Processo n.º 3/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 22 de Maio de 2025
ASSUNTOS:
- Função do sinal no contrato-promessa de compra e venda e consequência de impossibilidade de cumprimento definitivo de prestação prometida
SUMÁRIO:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
O Relator,
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Fong Man Chong
Processo nº 3/2025
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 22 de Maio de 2025
Recorrentes : - A
- B
- C, Limitada (C有限公司)
Recorridos : - Os Mesmos
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Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A e B, Recorrentes, devidamente identificados nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/07/2024, vieram, em 02/09/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1882 a 1899, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto o segmento decisório da Sentença proferida a fls. 1847 a 1872 dos autos, de 15 de Julho de 2024, que decidiu absolver a Ré C Limitada, ora Recorrida, do pedido de condenação no pagamento em dobro do sinal pago pelos contratos-promessa de compra e venda relativos às fracções autónomas designadas "D22" e "H22", corresponde a HKD5,889,000.00 (HKD1,519,500.00 + HKD1,425,000.00 x 2), e respectivos juros de mora à taxa legal desde a data da Sentença até integral pagamento, julgando assim parcialmente procedente a acção.
II. A discordância da Recorrente cinge-se, tão-somente, ao quantum indemnizatório arbitrado na douta Sentença recorrida, a respeito dos contratos-promessa de compra e venda relativos às fracções autónomas designadas "D22" e "H22", porquanto a Recorrida foi apenas condenada no pagamento da quantia total de HKD11,988,500.00 (HKD6,841,500.00 a título de restituição do sinal prestado pelos contratos-promessa de compra e venda relativos às 5 fracções autónomas + HKD3,897,000.00 a título de indemnização correspondente ao sinal em dobro que foi prestado no âmbito dos contratos-promessa de compra e venda relativos às fracções autónomas designadas "B22", "F22" e "G22" + HKD1,250,000.00 a título de indemnização equitativa dos danos sofridos por impossibilidade superveniente da prestação da Recorrida contraída nos contratos-promessa de compra e venda relativos às fracções autónomas designadas "D22" e "H22").
III. Os Recorrentes não se conformam com tal decisão, uma vez que não concordam com a redução equitativa do valor da indemnização da Recorrida determinada pelo valor do sinal, relativamente aos contratos-promessa de compra e venda referentes às fracções autónomas designadas "D22" e "H22", devendo a Ré ser condenada no pagamento da quantia total de HKD13,683,000.00.
IV. O Tribunal a quo entendeu que a indemnização determinada e medida pelo valor do sinal seria manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo dos Recorrentes, devendo assim proceder a uma redução equitativa do valor da indemnização devida, de forma a sancionar a culpa da Recorrida pelo seu incumprimento em relação aos contratos-promessa que tinham por objecto as fracções autónomas designadas "D22" e "H22", ao abrigo do disposto no artigo 801.º, ex vi artigo 436.º, n.º 5, ambos do Código Civil.
V. O Tribunal a quo socorreu-se no facto de os Recorrentes terem apresentado uma candidatura à aquisição de duas fracções "sucedâneas", nada mais.
VI. Provado apenas ficou que foi deferida a candidatura dos Recorrentes a adquirir pelo menos uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio (resposta ao quesito 44º da Base Instrutória).
VII. Provado também ficou que tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção mais valiosa que constitua o objecto de algum dos contratos aqui em causa (resposta ao quesito 45º da Base Instrutória).
VIII. Provado não ficou que os Recorrentes efectivamente adquiriram uma outra fracção, uma fracção "sucedânea", uma vez que os Recorrentes efectivamente não compraram outra fracção autónoma semelhante à que eventualmente teriam se a Recorrida tivesse cumprido a sua promessa de vender.
IX. Se os Recorrentes se candidataram à compra de uma habitação para troca, e se essa candidatura mereceu o deferimento da entidade responsável, a D, S.A., tal deveu-se apenas ao facto de os Recorrentes terem preenchido todos os requisitos exigidos para esse efeito, e terem apresentado os formulários respectivos.
X. Esse deferimento da candidatura dos Recorrentes em nada influi, nem deveria "salvar", o incumprimento definitivo é culposo da Recorrida dos contratos-promessa celebrados com os Recorrentes, nem no valor da respectiva indemnização, que deveria ser o dobro das quantias entregues pelos Recorrentes à Recorrida.
XI. A mera candidatura dos Recorrentes, que é um benefício atribuído pelo Governo e que carece de ser concretizada, não poderá ter qualquer interferência na indemnização da Recorrida por incumprimento dos contratos-promessa in casu, seja para reduzir ou mesmo aumentar o valor dessa indemnização.
XII. Caberia sempre à Recorrida o ónus de alegação e prova de que uma indemnização determinada e medida pelo valor do sinal seria manifestamente excessiva para ressarcir os Recorrentes do dano efectivo, o que não sucedeu in casu.
XIII. A mera alegação de que os Recorrentes se candidataram à aquisição de uma fracção autónoma semelhante à que iriam adquirir da Recorrida é manifestamente insuficiente.
XIV. O entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo no sentido de reduzir a indemnização da Recorrida consubstancia uma violação da regra geral consagrada no artigo 436.º, n.º 2, 2ª parte do Código Civil, qual seja a do pagamento do sinal em dobro pelo incumprimento definitivo e culposo de um contrato-promessa por parte do contraente que recebeu o sinal.
XV. O legislador não quis com a "excepção" introduzida no n.º 5 do artigo 436.º do Código Civil premiar o contraente que incumpriu o contrato-promessa, e que o incumpriu de forma culposa e a título definitivo.
XVI. O propósito desta disposição legal é, evidentemente, acautelar as situações em que, por exemplo, tenha ficado provado a existência de um dano excedente, i.e., em que o contraente que cumpriu o contrato-promessa ficou de sobremaneira beneficiado face aos prejuízos efectivamente sofridos pelo não cumprimento da obrigação de contratar, por causa exclusivamente imputável ao promitente-vendedor que recebeu o sinal.
XVII. Nestes casos, de manifesto exagero, fará todo o sentido que o Tribunal intervenha e reduza equitativamente a pena aplicada ao promitente faltoso, restabelecendo assim a justiça casuística, aplicando-se assim o regime da redução equitativa aos casos de incumprimento do contrato-promessa em que o sinal tem a natureza confirmatório-penal.
XVIII. Nos outros casos, como in casu, o Tribunal não poderá intervir, isto é, não poderá beneficiar a parte incumpridora e devedora e desse modo reduzir, segundo juízos de equidade, o montante indemnizatório que esta, por lei, teria obrigatoriamente de pagar à parte cumpridora e credora, funcionado aqui as regras legais e gerais aplicáveis, qual seja o disposto no n.º 2 do artigo 436.º do Código Civil.
XIX. O juiz só tem o poder de reduzir a pena convencional, de acordo com a equidade, quando a mesma for manifestamente excessiva, e não quando se trata de uma cláusula apenas excessiva. É essa a regra consagrada no artigo 801.º, n.º 1 do Código Civil.
XX. A remissão para o artigo 801.º do Código Civil não deixa dúvidas que essa redução equitativa só será permitida se e quando as partes, por acordo e no âmbito da autonomia privada, tenham expressamente consagrado essa cláusula penal suplementar indemnizatória, esse montante indemnizatório complementar (ao sinal em dobro, leia-se), nos contratos-promessa que tenham outorgado, para colmatar e salvaguardar os casos em que um dos contraentes não cumpra com aquilo a que se comprometeu perante o outro contraente, i.e., o sinal com natureza penitencial.
XXI. Há mais de uma década que a Recorrida poderia ter voluntariamente devolvido as quantias que recebeu dos Recorrentes em 2011, mas não o fez.
XXII. A redução equitativa da indemnização devida pela Recorrida representa uma medida de clemência para a mesma, que há mais de uma década que se encontra em incumprimento, e que, em bom rigor, nunca deu sinais de querer cumprir com o que se havia vinculado.
XXIII. O valor da indemnização equitativa fixado pelo Tribunal a quo, de HKD1,250,000.00, é de montante inferior ao montante que a Recorrida teria sempre de pagar a título de juros de mora, contabilizados à taxa legal sob o referido capital (HKD1,519,500.00 + HKD1,425,000.00 = HKD2,944,500.00), desde 27 de Junho de 2020 até à data da Sentença recorrida, ou seja, 15 de Julho de 2024, totalizando HKD1,163,299.34.
XXIV. A consequência que o Tribunal a quo encontrou para penalizar a Recorrida pelo seu incumprimento definitivo e culposo, durante mais de uma década, consiste, tão-só, em condenar a Recorrida no pagamento de um montante inferior ao que sempre teria de pagar a título de juros moratórios.
XXV. O Tribunal a quo incorreu num erro de aplicação das normas jurídicas in casu, ao ter feito uma redução equitativa do valor da indemnização a cargo da Recorrida, em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito dos contratos-promessa que celebrou com os Recorrentes relativos às fracções "D22" e "H22".
XXVI. A Recorrida deverá ser condenada a restituir o dobro do sinal que recebeu no âmbito dos cinco contratos-promessa que celebrou com os Recorrentes.
XXVII. O segmento decisório objecto do presente recurso deve ser revogado por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância, sendo proferido douto Acórdão que condene a Recorrida a pagar a quantia peticionada de MOP14,382,134.57, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal contados desde 27 de Junho de 2020 até integral pagamento.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, nos termos supra explanados e, em consonância com o acima alegado, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente procedente a acção, condenando a Recorrida a pagar aos Recorrentes a quantia total de MOP14,382,134.57 (catorze milhões trezentas e oitenta e duas mil cento e trinta e quatro patacas e cinquenta e sete avos), acrescida dos juros de mora contados à taxa legal desde 27 de Junho de 2020 até integral pagamento.
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C, Limitada (C有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 15/07/2024, veio, em 25/07/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1902 a 1930, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD11.988.500,00.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provada praticamente toda a matéria alegada pela Recorrente susceptível de estabelecer que não conseguiu aproveitar o terreno dentro do prazo contratado e, assim, dar cumprimento aos contratos em apreço, por razões imputáveis aos Serviços da RAEM.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte e sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008 (fls. 418 a 461 dos autos).
6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009 (fls. 462-475), a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010 (fls. 476), donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento "E", comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA (fls. 493-494).
8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9. º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
13. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 493 a 494, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
14. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
15. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de "facto do príncipe".
20. Quanto ao risco, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
21. Depois, sujeitos como os Recorridos, que compram cinco fracções, não são sujeitos que se subsumam no padrão de mera normalidade. Não são sujeitos “carecidos de protecção especial” (cfr. Menezes Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, Almedina, 2001, p. 550) e de especiais deveres de informação que recaiam sobre a Recorrente.
22. Pelo contrário, são sujeitos que actuam no mercado, que conhecem o mercado e os seus contornos. Que têm integral conhecimento do risco conatural à aquisição de bens imóveis futuros.
23. Os Recorridos sabiam necessariamente que o contrato que celebraram com a Recorrente estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
24. E que, de acordo com as regras da experiência comum, tinham seguramente conhecimento do prazo do contrato de concessão, o qual de resto é público constante do Registo Predial.
25. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
26. Os Recorridos também sabiam perfeitamente que o contrato em causa tinha por objecto uma fracção autónoma a ser construída no futuro, ou seja, um bem que não existia à data do contrato que celebraram com a Recorrente.
27. A Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com os ditâmes de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
28. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe os Recorridos para a esfera de risco dos contratos em causa. Foram eles que quiseram nela entrar.
29. Quanto à qualificação dos contratos, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de contratos de reserva ou de contratos de compra e venda de um bem futuro.
30. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
31. Relativamente à redacção dos contratos em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de "sinal" (com o sentido de penalização), em prol da expressão "訂金", correspondente ao conceito de "depósito" (que não tem sentido penalizador) .
32. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
33. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
34. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir os contratos base a contratos-promessa.
35. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
36. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos dos clausulados a necessidade de celebração de um segundo contrato, tal é, nos termos do artigo 866º do Código civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
37. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
38. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com os contratos em questão, apontam para uma qualificação que não a de um típico contrato-promessa.
39. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que os contratos foram celebrados em 2011, antes da entrada em vigor, em 2014, da Lei nº 7/2013, a qual foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos.
40. O que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
41. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, "Estes 'contratos-promessa' têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção".
42. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construír e lhe vai entregar.
43. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
44. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que os contratos em discussão não são típicos contratos-promessa mas contratos de reserva ou contratos de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
45. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento constantes dos autos.
46. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: "A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
47. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
48. A Recorrente recebeu HKD6.841.500,00 por conta dos 5 contratos em causa, pelo que, sob este prisma, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se naquele valor, acrescido dos respectivos juros de mora.
49. Subsidiariamente a Recorrente pediu que a indemnização fosse arbitrada com base na equidade, tendo a douta sentença recorrida considerado ser essa a solução jurídica adequada apenas para os casos das fracções autónomas "D22" e "H22" melhores identificadas nos autos.
50. No entanto, afigura-se que tal opção, a ser tomada, configuraria uma solução mais justa se fosse estendida às 5 fracções autónomas em causa.
51. Ressalvado diverso entendimento, se forem ponderados todos os factores relevantes para uma decisão por equidade no caso subjudice e não somente a circunstância de os Recorridos irem receber duas fracções autónomas idênticas às fracções "D22" e "H22".
52. Entre esses factores podem enumerar-se: a sua nula ou quase nula culpa, as legítimas expectativas criadas pela Administração na Recorrente em como viabilizaria a construção do empreendimento "E", a sua firme vontade e comportamento em cumprir as suas obrigações, os cerca de mil milhões de dólares de Hong Kong que gastou para concluir as fundações do empreendimento no último ano do prazo de aproveitamento, a contratação de mais de 3.000 fracções, etc.
53. Uma decisão prudente e equilibrada seria, na óptica da Recorrente, a de fixar-se o quantum indemnizatório no montante que aquela deve restituir aos Recorridos pelas 5 fracções autónomas contratadas, HKD6.841.500,00, acrescido de metade do valor recebido por conta dos 3 contratos relativamente aos quais não houve atribuição de fraccão autónoma sucedânea, ou seja, HKD1.948.500,00 tudo num total de HKD8.790.000,00.
54. Ainda subsidiariamente: O segmento indemnizatório correspondente ao dano equitativo no valor de HKD1.236.690,00, foi obtido com base num eventual rendimento de juros para os depósitos a prazo, incidentes sobre o capital pago pelos Recorridos à Recorrente (1.519.500,00 + 1.425.000,00 x 3,5% x 12 = 1.236.690,00);
55. Sucede, porém, que de acordo com os dados oficiais da Autoridade Monetária de Macau, a taxa de juros praticada pelos Bancos, em média, entre 2011 e 2023, foi a de 1,2655%, pelo que se afigura que deve ser essa a taxa aplicada ao cálculo do dano equitativo e não a de 3,5%.
56. Consequentemente, um valor mais justo seria o de HKD450.000,00, arredondado por excesso (1.519.500,00 + 1.425.000,00 x 1.2655% x 12 = 447.151,77).
57. Mas há que tomar ainda em conta que na cláusula 10ª dos contratos donde emergem estem pagamentos consta que as respectivas fracções deveriam ser entregues no prazo de "1200 dias de sol e trabalho após a construção do primeiro piso”, só a partir dessa data entrando a Recorrente em mora.
58. Por outras palavras, os Recorridos contrataram voluntariamente com a Recorrente em como as quantias por ela recebidas ficariam imobilizadas sem vencer juros por aquele período e, portanto, até um momento indeterminado no tempo.
59. Entretanto, como resulta dos autos, tal momento nunca chegou a ocorrer uma vez que não foi possível construir e entregar as fracções pelas razões supervenientes acima descritas.
60. Consequentemente, salvo melhor opinião, é o momento em que a impossibilidade do cumprimento se tornou definitiva, em que a declaração de caducidade do contrato de concessão foi proferida e se tornou irreversível.
61. Tal irreversibilidade apenas ocorreu com a douta decisão confirmatória de tal declaração de caducidade pelo Venerando Tribunal de Última Instância, ou seja, quando o acórdão proferido em 23 de Maio de 2018, no âmbito do Processo nº 7/2018, transitou em julgado.
62. Pelo que, ressalvado diverso entendimento, o momento a ser tomado em consideração para o cálculo do dano equitativo é o ano de 2018 e, como tal, compreende um período de 5 anos, isto é, entre 2018 e 2023.
63. Ora, de acordo com os mesmos dados oficiais da AMCM (cfr. docs. 1 e 2), a taxa média deste período de 5 anos foi a de 2,141%, pelo que o montante respeitante a este vector de ponderação se cifra, a final, em HKD320.000,00, arredondado por excesso (1.519.500,00 + 1.425.000,00 x 2,141% x 5 = HKD315.208,72).
64. Consequentemente, seguindo-se o próprio itinerário da douta sentença recorrida com base nos factos só agora carreados aos autos, o valor do dano equitativo cifra-se em HKD450.000,00, ou, no máximo, em HKD320.000,00.
65. Quanto aos juros de mora, aplicando-se a solução por equidade à totalidade da indemnização a arbitrar, o quantum indemnizatório só fica apurado com a respectiva liquidação, a qual ocorre com a prolação da douta sentença recorrida, pelo que se afigura que a sua contagem só tem início naquela data.
66. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
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A e B, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 2019 a 2055, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. A Recorrente insurge-se contra a douta Sentença recorrida, que julgou parcialmente procedente a presente acção, defendendo que os contratos objecto dos autos não consubstanciam verdadeiros contratos-promessa, mas sim contratos de compra e venda de bens futuros, também designados por "Mai Lau Fa", não sendo desse modo aplicável o regime jurídico do sinal aos contratos sub judice.
II. Defende ainda a Recorrente que, a impossibilidade jurídica superveniente e definitiva de cumprimento desses contratos que celebrou com os Recorridos não lhe deve ser imputada, mas sim à actuação da Administração Pública da RAEM, que alegadamente provocou atrasos de 8 anos no decurso do respectivo procedimento administrativo, impossibilitando, desse modo, o aproveitamento do terreno dentro do prazo contratado, alheando-se assim de qualquer responsabilidade.
III. A título subsidiário, defende a Recorrente que a indemnização calculada pelo valor do sinal deverá ser reduzida segundo juízos de equidade, por aplicação do artigo 801.º, ex vi artigo 436.º, n.º 5, ambos do Código Civil.
IV. A decisão recorrida peca por escassez, e nunca por excesso, no que à indemnização arbitrada à Recorrente concerne, uma vez que o Tribunal a quo decidiu absolver a Recorrente do pedido de condenação no pagamento em dobro do sinal pago pelos contratos-promessa de compra e venda relativos às fracções “D22” e "H22".
V. Dos factos provados em 1ª Instância resulta inequívoco e assente que a Recorrente, à presente data, não tem qualquer direito sobre o terreno onde iria construir e edificar o Edifício "E", porquanto a decisão do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno em causa tornou-se firme na ordem jurídica.
VI. Com a referida declaração de caducidade a Recorrente ficou e está impossibilitada objectivamente de cumprir os contratos-promessa de compra e venda objecto dos autos, pelo que a prestação da Recorrente se tornou impossível.
VII. É uma impossibilidade jurídica que inquina a sua relação contratual com os Recorridos, porquanto a Recorrente não poderá mais cumprir com as suas obrigações contratuais.
VIII. A prestação a que a Recorrente se vinculou contratualmente com os Recorridos tornou-se impossível após a celebração dos contratos, e a Recorrente não o nega.
IX. A causa da impossibilidade jurídica da prestação da Recorrente deve-se à sua inércia em concluir a construção do empreendimento in casu, dentro do prazo de aproveitamento do terreno concessionado, o qual foi objecto de prorrogação até ao termo do prazo de arrendamento, isto é, até 25 de Dezembro de 2015, não evitando assim a Recorrente a mais que certa caducidade da concessão.
X. Foi a Recorrente que pela sua actuação, ou ausência dela, não manteve válida a concessão.
XI. Foram os atrasos, por parte da Recorrente, na execução das obras de aproveitamento do terreno concessionado, e também as promessas não cumpridas, que levou à caducidade da concessão, e que por sua vez causou a impossibilidade jurídica da prestação da Recorrente e, consequentemente, o incumprimento dos contratos-promessa de compra e venda in casu.
XII. O objecto dos contratos-promessa só seria possível ser concretizado se a concessão se mantivesse válida, o que não sucedeu, por culpa da Recorrente.
XIII. A Recorrente é da opinião que foram os actos de um terceiro, a RAEM, que causaram a impossibilidade da prestação da Recorrente. Não é verdade.
XIV. A Recorrente sabia que tinha de terminar a construção do edifício "E" até 25 de Dezembro de 2015, pois era certo que o prazo da concessão provisória terminaria nessa data.
XV. A Recorrente sabia que tinha de terminar a construção do edifício em causa até essa data, para que a concessão provisória se tornasse definitiva.
XVI. A Recorrente sabia, não tendo como não o saber, que caso não o fizesse, isto é, caso não aproveitasse o terreno no prazo contratualmente fixado, ser-lhe-ia imputável a impossibilidade de conversão da concessão provisória em definitiva.
XVII. A manutenção ou não da concessão válida constitui um risco assumido pela Recorrente aquando da celebração dos contratos-promessa de compra e venda objecto destes autos, risco esse que não poderá ser assacado aos Recorridos.
XVIII. Só a Recorrente estava em condições de apreender todas as conjunturas e vicissitudes que necessariamente se desenvolveriam na pendência do contrato de concessão.
XIX. Somente a Recorrente estava em condições de cumprir com as suas responsabilidades contratuais que assumiu perante a Administração da RAEM, i.e., com as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas, porquanto era a Recorrente, na qualidade de concessionária do terreno onde estava prevista a construção do empreendimento "E", quem estava em condições de aproveitar esse terreno dentro do prazo contratualmente acordado.
XX. Não pode a Recorrente vir desculpar o seu incumprimento contratual nos eventuais atrasos nas emissões de licenças ou aprovação de projectos, ou em eventuais novas exigências introduzidas pelos departamentos públicos da RAEM.
XXI. Não pode a Recorrente assacar as suas responsabilidades contratuais na Administração Pública, que não é parte nos contratos-promessa in casu celebrados com os Recorridos.
XXII. É a Recorrente quem tem culpa exclusiva pela impossibilidade de aproveitamento do terreno concessionado pelo prazo inicialmente contratado, porquanto não logrou manter válida a referida concessão.
XXIII. Toda a factualidade alegada pela Recorrente, para tentar imputar a terceiro a culpa da impossibilidade superveniente da respectiva prestação, concerne, única e exclusivamente, à relação entre Recorrente e a Administração Pública da RAEM.
XXIV. A Recorrente assumiu perante a RAEM a possibilidade de a mesma não poder cumprir o desenvolvimento do projecto "E" dentro do prazo original constante no prazo de concessão, ou seja antes de 25 de Dezembro de 2015, razão pela qual requereu a prorrogação do prazo de aproveitamento, e, da mesma forma, assumiu toda a responsabilidade resultante por esse incumprimento, tendo reconhecido a sua culpa pelo não desenvolvimento do projecto "E" no prazo prorrogado de aproveitamento, assumindo todas as consequências.
XXV. Impedia sobre a Recorrente o ónus da prova de que havia advertido os Recorridos de qualquer vicissitude que estaria a ocorrer no momento da execução dos contratos-promessa sub judice, e dos riscos em que incorriam com a sua celebração.
XXVI. Os Recorridos confiaram que a Recorrente iria vender as fracções autónomas prometidas, e que iria cumprir com o prometido, quer no momento em que celebraram os contratos-promessa de compra e venda objecto destes autos, quer ao longo da relação contratual, sempre acreditando que iriam celebrar os contratos prometidos quando a Recorrente terminasse o empreendimento "E".
XXVII. A Recorrente sonegou informação que estava vinculada e tinha o dever de transmitir aos Recorridos.
XXVIII. À Recorrente não é lícito querer fazer incluir os Recorridos no risco da sua actividade, quando estes não têm qualquer controle sobre a mesma.
XXIX. A Recorrente tem culpa exclusiva pela impossibilidade jurídica superveniente e definitiva de cumprimento dos contratos-promessa de compra in casu.
XXX. Os Recorridos têm direito à resolução dos contratos-promessa (artigos 426.º e seguintes e 282.º, do Código Civil), como têm direito a ser indemnizados nos termos previstos nos contratos-promessa celebrados, e no artigo 436.º, n.º 2, parte final, do Código Civil, ou seja, têm direito à restituição em dobro do que pagaram a título de sinal no âmbito dos cinco contratos-promessa celebrados, pelo incumprimento definitivo e culposo dos contratos-promessa por banda da Recorrente.
XXXI. Não ficou provado que Recorridos e Recorrente quiseram atribuir às quantias pagas por aqueles a esta a natureza de preço das fracções autónomas prometidas vender.
XXXII. Não ficou provado que a prática usual, de há várias décadas, no comércio jurídico de bens imóveis em construção, em Macau, é considerar os contratos-promessa de compra e venda (como é o caso dos contratos-promessa in casu) como autênticos contratos de compra e venda, sendo os mesmos formalizados por escritura pública após construídas as fracções.
XXXIII. Não ficou igualmente provado que a Recorrente ofereceu ao público milhares de fracções autónomas neste empreendimento, a preço mais baixo, em regime de venda no projecto (Mai Lao Fa), e que era obrigação do lado do comprador a antecipação do pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado.
XXXIV. O regime jurídico aplicável é o consagrado nos artigos 435.º e 436.º, n.º 2, e 790.º, do Código Civil, e os Recorridos têm direito a exigir o dobro das quantias que pagaram à Recorrente a título de sinal, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço, pois celebraram cinco contratos-promessa, como, aliás, resulta do texto dos mesmos, onde precisamente são designados como "contratos-promessa de compra e venda".
XXXV. A cláusula 5ª desses contratos diz expressamente que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda das quantias já pagas pelos Recorridos a favor da Recorrente, o que demonstra que foi vontade das partes celebrar contratos-promessa.
XXXVI. Da vontade negocial das partes contratantes, plasmada no clausulado acordado, extrai-se que Recorridos e Recorrente quiseram efectivamente celebrar cinco contratos-promessa, e quiseram atribuir carácter de sinal às quantias monetárias entregues pelos Recorridos.
XXXVII. A simples leitura dos contratos-promessa revela esse sentido de vontade.
XXXVIII. Não deverá haver redução equitativa da indemnização da Recorrente, a qual consubstancia uma medida de clemência para a mesma, que há mais de uma década que se encontra em incumprimento, e que, em bom rigor, nunca deu sinais de querer cumprir com o que se havia vinculado perante os Recorridos.
XXXIX. A Recorrente deverá restituir em dobro os montantes que recebeu dos Recorridos, correspondendo ao valor do sinal prestado.
XL. O recurso interposto pela Recorrente deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida, excepto o segmento decisório que decidiu absolver a Recorrente do pedido de condenação no pagamento em dobro do sinal pago pelos contratos-promessa de compra e venda, relativos às fracções autónomas designadas "D22" e "H22".
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Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil e investimento no sector imobiliário, conforme certidão do registo comercial que ora se junta sob designação de documento n.º 1 e que, à semelhança dos demais documentos que infra se juntam, aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais – DOC. 1. (art 1. da pi)
2. No dia 29 de Março de 2011, os Autores e a Ré celebraram um contrato denominado 《樓宇買賣預約合約》 que recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra "B22", correspondente ao 22º andar “B”, do Edifício denominado “E”, Bloco XX, sito na XX, s/n, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2XXX0-V, cfr. pública-forma do contrato celebrado e certidão do registo predial que ora se juntam sob designação de documentos n.ºs 2 e 3 – DOCS. 2 e 3. (art 2. da pi)
3. Nos termos do contrato referido em B), o preço estipulado e acordado para a venda foi de HKD4,580,000.00 (quatro milhões quinhentos e oitenta mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP4,717,400.00 (quatro milhões setecentas e dezassete mil e quatrocentas patacas). (art 4. da pi)
4. Os Autores pagaram à Ré, relativamente à a fracção "B22", o montante global de HKD 1,374,000.00 (um milhão trezentos setenta e quatro mil dólares de Hong Kong). (art 6. da pi)
5. Com a celebração do contrato referido em B) os Autores suportaram ainda, e pagaram, no dia 13 de Abril de 2011, o montante de MOP24,767.00 (vinte e quatro mil setecentas e sessenta e sete patacas) a título de imposto do selo, cfr. pública-forma da declaração de transmissão de bens a título oneroso e a respectiva guia de pagamento que se juntam como documentos n.ºs 10 e 11 – DOCS. 10 e 11. (art 7. da pi)
6. Os Autores pagaram ainda o montante de MOP400.00 (quatrocentas patacas) a título de despesas do contrato referido em B), cfr. recibo de pagamento que se junta como documento n.º 12 – DOC. 12. (art 8. da pi)
7. No dia 29 de Março de 2011, os Autores e a Ré celebraram um contrato denominado 《樓宇買賣預約合約》 que recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra "D22", correspondente ao 22º andar “D”, do Edifício denominado “E”, Bloco XX, sito na XX, s/n, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2XXX0-V, cfr. pública-forma do contrato celebrado e certidão do registo predial que ora se juntam sob designação de documentos n.ºs 13 e 14 – DOCS. 13 e 14. (art 9. da pi)
8. Nos termos do contrato referido em G), o preço estipulado e acordado para a venda foi de HKD5,065,000.00 (cinco milhões e sessenta e cinco mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP5,216,950.00 (cinco milhões duzentas e dezasseis mil novecentas e cinquenta patacas). (art 11. da pi)
9. Os Autores pagaram à Ré, relativamente à a fracção "D22", o montante global de HKD 1,519,500.00 (um milhão quinhentos e dezanove mil quinhentos dólares de Hong Kong). (art 13. da pi)
10. Com a celebração do contrato referido em G) os Autores suportaram ainda, e pagaram, no dia 13 de Abril de 2011, o montante de MOP27,390.00 (vinte e sete mil trezentas e noventa patacas) a título de imposto do selo, cfr. pública-forma da declaração de transmissão de bens a título oneroso e a respectiva guia de pagamento que se juntam como documentos n.ºs 18 e 19 – DOCS. 18 e 19. (art 14. da pi)
11. Os Autores pagaram ainda o montante de MOP400.00 (quatrocentas patacas) a título de despesas do contrato referido em G), cfr. recibo de pagamento já junto como documento n.º 12 – DOC. 12. (art 15. da pi)
12. No dia 29 de Março de 2011, os Autores e a Ré celebraram um contrato denominado 《樓宇買賣預約合約》 que recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra "F22", correspondente ao 22º andar “F”, do Edifício denominado “E”, Bloco XX, sito na XX, s/n, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2XXX0-V, cfr. pública-forma do contrato celebrado e certidão do registo predial que ora se juntam sob designação de documentos n.ºs 20 e 21 – DOCS. 20 e 21. (art 16. da pi)
13. Nos termos do contrato referido em L), o preço estipulado e acordado para a venda foi de HKD4,200,000.00 (quatro milhões e duzentos mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP4,326,000.00 (quatro milhões trezentas e vinte e seis mil patacas). (arts 18. da pi)
14. Os Autores pagaram à Ré, relativamente à a fracção "F22", o montante global de HKD 1,260,000.00 (um milhão duzentos e sessenta mil dólares de Hong Kong). (art 20. da pi)
15. Com a celebração do contrato referido em L) os Autores suportaram ainda, e pagaram, no dia 13 de Abril de 2011, o montante de MOP22,712.00 (vinte e duas mil setecentas e doze patacas) a título de imposto do selo, cfr. pública-forma da declaração de transmissão de bens a título oneroso e a respectiva guia de pagamento que se juntam como documentos n.ºs 25 e 26 – DOCS. 25 e 26. (art 21. da pi)
16. Os Autores pagaram ainda o montante de MOP400.00 (quatrocentas patacas) a título de despesas do contrato referido em L), cfr. recibo de pagamento já junto como documento n.º 12 – DOC. 12. (art 22. da pi)
17. No dia 29 de Março de 2011, os Autores e a Ré celebraram um contrato denominado 《樓宇買賣預約合約》 que recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra "G22", correspondente ao 22º andar “G”, do Edifício denominado “E”, Bloco XX, sito na XX, s/n, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2XXX0-V, cfr. pública-forma do contrato celebrado e certidão do registo predial que ora se juntam sob designação de documentos n.ºs 27 e 28 – DOCS. 27 e 28. (art 23. da pi)
18. Nos termos do contrato referido em Q), o preço estipulado e acordado para a venda foi de HKD4,210,000.00 (quatro milhões duzentos e dez mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP4,336,300.00 (quatro milhões trezentas e trinta e seis mil e trezentas patacas). (art 25. da pi)
19. Os Autores pagaram à Ré, relativamente à a fracção "G22", o montante global de HKD1,263,000.00 (um milhão duzentos sessenta e três mil dólares de Hong Kong). (art 27. da pi)
20. Com a celebração do contrato referido em Q) os Autores suportaram ainda, e pagaram, no dia 13 de Abril de 2011, o montante de MOP22,767.00 (vinte e duas mil setecentas e sessenta e sete patacas) a título de imposto do selo, cfr. pública-forma da declaração de transmissão de bens a título oneroso e a respectiva guia de pagamento que se juntam como documentos n.ºs 32 e 33 – DOCS. 32 e 33. (art 28. da pi)
21. Os Autores pagaram ainda o montante de MOP400.00 (quatrocentas patacas) a título de despesas do contrato referido em Q), cfr. recibo de pagamento já junto como documento n.º 12 – DOC. 12. (art 29. da pi)
22. No dia 29 de Março de 2011, os Autores e a Ré celebraram um contrato denominado 《樓宇買賣預約合約》 que recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra "H22", correspondente ao 22º andar “H”, do Edifício denominado “E”, Bloco XX, sito na XX, s/n, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2XXX0-V, cfr. pública-forma do contrato celebrado e certidão do registo predial que ora se juntam sob designação de documentos n.ºs 34 e 35 – DOCS. 34 e 35. (art 30. da pi)
23. Nos termos do contrato referido em V), o preço estipulado e acordado para a venda foi de HKD4,750,000.00 (quatro milhões setecentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), equivalente a MOP4,892,500.00 (quatro milhões oitocentas e noventa e duas mil e quinhentas patacas). (art 32. da pi)
24. Os Autores pagaram à Ré, relativamente à a fracção "H22", o montante global de HKD 1,425,000.00 (um milhão quatrocentos vinte e cinco mil dólares de Hong Kong). (art 34. da pi)
25. Com a celebração do contrato referido em V) os Autores suportaram ainda, e pagaram, no dia 13 de Abril de 2011, o montante de MOP25,687.00 (vinte e cinco mil seiscentas e oitenta e sete patacas) a título de imposto do selo, cfr. pública-forma da declaração de transmissão de bens a título oneroso e a respectiva guia de pagamento que se juntam como documentos n.ºs 39 e 40 – DOCS. 39 e 40. (art 35. da pi)
26. Os Autores pagaram ainda o montante de MOP400.00 (quatrocentas patacas) a título de despesas do contrato referido em V), cfr. recibo de pagamento já junto como documento n.º 12 – DOC. 12. (art 36. da pi)
27. O prazo da concessão provisória por arrendamento sobre o XX situado na XX, s/n, i.e., sobre o terreno onde se situa o Edifício “E”, terminou no dia 25 de Dezembro de 2015. (art 38. da pi)
28. Por decisão do Chefe do Executivo de 27 de Janeiro de 2016, publicitada pelo Despacho do STOP n.º 6/2016, foi declarada a caducidade da concessão do referido terreno, cfr. documento que se junta sob designação de documento n.º 42 – DOC. 42. (art 39. da pi)
29. Por carta de 8 de Junho de 2020 os Autores interpelaram a Ré para que, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da recepção da missiva, esta lhes pagasse os seguintes montantes, a saber:
a. o montante de HKD6,841,500.00 (seis milhões oitocentos e quarenta e um mil e quinhentos dólares de Hong Kong) pago a título de sinal pelas cinco fracções autónomas, acrescido de igual montante, ou seja, HKD6,841,500.00 (seis milhões oitocentos e quarenta e um mil e quinhentos dólares de Hong Kong), a título de compensação pelo incumprimento dos supra aludidos contratos-promessa de compra e venda, num total de HKD13,683,000.00 (treze milhões seiscentos e oitenta e três mil dólares de Hong Kong), e
b. o montante de MOP125,323.00 (cento e vinte e cinco mil trezentas e vinte e três patacas), suportado pelos Autores a título de Imposto do Selo e das despesas dos contratos-promessa de compra e venda, tudo cfr. melhor consta da carta que ora se junta sob designação de documento n.º 43 – DOC. 43. (art 43. da pi)
30. Carta essa que foi bem recebida pela Ré em 11 de Junho de 2020, cfr. cópia do aviso de recepção da mesma que se junta como documento n.º 44 – DOC. 44. (art 44. da pi)
31. A Ré apresentou recurso contencioso de anulação da decisão do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno em questão. (art 48. da pi)
32. Tendo posteriormente requerido a suspensão de eficácia do despacho. (art 49. da pi)
33. O qual mereceu o indeferimento por banda do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, por decisão de 8 de Junho de 2016, cfr. Acórdão dessa data proferido no processo n.º 179/2016/A. (art 50. da pi)
34. Por Acórdão de 19 de Outubro de 2017, no âmbito do processo n.º 179/2016, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso contencioso de anulação supramencionado. (art 51. da pi)
35. Motivo pelo qual a Ré interpôs novo Recurso para o Venerando Tribunal de Última Instância. (art 52. da pi)
36. Por Acórdão de 23 de Maio de 2018, no âmbito do processo n.º 7/2018, o Venerando Tribunal de Última Instância da RAEM negou provimento ao Recurso Jurisdicional interposto pela Ré do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, no dia 19 de Outubro de 2017, cfr. decorre do comunicado emitido no dia 23 de Maio de 2018 pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância, que ora se junta para melhor referência de V. Exa. sob designação de documento n.º 45 – DOC. 45. (art 53. da pi)
37. Nos termos da cláusula 5ª, nº 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, a DSSOPT dispunha de um prazo de 60 dias para, se pronunciar sobre os requerimentos da R., no âmbito da marcha do respectivo processo. (art. 4. al. f) da contestação)
38. Tal Estudo Prévio foi aprovado pela DSSOPT em 21/1/2005, por Ofício com o nº 747/DURDEP/2005 (cfr. Doc. n.º 7 junto com a contestação). (art. 4. al. d) da contestação)
39. A DSSOPT emitiu três Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO’s): uma em 23/12/2004 (cfr. Doc. n.º 3 junto com a contestação), outra em 23/2/2005 (cfr. Doc. n.º 4 junto com a contestação) e a terceira em 11/5/2007 (Doc. n.º 8 junto com a contestação). (art. 4. al. a), art. 6 da contestação)
40. A Ré era concessionária do XX, situado nos XX, onde estava prevista a construção de um prédio em regime de propriedade horizontal, designado por “E”, conforme contrato de concessão titulado pelo Despacho nº 160/SATOP/1990, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990 (doc 1), ulteriormente revisto pelo Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993. (art. 3. al. a) da pi, art. 1. da contestação)
41. O referido contrato de concessão foi revisto em 01/3/2006 e conforme resulta do anexo ao Despacho n.º 19/2006 do STOP, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 9, de Março de 2006, o reaproveitamento do terreno do XX abrangia a construção do prédio atrás citado, compreendendo 18 torres habitacionais, com 47 pisos cada, assentes num pódio de 5 pisos, havendo ainda áreas significativas para comércio e estacionamento de automóveis e motociclos, tudo melhor especificado no doc. 2, que se dá por reproduzido. (art 2. da contestação)
42. Após o supra referido pedido de emissão de nova PAO formulado em 14/08/2009, a DSSOPT emitiu uma nova PAO em 23/02/2010 (doc. 12). (art 12. da contestação)
43. Em 09/04/2010, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010, (doc. 13, que aqui se dá por integralmente reproduzido), a DSSOPT incluiu esta nova condicionante no ponto 6 deste ofício, o qual continha em anexo a inovadora PAO de 23/02/2010. (art 14. da contestação)
44. O projecto de arquitectura, aprovado em 30/12/2020, notificado à Ré por ofício de 07/01/2011 (doc. 15). (art 20. da contestação)
45. A DSSOPT, apesar de ter aprovado o projecto de arquitectura, não autorizou a emissão imediata da licença de obras, incluindo a licença para implantação de alicerces e fundações no terreno, até que fossem aprovados o relatório de circulação de ar e o relatório de impacto ambiental do empreendimento (vide ponto 19 e parte final do Ofício de 07/01/2011 da DSSOPT junto como doc. 15). (art 23. da contestação)
46. A Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental – DSPA, emitiu o parecer, de 21/06/2011. (art 29. da contestação)
47. Tal parecer, sem qualquer alteração, foi notificado à Ré, em 04/10/2011 pela DSSOPT (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011). (art 30. da contestação)
48. Em tal parecer a DSPA, com a anuência da DSSOPT, introduziu várias novas exigências, ampliando significativamente o âmbito dos estudos inicialmente exigidos pela DSSOPT, designadamente:
a. A observância das Guidelines da DSPA, emitidas na altura, para a preparação de relatórios, as quais, porém, eram imprecisas e vagas, sem indicação concreta dos métodos de avaliação (qualitativa ou quantitativa, por exemplo);
b. A obtenção do parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento (questão que devia ter sido levantada antes da revisão contratual);
c. O impacto ambiental ao logo da fase de construção;
d. Impacto sonoro;
e. Qualidade do ar;
f. Qualidade das águas;
g. Resíduos sólidos;
h. Contaminação do solo;
i. Impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento);
j. Acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado;
k. Análise da colisão das aves contra os edifícios. (art 31. da contestação)
49. Exigiu ainda uma avaliação do impacto sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a sul do Projecto e a ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais). (art 32. da contestação)
50. A DSPA entregou à DSSOPT, em 16/10/2012, o seu Parecer sobre o 3.º Relatório. (art 40. da contestação)
51. Tal Parecer foi notificado à Ré em 28/12/2012 (doc. 21). (art 41. da contestação)
52. Nesse parecer, a DSPA voltou a formular novas exigências, designadamente a avaliação do impacto das poeiras resultantes dos trabalhos de construção (partículas em suspensão), maior distância entre as torres do XX e a ETAR, sem no entanto especificar qual a distância aconselhável que devia ser observada. (art 42. da contestação)
53. O Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT ("DPU") exigiu, com muitos meses de atraso, que no estudo sobre a circulação de ar, a Ré incluísse uma “Simulação Informática”, exigência não mencionada no ofício de 07/01/2011. (art 44. da contestação)
54. Em 03/05/2013, a DSPA emitiu o seu 4.º Parecer para a DSSOPT, sobre o 4.º Relatório apresentado pela Ré (doc. 23). (art 48. da contestação)
55. A DSPA voltou a apresentar novas exigências, desta feita em relação à avaliação quantitativa, em complemento da avaliação em método qualitativo já efectuada e entregue, dos odores provenientes da ETAR, de modo que se tornasse mais esclarecido o impacto que o mau cheiro pudesse causar para o empreendimento e a avaliação da distância entre as torres do empreendimento e a ETAR. (art 49. da contestação)
56. Exigiu ainda uma avaliação do impacto em termos de ruído que o trânsito rodoviário dos Novos Aterros urbanos e a Ilha Artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pudesse causar para o empreendimento. (art 51. da contestação)
57. Em 15/10/2013, a DSSOPT notificou a Ré informando que tinham sido aceites os relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental (doc. 27). (art 60. da contestação)
58. Em 24/10/2013, a Ré requereu a licença para as obras de fundações (T-11874/2013) - doc. 28. (art 63. da contestação)
59. A DSSOPT em 02/01/2014 emitiu tal licença e com validade apenas até 28/2/2014. (art 64. da contestação)
60. Tendo apresentado também logo, em 15/01/2014, pedido urgente de prorrogação do prazo de aproveitamento de 72 meses (doc. 30, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). (art 66. da contestação)
61. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses. (art. 3 da contestação)
62. Cerca de seis meses e meio depois do primeiro pedido em 14/01/2014, foi a prorrogação autorizada, em 29/07/2014, através do ofício n.º 572/954.6/DSODEP/2014 (doc. 34). (art. 70 da contestação)
63. Passados os 60 dias de prazo e de novo sem qualquer resposta da DSSOPT, a Ré não aguardou pela nova Planta de Alinhamento Oficial e submeteu o referido projecto global de arquitectura, para efeitos de aprovação, em 22/10/2009 (T-7191)(doc. 11). (art. 11 da contestação)
64. Em 4 de Junho de 2014 a Ré requereu a prorrogação do prazo de aproveitamento, invocando para tanto que: «Como o projecto é enorme, é objectiva e tecnicamente impossível ser completado dentro do prazo de arrendamento original, ou seja antes de 25 de Dezembro de 2015. Pede-se que seja autorizada no primeiro a prorrogação do prazo de aproveitamento de forma a permitir à nossa Sociedade pedir a licença para proceder à construção imediatamente, logo depois a nossa Sociedade vai pedir continuar a desenvolver legalmente o terreno após prescrito o prazo de arrendamento referido, proporcionando tempo suficiente à conclusão do projecto.». (art 61. da pi) (Q. 1.º)
65. Resulta, do requerimento da própria Ré, que esta assumiu perante a Administração que «era objectiva e tecnicamente impossível ser completado dentro do prazo de arrendamento original, ou seja antes de 25 de Dezembro de 2015.». (art 62. da pi) (Q 2.º)
66. Resulta do mesmo requerimento da Ré que, na mesma data, esta pediu a extensão do prazo de aproveitamento nos seguintes termos: «4. Foram vendidas cerca de 3000 fracções do projecto, para evitar demais danos e influências aos milhares compradores e familiares e riscos para a harmonia e estabilidade social de Macau, pede-se sinceramente que seja prorrogado de imediato o prazo de aproveitamento do terreno e emitida a licença até 25 de Dezembro de 2015. Compromete-se que a nossa Sociedade vai assumir todas as consequências depois da construção.». (art 65. da pi) (Q 4.º)
67. Resulta do próprio requerimento da Ré apresentado em 4 de Junho de 2014 que esta se comprometeu a realizar o aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015. (art 66. da pi) (Q 5.º)
68. A Comissão de Terras, em 26 de Junho de 2014, emitiu um parecer sobre o requerimento da Ré, nos termos do qual: «[..] a concessão provisória não poderá ser convertida em definitiva porquanto o aproveitamento do terreno não poderá ficar concluído antes do termo do prazo de arrendamento, impondo-se nessa altura declarar a caducidade da concessão. [..]». (art 67. da pi) (Q 6.º)
69. Na sequência desse parecer foi emitido despacho do Chefe do Executivo em 15 de Julho de 2014, comunicado à Ré em 29 de Julho de 2014, em que o Governo da RAEM aceitou prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, data em que caducava o prazo de concessão por arrendamento do terreno, sujeito à condição de a Ré se comprometer a: «2.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.° da Lei n.° 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P- ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais; 2.2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.». (art 68. da pi) (Q 7.º)
70. Em resposta, a Ré, por carta de 4 de Agosto de 2014, comunicou ao director da DSSOPT que: (Q 8.º)
«[...] declara mais aceitar as seguintes condições:
1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.° da Lei n.° 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no XX ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.». (art 69. da pi)
71. Em 10/09/2004, a Ré apresentou um Estudo Prévio junto da DSSOPT (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar, apresentado em 15/12/2004 (T-6451), os quais serviam fundamentalmente para o cálculo do prémio do contrato em função das áreas brutas de construção do empreendimento proposto (cfr. Docs. n.º 5 e 6 junto com a contestação). (art. 4. al. c) da contestação) (Q 9.º)
72. Após a revisão contratual de 2006, a Ré submeteu à apreciação da DSSOPT um novo Plano de Consulta (vulgo “Estudo Prévio de Alteração"), com proposta de nova distribuição da localização das torres, reduzindo-as de 18 para 16 torres, assim como a diminuição da altura destas, na condição de construção de dois pisos em cave, mantendo-se, contudo, a mesma área bruta de construção e respectiva alocação nas suas diferentes finalidades. (art 5. da contestação) (Q 10.º)
73. A Ré fez estudos, foi preparando o projecto de arquitectura e em 2007 pediu e obteve uma terceira PAO, emitida em 11/05/2007 (doc. 8). (art 6. da contestação) (Q 11.º)
74. Ainda antes de caducar esta PAO, em 29/04/2008, a Ré apresentou o Plano de Consulta e em 06/05/2008, apresentou o projecto parcial de arquitectura (docs. 9 e 10). (art 7. da contestação) (Q 12.º)
75. Decorrido o prazo de 60 dias, a DSSOPT ainda não tinha comunicado à Ré o resultado da sua apreciação aos projectos apresentados, muito embora a sua análise continuasse a decorrer. (art 8. da contestação) (Q 13.º)
76. A ré solicitou em 14/08/2009 a emissão de uma nova PAO. (Q 14.º)
77. Esta PAO introduziu um novo elemento, “sugerindo” à Ré a alteração do projecto de 22/10/2009, com introdução de novo “layout” das torres, para obedecer à distância mínima de afastamento de 1/6 da altura da torre mais alta. (art 13. da contestação) (Q 16.º)
78. O cumprimento desta exigência alteraria de modo significativo, se não por completo, o modelo construtivo preconizado pela Ré no Estudo Prévio de 2004, sem o afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta, sendo que o afastamento entre torres se tratou de uma sugestão e não de uma exigência, e estava implícito nos seus planos de investimento com a revisão do contrato de concessão em 2006. (art 15. da contestação) (Q 17.º)
79. O acatamento da sugestão de afastamento entre torres num mínimo igual a 1/6 da altura da torre mais alta implicava a relocalização (“layout”) das torres e se se pretendesse manter a vista de mar das torres projectadas em 2009 e das que tivessem a localização apresentada nos estudos prévios apresentados de 2004 havia o risco de ter de reduzir a área destinada a construção. (Q 18.º)
80. Em resposta, em 03/06/2010, a Ré incorporou neste projecto de 22/10/2009 as exigências obrigatórias da DSSOPT e não acolheu o número 6 do ofício de 09/04/2010 que constituía mera sugestão da DSSOPT no sentido de contemplar o referido afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta (T-5291 - doc. 14). (art 18. da contestação). (Q 19.º)
81. Em 30/12/10, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009 (Ofício nº 318/DURDEP/2011, de 07/01/2011), com as alterações técnicas de pormenor introduzidas em 03/06/2010, sem o sugerido afastamento mínimo de 1/6. (contestação 19.) (Q 20.º)
82. O projecto de arquitectura contemplava, as soluções anteriormente preconizadas nas PAOs de 23/12/2004, 23/02/2005 e 11/05/2007 (cfr. docs. 3, 4 e 8), emitidas em harmonia com o estudo prévio e o contrato de concessão na versão revista em 2006 (cfr. doc. 2). (art 20. da contestação) (Q 21.º)
83. Em 11/05/2011, a Ré apresentou os exigidos relatórios (1.º relatório) (T-5205/2011) - doc. 16 – relativamente às questões mencionadas pela DSSOPT no seu ofício de 07/01/2011: “fluxo do ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes”, conforme pedido no referido ponto 19 do Ofício de 07/01/2011; por iniciativa própria, incluiu a Ré, ainda, o estudo sobre o tráfego rodoviário. (art 28. da contestação) (Q 23.º)
84. O 2.º Relatório foi apresentado pela Ré, em 19/04/2012 (T-4242/2012) (doc. 18). (art 35. da contestação) (Q 24.º)
85. Na apreciação deste 2.º Relatório, a DSPA voltou a apresentar novas exigências, (cfr. ofício de 24/05/2012, n.º 1586/054/DAMA/DPAA/2012). (art 36. da contestação) (Q 25.º)
86. Em 31/08/2012, a Ré apresentou o 3.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental (doc. 20). (art 39. da contestação) (Q 26.º)
87. Em 15/03/2013, a Ré apresentou o 4.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental (T-3953/2013) (doc. 22). (art 46. da contestação) (Q 27.º)
88. A Ré viu-se obrigada a recorrer a serviços especializados de consultadoria sedeados na Austrália, para a realização da “Simulação Informática” de circulação do fluxo de ar. (art 47. da contestação) (Q 28.º)
89. Em 28/06/2013, a Ré apresentou o 5.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental, sem os dados oficiais solicitados sobre os odores da ETAR (doc. 24). (art 53. da contestação) (Q 29.º)
90. Tendo em vista evitar maiores demoras, a Ré pediu uma reunião conjuntamente com a DSSOPT e a DSPA, para, em contacto directo, tentar imprimir maior celeridade ao procedimento de apreciação deste 5.º Relatório (doc. 25). (art 54. da contestação) (Q 30.º)
91. Essa reunião teve lugar em 26/07/2013. (art 55. da contestação) (Q 31.º)
92. Foi nessa reunião que os dados oficiais sobre odores da ETAR foram entregues à Ré. (art 56. da contestação) (Q 32.º)
93. Em 07/08/2013, a Ré apresentou o 6.º Relatório de Avaliação de Impacto Ambiental, contemplando a versão final do impacto sobre os odores da ETAR (doc. 26). (art 57. da contestação) (Q 33.º)
94. O projecto da Ré apresentado em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 03/06/2010, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (art 61. da contestação) (Q 34.º)
95. A Ré deu de imediato início aos respectivos trabalhos. (art 65. da contestação) (Q 35.º)
96. Repetiu o mesmo pedido em 30/01/2014 (doc. 31). (art 67. da contestação) (Q 36.º)
97. Voltou a repeti-lo em 04/06/2014, solicitando o deferimento imediato da prorrogação do prazo de aproveitamento para que a Ré pudesse requerer a emissão da licença de obra e, simultaneamente, requerer a aprovação da continuação da obra de construção após o termo do prazo de concessão, para que houvesse tempo suficiente para concluir o empreendimento aprovado para o lote "P” (doc. 32). (art 68. da contestação) (Q 37.º)
98. Repetiu-o de novo em 02/07/2014 (doc. 33). (art 69. da contestação) (Q 38.º)
99. A Ré utilizou este período, entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015, para construir e concluir todo o trabalho de fundações (doc. 35). (art 72. da contestação) (Q 39.º)
100. À Ré bastariam 3 a 4 anos para concluir a construção de todo o empreendimento imobiliário “E” e entregar aos AA. a fracção autónoma aqui em causa. (art 84. da contestação) (Q 40.º)
101. A aprovação do projecto de arquitectura e subsequente aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, bem como a emissão da licença em Janeiro de 2014 e as suas subsequentes prorrogações fez com que a ré confiasse que conseguiria construir o seu empreendimento. (Q 41.º)
102. Foi com base nessas aprovações administrativas que, quer a Ré, quer os terceiros avançaram com os seus investimentos e financiamentos. (art 102. da contestação) (Q 42.º)
103. Foi deferida a candidatura dos AA. a adquirir pelo menos uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 44.º)
104. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção mais valiosa que constitua o objecto de algum dos contratos aqui em causa (artigos 7 e 9 do Despacho CE 89/19). (art 172. da contestação) (Q 45.º)
105. Tendo sido dado prazo de 15 (quinze) dias para proceder ao pagamento das quantias em dívida, a ré até à presente data não pagou os montantes em dívida reclamados. (Q 47.º)
106. O estudo de Impacto Ambiental e o relatório sobre a circulação do ar não mereceriam parecer favorável nem aprovação sem a ré dar cumprimento a tais exigências e, consequentemente, nenhuma licença seria emitida, não se podendo dar início ao aproveitamento. (Q 48.º)
107. Para a avaliação quantitativa dos odores da ETAR, a DSPA não disponibilizou à ré os respectivos dados oficiais, os quais só foram entregues depois, socorrendo-se a ré de dados fornecidos pelo seu arquitecto. (Q 49.º)
108. À medida que a Ré ia satisfazendo as exigências adicionais, em matéria de estudo de impacto ambiental, logo surgiam novas exigências, que obrigavam à apresentação de novo estudo e assim indefinidamente, além do atraso na apreciação do relatório sobre a circulação de ar. (Q 50.º)
109. O relatório de circulação de ar tinha sido entregue, em 11/5/2011, a DSSOPT remeteu-o para a DSPA e esta, conforme ofício de 10/10/2012, declarou-se, ano e meio depois, incimpetente para o apreciar. (Q 51.º)
110. O afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta e a apresentação de relatórios de impacto ambiental, para além de não previstos em parte alguma, eram exigências inéditas em Macau, nunca tendo sido impostas em obras de construção como a dos autos. (Q 52.º)
111. Desde a data de aprovação do projecto, comunicada em 7/1/2011, até ao termo do prazo de aproveitamento ou do prazo de concessão do terreno, dispunha a Ré de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento. (Q 53.º)
112. Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “E” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora a fracção autónoma de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 54.º)
113. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 24/12/2015, porque os Serviços da Administração lhe criaram tais expectativas, nomeadamente: (Q 55.º)
a. Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da distância mínima entre torres de 1/6 da torre mais alta, o que foi dispensando em momento ulterior, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que fez com que despendesse o tempo entre 22/10/2009 a 7/1/2011;
b. Ao imporem-lhe o cumprimento da exigência da aprovação dos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental, exigência não prevista em parte alguma e inédita em Macau, o que obrigou que se despendesse o tempo entre 7/1/2011 e 15/10/2013;
c. Ao emitirem a licença de obra para as fundações, em 2/1/2014, um mês antes do termo do prazo de aproveitamento, sabendo que era impossível concluir o empreendimento até ao termo do contrato de concessão;
d. Ao prorrogarem o prazo de aproveitamento, em 29/7/2014, até 25/12/2015, sabendo que seria impossível concluir o empreendimento até essa data;
e. Ao ser essa a prática seguida anteriormente em caso análogos, de se fazer nova concessão do mesmo térreo ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionário, em caso de não aproveitamento do terreno dentro do prazo.
114. Em casos de inimputabilidade do concessionário, a política da RAEM era a de atribuir, por ajuste directo, “nova concessão”, após negociações sobre os respectivos termos e condições (vide os casos dos terrenos da “Sociedade do Parque Industrial da Concórdia” e do complexo habitacional “Jardins Lisboa”. (Q 56.º)
115. A Ré ofereceu ao público milhares de fracções autónomas por construir deste seu empreendimento em termos semelhantes àqueles que acordou com os autores no contrato em apreço nos presentes autos, com pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado. (Q 58.º)
116. Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas, apenas porque são compradores, nos termos do contrato dos autos, de uma fracção autónoma à Ré, que seria construída no mesmo terreno. (Q 59.º)
117. O valor de mercado dessa fracção é superior ao valor inicialmente pago pelos Autores à ré por fracção idêntica. (Q 60.º)
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO.
A e B, ambos com outros elementos de identificação nos autos, intentaram a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra C Limitada (C有限公司), registada na CRCBM sob o n.º 8XX(SO);
Alegando que, como promitentes-compradores, celebraram com a ré, como promitente-vendedora, cinco contratos-promessa de compra e venda relativamente a cinco fracções autónomas de um prédio urbano que a ré iria construir num terreno concessionado pela RAEM; alegando ainda que já cessou por caducidade a concessão sem que a ré tivesse construído, incumprindo e já não podendo cumprir a promessa por razões que lhe são imputáveis; e alegando ainda que já não têm interesse na prestação da ré e que já a interpelaram,
Pediram os autores que:
1. Sejam declarados resolvidos os referidos contratos-promessa;
2. Seja a ré condenada a pagar-lhes a quantia de HKD15.963.500,001, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal e as quantias de MOP123.323,00 e de MOP2.000,00 que despenderam a título de imposto do selo e de despesas para formalização dos contratos-promessa de compra e venda;
3. Seja a ré condenada a pagar-lhes juros contados sobre as referidas quantias, à taxa legal desde 27/06/2020 até integral pagamento.
Contestou a Ré, aceitando a existência dos contratos invocados pelos autores e aceitando também que os mesmos já não podem ser cumpridos, mas rejeitando que essa impossibilidade lhe possa ser imputada a si porquanto deve ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos do impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão.
Disse ainda a ré que os autores celebraram os contratos em apreço sabendo que a prestação da ré poderia tornar-se impossível e assumindo esse risco, pelo que apenas terão direito a que lhe seja devolvido, sem acréscimos, a quantia que pagaram e que os autores não têm direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado, porquanto foi acordado que as quantias pagas não constituíam sinal e os contratos celebrados não são contratos-promessa, sendo contratos de compra e venda de bens futuros.
Também na contestação que apresentou, disse a ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade, uma vez que os autores viram reduzidos os seus danos em consequência de um programa do Governo que lhes permite adquirir pelo menos uma fracção idêntica às contratadas e pelo preço que havia sido acordado. Disse também desconhecer se os autores pagaram imposto do selo, mas que a RAEM divulgou que o restituiria, pelo que os autores não têm direito a receber da ré o imposto que tenham pago.
Na réplica que apresentaram, os autores impugnaram as teses da contestação da ré quanto à imputabilidade a terceiro da causa da impossibilidade da prestação e quanto à inexistência de sinal.
Também na réplica os autores reduziram o montante anteriormente pedido de HKD15.963.500,00 para HKD13.683.000,00.
Foi proferido despacho saneador a fls. 1221 a 1232, o qual admitiu a redução do pedido pelos autores e seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão.
Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e foram apresentadas doutas alegações de Direito pelos autores e pela ré. De tais alegações sobressai que os autores consideram que a relação contratual em litígio consubstancia cinco contratos-promessa (incumpridos por impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré) e retiram do respectivo regime jurídico a solução de Direito do presente pleito defendendo a procedência da acção2 e sobressai ainda que a ré considera que a relação contratual onde deve procurar-se a solução de Direito do presente litígio e que determina a procedência parcial da pretensão dos autores se reconduz a contratos atípicos de reserva ou a contratos de compra e venda de bens futuros e que a sua prestação se tornou impossível, mas que não lhe é imputável a causa da impossibilidade, sendo imputável à RAEM, e considera ainda que as partes quiseram que os pagamentos feitos pelos autores não tivessem a natureza de sinal e que, caso se conclua que há lugar a indemnização, deve a mesma ser fixada por juízos de equidade.
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II – SANEAMENTO.
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
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III – QUESTÕES A DECIDIR.
Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente:
- Que a principal pretensão dos autores é serem indemnizados/restituídos em consequência dos danos que sofreram por a ré não ter cumprido, por impossibilidade superveniente, a prestação a que se vinculou por contrato;
- O facto de os autores e a ré estarem de acordo que entre eles existe a relação contratual invocada pelos autores;
- O facto de autores e ré estarem também de acordo que a prestação contratual a cargo da ré se tornou impossível depois da celebração dos respectivos contratos;
- O facto de a essência da principal divergência entre as partes ser a imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal;
As principais questões a decidir gravitam à volta de:
1- Ocorrência de impossibilidade superveniente da prestação contratual devida pela ré aos autores e imputação à ré ou a terceiro da causa dessa impossibilidade.
1.1 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada a terceiro, importa apurar as consequências jurídicas de tal imputação, designadamente:
1.1.1 - Quanto à extinção da obrigação da ré decorrente dos contratos;
1.1.2 Quanto a eventual criação na esfera jurídica da ré de uma outra obrigação de restituir aos autores o que deles recebeu;
1.2 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada à própria ré, importa então apurar as consequências da referida impossibilidade superveniente da prestação decorrente de causa imputável à ré, designadamente:
1.2.1 – Direito dos autores de resolver o contrato;
1.2.2 - Obrigação da ré indemnizar os autores.
1.2.2.1 - Caso se conclua que a ré tem obrigação de indemnizar os autores, caberá apurar o montante da indemnização e a ocorrência de mora no cumprimento desta obrigação de indemnizar, para isso é necessário averiguar se foi acordado e prestado sinal;
1.2.2.1.1 - Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização deve ser calculada com base no “regime-regra” do sinal ou se deve ser ampliada para englobar o dano adveniente do pagamento do imposto do selo e de despesas de formalização ou se deve ser reduzida segundo juízos de equidade para montante inferior ao valor do sinal prestado.
1.2.2.1.2 Caso se conclua pela inexistência de sinal, caberá determinar qual o valor da indemnização na ausência de sinal.
1.2.2.1.3 – Caso se conclua pela ocorrência de mora no cumprimento da obrigação de indemnizar é ainda necessário apurar as consequências desta a nível indemnizatório, designadamente quanto ao início da mora.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO.
A) – Motivação de facto.
Estão provados os seguintes factos:
(...)
B) – Motivação de Direito.
1 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar os contratos prometidos de compra e venda de fracções autónomas de prédio urbano ou apenas construir e entregar as referidas fracções. Com efeito, autores e ré estão de acordo e acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva3. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir as fracções autónomas em causa4. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção das mencionadas fracções está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável5. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração dos contratos a prestação que a ré acordou com os autores.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
1.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
Este tribunal já decidiu várias vezes esta questão em casos semelhantes ao presente e concluiu que:
- A causa da impossibilidade da prestação devida pela ré foi o facto de a mesma ré não ter construído as fracções acordadas no prazo de aproveitamento da concessão, vindo assim a causar a caducidade desta concessão e a impossibilidade jurídica de cumprir;
- A imputação da causa da impossibilidade da prestação a uma esfera jurídica é um juízo fundado na culpa do respectivo titular;
- A culpa é um juízo de censura dirigido a um agente pelo seu facto, o qual praticou quando juridicamente deveria ter praticado outro diferente, pressupõe a capacidade e a liberdade do agente para se motivar e agir e assenta num desvio da actuação praticada em relação àquela actuação que, no lugar do agente, teria um bom pai de família;
- Só releva formular o juízo de culpa de um agente perante a ilicitude de um facto do mesmo agente, um facto ilícito, ou seja, um facto contrário ao Direito aplicável in casu.
- A culpa pela causa da impossibilidade da prestação (in casu por não ter havido construção no prazo em que podia ter havido, assim ocorrendo impossibilidade jurídica de construir e cumprir) pode aferir-se por referência ao momento em que a prestação é criada por negócio jurídico;
- Tal culpa pode afirmar-se posteriormente no momento em que ocorre a impossibilidade, designadamente no caso de o bom pai de família, em face da concreta probabilidade de ocorrência futura de impossibilidade da prestação com que se deparou o agente concreto no momento da contracção do dever de cumprir, não se vincular da forma como se vinculou o agente concreto; o juízo de culpa ancorado na criação incauta do dever de prestar projecta-se para futuro na culpa pela efectiva ocorrência da causa impossibilitante do cumprimento do referido dever.
- A ré contratou com os autores em 29 de Março de 2011 quando o prazo que tinha para construir terminava em 28 de Fevereiro de 2014 e podia ser prorrogado até 25/12/20156, prazo que, como a própria ré alega necessitar “de 3 a 4 anos” (art. 84º da contestação e ponto 100. dos factos provados), não era, sem prorrogação, suficiente para concluir a construção, nem era de esperar que fosse suficiente porque a RAEM vinha tendo comportamento demorado na prática dos actos de que a ré necessitava para poder construir e exigia à ré que apresentasse um relatório de impacto ambiental que fosse aprovado pela própria RAEM para que a ré obtivesse licença para executar as obras de construção que lhe permitiria cumprir perante os autores;
- Na altura em que contratou, e posteriormente, a ré tinha expectativas que lhe fosse permitido construir mesmo depois de terminado o prazo de aproveitamento e de concessão que causou a caducidade e a impossibilidade de construir e cumprir;
- Nestas circunstâncias, um bom pai de família colocado na situação da ré não prometeria, com firmeza e certeza, a prestação que a ré prometeu sem esclarecer os autores do risco de as suas expectativas não se concretizarem e de, nesse caso, não conseguir construir, o que, por presunção legal, se presume que a ré não fez;
- Assim, a causa da impossibilidade da prestação ocorreu porque a ré se desviou da actuação que teria um bom pai de família no seu lugar, o qual seria mais prudente e não faria das expectativas certezas nem se vincularia prometendo com a firmeza com que a ré prometeu, sendo a impossibilidade da prestação imputável à ré a título de culpa;
- A ré contratou quando necessitava de três a quatro anos para cumprir aquilo a que se propunha (construir um empreendimento de considerável complexidade e envergadura) e quando, seguros, tinha menos de três anos;
- A ré actuou, pois, contando que tudo lhe ia correr de forma mais que perfeita, favorável e de feição: - a RAEM que fizera exigências que não havia feito antes, de afastamento entre torres e de apresentação e aprovação de estudos de impacto ambiental, deixaria de fazer exigências; os estudos de impacto ambiental exigidos em 7/1/2011 e apresentados em 11/05/2011 seriam, de forma rápida, aprovados, não tendo o empreendimento impacto ambiental negativo e sendo os estudos devidamente elaborados; - não seria recusada a prorrogação do prazo de aproveitamento até ao termo no prazo da concessão e, depois, se necessário, seria atribuída nova concessão do terreno.
A ré entende que o seu comportamento deveria ser objecto de um juízo de culpa mais tolerante e que não devia ser censurada porque entende também que qualquer empresário no seu lugar contrataria como a ré contratou e os autores conheciam as vicissitudes do contrato de concessão e aceitaram-nas na sua decisão de contrtstar.
Porém, o tribunal continua a entender que os referidos considerandos são de manter, pelo que, sendo conhecida das partes através dos seus ilustres mandatários a demais análise feita pelo tribunal nos casos anteriores, é aqui dispensável repetir.
A ré, em 29 de Março de 2011, não devia ter contratado como contratou se se pautasse pelo padrão do empresário bom pai de família, o qual pode ser arrojado e confiante como a ré foi, mas também pondera e duvida e não envolve terceiros no seu risco empresarial sem os esclarecer do seu arrojo, como a ré não esclareceu. Nem transforma as expectativas em certezas com a ré fez em texto contratual.
A ré, face à escassez de tempo e face ao relacionamento que vinha mantendo com a RAEM (que tinha tentado que o projecto de arquitectura fosse alterado e que a tinha avisado da necessidade de estudos aprovados de impacto ambiental), se tivesse expectativas, tinha também a possibilidade de ter dúvidas sobre a possibilidade de construir, dúvidas que não teve.
A impossibilidade da prestação é-lhe imputável a título de culpa. Em 29 de Março de 2011, perante as condições antes referidas, deveria ter temperado o seu ímpeto empresarial e negocial, como faria, no seu lugar, um bom pai de família que, por mediana prudência, ou não contrataria como a ré contratou ou esclareceria a contraparte, contrariamente ao que a ré defende dizendo que não havia riscos previsível de não conseguir concluir o seu empreendimento de considerável dimensão e complexidade e dizendo ainda que os riscos existentes eram conhecidos pelos autores e foram por eles aceites em ambiente especulativo.
2 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão dos autores e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
3 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
3.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica dos autores com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que os autores pagaram à ré para receber cinco fracções autónomas de um prédio a construir pela ré e que nada receberam, é forçoso concluir que os autores sofreram danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagaram para adquirir e nada adquiriram.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar os autores, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
3.2 Do montante da indemnização
Os autores pretendem ser indemnizados pelo dobro do sinal prestado, pelo imposto de selo que pagaram e pelas despesas que suportaram para formalizar os contratos-promessa de compra e venda.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado, uma vez que os danos dos autores foram minimizados devido a medida do Governo que lhes permite adquirir, pelo menos, uma fracção autónoma idêntica à contratada e pelo mesmo preço.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo os autores que foi e a ré que não foi.
3.2.1 Da existência de sinal
Da qualificação do contrato.
Também esta questão já foi diversas vezes apreciada por este tribunal com conhecimento das partes, designadamente dos respectivos mandatários, razão por que, não se encontrado razões novas nem motivos para alteras as anteriores conclusões, também se dispensa a análise antes feita e se opta pela síntese, por ser mais conveniente para as partes, não lhes reduzindo qualquer garantia processual.
É a prestação característica acordada pelas partes que determina a qualificação do acordo que celebraram e é a qualificação desse contrato que determina o respectivo regime jurídico que há-de determinar a solução dos diferendos contratuais.
A prestação acordada que vincula as partes apura-se através da interpretação do contrato.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
No contrato celebrado entre os autores e a ré as partes comprometeram-se a celebrar no futuro contratos de compra e venda, o que se conclui da interpretação dos contratos, quer pelo título que as partes lhe deram, quer pelas cláusulas de que o dotaram, designadamente estipulando que o “promitente-comprador” não podia recusar a celebração do contrato definitivo em determinadas circunstâncias (cláusula 22ª) e fazendo depender de pagamento e de autorização da ré a transmissão da posição contratual do “promitente-comprador” (cláusula 9ª), o que é incompatível com a convicção das partes no sentido de o “promitente-comprador” ter adquirido da ré um direito real sobre coisa futura.
Conclui-se, pois, que devem ser qualificados como contratos-promessa os contratos em apreço nos autos.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico7. Numa certa perspectiva é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes8.
Se os autores pretendem ser indemnizados segundo o regime do sinal, cabe-lhes, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que os autores entregaram à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito dos contrato-promessa que ambas celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 47º da base instrutória).
Conclui-se, pois, por presunção legal, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere aos autores o direito de resolver os contratos-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC)9. Mas terá ainda de pagar aos aurores um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal10;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo11.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
A ré alegou e provou que se esforçou por cumprir e que os autores vão receber, pelo menos, uma fracção autónoma de um imóvel idêntica às que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico (pontos 103. a 106. dos factos provados).
Nos termos da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril e do Despacho do Chefe do Executivo nº 89/2019, de 30 de Maio, os autores têm direito a adquirir duas fracções autónomas idênticas a outras duas das que acordaram com a ré. Este direito, mesmo que não exercido, tem de ser relevado para efeitos de fixação da indemnização por juízos de equidade. Com efeito, releva para uma ponderação justa do montante da redução equitativa, caso se conclua que o valor do sinal excede o valor dos danos. Porém, de fls. 1340 a 1347 e 1349 a 1355 resulta que efectivamente os autores se candidataram a receber duas fracções autónomas semelhantes às prometidas “D22” e “H22” e que tal candidatura foi deferida. Embora esta factualidade não tivesse sido submetida a julgamento, auxilia a ponderação da equidade do caso.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
“A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações12, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento13.
O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que os autores sofreram. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré disse que os autores, devido à impossibilidade da prestação da ré irão adquirir pelo menos uma fracção autónoma semelhante à que iriam adquirir da ré como acordado e pelo preço que foi acordado pagar à ré.
Provou-se que os autores se candidataram com sucesso à aquisição de, pelo menos, tal fracção e está documentalmente indiciado nos autos que se candidataram a duas e que estas são semelhante às “D22” e “H22” acordadas ente os autores e a ré, embora este indício não esteja provado por não ter sido julgada a pertinente factualidade.
Está também provado por falta de impugnação (pontos 9. e 24. dos factos provados) que os autores pagaram à ré a título de sinal relativo à promessa de venda da fracção “D22” a quantia de HKD1.519.500,00 e relativamente à fracção “H22” a quantia de HKD1.425.000,00.
Perante esta situação já se pode concluir que só poderá haver lugar à redução equitativa em relação à indemnização que seja devida aos autores pelo incumprimento da ré em relação aos contratos que tinham por objecto as fracções autónomas “D22” e “H22”. Na verdade, em relação aos demais contractos não receberão os autores qualquer fracção para troca, pelo que nenhuma razão relativa ao dano efectivo foi invocada para justificar a redução equitativa.
Assim, apenas há que ponderar se, por razões de equidade, deve haver redução do valor da indemnização relativamente ao incumprimento dos contratos relativos às fracções “D22” e “H22”.
Redução equitativa quanto à indemnização por incumprimento da prestação da ré relativa às fracções “D22” e “H22”.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo. Ou seja, a certeza que o valor do sinal excede largamente o dano efectivo do lesado e a pena justa e adequada à culpa do lesante.
Se a ré tivesse cumprido a sua obrigação, os autores tinham tido a disponibilidade das fracções há cerca de 10 anos, embora tivessem ainda de pagar a parte do preço que não pagaram e estando privados dessa quantia pelo mesmo tempo. Os autores não dispuseram da casa, mas dispuseram de uma parte do preço que não pagaram à ré.
Não se sabe quando os autores vão receber as fracções “sucedâneas” e quando vão ter de pagar o respectivo preço, pelo que não é conhecido o tempo durante o qual continuarão privados da possibilidade de uso e fruição de tais fracções nem o tempo durante o qual não terá de fazer outro esforço financeiro.
O valor do sinal pago foi de HKD1.519.500,00 relativamente à fracção “D22” e HKD1.425.000,00 relativamente à fracção “H22”.
Pode oncluir-se que a privação da disponibilidade das duas fracções durante cerca de 10 anos, mas com disponibilidade de uma parte do preço, é para os autrores um dano manifestamente inferior ao valor dos referidos sinais14?
O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso semelhante ao presente, embora os ali autores tivessem feito o seu pagamento no ano de 2015 e tivessem pago todo o preço, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pelos autores15. Perspectivou, pois o dano como interesse contratual negativo. Não o que a autora deixou de auferir através do que despendeu, mas o que teve de despender em vão, sem nada auferir.
Seguindo o entendimento do Venerando TSI, no caso presente seria de considerar o período de 12 anos, pois que os autores pagaram à ré no ano de 2011.
Aplicando a doutrina do referido douto acórdão, temos que o sinal pago foi de HKD1.519.500,00 – “D22” e HKD1.425.000,00 – “H22”, pelo que o valor da indemnização equitativa deve ser de cerca de HKD1.236.690,00 ((1.519.500,00 + 1.425.000,00) x 3,5% x 12)).
Este tribunal também já decidiu em diversos casos a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável o repetir.
Assim, aderindo à referida doutrina do TSI, será de fixar em HKD1.250.000,00 o valor da indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito dos contratos que celebrou com os autores relativos às fracções “D22” e “H22”.
Quanto às fracções “B22, F22, e G22”.
Quanto a estas fracções não se vêm razões para redução equitativa da indemnização medida pelo valor do sinal, uma vez que, não recebendo os autores “fracção sucedânea”, o dano dos autores não se resume a privação temporária do uso e fruição, mas a privação definitiva que não pode considerar-se manifestamente inferior ao valor do sinal.
4 Os danos das despesas com imposto do selo e das despesas de formalização dos contratos.
Os autores também pretendem ser ressarcidos dos danos que lhe advieram por terem pago imposto do selo e despesas de formalização dos contratos-promessa que celebraram com a ré.
Quanto às fracções “B22, F22, e G22”.
Uma vez que a indemnização foi fixada por referência ao sinal, a indemnização de danos efectivos só tem lugar se a totalidade destes for consideravelmente superior ao valor do sinal (art. 436º, nº 4 do CC). Ora, para além do que a seguir se dirá quanto ao nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano, não está demonstrado que o dano efectivo dos autores decorrente da impossibilidade superveniente da prestação da ré por causa que lhe é imputável é consideravelmente superior ao valor do sinal, designadamente considerando que para obterem as fracções que não obterão ainda teriam de pagar uma parte considerável do respectivo preço.
Improcede, pois, esta parte da pretensão dos autores.
Quanto às fracções “D22” e “H22”.
Quanto a estas fracções, há que distinguir a situação jurídica das despesas com imposto do selo e das despesas com a formalização dos contratos.
Quanto às despesas de formalização.
Estas despesas devem ser englobadas no juízo equitativo. E foram. Por isso não têm tratamento autónomo e não são autonomamente indemnizadas.
Quanto ao imposto do selo.
Afigura-se evidente que pagar imposto do selo em consequência de um acto tributário, que foi a celebração de um contrato oneroso, e nada receber em cumprimento desse contrato que ficou incumprido é claramente um dano para os autores.
Porém, é facto notório na RAEM, por ser de conhecimento generalizado, e é facto de conhecimento oficioso, por ter sido discutido em numerosos outros processos que pendem neste tribunal, que a RAEM assumiu a restituição do pagamento do imposto do selo aos autores e a outras pessoas que celebraram contratos semelhantes que se viram envolvidos nas mesmas vicissitudes16. Isto significa que se o dano ainda persiste, os autores tiveram e, eventualmente ainda têm, o domínio do processo causal desse dano, só eles o podendo evitar (depois de ocorrido, mas antes de consolidado) reclamando da RAEM a devolução que esta está disposta a fazer. Esta quebra do nexo causal torna este dano não indemnizável. A celebração do contrato-promessa de compra e venda, enquanto acto tributário, deu lugar ao pagamento do imposto do selo e o “incumprimento do acto tributário” fez do pagamento do imposto um dano que hoje ocorre na esfera jurídica dos autores. Há um processo causal entre o incumprimento e o “dano do selo”. Porém, os autores têm ou tiveram o poder de evitar o dano, só eles o podendo evitar. Este monopólio posterior do domínio do processo causal impede que se conclua que o dano hoje verificado ainda mantenha nexo de causalidade adequada com o incumprimento. O incumprimento contratual ia a caminho de causar o dano que hoje se verifica, mas intrometeu-se no processo causal um acto ou uma omissão dos autores que faz com que juridicamente assumam para si o processo causal do dano de hoje, que é o dano que releva nos termos do disposto no nº 5 do art. 560º do CC. Os autores tiveram em determinado momento o domínio exclusivo do processo causal do dano, pelo que, se não o impediram, sibi imputet. Tal domínio do processo causal quebra o nexo causal que se havia estabelecido entre o incumprimento e o dano e estabelece novo processo causal entre a omissão dos autores e o mesmo dano. Assim, o “dano do imposto do selo” tem hoje um nexo causal, em termos de causalidade adequada, não com o incumprimento da ré, mas com a omissão dos autores de não reclamarem a devolução junto da RAEM. A omissão dos autores relegou o incumprimento da ré da categoria de causa adequada do dano para a categoria de mera condição “sine qua non”. Com efeito, os autores, provavelmente, não teriam o dano se tivessem reclamado o reembolso e é esta probabilidade que eleva a omissão dos réus a causa adequada do “dano do selo” e degrada o incumprimento para “conditio sine qua non”.
Assim, o dano decorrente do pagamento do imposto do selo não é indemnizável por já não manter nexo causal suficiente ou adequado com o incumprimento da ré e só os danos com nexo causal adequado com o facto danoso são indemnizáveis (art. 557º do CC).
5 Da mora no cumprimento da obrigação de indemnizar e no cumprimento da obrigação de restituir em consequência de resolução contratual.
Os autores pediram a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da efectiva interpelação extrajudicial (27/06/2020) até integral pagamento. Nas suas alegações de Direito já os autores, crê-se que por lapso, se pronunciaram no sentido de a mora só ocorrer com a citação, tendo a ré concluído no mesmo sentido, com excepção dos danos fixados segundo juízos de equidade, em relação aos quais entende que a mora só se inicia com a sua fixação.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre com a interpelação do devedor no que respeita às obrigações puras e líquidas que não provenham de facto ilícito e só ocorre com a liquidação quanto às obrigações ilíquidas cuja falta de liquidez não seja imputável ao devedor (art. 794º, nºs 1, 3 e 4 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepões aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Provou-se que por carta de 8 de Junho de 2020, que a ré recebeu em 11 de Junho de 2020, os Autores interpelaram a Ré para que, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da recepção da missiva, esta lhes pagasse os montantes peticionados na presente acção.
A mora ocorreu, pois, com a efectiva interpelação em 27 de Junho de 2020 relativamente à obrigação de restituir por resolução contratual e à obrigação de indemnizar fixada por referência ao sinal.
Diferente é a situação em que o montante da obrigação é liquidado após juízo equitativo. Este juízo é, por natureza, actualizado à data em que é feito, devendo ponderar todas as circunstâncias relevantes e nada justificando indemnização moratória anterior, a qual já deve ser ponderada no juízo de equidade que fixa o valor da obrigação e a torna líquida. Por outro lado, a obrigação fixada segundo juízos de equidade é, por natureza ilíquida, pois que a sua liquidação depende de juízo imperativamente inexistente antes da liquidação.
A mora quanto à obrigação de indemnizar fixada por seguindo juízos de equidade ocorre apenas aquando da fixação/liquidação.
Embora estejamos em sede de responsabilidade contratual ou por acto ilícito contratual consubstanciado no incumprimento culposo, a mora deve começar na data da decisão que liquida pela primeira vez o valor da indemnização que venha a tornar-se definitivo, seja por não ser impugnada por via de recurso, seja porque o recurso não mereceu procedência, seja por outra razão. Esta solução está em consonância com a jurisprudência do Venerando TUI sobre a mora na obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual por acto ilícito, (Acórdão para fixação de jurisprudência de 02/03/2011, proferido no processo nº 69/2010, acessível em www.court.com.mo).
O momento da decisão como início da mora é também o mais coerente com a fixação da indemnização por juízos de equidade, pois que a ponderação feita quanto ao valor adequado da indemnização deve contar com todos os factores relevantes que sejam ponderáveis no momento da decisão de acordo com as regras substantivas e processuais aplicáveis e, por isso, já deve ter em consideração o tempo decorrido entre a ocorrência do dano e o seu ressarcimento, seja a dilação imputável ao devedor ou seja imputável ao credor.
6 Em síntese.
Os autores têm direito a:
- Resolver os contratos que celebraram com a ré;
- Restituição do sinal que prestaram, em consequência da resolução dos referidos contratos (HKD6.841.500,00).
- Indemnização correspondente ao sinal em dobro que foi prestado no âmbito dos contratos relativos às fracções “B22, F22 e G22” (HKD3.897.000,00).
- Indemnização equitativa dos danos sofridos por impossibilidade superveniente da prestação da ré contraida nos contratos relativos às fracções “D22” e “H22” (HKD1.250.000,00).
- Indemnização por mora no cumprimento das obrigações de restituir e de indemnizar supra referidas.
*
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declaram-se resolvidos os contratos existentes entre as partes e condena-se a ré a pagar aos autores:
- A quantia de HKD10.738.500,00 (dez milhóes, setecentos e trinta e oito mil e quinhentos dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde 27/06/2020 até integral pagamento;
- A quantia de HKD1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento.
Custas a cargo dos autores e da ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Uma vez que está em causa essencialmente a aplicação de Direito aos factos assentes vamos apreciar em conjunto os recursos interpostos pela Autora e pela Ré.
*
Ora, a particularidade do caso dos autos consiste no seguinte:
a) – Os Autores pagaram, no 1º momento, uma parte do preço acordado para adquisição das 5 fracções autónomas em causa;
b) – Os Autores chegaram a candidatar-se a duas fracções semelhantes por via de “compensação” nos termos permitidos pela Lei nº 8/2019, de 30 de Maio, com referência às fracções “D22” e “H22”;
c) Agora, os Autores vieram a reclamar a restituição em dobro das quantias totais pagas por eles.
Terão os Autores fundamentos legais para o fazer?
Tal como temos vindo a sublinhar que cada caso é um caso, não obstante existirem vários processos em que se discutem as questões idênticas ou semelhantes.
Ora, dada a identidade ou semelhança da matéria discutida neste tipo de processos, as considerações por nós tecidas noutros processos valem, mutatis mudantis, para o caso, obviamente com as devidas adaptações, nomeadamente no processo nº 813/2024, com o acórdão proferido em 13/3/2025, em que ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)
1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pude cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indesculpável”, o que deve relevar para ponderar e fixar as sanções contratuais!
(…)”.
Neste tipo de processo em massa, são discutidas várias questões jurídicas:
Questão da “culpa” (em sentido lato) da parte que não cumpriu a promessa:
“Aqui, merece igualmente destacar um outro ponto: o raciocínio do Tribunal a quo aponta, parece-nos, para a ideia de que toda a culpa de incumprimento se concentra na parte da Ré/Recorrente, mas tal como se refere anteriormente por nós, não é líquida esta argumentação, já que a Ré fazia e tentava fazer tudo para que pudesse cumprir os compromissos assumidos perante o Governo da RAEM, apesar que o resultado final não vir a ser “satisfatório” a todos os níveis. Mas os comportamentos assumidos pela Ré demonstram que não existe “dolo” de incumprimento por parte dela, quanto muito, negligência ou utilizando uma linguagem diferente, um “ risco de investimento” que a Ré há-de assumir, daí a sua quota-parte de responsabilidade, circunstâncias estas que devem ser valoradas na fixação das indemnizações que cabem no caso em análise. Aliás, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão dos factos afirmou: “A convicção do tribunal formou-se na análise crítica da globalidade da prova testemunhal e documental produzida, ponderada nos termos antes referidos e que podem ser explicitados sinteticamente como segue.
É uma evidência que a ré tinha vontade firme de concluir o empreendimento “E”, o que resulta da consideração dos esforços e dispêndios que fez, incontestáveis e incontestados nos autos, incluindo por via judicial.”
*
Conforme o quadro factual fixado pelo Tribunal recorrido, existem vários factos que são claros para demonstrar que a Ré não actuou com “dolo” no cumprimento dos acordos quer perante o Governo enquanto concedente quer perante as partes dos contratos-promessa, a saber:
“(…)
- A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo de impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
- Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
- Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013, foi aprovado o último relatório apresentado;
Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
- Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde.
“(…)”
118. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 24/12/2015 porque os serviços da RAEM criaram tais expectativas, nomeadamente:
a. Ao emitirem licença de obras para as fundação em 02/1/2014, um mês antes do terreno do prazo de aproveitamento;
b. Ao Prorrogarem o prazo de aproveitamento em 29/7/2014 até 25/12/2015, sabendo que tal não seria possível;
c. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no dentro do respectivo prazo. (Q 9.º)
(…)”.
Tudo isto demonstra claramente que a Ré não actuou com dolo para desrespeitar as obrigações decorrentes dos contratos-promessa, pelo contrário, os factos assentes acima transcritos podem constituir alteração superveniente das circunstâncias nos termos do artigo 431º do CCM (a Autora chegou também alegar esta matéria conforme o teor do artigo 138º a 139º da PI), já que se tratam de factos imprevisíveis e que ocorreram posteriormente ao momento da celebração dos acordos em análise.
*
Questão da consideração do benefício obtido pela parte não culposa na resolução dos contratos bilaterais:
“(…)
Com as devidas adaptações, o disposto no artigo 784º/2 do CCM pode ser chamado para fundamentar a decisão em análise, já que tal normativo dispõe:
(Contratos bilaterais)
1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, o valor do benefício é descontado na contraprestação.
Em regra, a restituição do sinal não representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
*
1) - Agora, relativamente ao dano excedente, quando não se pude ser calculado ao certo, à luz da doutrina dominante, e no caso da sua impossibilidade, recorre-se ao juízo de equidade.
A propósito deste ponto, escreveu-se:
“De harmonia com a lei substantiva, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma e outra norma (artº 609.º, n.º 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será equitativamente julgado5. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja6, nem serve para alijar por inteiro, o não cumprimento, seja pelo credor da obrigação de indemnização quantitativamente indeterminada do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito, seja pelo devedor de igual ónus que o vulnera no tocante a qualquer facto extintivo daquela mesma obrigação (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, e 346.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC).”17
Questão da aplicação da teoria de interesse contratual negativo ou de confiança:
“(…)
2) – Pergunta-se, como é que se deve resolver este tipo de questões? A propósito desta matéria, citemos aqui a posição dominante vigente em Portugal, em nome do Direito Comparado (Cfr. ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/10/2012) sobre a matéria em discussão (uma situação semelhante):
“Acontece porém que nos situamos no âmbito da resolução do contrato. O autor optou pela resolução do contrato.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” [14].
Entre as partes e na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art.º 433º do Código Civil. Por isso tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes.
Ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. O que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, "de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida".
Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” [15].
Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado [16]. Tal entendimento tem sido seguido maioritariamente na jurisprudência. [17]
Com base nesta doutrina, não é aceitável a compatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao (interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela solução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.
Por isso e conclui no citado acórdão de 24.1.2012 que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido”.
Nada no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência. [18]
Por conseguinte, improcede o pedido de indemnização do A. relativo a lucros cessantes.”
O raciocínio vale, mutantis mudantis, para o caso dos autos, sendo certo que o artigo 436º do CCM (que tem uma redacção diferente da do CC de 1966 vigente em Portugal), consagra:
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Depois, o artigo 801º do CCM manda:
(Redução equitativa da pena)
1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
Questão de danos excedentes:
A propósito dos nº 4 e 5 do artigo 436º do CCM, anotou-se:
“15. No estudo global que se faça do problema, chega-se à conclusão que o nº 4 vem reforçar a ideia transversal consagrada no Código a respeito da natureza confirmatória do sinal (o próprio Menezes Leitão acaba por admitir que o nº 4 não tem natureza penitencial, em ob. cit., pág. 246). Ou seja, para lá da perda do sinal pelo tradens ou da devolução em dobro do sinal pelo accipiens, ainda pode haver lugar, salvo estipulação em contrário, a indemnização pelo dano excedente. Foi uma opção do legislador de Macau, que podia ter aproveitado a ocasião para ser mais generosa. Com efeito, não passou da criação dessa possibilidade indemnizatória pelo dano excedente, sem a estender a outra qualquer indemnização (nomeadamente, por danos não patrimoniais), tendo em conta que na parte final do nº 4 afirmou expressamente a impossibilidade de alargamento da extensão indemnizatória (habitualmente, alguns autores defendem que, sem limitação, pode haver a indemnização por perdas e danos no caso de sinal confirmatório).
Pior é, apesar de tudo, a situação do parente próximo preceito português, pois nele se preceitua que "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento".
De qualquer maneira, há mesmo aí quem sustente que, para além dessa indemnização pelo não cumprimento, possa haver uma ou mais indemnizações fundadas noutras causas, como, por exemplo, nos casos de terem sido feitas benfeitorias na coisa (Ana Prata, Código ... cit., pág. 568).
16. O nº 5 manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 801º. Não é bem claro o propósio da disposição legal: se apenas se aplica aos casos em que os contraentes estabelecem no contrato uma indemnização para o caso de incumprimento por arrependimento (arras ou sinal penitencial), ou se também aplicação no caso de sinal confirmatório-penal.
E se a resposta for no sentido de apenas cobrir a segunda hipótese de sinal confirmatório, ainda fica por saber se a redução por equidade (art. 801º) abrange somente as situações em que há dano excedente (nº 4), calculando-se aí a indemnização segundo critérios equitativos, ou se também atinge o dobro do sinal por incumprimento do accipiens.
Por um lado, poderia parecer que a melhor solução seria, efectivamente, a que permite a aplicação do regime de redução no caso de incumprimento de contrato em que o sinal tem a função de arra confirmatória. Na verdade, se o sinal tiver o sentido penitencial, isso se deve ao facto de as partes, de livre vontade e por consenso, terem estabelecido os próprios limites indemnizatórios, não fazendo sentido que o tribunal os possa baixar apenas porque o devedor lho tenha pedido.
Por outro lado, é de crer que a redução também não possa incidir sobre o dobro do sinal, porque isso seria contrariar a solução da lei (nº 2).
Nesta óptica, pareceria ficar assim a remissão para o art. 801º circunscrita às situações em tiver que haver indemnização pelo dano excedente. Este dano pode ser, realmente, elevado, se tivermos em conta as diferenças de preços em mercados (por exemplo, imobiliários) que frequentemente se pautam por regras pouco saudáveis de especulação. Tendo em conta que o dano pode ser realmente avultado, a intervenção do juiz pode eventualmente justificar-se, se bem que a redução também pode funcionar como um prémio ao devedor.
Não temos, enfim, a certeza sobre o alcance da norma.
Mas, se fizermos a conjugação dos artigos 436º, 801º (e o ambiemte da sua sistematização) e 820º, nº 2, (neste caso, para o contrato-promessa) talvez seja possível, afinal de contas, considerar que a remissão apenas faça sentido nos casos em que as partes contratantes tenham estipulado, por penitência, uma indemnização com caracter de pena no contrato para a hipótese de não cumprimento por arrependimento. A jurisprudência dirá o que for de justiça sobre o assunto. (Cfr. Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, CFJJ, 2020, Vol. VI, pág. 506 e 507).
Efectivamente pode existir alguma dúvida na interpretação e aplicação das normas em causa.
Mas não é pela primeira vez que este TSI é chamado para se pronunciar sobre o conceito de danos ou prejuízos excedentes, o mesmo conceito encontra-se consagrado no artigo 1027º do CCM em matéria locatária que dispõe:
(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
A propósito deste conceito, ficou consagrado o seguinte entendimento no Proc. nº 646/2017, com o acórdão proferido em 26/07/2018:
“I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!”
Não há razões bastantes para não seguirmos o entendimento acima referido, já que está em causa uma matéria de natureza idêntica: para além de pagar o dobro, pode pedir-se indemnização por danos excedentes, mas estes têm de estar devidamente demonstrados e comprovados, não bastam alegações abstractas ou provas indirectas.
“(…)”.
Voltando ao caso em análise, sublinhe-se aqui, é de verificar-se que a norma do nº 4 do artigo 436º é mais exigente do que a norma do artigo 1027º (que regula a matéria de locação), pois aquela norma fala de “dano consideravelmente superior’! O que exige provas mais rígidas e persuasivas!
*
Aqui, é de recordar-se que no processo nº 220/2024 fica também consignado o seguinte entendimento:
“從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
事實上,本院在涉及“E”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
4. 就賠償金額方面:
第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
a) 法律規定容許者;
b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
在本個案中,原告們向原預約買受人支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。”
3) – Voltando ao caso dos autos, uma leitura possível: ao contrário que se pretende defender, temos por certo que as quantias pagas pelos Autores à Ré a título de sinal, se fossem depositadas nas instituições bancárias, certamente eles receberão juros, facto este que temos por certo que os Autores deixaram de poder os receber, razão pela qual a Ré deve indemnizá-los por esta via.
(…)
4) - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto (Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03). Ou seja, no caso, deve existir factos assentes no sentido de que os Autores tivessem a possibilidade de vender, pelo menos, pelos valores por ele alegados e comprovados (ex. mediante contratos-promessa de compra e venda celebrados) a uma terceira pessoa concreta, o que não se encontra devidamente demonstrado por factualidade assente.
5) (…)”.
*
Relativamente ao recurso interposto pelos Autores, estes alegaram o seguinte:
“III. Os Recorrentes não se conformam com tal decisão, uma vez que não concordam com a redução equitativa do valor da indemnização da Recorrida determinada pelo valor do sinal, relativamente aos contratos-promessa de compra e venda referentes às fracções autónomas designadas "D22" e "H22", devendo a Ré ser condenada no pagamento da quantia total de HKD13,683,000.00.
IV. O Tribunal a quo entendeu que a indemnização determinada e medida pelo valor do sinal seria manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo dos Recorrentes, devendo assim proceder a uma redução equitativa do valor da indemnização devida, de forma a sancionar a culpa da Recorrida pelo seu incumprimento em relação aos contratos-promessa que tinham por objecto as fracções autónomas designadas "D22" e "H22", ao abrigo do disposto no artigo 801.º, ex vi artigo 436.º, n.º 5, ambos do Código Civil.
V. O Tribunal a quo socorreu-se no facto de os Recorrentes terem apresentado uma candidatura à aquisição de duas fracções "sucedâneas", nada mais.”
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“(…)
Vejamos então.
A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que os autores sofreram. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo dos autores e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
No que tange ao dano efectivo, a ré disse que os autores, devido à impossibilidade da prestação da ré irão adquirir pelo menos uma fracção autónoma semelhante à que iriam adquirir da ré como acordado e pelo preço que foi acordado pagar à ré.
Provou-se que os autores se candidataram com sucesso à aquisição de, pelo menos, tal fracção e está documentalmente indiciado nos autos que se candidataram a duas e que estas são semelhante às “D22” e “H22” acordadas ente os autores e a ré, embora este indício não esteja provado por não ter sido julgada a pertinente factualidade.
Está também provado por falta de impugnação (pontos 9. e 24. dos factos provados) que os autores pagaram à ré a título de sinal relativo à promessa de venda da fracção “D22” a quantia de HKD1.519.500,00 e relativamente à fracção “H22” a quantia de HKD1.425.000,00.
Perante esta situação já se pode concluir que só poderá haver lugar à redução equitativa em relação à indemnização que seja devida aos autores pelo incumprimento da ré em relação aos contratos que tinham por objecto as fracções autónomas “D22” e “H22”. Na verdade, em relação aos demais contractos não receberão os autores qualquer fracção para troca, pelo que nenhuma razão relativa ao dano efectivo foi invocada para justificar a redução equitativa.
Assim, apenas há que ponderar se, por razões de equidade, deve haver redução do valor da indemnização relativamente ao incumprimento dos contratos relativos às fracções “D22” e “H22”.
Redução equitativa quanto à indemnização por incumprimento da prestação da ré relativa às fracções “D22” e “H22”.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo. Ou seja, a certeza que o valor do sinal excede largamente o dano efectivo do lesado e a pena justa e adequada à culpa do lesante.
Se a ré tivesse cumprido a sua obrigação, os autores tinham tido a disponibilidade das fracções há cerca de 10 anos, embora tivessem ainda de pagar a parte do preço que não pagaram e estando privados dessa quantia pelo mesmo tempo. Os autores não dispuseram da casa, mas dispuseram de uma parte do preço que não pagaram à ré.
Não se sabe quando os autores vão receber as fracções “sucedâneas” e quando vão ter de pagar o respectivo preço, pelo que não é conhecido o tempo durante o qual continuarão privados da possibilidade de uso e fruição de tais fracções nem o tempo durante o qual não terá de fazer outro esforço financeiro.
O valor do sinal pago foi de HKD1.519.500,00 relativamente à fracção “D22” e HKD1.425.000,00 relativamente à fracção “H22”.
Pode oncluir-se que a privação da disponibilidade das duas fracções durante cerca de 10 anos, mas com disponibilidade de uma parte do preço, é para os autrores um dano manifestamente inferior ao valor dos referidos sinais18?
O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso semelhante ao presente, embora os ali autores tivessem feito o seu pagamento no ano de 2015 e tivessem pago todo o preço, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pelos autores19. Perspectivou, pois o dano como interesse contratual negativo. Não o que a autora deixou de auferir através do que despendeu, mas o que teve de despender em vão, sem nada auferir.
Seguindo o entendimento do Venerando TSI, no caso presente seria de considerar o período de 12 anos, pois que os autores pagaram à ré no ano de 2011.
Aplicando a doutrina do referido douto acórdão, temos que o sinal pago foi de HKD1.519.500,00 – “D22” e HKD1.425.000,00 – “H22”, pelo que o valor da indemnização equitativa deve ser de cerca de HKD1.236.690,00 ((1.519.500,00 + 1.425.000,00) x 3,5% x 12)).
Este tribunal também já decidiu em diversos casos a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável o repetir.
Assim, aderindo à referida doutrina do TSI, será de fixar em HKD1.250.000,00 o valor da indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito dos contratos que celebrou com os autores relativos às fracções “D22” e “H22”.
Ora, face à argumentação acima transcrita, entendemos que a decisão está bem fundamentada e representa uma aplicação correcta do Direito neste ponto, já que tem sido esta solução que vem a sendo defendida por este TSI nesta matéria, motivo pelo qual, na ausência de vícios invalidantes, ao abrigo do artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pelos Autores nesta parte.
*
Relativamente à argumentação tecida pelo Tribunal recorrido neste ponto, importa destacar ainda os seguintes aspectos:
a) – Em 29/03/2011 os 5 contratos-promessa foram celebrados;
– A cláusula 10ª estipula: “"1200 dias de sol e trabalho (sem contar os domingos, feriados e dias de chuva) após a construção do primeiro piso, só a partir dessa data entrando a Recorrente em mora".
b) – Feitas as contas à luz do critério fixado na citada cláusula 10ª (em regra, cada mês tem 22 dias úteis (de trabalho), um ano tem 262 dias úteis, portanto, 1200dias/262 (dias) = 5 (anos). Ou seja, a Ré deveria entregar os imóveis em 2016 se tudo corresse bem.
c) – Em 29/01/2016 foi publicado no BO o despacho que declarou a caducidade do terreno;
d) – Em 23/05/2018 pelo TUI foi proferido o acórdão que negou provimento ao recurso contencioso interposto pela Ré.
Ou seja, o tempo mais cedo possível para calcular as indemnizações devia ser a partir do ano 2016. Nestes termos, existe um período de cerca de 5 anos relativamente ao qual a Autora não pode reclamar juros moratórios. Ou seja, usando o raciocínio seguido este TSI, desde a data da celebração do contrato-promessa até ao momento em que se verifica a impossibilidade de prestação definitiva, há-de descontar tal período de 5 anos, portanto, o período de 2011 a 2018, se se considerasse que a Autora ficava privada de gozo do imóvel, só se contam 2 anos.
Na sequência de argumentação acima por nós tecida, por força do acordo à luz do qual a Ré gozava de 1200 dias úteis para cumprir as obrigações contratuais, os juros calculados não devem reportar-se a 12 anos, mais sim 7 ou 8 anos ao máximo, pelo que o o valor da indemnização equitativa do interesse contratual positivo não deve ser tão elevado nos termos reclamados pelos Autores, nomeadamente no que se refere à perda de “interesses” pela privação de fundos pela Ré.
Eis um valor que pode servir de referência.
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Relativamente à solução ditada pelo Tribunal a quo sobre as 3 fracções “B22, F22, e G22”, globalmente analisados os argumentos invocados pelo Tribunal a quo, é de entender que a solução é correcta, quando se afirmou:
“Quanto às fracções “B22, F22, e G22”.
Quanto a estas fracções não se vêm razões para redução equitativa da indemnização medida pelo valor do sinal, uma vez que, não recebendo os autores “fracção sucedânea”, o dano dos autores não se resume a privação temporária do uso e fruição, mas a privação definitiva que não pode considerar-se manifestamente inferior ao valor do sinal.”
7 Da mora no cumprimento da obrigação de indemnizar e no cumprimento da obrigação de restituir em consequência de resolução contratual.
Os autores pediram a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da efectiva interpelação extrajudicial (27/06/2020) até integral pagamento. Nas suas alegações de Direito já os autores, crê-se que por lapso, se pronunciaram no sentido de a mora só ocorrer com a citação, tendo a ré concluído no mesmo sentido, com excepção dos danos fixados segundo juízos de equidade, em relação aos quais entende que a mora só se inicia com a sua fixação.
A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre com a interpelação do devedor no que respeita às obrigações puras e líquidas que não provenham de facto ilícito e só ocorre com a liquidação quanto às obrigações ilíquidas cuja falta de liquidez não seja imputável ao devedor (art. 794º, nºs 1, 3 e 4 do CC).
A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepões aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Provou-se que por carta de 8 de Junho de 2020, que a ré recebeu em 11 de Junho de 2020, os Autores interpelaram a Ré para que, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da recepção da missiva, esta lhes pagasse os montantes peticionados na presente acção.
A mora ocorreu, pois, com a efectiva interpelação em 27 de Junho de 2020 relativamente à obrigação de restituir por resolução contratual e à obrigação de indemnizar fixada por referência ao sinal.
Diferente é a situação em que o montante da obrigação é liquidado após juízo equitativo. Este juízo é, por natureza, actualizado à data em que é feito, devendo ponderar todas as circunstâncias relevantes e nada justificando indemnização moratória anterior, a qual já deve ser ponderada no juízo de equidade que fixa o valor da obrigação e a torna líquida. Por outro lado, a obrigação fixada segundo juízos de equidade é, por natureza ilíquida, pois que a sua liquidação depende de juízo imperativamente inexistente antes da liquidação.
A mora quanto à obrigação de indemnizar fixada por seguindo juízos de equidade ocorre apenas aquando da fixação/liquidação.
Embora estejamos em sede de responsabilidade contratual ou por acto ilícito contratual consubstanciado no incumprimento culposo, a mora deve começar na data da decisão que liquida pela primeira vez o valor da indemnização que venha a tornar-se definitivo, seja por não ser impugnada por via de recurso, seja porque o recurso não mereceu procedência, seja por outra razão. Esta solução está em consonância com a jurisprudência do Venerando TUI sobre a mora na obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual por acto ilícito, (Acórdão para fixação de jurisprudência de 02/03/2011, proferido no processo nº 69/2010, acessível em www.court.com.mo).
O momento da decisão como início da mora é também o mais coerente com a fixação da indemnização por juízos de equidade, pois que a ponderação feita quanto ao valor adequado da indemnização deve contar com todos os factores relevantes que sejam ponderáveis no momento da decisão de acordo com as regras substantivas e processuais aplicáveis e, por isso, já deve ter em consideração o tempo decorrido entre a ocorrência do dano e o seu ressarcimento, seja a dilação imputável ao devedor ou seja imputável ao credor.”
Assim, o valor fixado pelo Tribunal a quo não se mostra desproporcional ou inadequado, e como tal é de o manter.
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Quanto ao demais, é de verificar-se que nesta parte, todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, nesta sede de recurso, concluímos que, em face da argumentação acima transcrita, o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a sentença recorrida.
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Face ao exposto, é de negar provimento aos recursos interpostos respectivamente pelos Autores e pela Ré, mantendo-se as decisões recorridas.
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Síntese conclusiva:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
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Tudo visto e analisado, resta decidir.
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V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelos Recorrentes e pela Recorridos em partes iguais para ambas.
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Registe e Notifique.
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RAEM, 22 de Maio de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1o Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2o Juiz-Adjunto)
1 Na réplica foi este pedido reduzido para HKD13.683.000,00, redução que foi admitida no despacho saneador.
2 Crê-se que foi por lapso que os autores referiram que os juros de mora são devidos desde a citação e não desde a anterior interpelação, tal como pedido na petição inicial.
3 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
4 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
5 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
6 Contrariamente ao que afirma a ré nas suas muito doutas alegações sobre o aspecto jurídico da causa (ponto 24., a fls. 1834 e 1835), não se interpreta o nº 3 do art. 105º da Lei de Terras vigente em 28 de Fevereiro de 2014 (Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho) no sentido de ser obrigatória nessa data a prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão no caso de o concessionário pagar multa. Com efeito, como também resulta do art. 166º da mesma lei, a referida “multa automática” aplica-se nos casos de omissão no contrato de concessão de estipulação de prazos e de consequências para a sua inobservância, o que não ocorre no caso dos autos, e destina-se directamente ao processo de aproveitamento e não ao prazo da sua conclusão.
7 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
8 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
9 Os autores terão dois títulos para o mesmo direito (receber a quantia que pagaram): a restituição em consequência da resolução contratual e a devolução do sinal. É, portanto, infrutífero escolher um dos títulos. Porém, sempre se dirá que a resolução de apresenta com precedência lógica sobre o sinal.
10 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
11 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
12 Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
13 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
14 Sem prejuízo do que mais à frente se dirá acerca dos danos peticionados que dizem respeito ao pagamento do imposto do selo e das despesas de formalização dos contratos.
15 Acórdão do Venerando TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, ainda inédito e inacessível on-line, ao que se julga.
16 É certo que a ré alegou este facto e o mesmo não foi submetido a julgamento (art. 230º da contestação). Pode, porém, aqui ser considerado com vista à decisão da causa, nos termos dos arts. 5º, nº 2, 434º e 562º do CPC.
17 Ac do STJ, Proc. 3292/20.5TBLRA/C1.S1., de 11/02/2025.
18 Sem prejuízo do que mais à frente se dirá acerca dos danos peticionados que dizem respeito ao pagamento do imposto do selo e das despesas de formalização dos contratos.
19 Acórdão do Venerando TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, ainda inédito e inacessível on-line, ao que se julga.
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