante, e que este confessa, e cujo credor é, por via do documento dado à execução, o Exequente, titular do crédito respectivo.
     17. Destarte, cai por terra toda a argumentação aduzida pelo Recorrente quanto a uma insuficiência do título executivo que este não logrou provar. Consequentemente, é absurda a alegação de que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5º, n.ºs 1 e 2, 12º e 677º do CPC.
     18. No capítulo C) das suas alegações de recurso, o Recorrente vem alegar uma suposta ausência de legitimidade do Exequente para instaurar a presente acção executiva do que resultaria a necessidade de ser proferida decisão de absolvição da instância.
     19. Segundo o Recorrente, a fim de ser considerado parte legítima, incumbia ao Exequente ter alegado em sede de requerimento inicial a matéria que consta da contestação aos embargos, porque a isso obrigaria o n.º 3 do artigo 68º do CPC. Uma vez mais não assiste qualquer razão ao Recorrente.
     20. O critério básico de aferição da legitimidade em matéria de execuções é aquele que resulta do n.º 1 do artigo 68º do CPC: têm legitimidade como exequente e executado, respectivamente, quem no título figura como credor e como devedor.
     21. É isso o que o sucede no caso em apreço: no título dado à execução figura como credor o Exequente e como devedor o Executado. E isso basta para que caia por terra a fantasiosa tese do Recorrente.
     22. Regista-se, por outro lado, que o Recorrente não tenha percebido o alcance do n.º 3 do artigo 68º do CPC. Este artigo que, efectivamente, comporta uma adaptação ao regime-regra atrás enunciado, refere-se unicamente às situações em que, entre o momento da formação do título e o da propositura da acção executiva, tiver ocorrido sucessão, singular ou universal, na titularidade da obrigação constante do título (a obrigação exequenda), quer do lado activo, quer do lado passivo.
     23. Nessa situação, a execução deverá ser promovida pelo sucessor ou contra os sucessores da pessoa que, como credor ou devedor, figura no título, razão pela qual a lei exige que o exequente, no próprio requerimento para a execução, alegue os factos constitutivos da sucessão.
     24. No caso sub judice, aquilo que se constata é que não existiu qualquer sucessão, no que concerne à titularidade da obrigação resultante do título dado à execução, entre a formação desse título, isto é, a sua assinatura pelo Embargante, e o da propositura da acção executiva pelo que não faz qualquer sentido trazer à colação o disposto no n.º 3 do artigo 68º a fim de justificar uma eventual ilegitimidade do Exequente.
     25. Conclui-se, assim, pela improcedência da argumentação aduzida pelo Recorrente e pela não violação por parte do Tribunal a quo dos artigos 12º, 68º, 413º, alínea e) e 414º do CPC e 577º, n.º 1 do Código Civil.
     26. Na alínea D) das alegações de recurso vem o Recorrente impugnar o despacho de fls. 449 que, decidindo a reclamação apresentada pelo Embargante contra a selecção da matéria de facto a levar à base instrutória, indeferiu a inclusão nessa base dos quesitos 2º e 3º uma vez que o Tribunal de Última Instância, dando provimento parcial ao recurso interposto pelo ora Recorrido, revogou o acórdão proferido por este Tribunal decretando que a ampliação da base instrutória se cingiria à matéria respeitante à natureza do empréstimo.
     27. Salvo o devido respeito, que é muito, a referida afirmação do Recorrente e toda argumentação de que o mesmo se socorre no capítulo D. das suas alegações, apenas se compreendem num exercício de ostensiva deturpação da verdade (o que não se quer crer) ou como resultado de uma deficiente ou mesmo ausência de leitura do acórdão do Tribunal de Última Instância.
     28. É que, bastaria atentar na parte decisória deste acórdão em que é dito que “em conferência, acordam conceder provimento parcial ao recurso, anulando-se nos exactos termos consignados o Acórdão recorrido” para se ter por desmentida a peregrina e temerária afirmação de que o Tribunal de Última Instância “não se tenha mostrado contra a repetição do julgamento desses mesmos quesitos” e tenha mantido “o decidido pelo Tribunal de Segunda Instância”.
     29. O acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância é cristalino no sentido de que a única matéria que poderia ser objecto de novo julgamento era aquela que respeitava à natureza da dívida exequenda e não à alegada coação na subscrição do documento dado à execução, matéria que se encontrava plasmada nos quesitos 2º e 3º, os quais foram definitivamente julgados.
     30. Com base na fundamentação que acima se transcreveu, o acórdão do Tribunal de Última Instância deu “parcial provimento ao recurso” que o Embargado, aqui Recorrido, interpôs contra a decisão proferida por este Venerando Tribunal que, além de ordenar a ampliação da base instrutória a fim de incluir os quesitos relativos à questão da natureza da dívida exequenda, havia ordenado também a repetição do julgamento da matéria concernente à suposta coacção, anulando essa decisão nessa parte precisamente por considerar tal repetição “inadequada”.
     31. Como tal, a pretensão do Recorrente de repetir o julgamento à matéria relativa aos quesitos 2º e 3º da base instrutória contende com as regras do caso julgado e a ser deferida constituiria uma grosseira violação destas regras.
     32. Nos despachos de fls. 432-433 e 449 o Tribunal a quo interpretou e cumpriu, pois, sem mácula a decisão do Tribunal de Última Instância a que acima se faz menção pelo que o pedido de repetição do julgamento à matéria dos quesitos 2º e 3º não pode deixar de ser rejeitado.
     33. Conforme resulta também da passagem que acima se transcreveu do acórdão do Tribunal de Última Instância, a decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos quesitos 2º e 3º da base instrutória transitou em julgado e, portanto, não pode ser objecto de novo julgamento.
     34. Mas ainda que assim não se entendesse, hipótese que apenas à cautela e por dever de patrocínio se concebe, assentando a impugnação da referida decisão unicamente na reapreciação da prova gravada, impunha-se ao Recorrente que, em sede do presente recurso e nas respectivas alegações, desse cumprimento ao ónus previsto no n.º 2 do artigo 599º do CPC, sob pena de rejeição do recurso nesta parte.
     35. Não o tendo feito, limitando-se a uma remissão genérica para as alegações apresentadas aquando do recurso interposto contra a anterior decisão do Tribunal a quo, afigura-se que o recurso em apreço (na parte que se refere à resposta proferida aos quesitos 2º e 3º da base instrutória) tem de ser imediatamente rejeitado.
     36. Todavia, sempre se dirá que ainda que assim não se considerasse (hipótese que apenas à cautela e por dever de patrocínio se concebe), nada há a censurar na decisão proferida pelo Tribunal Colectivo que julgou estes quesitos não provados.
     37. A produção de prova nos presentes autos limitou-se ao depoimento de duas testemunhas que revelaram não ter verdadeiramente conhecimento sobre a existência da dívida em causa.
     38. Ambas testemunhas, além de se contradizerem durante o respectivos depoimentos, limitam-se a apresentar juízos de valor com poucos ou nenhuns elementos objectivos que os consubstanciem.
     39. O próprio Recorrente entra em contradição quando alega que a dívida nunca existiu, adiante afirmando que efectivamente existe, mas resultaria pretensamente de dívidas de jogo por si contraídas.
     40. Essa contradição do próprio Recorrente surge no âmbito da tentativa deste de estabelecer uma ligação entre a dívida e uma qualquer actividade ilícita, que falha redondamente atendendo ao facto das testemunhas nunca terem sequer ouvido falar do Recorrido, pelo que jamais poderiam saber qual a sua relação com o Recorrente.
     41. Quanto aos quesitos relativos à pretensa coacção, é importante lembrar que o processo crime conexionado foi arquivado pelo Ministério Público sem que este tivesse sido sequer acusado ou pronunciado do crime que aquele lhe imputava.
     42. Quanto ao depoimento da 1ª Testemunha sobre a pretensa coacção, incorre esta numa grave contradição quando refere a existência de uma determinada ameaça que, segundo consta do despacho de arquivamento do Ministério Público, nas declarações que prestou perante o mesmo, refere não ter existido.
     43. Já relativamente ao depoimento da 2ª Testemunha, nem se consegue depreender com clareza qual a ameaça que consubstanciou a pretensa coacção.
     44. Ainda assim, jamais poderia o Tribunal dar como provado a prática de um facto pelo Recorrido quando as testemunhas referem não o conhecer nem sequer terem ouvido falar do mesmo.
     45. Ademais, as testemunhas foram peremptórias em afirmar que, na data em decorreu a pretensa coacção (e apesar de estarem no mesmo local), não conseguiram ver se o Recorrido assinou o título executivo.
     46. Termos em que, também nesta parte deverá o recurso interposto pelo Embargante ser indeferido, mantendo-se inalterada a resposta aos mencionados quesitos, concluindo-se pela inexistência de qualquer vício da vontade na declaração constante do documento dado à execução.
     47. No capítulo F das suas alegações de recurso o Embargante vem pôr em causa o julgamento proferido pelo Tribunal Colectivo aos quesitos 1º, 1º-A, 1º-B, 1º-C, 1º-D e 1º-E da base instrutória.
     48. Ora, o único meio de prova apresentado pelo Recorrente para a prova dos referidos quesitos (sendo certo que era ao mesmo que, por força das regras do ónus da prova, competia demonstrar a referida matéria) foi o depoimento de uma única testemunha, Yang Ningning, o qual, segundo aquele, imporia uma resposta diversa aquelas que o Tribunal a quo decidiu dar.
     49. Dito isto, como supra já se adiantou, há que ter em conta uma circunstância da qual resulta a total e completa irrelevância da prova testemunhal, mormente no que concerne à prova do quesito 1º.
     50. Contendo uma confissão da dívida e também um reconhecimento da respectiva causa (o mútuo), o título dado à execução tem, por força do disposto no artigo 351º do Código Civil (CC), força probatória plena contra o Embargante quanto às declarações nele proferidas.
     51. Uma vez que o Embargante não impugnou a genuinidade do documento, nem a da sua assinatura, o valor desse título como confissão extrajudicial com força probatória plena apenas poderia ser afastado se se tivesse provado que o mesmo padecia de alguma fonte de invalidade (vide o disposto no artigo 352º do CC).
     52. Não tendo sido feita essa prova (vide resposta aos quesitos 2º e 3º), dúvidas não podem restar que o título executivo se apresenta como documento genuíno e confessório quanto à existência da dívida e ao facto constitutivo da obrigação.
     53. Ou seja, não se demonstrando que o título executivo padecia de alguma fonte de invalidade, não tendo o Recorrente impugnado a genuinidade da sua assinatura, o mesmo “apresenta-se como documento genuíno e confessório: tem valor de confissão extrajudicial com força probatória plena”.
     54. E pese embora (uma vez que, reitere-se, in casu não ficou provada qualquer causa de invalidade da declaração) a prova plena possa ser afastada mediante a prova do contrário, tal prova do contrário está sujeita a restrições especialmente determinadas, sendo a prova testemunhal uma dessas restrições.
     55. É que, por força do disposto nos artigos 340º e 387º, n.º 2 do CC, apenas através de prova documental (e não testemunhal) poderia ser contrariada ou afastada a realidade que resulta do título executivo em apreço (mormente a dívida em que aí o Recorrente se confessou devedor perante o Recorrido), em virtude da sua força probatória plena.
     56. Por outro lado, dúvidas não restam que era sobre o Embargante que recaía o ónus de provar que não deve a quantia exequenda ao Embargado. Algo que este não fez, não tendo junto um único documento a demonstrar ou sequer indicar a inexistência da dívida a que se refere o título executivo, pelo que este mantém a sua plena validade e eficácia.
     57. Não merece, pois, qualquer tipo de censura o acórdão proferido sobre a matéria de facto no que concerne ao quesito 1º que nunca com base no depoimento da testemunha arrolada pelo Embargante poderia considerar este quesito como provado.
     58. Doutro passo, olhando para a matéria dos quesitos 1º a 1º 1º-E os quais, recorde-se, foram aditados à base instrutória na sequência da decisão proferida pelo Tribunal de Segunda Instância acima já mencionada, é fácil constatar que, ainda que tal os mesmos resultassem provados, jamais de tal matéria se poderia concluir que o empréstimo titulado pelo documento dado à execução se reportava a um “empréstimo para jogo” e, em caso afirmativo, se se trataria de uma aposta ilícita ou de uma concessão de crédito para jogo cenários que, como é consabido, são distintos e, como tal, têm tratamento jurídico diverso.
     59. Com efeito, conforme bem refere a sentença recorrida, “Feito o novo julgamento, não vêm comprovados todos os factos alegados pelo embargante em que disse ser jogador nos casinos da RAEM, nem outros factos alegados a um bate fichas de jogo. (Cfr. Respostas dadas aos quesitos 1ºA a 1ºE). Aliás, ainda que fossem provados esses factos, os mesmos não podem servir para qualificar o empréstimo entre o embargante e o embargado como empréstimo para jogo, visto que nunca alegou o embargante que o empréstimo dado pelo embargante tem conexão com o jogo nem com os factos ora alegados.”
     60. Ora, por força do princípio do dispositivo previsto no artigo 5º do CPC impende sobre qualquer parte que recorra a juízo o ónus de alegar os factos principais que constituem o substrato de facto da causa, e em particular, naturalmente os que lhe são favoráveis, pelo que competia ao Embargante ter alegado na petição de embargos os factos concretos em que teria consistido a suposta ilicitude do mútuo que depois se repercutiria na invalidade do título executivo.
     61. Nada disso sucedeu, conforme se constata da matéria transposta para a base instrutória e que corresponde à totalidade da matéria alegada na petição de embargos e na queixa-crime junta à mesma!
     62. Ora, esta não alegação dos factos constitutivos do direito que se pretende fazer valer em juízo e/ou dos factos impeditivos, modificativos e extintivos tem como consequência a improcedência do pedido.
     63. Ainda assim, é óbvio que do depoimento da única testemunha arrolada pelo Recorrente nunca poderia resultar provada a matéria em apreço.
     64. Em primeiro lugar, trata-se, como bem salienta, o acórdão proferido sobre a matéria de facto de uma testemunha sem qualquer credibilidade. Uma testemunha cujo depoimento é “obviamente preparado e com certa orientação”. Uma testemunha que ao contrário do que, com algum despudor se afirma nas alegações de recurso, só no final da sua inquirição e instâncias do mandatário do embargado, revelou que na altura dos factos mantinha uma relação de natureza pessoal e amorosa com o Recorrente.
     65. Acresce que, mantendo-se em vigor, em sede de recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e norteando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, bom senso e nunca de certeza absoluta, o uso pelo Tribunal de Segunda Instância dos poderes de alteração da matéria de facto da decisão proferida pela 1ª instância só deve e só pode ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos da matéria de facto impugnados.
     66. Por conseguinte, a modificação da matéria de facto só deve ser efectuada por este Tribunal, quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada conclua, com a necessária segurança no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa daquela que vingou na primeira instância.
     67. In casu, não só não existe qualquer prova de outra natureza que pudesse servir de base ao Tribunal no julgamento aos quesitos em apreço, como o (único) depoimento prestado em audiência final, para além da já apontada parcialidade e falta de credibilidade é, por demais, difuso, contraditório e incoerente para que, do mesmo, se possa concluir pela existência de erro na apreciação da prova.
     68. Uma palavra final para as considerações que o Recorrente faz nas páginas 33 a 36 das suas alegações que remete para o que supra se disse sobre o ónus da prova. De uma vez por todas, era ao Recorrente que cabia a prova de qualquer facto modificativo ou extintivo relativo à obrigação constate do título executivo e da qual se confessou devedor e não o contrário.
     69. Nestes termos, por não padecer de qualquer erro de julgamento o acórdão proferido sobre a matéria de facto deve manter-se inalterado, improcedendo também nesta parte o recurso do Recorrente.
     70. Como bem se afirma na sentença recorrida, “na ausência de quaisquer factos que permitirá classificar o empréstimo é, de facto, empréstimo em jogo, não há razões para pôr em causa a licitude do crédito reclamado pelo embargado através do título executivo”.
     71. E a verdade é essa. Conforme supra se explicou, a matéria alegada por aquele na petição de embargos e na queixa crime apresentada contra o Recorrido, integralmente transposta para a base instrutória não há um único facto, uma única palavra em que se afirme ou sequer se depreenda que o mútuo em apreço resultou de uma aposta ilícita, de crédito para jogo ou coisa que o valha!
     Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado integralmente improcedente, mantendo-se as decisões recorridas nos exactos ermos em que foram proferidas, fazendo-se assim, conforme nos vem habituando este douto Tribunal, inteira e fiel JUSTIÇA!”

Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Feito o julgamento, a primeira instância deu como provada a seguinte factualidade:
請求執行人以執行卷宗第4頁的文件作為執行名義開展執行程序,其內容為著一切法律效力在此視為獲完全轉錄。(已確定事實A)項)
*
Pelo recorrente foram suscitadas diversas questões.
Vejamos por partes.
Da pretensa insuficiência do título executivo
O recorrente começa por alegar a existência de uma desconformidade entre o título e o direito que se pretende fazer valer através da execução. Sustenta que, não estando comprovada a existência do mútuo pelo exequente, a execução não pode ser levada a cabo, uma vez que o título executivo que fundamenta a execução atesta um empréstimo que nunca ocorreu, considerando, assim, o título insuficiente.
A nosso ver, não assiste razão ao recorrente.
Conforme disposto na alínea c) do Código de Processo Civil, podem servir de base à execução “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.
No caso em apreço, está comprovado que o recorrente/executado assinou uma declaração de dívida, reconhecendo ser devedor do recorrido/exequente na quantia de HKD420.000.000,00.
Nos termos do artigo 370.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, uma vez reconhecida a autoria da declaração de dívida, está plenamente provado o seu conteúdo.
Aliás, conforme se estabelece no n.º 1 do artigo 452.º do Código Civil, “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”
Uma vez reconhecida, formalmente, a dívida, presume-se, materialmente, a sua existência, até prova em contrário.
Dispõe o n.º 1 do artigo 343.º do Código Civil que “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.”
Dito isto, compete ao recorrente/executado, uma vez que assinou a declaração de dívida, a prova da inexistência dessa dívida.
Melhor dizendo, ao intentar a execução, o exequente está dispensado de provar a relação fundamental, ou seja, os factos que sustentam a existência da dívida; basta demonstrar que no documento particular que serve se base à execução consta o reconhecimento de uma obrigação pecuniária pelo devedor, cujo montante é determinado ou determinável, como é o caso dos autos.
Por ser um título executivo suficiente, improcedem as razões do recorrente quanto a esta parte.
*
Da pretensa ilegitimidade do exequente
Alega o recorrente/executado que, em virtude da cessão de créditos, o recorrido/exequente deveria ter indicado no requerimento inicial factos reveladores da legitimidade activa ou passiva do executado, sob pena de a cessão não produzir efeitos em relação ao recorrente.
Não assiste razão ao recorrente.
Nos termos do n.º 1 do artigo 68.º do Código de Processo Civil, “A execução é promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que nele tenha a posição de devedor.”
No caso em apreço, o exequente figura no título como credor e o executado como devedor, o que confere a ambas as partes a legitimidade na acção executiva.
O disposto no n.º 3 do artigo 68.º do CPC aplica-se apenas quando há sucessão das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, o que não é o caso, uma vez que não há qualquer sucessão relacionada com a titularidade da obrigação decorrente do título dado à execução.
Isto posto, improcedem as razões aduzidas pelo recorrente.
*
Alegada deficiência na selecção da matéria de facto
O recorrente sustenta que a selecção da matéria de facto apresenta deficiências, uma vez que o tribunal recorrido não repetiu o julgamento relativamente à matéria constante dos quesitos 2º e 3º da base instrutória.
Mais uma vez, não assiste razão ao recorrente.
Conforme resulta do acórdão do Venerando TUI1, que concedeu parcial provimento ao recurso interposto e revogou o acórdão proferido por este TSI, foi determinada a ampliação da base instrutória, mas não foi ordenada a repetição do julgamento em relação à matéria dos quesitos 2º e 3º da base instrutória.
De facto, o TUI decidiu nos seguintes termos, que transcrevemos:
“Do direito
3. Tem o presente recurso como objecto o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que – anulando a sentença do Tribunal Judicial de Base que tinha julgado improcedentes os embargos do ora recorrido – ordenou a devolução dos autos para ampliação da matéria da base instrutória e repetição do julgamento. E como se constata do veredicto agora recorrido, dois são os “motivos” que levaram à referida decisão: a necessidade de se apurar a “causa da dívida declarada pelo embargante”, (se tem como origem um “empréstimo para jogo”), e as “circunstâncias da sua declaração”, (se foi efectuada “sob coacção”). Insurgindo-se contra o decidido, (atento o alegado e levado às conclusões do seu recurso, e em síntese que se nos apresenta adequada), diz o embargado, ora recorrente que, no que toca à “causa da dívida”, a mesma não foi matéria pelo embargante alegada, e, assim, que ilegal é a decidida ampliação. Quanto às “circunstâncias – (eventual) coacção para a feitura – da declaração da dívida (exequenda)”, considera ser matéria que já foi objecto de discussão na audiência de julgamento efectuada no Tribunal Judicial de Base e que tendo resultado “não provada”, apresenta-se igualmente ilegal a decretada ampliação. Ponderado no assim considerado, merecendo o recurso conhecimento e analisados os autos e o Acórdão recorrido, eis o que se nos mostra de consignar. –– Começando pelas “circunstâncias da assinatura da declaração de dívida”, vejamos. Pronunciando-se sobre idêntica “questão”, teve já esta Instância oportunidade de consignar que “A ampliação da matéria de facto, determinada pelo tribunal de recurso, tem lugar quando o tribunal inferior, com poder de cognição da matéria de facto, não conhece de matéria de facto alegada, relevante e controvertida. Não, quando este tribunal julga não provados certos factos, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova”; (cfr., o Ac. de 29.06.2016, Proc. n.° 38/2016, podendo-se também sobre a matéria ver o Ac. de 29.11.2019, Proc. n.° 111/2019) Nesta conformidade, o decidido não é de manter. Com efeito, a “matéria em questão” foi (já) levada à base instrutória – “quesitos 2° e 3°” – e foi (efectivamente) dada como “não provada”; (cfr., fls. 72 a 72-v e 125 a 127). Reconhece-se que os referidos “quesitos” – com a inclusão das expressões o “embargado «ameaçou» o embargante” e “devido à «ameaça»…” – podiam ter tido outra, (melhor), redacção, mais explícita e concreta. Porém, considerando o “thema decidendum” em questão – e em causa não estando um “processo crime”, em que se averiguava ou imputava a prática de um (eventual) crime de “ameaça” ou “coacção” (ou outro) – apresenta-se-nos de considerar, atenta também a fundamentação exposta no Acórdão do Tribunal Judicial de Base, que adequada não é a decretada ampliação. Importa ter presente que na sua decisão, podia o Tribunal restringir, (aproveitando para concretizar), a sua “resposta” (ao quesito), dando-o, (ainda que fosse) tão só em parte, como provado – não deixando assim de poder emitir (parcial) pronúncia sobre a “matéria e questão aí subjacente” – e, não sendo o que sucedeu, imperativo é que se retire uma clara “conclusão” em relação à mesma. Por sua vez, e em relação às considerações pelo Colectivo a quo tecidas – a fls. 20 do seu Acórdão – quanto “ao que se passou no quarto do hotel”, “à viagem de regresso até Hong Kong” e “à pressão para o pagamento em falta”, outro é também o nosso ponto de vista. Com efeito, em relação “ao que se passou no quarto do hotel”, temos para nós que é “matéria” levada aos supra referidos quesitos e que estes já a incluíam, apresentando-se, desta forma, constituir uma inadequada repetição. No que toca à “viagem de regresso até Hong Kong” e à “pressão para o pagamento”, (e embora se entenda a preocupação do Tribunal recorrido), cabe notar que, apesar de tudo, são aspectos que se referem a um “momento posterior” ao da questionada “assinatura da dívida”, e, nesta conformidade, não se apresentando como matéria relevante ou necessária, não se pode, nesta parte, manter o decidido.”
Face ao exposto, não restam dúvidas de que andou bem o Tribunal recorrido ao não proceder à repetição do julgamento em relação à matéria constante dos quesitos 2º e 3º da base instrutória, tudo em consonância com o acórdão do TUI.
*
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos quesitos 2º e 3º da base instrutória
O recorrente argumenta que houve erro de julgamento relativamente à decisão sobre a matéria dos quesitos 2º e 3º, alegando que, segundo o depoimento das duas testemunhas, resulta claro que a declaração que serve de base à presente execução foi assinada pelo executado sob coacção.
Entretanto, não assiste razão ao recorrente.
O tribunal recorrido respondeu aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 2º - “Em 14 de Janeiro de 2014, no quarto n.º 2517 do Hotel XXX, o embargado ameaçou o embargante que caso não assinasse a declaração de dívida mencionada na alínea A dos factos assentes, iria fazer mal ao embargante, bem como não permitiria que o embargante se ausentasse do quarto do hotel?”, e a resposta foi: “Não provado”; e
Quesito 3º - “Devido à ameaça referida no quesito anterior, no dia 15 de Janeiro de 2014, o embargante assinou a declaração de dívida mencionada na alínea A dos factos assentes?”, e a resposta foi: “Não provado”.
Nos termos do artigo 629.º, n.º 1, alínea a) do CPC, a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância se, do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, a decisão tiver sido impugnada com base nesses depoimentos.
Estatui-se nos termos do artigo 558.º do CPC que:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada.”
Como referido no acórdão deste TSI, de 20.9.2012, no Processo n.º 551/2012: “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção, atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599.º, n.º 1 e 2 do CPC.”
Decidiu-se também no acórdão deste TSI, de 28.5.2015, no Processo n.º 332/2015 que:“A primeira instância formou a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, e o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629.º do CPC. E é por tudo isto que também dizemos que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.”
Com base nas considerações acima, é bom de ver que, quando o tribunal de primeira instância comete algum erro na apreciação das provas, este TSI pode e deve revogar o julgamento da matéria de factos realizado pelo tribunal de primeira instância e, em seu lugar, avaliar novamente as mesmas provas para dar uma resposta considerada correcta à matéria em discussão.
Os erros que podem ocorrer na apreciação das provas incluem a violação das regras legais de prova ou a manifesta contradição com as regras da experiência comum.
No caso em apreço, o juiz de primeira instância apreciou os factos em discussão (quesitos 2º e 3º da base instrutória) com base no depoimento de duas testemunhas do recorrente e nas provas documentais constantes nos autos.
Uma vez que tais meios de prova não têm força probatória plena, o juiz pode, conforme disposto no artigo 558.º do Código de Processo Civil, apreciá-las livremente, avaliando a credibilidade dos documentos e dos respectivos testemunhos, não havendo, assim, violação das regras legais de prova.
Analisemos, portanto, se, na apreciação dos factos reportados nos dois quesitos, o juiz de primeira instância violou as regras da lógica e da experiência comum.
O juiz de primeira instância fez a seguinte análise das provas:
“A convicção do Tribunal baseou-se essencialmente na análise do depoimento das testemunhas do embargante.
Ora, as duas testemunhas relataram estar presentes num quarto do hotel de XXX em que se encontraram o embargante e um grupo de pessoas, mas não ocularam o embargante a assinar a declaração da dívida que foi dada à execução, o que parecia assinar apenas os cheques bancários. Por outro lado, não é clara qual foi o mal importante dirigido ao embargante a fim de constrange-lo a subscrever o documento, uma disse que se não assinasse não poderia sair do quarto, enquanto outra disse o embargante assinou o documento sob várias insistências dos indivíduos, mas não ouviu qualquer tipo de ameaça feito por estes. Para além disso, nenhuma das testemunhas conseguiu dizer que o ocorrido no quarto tinha efectivamente ligação com o embargado, pois nem uma nem outra o conhecia nem ouviu dizer alguém falar do embargado no quarto. Ademais, segundo essas testemunhas, o embargante foi perseguido de perto, dia e noite em Hong Kong, antes e depois da vinda de Macau, não é normal que o embargante tolerou essa perturbação na sua vida privada sem fazer queixa junto da polícia, só o fez quando os tais indivíduos não o deixaram dormir, assim como só fez queixa policial um ano depois do ocorrido em Macau e depois ter sido citado da acção executiva. Segundo a experiência normal, se realmente fosse vítima de algum ilícito criminal para assumir uma dívida de valor tão elevado que nem sequer existia, qualquer pessoa média tomaria, imediatamente, medida contra esses actos malfeitores. Assim, perante o depoimento confuso das testemunhas e a inexplicável atitude assumida pelo embargante, não se convence pela veracidade daquilo que foi alegado pelo embargante. Pelos motivos expendidos, deu-se como não provados todos os factos quesitados.”

De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o juiz forma a sua convicção com base nas regras da experiência, na lógica e na sua apreciação racional. Ou seja, o juiz deve seguir as regras da experiência da vida social e as regras lógicas ao examinar as provas e os respectivos factos.
Como já mencionado, a convicção do tribunal alicerça-se no conjunto de provas produzidas em audiência, sendo mais comuns as provas testemunhal e documental, competindo ao julgador valorar os elementos que melhor entender, nada impedindo que se confira maior relevância a determinadas provas em detrimento de outras, salvo excepções previstas na lei.
No caso dos autos, o recorrente pede que a resposta aos quesitos 2º e 3º seja alterada, no sentido de que a declaração que serve de base à execução foi por ele assinada sob coacção.
É de notar que o processo-crime surgido na sequência da queixa apresentada pelo recorrente contra o recorrido relativamente à alegada coacção foi arquivado.
Convém também destacar que as testemunhas não presenciaram a assinatura da declaração da dívida pelo recorrente, não ouviram quaisquer palavras ameaçadoras nem conheciam ou ouviram falar do recorrido.
Assim, no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só é viável se se demonstrar que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas, não bastando questionar as respostas apenas com base na opinião pessoal do recorrente.
Feito o exame das provas relacionadas, somos a entender que as respostas dadas pelo juiz de primeira instância sobre os factos mencionados estão em conformidade com as regras da lógica e da experiência comum, não havendo, portanto, omissões ou erros manifestos.
Isto posto, improcede o recurso nesta parte.
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Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos quesitos 1º, 1º-A, 1º-B, 1º-C, 1º-D e 1º-E da base instrutória
O recorrente entende igualmente que houve erro de julgamento na apreciação dos referidos quesitos, uma vez que o depoimento da única testemunha foi claro ao afirmar que a suposta dívida declarada no documento que fundamenta a execução nunca existiu, nem serviu para o negócio do recorrente, contrariamente ao que se alega no requerimento inicial.
O tribunal recorrido respondeu aos quesitos da seguinte forma:
Quesito 1 - “O Executado não pediu emprestado ao Exequente a quantia de HKD$420.000.000,00 indicada no documento da alínea A)?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 1º-A - “Em 2013, o Embargante veio jogar a Macau e nessa altura conheceu um “bate-fichas” de nome C?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 1º-B - “Depois do Embargante ter perdido dinheiro no jogo, C ajudou-o a pagar dinheiro?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 1º-C - “Mais tarde C disse que o dinheiro que lhe havia emprestado pertencia a D, dono da Sala VIP E de Macau, por isso, o Embargante conheceu D?”, e a resposta foi: “Não provado”;
Quesito 1º-D - “D apresentou o Exequente B ao Embargante, e disse que B tinha dinheiro, o podia pedir-lhe dinheiro emprestado se não houvesse?”, e a resposta foi: “Não provado”; e
Quesito 1º-E - “Mas o Embargante não se importava com isso?”, e a resposta foi: “Não provado”.
Alega o recorrente que o recorrido não provou ter concedido empréstimo na quantia de 420 milhões, por não existir um documento comprovativo de qualquer transferência bancária, nem cheque emitido em nome do recorrente.
Conforme mencionado acima, compete ao recorrente/embargante a prova de que não houve empréstimo ou que o documento que serve de base à execução foi por ele assinado sob coacção.
Contudo, não logrou o recorrente provar tal matéria.
Se atentarmos para a fundamentação da matéria de facto, bem elaborada pelo tribunal recorrido, a seguir transcrita, não restam dúvidas de que a decisão quanto à matéria de facto questionada pelo recorrente não merece qualquer reparo:
“A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, particularmente de fls. 7 dos autos de execução cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, e do depoimento da única testemunha ouvida do embargante, o que permite formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.
Discute-se no quesito 1º sobre se o embargante não pediu emprestar ao embargado a quantia de HKD420.000.000,00.
Conforme o teor do título executivo (declaração de dívida) assinado pelo embargante (cuja autenticidade é considerada reconhecida face ao acórdão do TUI), consta aqui que a declaração de que este pediu emprestar à embargada a quantia de HKD420.000.000,00, prometendo que lha ira devolver até ao dia 31 de Dezembro de 2013.
De acordo com o disposto do nº 2 do artº 370º, os factos compreendidos na declaração cuja autoria é reconhecida consideram-se provados na medida em que foram contrários aos interesses do declarante.
Por outro lado, por forca do disposto do nº 2 do artº 388º do CC, não é admissível a produção de prova testemunhal sobre as declarações contrários ao conteúdo dessas declarações.
Todavia, vêm entendido a doutrina e a jurisprudência que essa regra prevista no preceituado acima referido não deverá ser aplicada sem restrições, admite-se o recurso à prova testemunhal nalguns casos excepcionais, nomeadamente, já haver um começo de prova por escrito que torna verosímil a convenção contrário ou adicional ao conteúdo do documento, é permitida a prova testemunhal para complementar ou consolidar essa verosimilhança. (cfr. a título exemplificativo, Ac. do STJ, de 07/02/2008)
No caso em apreço, para além do depoimento da única testemunha F, não existem outras provas para suportar o alegado pelo embargante, por força do preceito acima referido, não se permite considerar como provadas as declarações contrárias às que são prestadas pelo próprio embargante do título executivo. Assim, não se deu como provado o facto do quesito 1º.
No que diz respeito aos factos constantes dos quesitos 1º-A a 1º-E, foi produzida apenas a prova testemunhal da testemunha F. Essa testemunha deu conta de que era assistente do embargante durante o período de 2011 a 2014, tendo acompanhado sempre o patrão a vir a jogar em Macau, e consegue lembrar, de quase todos os actos de jogos praticados pelo seu patrão, por ter tomado nota de todos eles. Aliás, segundo a atitude e o ar que essa testemunha manifestou na inquirição, nota-se que o depoimento dela testemunha é obviamente preparado e com certa orientação. Ademais, a testemunha só relevou, quase no final da sua inquirição e na insistência do mandatário do embargado, que era, afinal, namorada do embargante, na altura dos factos. Face à falta de honestidade da testemunha sobre a sua relação verdadeira com o embargante no início da inquirição e à manifesta parcialidade e falta de objectividade, o depoimento em causa não merece a credibilidade do Tribunal. Assim, não ficou convencido o Tribunal pela veracidade dos factos alegados pelo embargante, não se dando, por isso, por provados todos os factos constantes dos quesitos 1º-A a 1º-E.”

Em primeiro lugar, conforme já referido, no âmbito da livre valoração e convicção do julgador, a alteração das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto só é viável se se demonstrar que houve erro grosseiro e manifesto na apreciação das provas. Considerando que as respostas dadas pelo juiz de primeira instância sobre os factos mencionados estão de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, não se verificam omissões nem erros evidentes.
Em segundo lugar, conforme decidido pela primeira instância, e de forma adequada, a prova testemunhal não é admissível para demonstração de factos que estão plenamente provados por documentos.
No caso presente, o recorrente não impugnou a veracidade ou genuinidade do documento, ou seja, admitiu ter assinado o documento, apenas suscitando, nos embargos, que o fez sob coacção.
Melhor dizendo, a dívida está plenamente provada, por ser um facto desfavorável ao seu autor, ora recorrente, nos termos do n.º 2 do artigo 370.º do Código Civil. Compete ao próprio recorrente/embargante, se assim entender, provar o contrário.
Nos termos do artigo 387.º, n.º 2 do Código Civil, se o facto estiver plenamente provado por documento, não é admitida prova testemunhal.
No mesmo sentido, decidiu-se no acórdão n.º 614/2010 deste TSI:
“Na confissão extrajudicial, a prova plena pode ser “contrariada” mediante prova em contrário, isto é, através de prova de que o facto que constitui o seu objecto não é verdadeiro (art. 340º do CC).
Claro, essa prova do contrário, tem que ser feita pela parte confitente. É sobre si que recai o ónus de destruir a força e eficácia da sua própria confissão, já que a parte a quem esta foi apresentada dela beneficia e, portanto, nenhum interesse tem em contradizê-la.
Mas, neste ponto surge um obstáculo no caminho. É que se o art. 340º não impede a prova do contrário, já não pode deixar de se ter em conta, por outro lado, a circunstância de haver alguma restrição adjectiva “especialmente determinada na lei” (art. 340º cit., “in fine”). E existe, efectivamente.
Com efeito, “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada” (art. 386º, CC).
E, por outro lado, “…não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena” (art. 387º, nº2, CC), tal como sucede, por exemplo, com a confissão probatória plena. A não ser que essa prova testemunhal vise demonstrar a existência de convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar.
Quer isto dizer que a prova do contrário que a recorrida pudesse fazer através de testemunhas parece estar aqui de todo arredada, tanto mais que nem sequer foi invocada a existência de convenção contrária ao conteúdo do documento.”
Conforme decidido pelo acórdão do TUI, de 29.11.2019, no Processo n.º 110/2019:
“Como se disse, o executado/embargante aceitou ter subscrito o título, mas alegou que a quantia não foi mutuada a ele, mas a um terceiro. Ou seja, impugnou a relação fundamental alegada pela exequente.
É pacífico que nos embargos de executado o ónus da prova é o que respeita à relação substantiva, sendo, portanto, irrelevante a posição das partes (activa e passiva) na demanda em causa, os embargos. Neste ponto a sentença de 1.ª Instância estava correcta. Onde já não está correcta foi em ter omitido uma norma substantiva fundamental, que é o artigo 452.º do Código Civil, onde se dispõe:
Artigo 452.º
(Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida)
1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.
Face ao n.º 1 deste preceito presumia-se a existência da relação fundamental até prova em contrário, pelo que cabia ao devedor a prova de que o empréstimo nunca existiu.
Assim, a base instrutória foi mal organizada, já que o executado/embargante teria de provar que o executado não solicitou ao exequente um empréstimo, o que ele alegou, mas que não foi levado à base instrutória.
Bem andou, pois, o acórdão recorrido em anular o julgamento por insuficiência da matéria de facto.
Aquando do julgamento há que ter em atenção o disposto nos artigos 370.º, n.º 2, 387.º e 388.º do Código Civil.”
Vaz Serra já cedo observou esta questão, considerando que a proibição da prova testemunhal é excessivamente rigorosa e inflexível, e entendeu que, havendo começo de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, admite-se prova testemunhal.
O acórdão do STJ, de 29.11.2005, no âmbito do Processo n.º 05A3283, citado como direito comparado, seguiu a mesma doutrina:
“O problema que então surgirá é o de saber se essa prova do contrário poderá ser feita por testemunhas ou por presunções judiciais, atento o disposto nos art 551, 393, n.º 2, última parte, e 394, n.º 1, do C.C.
Em tese geral, poderá dizer-se que a proibição da prova testemunhal e por presunções, decorrente dos aludidos preceitos, não tem carácter absoluto, sob pena de conduzir a resultados iníquos.
Vaz Serra (Bol. 112, págs 193 e 218 e RLJ, 103, pág. 13), na esteira do direito francês e italiano, defende, por exemplo, que se admita a prova testemunhal desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrária ao documento que com ela se pretende demonstrar ou no caso de existir um começo de prova por escrito, isto é, qualquer escrito proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado.
Mota Pinto (Col. Jur. 1985, III, pág. 9), também escreve:
«Constitui excepção à regra do art. 394 e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas no caso do facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito.»”
In casu, para além do título executivo, não foram encontrados outros documentos que possam servir como começo de prova, pelo que, em conformidade com essa doutrina, a prova testemunhal não é admissível para demonstrar o facto contrário.
Improcede, pois, esta parte do recurso.
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Da pretensa nulidade do documento dado à execução
De acordo com a matéria de facto provada, demonstrado não está que o empréstimo celebrado entre o recorrente e o recorrido tenha sido destinado ao jogo, razão pela qual andou bem o juiz a quo ao julgar improcedentes os embargos.
Tudo ponderado, nega-se provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, o Colectivo de Juízes deste TSI acorda em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 22 de Maio de 2025
Tong Hio Fong
(Relator)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Seng Ioi Man
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 Processo n.º 63/2018, do TUI
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Recurso Cível 595/2024 Página 9