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Processo nº 189/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data do Acórdão: 15 de Maio de 2025

ASSUNTO:
- Contrato de promessa de compra e venda
- Caducidade da concessão por arrendamento de Terreno para construção
- Incumprimento
- Medida da Indemnização
- Indemnização pelo dano excedente

SUMÁRIO:
- A indemnização pelo dano excedente visa obstar às situações, em que decorrente do aumento do valor da coisa, ao promitente-vendedor é mais vantajoso devolver o sinal recebido e pagar uma indemnização de igual montante, uma vez que a valorização do bem é superior ao valor da indemnização a pagar;
- O legislador de Macau no nº 4 do artº 436º ao ressalvar a possibilidade de haver o direito da uma indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, remete-nos para o regime da responsabilidade contratual, de acordo com o qual nos termos do artº 787º do C.Civ. o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor, presumindo-se a culpa do devedor na falta de prova em contrário – artº 788º do C.Civ. -;
- Nos termos do artº 556º do C.Civ. aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação;
- Assim o valor da indemnização pelo dano excedente corresponde à diferença entre o valor pelo qual a coisa ou direito foi prometido vender e aquele que tem no momento do encerramento da discussão da causa, caso este valor – as mais valias – sejam superiores ao valor do sinal prestado;
- No caso da condenação no pagamento da indemnização pelo dano excedente há igualmente que condenar na devolução do que haja sido prestado a título de sinal ou pagamento do preço da coisa ou direito prometido vender e comprar;
- Se a fracção autónoma prometida vender e comprar nunca chegou a ser construída e se o incumprimento do contrato resulta dessa mesma impossibilidade presente e futura, o valor do dano excedente haverá de ser equacionado tendo em consideração essa factualidade e o valor do direito de crédito em que se traduz a promessa.




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Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 189/2025
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Maio de 2025
Recorrente: Sociedade de Importação e Exportação A, Limitada
Recorrida: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  B, com os demais sinais dos autos,
  vêm instaurar acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra,
  Sociedade de Importação e Exportação A, Limitada, também, com os demais sinais dos autos.
  Pedindo a Autora que:
1) Sejam declarados resolvidos os referidos contratos-promessa;
2) Seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de HKD7.212.000,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal;
3) Seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de MOP12.239.380,10, a título de “dano excedente”, sem prejuízo de uma avaliação posterior superior, antes do encerramento da discussão da causa;
4) Seja a ré condenada a pagar-lhe juros à taxa legal desde a citação da ré até integral pagamento.
  
  Proferida sentença foi a acção julgada parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido os contratos celebrados entre as partes e condena-se a Ré a pagar à Autora:
  - A quantia de HKD3.606.000,00 (três milhões, seiscentos e seis mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
  - A quantia de MOP2.297.901,74 (dois milhões, duzentas e noventa e sete mil, novecentas e uma Patacas e setenta e quatro avos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
  - A quantia de MOP900.000,00 (novecentas mil Patacas), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento.
  
  Não se conformando com a sentença veio a Ré e agora Recorrente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, alías, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Recorrido, no montante global de MOP6.912.081.74.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento dos contratos em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provada praticamente toda a matéria alegada pela Recorrente susceptível de estabelecer que não conseguiu aproveitar o terreno dentro do prazo contratado e, assim, dar cumprimento aos contratos em apreço, por razões imputáveis aos Serviços da RAEM.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Desde logo, não era previsível que a DSSOPT permanecesse inerte sem emitir qualquer decisão relativamente ao plano de consulta e ao projecto parcial de arquitectura, apresentados pela Recorrente em Abril e Maio de 2008.
6. Não era previsível que após a apresentação do projecto global de arquitectura em Outubro de 2009, a DSSOPT emitisse uma Planta de Alinhamento Oficial em Fevereiro de 2010, donde constava um novo condicionamento urbanístico atinente à observância de uma distância mínima entre cada torre que inviabilizaria o projecto apresentado e que não estava previsto na lei, nem tinha sido anteriormente exigido em Macau.
7. Não era previsível que após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento “XXX”, comunicada à Recorrente em 07/01/2011, a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
8. Essa falta de previsibilidade resulta da circunstância de nunca tal exigência ter ocorrido anteriormente a nenhum promotor imobiliário.
9. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
10. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
11. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
12. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
13. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 305 a 306, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
14. No entanto, conforme está provado, os Serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
15. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
16. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
17. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
18. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
19. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de “facto do príncipe”.
20. Quanto ao risco, desde logo, é a própria sentença recorrida que admite que o Recorrido adquiriu duas fracções tendo em vista o mero lucro e que aceitou assumir o inerente risco em relação ao mercado imobiliário.
21. Assim, o Recorrido enquadra-se no perfil dos sujeitos que actuam no mercado, que conhecem o mercado e os seus contornos e, portanto, que tem integral conhecimento do risco conatural à aquisição de bens imóveis futuros.
22. Como sujeito familiarizado com este tipo de transacções, ensinam as regras da experiência comum, que o Recorrido também sabia, necessariamente, que os contratos em discussão estavam umbilicalmente ligados ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam naqueles.
23. E que se informou de quais as datas dos termos dos prazos de aproveitamento e de concessão do terreno onde as fracções iam ser construídas.
24. Aliás, tais datas são públicas, constando do Registo Predial.
25. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
26. O Recorrido também sabia perfeitamente que tinha adquirido bens que não existiam à data dos contratos que celebrou.
27. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com ditames de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
28. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe o Recorrido para a esfera de risco dos contratos em causa. Foi ele que quis nelas entrar.
29. Quanto à qualificação dos contratos, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de contratos de reserva ou de contratos de compra e venda de um bem futuro.
30. A respeito da letra dos contratos, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
31. Relativamente à redacção dos contratos em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de “sinal” (com o sentido de penalização), em prol da expressão “訂金”, correspondente ao conceito de “depósito” (que não tem sentido penalizador).
32. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta dos contratos em causa.
33. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram promessas de compra e venda em vez de compra e venda de bens futuros ou de contratos de reserva.
34. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir os contratos base a contratos-promessa.
35. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações reciprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
36. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos dos clausulados a necessidade de celebração de um segundo contrato, tal é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
37. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
38. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com os contratos em questão apontam para outra qualificação que não a do contrato-promessa.
39. Designadamente, saliente-se que os recibos de pagamento mencionam tratar-se da liquidação de um preço e, nunca, de um sinal, e que cada contrato contem uma planta da fracção adquirida em anexo, o que é típico de uma compra de imóvel em projecto.
40. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que os contratos foram celebrados antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
41. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, “Estes “contratos-promessa” têm sido tradicionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
42. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construir e lhe vai entregar.
43. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
44. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com os contratos, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que os contratos em discussão não são típicos contratos-promessa mas antes contratos de reserva ou contratos de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
45. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que os contratos em discussão nos presentes autos se tratam de contratos-promessa típicos, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte dos preços das fracções a construir que foram vendidas, configuram um cumprimento antecipado dos contratos prometidos tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previstos no artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 47 a 55 dos autos.
46. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: “A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.”
47. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
48. A Recorrente recebeu HKD3.606.000,00 por conta dos contratos em causa e, deste modo, na perspectiva da Recorrente, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se nesse mesmo valor: em HKD3.606.000,00, equivalentes a MOP3.714.180,00.
49. Subsidiariamente a Recorrente pediu que a indemnização fosse arbitrada com base na equidade, tendo a douta sentença recorrida considerado ser essa a solução jurídica adequada no que diz respeito à fracção autónoma “H**”, melhor identificada nos autos.
50. Foi arbitrada uma indenização a esse título no valor de HKD1.989.000,00 a título de restituição da quantia paga à Recorrente, acrescida do valor de MOP900.000,00 a título equitativo, obtido com base num eventual rendimento de juros para os depósitos a prazo incidentes sobre aquele capital (1.989.000,00), estimando-se a respectiva taxa de juros em 3,5% ao ano, pelo período de 11 anos.
51. Porém, de acordo com os dados oficiais da Autoridade Monetária de Macau, a taxa de juros praticada pelos Bancos, em média, entre 2011 e 2023, foi a de 1,2655% (cfr. docs. 1 e 2 ora juntos ao abrigo do art. 616º/1/2ª parte do CPC).
52. Consequentemente, com base na aplicação de uma taxa de 1,2655% (e não de 3,5%) enquanto vector da indemnização equitativa, o valor mais justo, feito correcto arredondamento por excesso, seria de HKD280.000,00 (1.989.000,00 x 1.2655% x 11 = 276.878.75).
53. Mas há que tomar ainda em conta que na cláusula 10.ª do contrato donde emerge este pagamento consta que a fracção deveria ser entregue no prazo de “1200 dias de sol e trabalho após a construção do primeiro piso, só a partir dessa data entrando a Recorrente em mora”.
54. Por outras palavras, o Recorrido contratou com a Recorrente em como a quantia por ele paga, HKD1.989.000,00, ficaria imobilizada sem vencer juros por aquele período e, portanto, até um momento indeterminado no tempo.
55. Entretanto, como resulta dos autos, tal momento nunca chegou a ocorrer uma vez que não foi possível construir e entregar a fracção “H**” pelas razões supervenientes acima descritas.
56. Consequentemente, salvo melhor opinião, é o momento em que a impossibilidade do cumprimento se tornou definitiva que deve ser tomado em conta para o cálculo deste segmento da indenização a arbitrar.
57. Assim, esse momento foi o momento em que a declaração de caducidade do contrato de concessão foi proferida e se tornou irreversível, o que apenas ocorreu com o trânsito em julgado do douto acórdão do TUI proferido em 23 de Maio de 2018, no âmbito do Processo nº 7/2018.
58. Pelo que, ressalvado diverso entendimento, o momento a ser tomado em consideração para o cálculo do dano equitativo é o ano de 2018 e, como tal, compreende um período de 5 anos, isto é, entre 2018 e 2023.
59. Ora, de acordo com mesmos dados oficiais da AMCM (cfr. docs. 1 e 2), a taxa média deste período de 5 anos foi a de 2,141%, pelo que o montante respeitante a este vector de ponderação se cifra, a final, feito o correcto arredondamento por excesso, em HKD215.000,00 (1.989.000,00 x 2,141% x 5 = 212.922,45).
60. Deste modo, o valor total mais justo e equilibrado da indemnização quanto a esta fracção “H**” cifra-se, parece-nos, em HKD2.204.000,00 (HKD1.989.000,00 + MOP215.000,00) , ou, no máximo, em HKD2.269.000,00 (HKD1.989.000,00 + MOP280.000,00), equivalentes, respectivamente, a MOP2.270.120,00 e a MOP2.337.070,00.
61. Quanto à fracção autónoma “G**”, melhor identificada nos autos, a douta sentença de 1ª Instância considerou que o Recorrido tinha direito a ser indemnizado pelo dano excedente.
62. Tal solução foi criada pelo legislador de Macau justamente com a declarada intenção de impedir que, por força do rápido aumento de preços do imobiliário em Macau, o vendedor seja tentado a não cumprir um eventual contrato-promessa, por lhe ser mais vantajoso pagar o sinal em dobro e depois revender a fracção a terceiro.
63. Mas no caso vertente o que ocorre é exactamente o oposto: a Recorrente sempre quis cumprir os contratos. A sua conduta é o paradigma da boa-fé e tudo tentou para cumprir contrato. O douto tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas, e bem, a esse respeito.
64. Deste modo, com todo o respeito devido, a douta sentença recorrida não tomou em consideração o espírito subjacente à previsão contida no nº 4 do artigo 436º do CC, aplicando-a unicamente em função da sua literalidade.
65. Acresce que, in casu, conforme a douta sentença recorrida é a primeira a afirmá-lo (cfr. págs. 47 e 48) e de acordo com as regras da experiência comum, a circunstância de o Recorrido haver adquirido 2 fracções constitui um forte indício de intuitos meramente lucrativos, não sendo esse o interesse tido em vista proteger por parte do legislador.
66. Daí que, ao publicar a legislação especificamente destinada a proporcionar aos compradores do “XXX” uma fracção sucedânea daquela que adquiriram à Recorrente, o Governo tenha limitado o benefício a uma só fracção, independentemente do número de fracções que um qualquer comprador houvesse adquirido - vd. Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio.
67. Um outro factor foi desconsiderado na douta decisão recorrida: o Recorrido apenas pagou 30% do preço das fracções e não se sabe, nem pode saber, se iria ou não, pagar os restantes 70% dos respectivos preços.
68. O dano efectivo comprovado do Recorrido no caso da fracção “G**”, traduz-se na perda efectiva de 30% de MOP2.297.801,74, ou seja, na perda de MOP689.340,52.
69. Como tal, ressalvado diverso entendimento, o valor total da indemnização relativamente a esta fracção não deveria nunca cifrar-se num montante superior ao preço a restituir ao Recorrido, HKD1.617.000,00, equivalentes a MOP1.665.510,00, acrescido do valor de MOP689.340,52, tudo num total de MOP2.354.850,52.
70. Pelo que, salvo melhor opinião, caso se entenda que a indemnização deve ser arbitrada de acordo com o raciocínio da douta sentença recorrida em vez de se seguirem as regras do enriquecimento sem causa como defende a ora Recorrente, o valor total da indemnização, compreendendo a obrigação de restituir e o dano equitativo, cifra-se em MOP4.624.970,52, ou, no máximo, em MOP4.689.970,52.
71. No que diz respeito à contagem dos juros de mora e ressalvado diverso entendimento, quando o pedido radica no dano excedente, o início da sua contagem ocorre com a data da prolação da sentença, altura em que se procede à liquidação dos danos (Ac. TUI, de 29 de Novembro de 2019, Proc, nº 58/2019).
72. Temos assim, que, no caso subjudice, os juros de mora relativamente ao “sinal” ou “parte do preço” prestados pelo Recorrido, HKD3.606.000,00, começam a contar-se com a citação, mas os juros de mora incidentes sobre a parte restante da indemnização começam a contar-se com a data da prolação da sentença.
73. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
  
  Contra-alegando veio a Recorrida pugnar para que fosse negado provimento ao recurso, contudo, não apresentado conclusões.
  
  Foram colhidos os vistos.
  
  Cumpre, assim, apreciar e decidir.
  
II. FUNDAMENTAÇÃO

a) Factos

  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade constituída em Macau, que tem por objecto a exploração do comércio de importação e exportação, no exercício da actividade de agente comercial e de transportes, na indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, no fabrico de bordados, e ainda na actividade de fomento predial e na construção e reparação de edifícios.
2. No exercício da sua actividade comercial, a Ré, na qualidade de concessionária por arrendamento do Lote P, s/n, sito em Macau, na zona da Areia Preta, promoveu a construção de um empreendimento residencial constituído por 18 torres, a que daria o nome de “XXX”.
3. No dia 16 de Julho de 2012, o Autor celebrou com a Ré o contrato em discussão nos presentes autos, no que respeita à futura fracção autónoma G**, **.º andar G, do Bloco 5, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2****.
4. O preço acordado foi de HKD5.390.000,00, a pagar em seis momentos:
OHKD539.000,00 pagos na data da celebração do contrato; e
HHKD269.500,00, pagos em 9 de Janeiro de 2013;
HHKD269.500,00, pagos em 9 de Julho de 2013;
HHKD269.500,00, pagos em 9 de Janeiro de 2014;
5HKD269.500,00, pagos em 9 de Julho de 2014; e,
HHKD3.773.000,00 a pagar no prazo de 7 dias a contar da data da emissão de licença de utilização pela DSSOPT, com ou sem crédito bancário.
5. No dia 16 de Julho de 2012, o Autor celebrou com a Ré um contrato-promessa de compra e venda, pelo qual prometeu comprar, e a Ré prometeu vender, a futura fracção autónoma H**, **.º andar H, do Bloco 5, do Lote P, s/n, destinada a habitação, do prédio a construir em Macau, na zona da Areia Preta, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2****.
6. O preço acordado foi de HKD6,630,000.00, a pagar em seis momentos:
OHKD663,000.00 pagos na data da celebração do contrato;
HHKD331,500.00, pagos em 9 de Janeiro de 2013;
HHKD331,500.00, pagos em 9 de Julho de 2013;
0HKD331,500.00, pagos em 9 de Janeiro de 2014;
HHKD331,500.00, pagos em 9 de Julho de 2014; e,
HHKD4,641,000.00 a pagar no prazo de 7 dias a contar da emissão da licença de utilização pela DSSOPT, com ou sem crédito bancário
7. A Ré comprometeu-se, na cláusula 10.ª de todos e cada um dos contratos-promessa, a entregar as fracções autónomas respectivas no prazo de 1200 dias úteis de sol aos promitentes-compradores, o que exclui os Domingos, feriados e dias de chuva, contados a partir da conclusão das obras de cobertura do 1.º piso; caso o prazo não fosse cumprido, a Ré pagaria ao Autor juros de mora, calculados à taxa de juros das contas-poupança praticada pelos bancos, sobre o montante já recebido a título de princípio de pagamento.
8. O autor pagou à ré, entre 25 de Julho de 2014, por conta dos contratos objecto dos presentes autos, a quantia total de HKD3.606.000,00.
9. No dia 13 de Agosto de 2012, o Autor procedeu ao pagamento do imposto do selo devido pela aquisição das fracções G** e H**, no valor global de MOP263.990,00.
10. Por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial, de 26 de Dezembro de 1990, alterado pelo Despacho nº 107/SATOP/91, publicado no BO, nº 26, de 1/07/1991, foi concedido à Ré o terreno, a resgatar ao mar, com a área de 60,782m2, constituído por 3 lotes com a designação de Lote “O”, para fins habitacionais, Lote “S” para fins habitacionais e Lote “Pa” para fins industriais.
11. De acordo com a cláusula 2.ª, n.º 1, dos termos da concessão fixados naquele despacho, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da outorga da escritura pública do contrato.
12. Por Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 35, de 1 de Setembro de 1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb” destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único com a área global de 67.536m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
13. Através desta revisão o prazo global de aproveitamento do terreno foi prorrogado até 26 de Dezembro de 2000.
14. As parcelas “Pa” e “Pb” foram anexadas e o respectivo terreno passou a estar descrito sob o n.º 2**** do Livro B68M, com a designação de Lote “P”.
15. O “complexo industrial” foi construído no lote “P” e entrou em funcionamento, tendo as entidades competentes emitido as respectivas licenças.
16. O lote O foi aproveitado com a construção de um edifício em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 3 pisos sobre o qual assentam 6 torres com 29 pisos cada, afecto às finalidades de habitação, comércio, estacionamento e jardim.
17. Com vista a aferir da viabilidade da alteração da finalidade e aproveitamento, a Ré apresentou em 10/09/2004 um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar apresentado junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T-6451).
18. Por Despacho n.º 19/2006, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 9, II Série, de 1 de Março de 2006, foi “parcialmente revista, nos termos e condições do contrato em anexo, a concessão, por arrendamento, do terreno com a área global de 91.273m2, constituído por 3 lotes designado por “O”, “P” e “S”, situado nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP)” - a seguir abreviadamente “revisão de 2006”.
19. Esclareceu-se, no ponto n.º 4 dos termos e condições do contrato integrantes do Anexo ao despacho que: “…a concessionária pretende alterar a finalidade do lote “P” de indústria para comércio e habitação, alegando prejuízos financeiros com a fábrica de têxtil aí instalada, devido à abolição das quotas de exportação dos produtos têxteis, o que levou à perda gradual de competitividade desta indústria de Macau, agravada, no caso concreto, pela suspensão do funcionamento da fábrica no período nocturno, para não prejudicar a tranquilidade dos residentes das imediações, e invocando ainda razões que se prendem com o futuro desenvolvimento daquela zona da cidade e a crescente procura de habitação”.
20. Nos termos do n.º 5 dos termos e condições do contrato que constam do Anexo ao Despacho n.º 19/2006, constituía condição para a revisão do contrato o facto de, no âmbito da análise anteriormente efectuada ao estudo prévio, se ter verificado que o mesmo era passível de aprovação.
21. Pelo referido Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado no Boletim Oficial da RAEM, nº 9, II Série, de 1 de Março de 2006, tendo em conta o Estudo Prévio de 2005 e as PAOs de 2004 e 2005, foi acordada a alteração de finalidade e o reaproveitamento do lote “P”, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio com 5 pisos, sobre o qual assentam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção (cfr. a redacção conferida à cláusula 3.ª, n.º 2.3, do contrato de concessão de arrendamento pelo n.º 3 do artigo 1.º dos termos e condições do contrato constantes do Anexo ao Despacho n.º 19/2006): - Habitação: 599.730m2 - Comércio: 100.000m2 - Estacionamento: 116.400m2 - Área livre: 50.600m2.
22. Por força desta revisão, o terreno do contrato de concessão passou a ser de 105.437m2, constituído pelos lotes O, P, S e V, este com a área de 13.699 m2.
23. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titulasse a referida revisão (cfr. artigo 2.º do Anexo ao Despacho n.º 19/2006).
24. Após sucessivos pareceres e exigências da DSPA e consequentes apresentações de estudos de impacto ambiental por parte da Ré, foi o projecto definitivamente aprovado em 29/08/2013.
25. Em 24/10/2013 a Ré requereu junto da DSSOPT a emissão de licença para as obras de fundações, que foi emitida em 2/01/2014.
26. Em 15/01/2014 e 30/01/2014, a Ré apresentou o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, fundamentando esse requerimento com o facto de, por razões que não lhe são imputáveis, não ter podido até então proceder ao aproveitamento contratado.
27. Em 29/07/2014 foi enviado à Ré um ofício assinado pela Directora Substituta da DSTOPT, informando-a que era autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015 e aplicando a multa no valor de MOP180.000,00, devendo ainda a Ré assumir os compromissos constantes dos pontos 1. e 2. do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas datado de 10/07/2014, sendo o seguinte o teor do ofício:
“1. Nos termos da cláusula n.º 2 do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já ficou caduco aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do art.º 2.º do Despacho n.º 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai acabar aos 25 de Dezembro de 2015.
2. Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP$180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1. Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.º da Lei n.º 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P” ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2. Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
3. Nestes termos, avisa-se a vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia do pagamento da multa.”
28. A Ré concordou em pagar a multa de MOP180.000,00.
29. Em 4/08/2014, a Ré comunicou ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que aceitava os referidos dois compromissos.
30. Em 27/11/2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo o pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26/12/2015.
31. Em 30/11/2015, o Chefe do Executivo concordou com os pareceres que lhe foram colocados à consideração, cujo sentido era de indeferir o pedido de prorrogação com fundamento em que, impedindo a Lei n.º 10/2013 a renovação de concessões provisórias, não podia ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
32. A DSSOPT emitiu duas Plantas Oficiais de Alinhamento (PAO’s), uma em 23/12/2004 (doc. n.º 4) e outra em 23/02/2005 (doc. n.º 5, ambos da contestação).
33. Em 29/04/2008 a Ré apresentou o Plano de Consulta (Recibo de entrada nº T-3040) - doc. 10 da contestação.
34. Em 06/05/2008 a Ré apresentou o projecto parcial de arquitectura (Talão nº T-3163) - doc. 11 da contestação.
35. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO, que havia sido requerida em 14/08/2009, cujo teor aqui se dá por reproduzido (doc. 13 da contestação).
36. Em 11/05/2011 a R. apresentou o exigido relatório de impacto ambiental (T-5205/2011) - doc. 16 da contestação.
37. Em 11/05/2011 a Ré apresentou os exigidos relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental (T-5205/2011) - doc. 17 da contestação.
38. A DSPA elaborou um parecer em 21/06/2011, que apenas foi notificado à Ré em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011 - doc. 17 da contestação, que se dá por integralmente reproduzido), onde formulou várias novas exigências, designadamente, a observância das Guidelines da DSPA, emitidas na altura, para preparação dos relatórios; obtenção de parecer da Autoridade de Aviação Civil sobre a altura do empreendimento; o impacto ambiental ao longo da fase de construção; impacto sonoro; qualidade do ar; qualidade das águas; resíduos sólidos; contaminação do solo; impacto visual e paisagístico durante a fase de operação (uma vez concluído o empreendimento); acrescentar mais receptores sensíveis e num raio de medição mais alargado; análise da colisão das aves contra os edifícios; e exigindo ainda uma avaliação do impacto ambiental sobre o empreendimento das potenciais fontes de poluição nas áreas adjacentes, tais como o parque de estacionamento a sul do Projecto e a ETAR (cfr. o mesmo doc. 18).
39. A resposta a essas novas exigências exigiu a preparação de um segundo relatório de avaliação do impacte ambiental, o qual foi apresentado pela Ré, em 19/04/2012 (T-4242/2012) - doc. 19 da contestação.
40. Em 31/08/2012, a Ré apresentou o terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental, que cumpria esses requisitos (doc. 21 da contestação).
41. A DSPA emitiu e entregou à DSSOPT o seu parecer sobre o 3.º relatório de Avaliação de Impacto Ambiental, em 16/10/2012, mas este parecer apenas foi notificado à Ré em 28/12/2012 (Ofício nº 13023/DURDEP/2012), (doc. 22 da contestação).
42. Neste parecer a DSPA voltou a formular novas exigências, designadamente a avaliação do impacto das poeiras resultantes dos trabalhos de construção (partículas em suspensão), maior distância entre as torres do lote P e a ETAR, sem, no entanto, especificar qual a distância aconselhável que devia ser observada (cfr. o mesmo doc. 22).
43. Em 15/03/2013, a Ré apresentou o quarto relatório de avaliação do impacte ambiental (T-3953/2013) - doc. 23).
44. Em 07/08/2013 foi apresentado o sexto relatório de avaliação do impacte ambiental pela Ré contemplando a versão final sobre os odores da ETAR (doc. 27 da contestação).
45. Em 15/10/2013, a DSSOPT notificou a Ré informando que tinham sido aceites os relatórios de circulação de ar e de impacto ambiental (doc. 28 da contestação).
46. Nos termos da cláusula 5ª, nº 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, a DSSOPT dispunha de um prazo de 60 dias para aceitar ou rejeitar os pedidos da ora Contestante (cfr. doc. 2 da contestação).
47. Em 29/11/2018, a R. instaurou uma acção de responsabilidade civil contra a RAEM, conforme certidão judicial junta aos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida.
48. Em 22/01/2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer favorável à declaração de caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento.
49. Em 26/01/2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho: “Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 2/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho.”
50. A Ré interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 26/01/2016, do Chefe do Executivo para o Tribunal de Segunda Instância.
51. Por acórdão de 19/10/2017, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
52. Deste acórdão interpôs a Ré recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, ao qual, por acórdão de 23/05/2018, proferido no referido Processo n.º 7/2018, e já transitado em julgado, foi negado provimento.
53. Em 10/9/2004, a Ré apresentou um Estudo Prévio junto da DSSOPT (T-4803), seguido de um estudo prévio complementar, apresentado em 15/12/2004 (T-6451), os quais serviam fundamentalmente para o cálculo do prémio do contrato em função das áreas brutas de construção do empreendimento proposto. (Q .1º)
54. O referido estudo prévio foi aprovado pela DSSOPT, em 21/1/2005, por Ofício com o nº 747/DURDEP/2005. (Q 2.º)
55. No contrato de concessão revisto e nas Plantas de Alinhamento Oficial emitidas pela DSSOPT em data anterior a 23 de Fevereiro de 2010, designadamente em 2004, 2005 e 2007, não se previa a necessidade de um afastamento mínimo entre as torres a construir correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta nem se previa a necessidade de as fachadas das torres não excederem a extensão de 50 metros. (Q 3.º)
56. Também em lado nenhum se previa a apresentação e aprovação de relatórios de avaliação de impacto ambiental e de circulação do ar. (Q 5.º)
57. O projecto parcial referido nos factos HH) nunca chegou a ser analisado pela DSSOPT, porquanto o mesmo foi absorvido pelo projecto que contemplava todo o empreendimento, incluindo áreas comerciais, apresentado para aprovação em 22/10/2009. (Q 8.º)
58. A ré solicitou em 14/08/2009 a emissão de uma nova PAO. (Q 9.º)
59. Uma vez que a DSSOPT, ultrapassado o prazo contratual de 60 dias, não emitira a Planta solicitada, preocupada com o escoar do prazo de 96 meses de aproveitamento, a R. não aguardou pela nova Planta e submeteu o projecto global de arquitectura, para efeitos de aprovação, em 22/10/2009 (T-7191/2009). (Q 10.º)
60. O projecto inicial de arquitectura de 2008 e o projecto global de arquitectura de 2009 mantinham as mesmas soluções arquitectónicas já previstas nos Estudos Prévios de 2004. E o “estudo prévio de 2004” previa a construção de 18 torres com 46 andares cada assentes em pódio de 6 pisos, o contrato de concessão revisto previa a construção de 18 torres com 47 andares assentes num pódio de 5 pisos, o “projecto inicial de arquitectura de 2008” continha 4 torres de um conjunto de 16 com 43 andares assentes em pódio de 2 pisos de cave e mais três pisos acima do nível do solo e o projecto global de 2009 continha 18 torres com 52 pisos mas com localização diferente da indicada no “estudo prévio de 2004”. (Q 11.º)
61. Em 30/12/2010, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela Ré, em 22/10/2009 (Ofício n.º 318/DURDEP/2011, de 07/01/2011). (Q 13.º)
62. O projecto aprovado pela DSSOPT em 07/01/2011 não contemplava a sugestão de afastamento entre torres mencionada no nº 6 do referido Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010. (Q 14.º)
63. No ofício de 07/01/2011, a DSSOPT acabou por dispensar a Ré do cumprimento da condição urbanística do afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da torre mais alta. (Q 15.º)
64. O projecto de arquitectura, finalmente aprovado em 7/1/2011, contemplava, outrossim, as soluções anteriormente preconizadas nas PAOs de 23/12/2004, 23/12/2005 e 11/05/2007, bem como, no contrato de concessão na versão revista em 2006. (Q 16.º)
65. Apesar de a DSSOPT ter aprovado o projecto de arquitectura, não autorizou a emissão imediata da licença de obras, incluindo a licença para implantação de alicerces e fundações no terreno, até que fossem aprovados o relatório de circulação de ar e o relatório de impacto ambiental do empreendimento (ponto 19 e parte final do Ofício de 07/01/2011 da DSSOPT – doc. 3 da contestação). (Q 17.º)
66. Sucessivamente a R. apresentou seis vezes relatórios de Avaliação do Impacto Ambiental, contemplando as novas exigências manifestadas pelos serviços públicos na referida reunião de 26/07/2013. (Q 19.º)
67. Estavam, em causa exigências novas que apenas iam sendo formuladas à medida que o tempo passava e após a análise dos anteriores elementos entregues pela A. (Q 20.º)
68. O projecto da Ré apresentado em 22/10/2009, com as alterações técnicas de pormenor de 03/06/2010, porém, não sofreu quaisquer alterações de relevo. (Q 21.º)
69. A Ré, em 24/10/2013, requereu a licença para as obras de fundações (T-11874/2013). (Q 22.º)
70. No entanto, a DSSOPT só, em 2/1/2014, é que emitiu tal licença e com validade apenas até 28/2/2014, i.é, inferior a dois meses. (Q 23.º)
71. A Ré deu de imediato início aos respectivos trabalhos. (Q 24.º)
72. Tendo apresentado também logo, em 15/1/2014, pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. (Q 25.º)
73. Mas só cerca de seis meses e meio depois foi o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento autorizado, em 29/7/2014, através do ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014. (Q 26.º)
74. O teor do acordo celebrado entre os autores e a ré que consta do documento de fls. 35 a 38 e 40 a 43. (Q 27.º)
75. Em 09/04/2010, a DSSOPT sugeriu à Ré a alteração do projecto de 22/10/2009, com introdução de novo “layout” das torres, para obedecer à distância mínima de afastamento de 1/6 da altura da torre mais alta, através do Ofício nº 4427/DURDEP/2010 (doc. 14, que aqui se dá por integralmente reproduzido). (Q 28.º)
76. O projecto de arquitectura global foi apresentado em 22/10/2009 de acordo com as condições urbanísticas constantes da PAO emitida em 2007 que, por sua vez, era essencialmente igual às PAOs emitidas em 2004 e 2005. (Q 29.º)
77. A PAO de 23/02/2010 e ofício de 09/04/2010 diferiam das anteriores (2004, 2005 e 2007), pretendendo a DSSOPT pela primeira vez e sem que nada o fizesse prever, a contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta. (Q 30.º)
78. O cumprimento desta exigência alteraria de modo significativo, se não por completo, o modelo construtivo preconizado pela Ré no Estudo Prévio de 2004, sem o afastamento mínimo de 1/6 da altura da torre mais alta que é uma sugestão e não de uma exigência, e estava implícito nos seus planos de investimento com a revisão do contrato de concessão em 2006. (Q 31.º)
79. A exigência de contemplação de um afastamento mínimo entre as torres não inferior a 1/6 da altura da torre mais alta constituiria uma inutilização de parte do tempo já despendido na concepção e elaboração do plano global de arquitectura, para além de implicar ainda a necessidade de despender mais tempo com a redefinição do empreendimento, o que não estava dentro dos prazos preconizados pela Ré para a melhor gestão dos prazos de aproveitamento do terreno. (Q 32.º)
80. Em 03/06/2010, a Ré incorporou no projecto de 22/10/2009 as exigências obrigatórias da DSSOPT e não acolheu o número 6 do ofício de 09/04/2010 que constituía mera sugestão da DSSOPT no sentido de contemplar o referido afastamento mínimo entre as torres equivalente a 1/6 da altura da torre mais alta (T-5291 - doc. 15). (Q 33.º)
81. A ré não concordou com a sugestão de afastamento entre torres feita pela DSSOPT. (Q 34.º)
82. Desde a data de aprovação do projecto, comunicada à Ré em 07/01/2011, até ao termo do prazo de aproveitamento ou do prazo de concessão do terreno, dispunha a Ré de tempo suficiente para concluir todo o empreendimento. (Q 35.º)
83. O Estudo de Impacto Ambiental e o relatório sobre a circulação do ar não mereceriam parecer favorável nem aprovação sem que a Ré desse cumprimento às novas exigências que a DSPA foi acrescentando e constantes dos ofícios n.º 11599/DURDEP/2011. (Q 36.º)
84. Na apreciação do segundo relatório ambiental, a DSPA voltou a formular novas exigências a cumprir pela Ré, tal como consta do Ofício nº 1586/054/DAMA/DPAA/2012, de 24/05/2012, cujo teor foi objecto de discussão entre a Ré, a DSSOPT e a DSPA, em 25/7/2012, altura em que referido parecer foi entregue à Ré. (Q 37.º)
85. O Departamento de Planeamento Urbanístico da DSSOPT ("DPU") exigiu, com muitos meses de atraso, que no estudo sobre a circulação de ar, incluísse uma “Simulação Informática”, exigência não mencionada no ofício de 07/01/2011. (Q 38.º)
86. O relatório de circulação de ar tinha sido entregue, em 11/05/2011, a DSSOPT remeteu-o para a DSPA e esta, conforme ofício de 10/10/2012, declarou-se, ano e meio depois, incompetente para o apreciar, sugerindo ser a DSSOPT a entidade com melhores condições para proceder à respectiva análise e aprovação. (Q 39.º)
87. A Ré viu-se obrigada a recorrer a serviços especializados de consultoria sedeados na Austrália, para a realização da “Simulação Informática” de circulação do fluxo de ar. (Q 40.º)
88. Em 03/05/2013 a DSPA emitiu o seu parecer sobre o quarto relatório de avaliação do impacte ambiental apresentado pela Ré (doc. 24 da contestação). (Q 41.º)
89. Nesse parecer de 03/05/2013 (doc. 24 da contestação) são novamente formuladas novas exigências, desta feita em relação à avaliação quantitativa, em complemento da avaliação em método qualitativo já efectuada e entregue, dos odores provenientes da ETAR, de modo que se tornasse mais esclarecido o impacto que o mau cheiro pudesse causar para o empreendimento e a avaliação da distância entre as torres do empreendimento e a ETAR e exigiu ainda uma avaliação do impacto em termos de ruído que o trânsito rodoviário dos Novos Aterros urbanos e a Ilha Artificial da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau pudesse causar para o empreendimento. (Q 42.º)
90. A DSPA exigiu uma avaliação quantitativa dos odores da ETAR, mas não disponibilizou os respectivos dados oficiais, os quais só foram entregues depois, socorrendo-se a Ré de dados fornecidos pelo seu arquitecto. (Q 43.º)
91. Teve a Ré de elaborar um quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que apresentou em 28/06/2013, sem os dados oficiais solicitados sobre odores da ETAR (doc. 25 da contestação). (Q 44.º)
92. Perante a ausência de resposta célere a este novo relatório apesar do tempo urgir, a Ré solicitou uma reunião à DSSOPT e à DSPA que teve lugar em 26/07/2013 (doc. 26 da contestação). (Q 45.º)
93. No ofício de 15/10/2013, a Administração acabou por simplesmente recomendar que se cumprissem as recomendações do Parecer de 29/08/2013 da DSPA, o qual apenas propõe genericamente que sejam adoptados os métodos adequados à implementação de “medidas de mitigação e a gestão ambiental, e que as sugestões de monitorização constantes do relatório de avaliação ambiental sejam devidamente iniciadas e executadas” (ponto 1); e que se assegure o cumprimento da legislação ambiental durante a execução das obras (ponto 2). (Q 46.º)
94. A exigências feitas pela DSPA, de apresentação de relatório de circulação de ar e de relatório de impacto ambiental e as exigências que foi fazendo a propósito destes relatórios, nunca antes tinham sido efectuada em Macau nem as mesmas constavam do contrato ou de norma legal ou regulamentar em vigor. (Q 47.º)
95. Em 04/06/2014, a Ré voltou a solicitar o deferimento imediato da prorrogação do prazo de aproveitamento para que a Ré pudesse requerer a emissão da licença de obra e, simultaneamente, requerer a aprovação da continuação da obra de construção após o termo do prazo de concessão, para que houvesse tempo suficiente para concluir o empreendimento aprovado para o lote "P” (doc. 33). (Q 49.º)
96. O que voltou a repetir em 02/07/2014 (doc. 34). (Q 50.º)
97. Entre Agosto de 2014 e Dezembro de 2015, a Ré efectuou e concluiu todo o trabalho de fundações. (Q 51.º)
98. Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde,
A R. tinha concluído o empreendimento “XXX” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora a fracção autónoma de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 52.º)
99. Após a declaração de caducidade da concessão do lote “P, o Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT e a Comissão de Terras foram unânimes em propor à hierarquia o indeferimento, do pedido de prorrogação solicitada, inclusive o referente à prorrogação até 25/12/2015, por razões que se prendem com a absoluta insuficiência de tempo (18 meses) para a construção de 18 torres e para não criar expectativas de que a Ré pudesse continuar a executar a obra de construção para além do prazo da concessão. (Q 53.º)
100. Após a emissão desta licença, a Ré despendeu avultados meios financeiros e assumiu elevadíssimos compromissos perante terceiros porque os Serviços da RAEM lhe criaram a convicção de que iria prorrogar os prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 54.º)
101. Na carta de 4/6/2014, dirigida ao Director da DSSOPT, a Ré afirmou o seguinte (no ponto n.º 3): “Tendo em conta que o presente empreendimento é grande, é impossível ser o mesmo concluído, em termos objectivos e técnicos, antes de 25 de Dezembro de 2015, pelo que solicita a V. Exa a prorrogação do prazo de aproveitamento para que a presente Sociedade possa requerer a emissão da licença de obra para sua execução, e simultaneamente a presente Sociedade promete que irá requerer a aprovação da continuação do desenvolvimento do terreno em apreço no termo do referido prazo de concessão, para que haja tempo suficiente a concluir o presente empreendimento”. (Q 55.º)
102. A Comissão de Terras nas reuniões de 22 de Maio, 26 de Junho e 3 de Julho de 2014, deliberou no sentido de propor que, entre o mais, o conteúdo da carta da Ré de 4/6/2014 fosse tido em consideração na decisão final. (Q 56.º)
103. O Secretário para as Obras Públicas, em parecer de 10/7/2014, propôs ao Chefe do Executivo, entre o mais, a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno em causa até 25/12/2015, a aplicação da multa à Ré no montante de MOP180.000,00, propondo, para garantia de interesses públicos, reflectidos no ponto 24.4 do parecer da Comissão de Terras, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a possibilidade de nova concessão, nos termos legais, do mesmo terreno a favor da Ré, a fim de poder honrar os seus compromissos para com milhares de compradores. (Q 57.º)
104. O Chefe do Executivo, em 17/7/2014, sobre tal parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, exarou o despacho de “Concordo”. (Q 58.º)
105. A intenção da Ré com a declaração de aceitação das condições que lhe foram definidas, nomeadamente o pagamento da multa da alínea BB) dos Factos Assente, era poder continuar a construção depois de 25/12/2015, tal como admitido pela Administração, para poder salvar o avultado investimento já realizado e proteger os direitos e interesses dos 3.020 compradores, que haviam pago cerca de 8 mil milhões de dólares de Hong Kong ao abrigo dos contratos celebrados. (Q 59.º)
106. A política da RAEM, nos casos de inexistência de responsabilidade por parte do concessionário, era a de atribuir, por ajuste directo, nova concessão, após negociações sobre os respectivos termos e condições, como sucedeu, por exemplo, com os casos dos terrenos da Concórdia” e do complexo Jardins Lisboa. (Q 60.º)
107. A ré confiava que a Administração lhe prolongaria o prazo de aproveitamento e do prazo de concessão, por qualquer via, designadamente por nova concessão, designadamente em concurso público, pelo menos pelo período de tempo que a ré considerava que o aproveitamento não pôde ser concretizado por efeito directo da conduta dos Serviços da RAEM. E com base nessa confiança a ré despendeu elevados recursos materiais e humanos. (Q 62.º)
108. No que respeita ao empreendimento aqui em causa, existiam duas modalidades de pagamento do preço: uma, pagamento de forma faseada, consoante os prazos pré-determinados; oura, pagamento do preço integral até 7 dias após a celebração do contrato, concedendo a Ré, nestes últimos casos, um desconto de até 20% sobre o preço contratado. (Q 63.º)
109. A Ré ofereceu ao público milhares de fracções autónomas por construir deste seu empreendimento em termos semelhantes àqueles que acordou com o autor no contrato em apreço nos presentes autos, com pagamento do preço na modalidade de pagamento integral ou pagamento faseado. (Q 67.º)
110. A Ré lançou dois planos de restituição das quantias que lhe foram entregues por conta dos contratos celebrados entre si e todos os compradores, abrangendo um total de cerca de 3.020 fracções autónomas do empreendimento imobiliário “XXX”, apresentando duas opções: ou a restituição das quantias recebidas pela Ré em numerário, com um bónus de 2% (plano 1), ou a restituição em espécie, através da conversão daquelas quantias em parte do preço de uma qualquer outra fracção autónoma num dos empreendimentos do Grupo A escolhida pelo comprador e com um bónus de 15% sobre o preço de venda da mesma fracção para o público (plano 2)- cfr. Doc. 37. (Q 68.º)
111. Ambos os Planos contemplam uma forma de restituição do preço em singelo. (Q 59.º)
112. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei nº 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio, sendo que tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes ao da fracção mais valiosa que constitui objecto dos contratos aqui em causa. (Q 72.º)
113. Tal requerimento foi deferido. (Q 72.ºA)
114. O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos autores. (Q 72.ºB)
115. O empreendimento “XXX” não foi nem será concluído pela ré. (Q 73.º)
116. Na mesma zona onde se localiza o Lote P e onde se localizaria as fracções G** e H**, se tivesse vindo a ser construída, em edifícios com características semelhantes, o metro quadrado é transacionado a preços médios de MOP108.926.00. (Q 74.º)
117. A área da fracção G** prometida vender pela Ré era de 78,4900m2. (Q 75.º)
118. A área da fracção H** prometida vender pela Ré era de 91,2400m2. (Q 76.º)
119. Na primeira quinzena de Setembro de 2018, o metro quadrado no edifício ...... foi transaccionado, em média, por MOP166.370,00, sendo o valor de MOP165.959,00 verificado na segunda quinzena de Agosto de 2018. (Q 77.º)
120. O edifício ...... é um empreendimento promovido por empresas e sociedades do mesmo grupo empresarial da ré, sito na Rua Central da Areia Preta, construído em lote próximo do Lote P, com um nível de qualidade e acabamentos semelhante ao que estava projectado para o “XXX”. (Q 78.º)
  
b) Do Direito

  É o seguinte o teor da decisão recorrida:
  «1 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
  Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar os contratos prometidos de compra e venda de fracções autónomas de prédio urbano ou apenas construir e entregar as referida fracções. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir a mencionada fracção, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva1. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir as fracções autónomas em causa2. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção das mencionadas fracções está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável3. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
  Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração dos contratos a prestação que a ré acordou com o autor.
  Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
  1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
  1.1.1 – Em geral.
  Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
  Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
  Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
  Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
  Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
  Vejamos.
  1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
  Este tribunal já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos e não encontrou ainda razões para decidir de modo diferente. As partes, designadamente os seus ilustres mandatários conhecem a fundamentação da referida decisão deste tribunal, razão por que, não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
  Em síntese:
  A imputação é a atribuição a uma pessoa dos efeitos jurídicos de um facto. No caso presente está em causa a atribuição à ré do dever de indemnizar o autor (efeito jurídico) por ter ocorrido a impossibilidade da prestação (facto jurídico).
  A causa da impossibilidade jurídica da prestação da ré foi o facto de não ter construído as fracções acordadas com o autor no prazo de que a ré dispunha nos termos do contrato de concessão, o que causou a caducidade da concessão e a impossibilidade jurídica de construir e entregar.
  A imputação à ré da causa da impossibilidade da sua prestação depende da sua culpa em relação a essa causa.
  A culpa é um juízo de censura dirigido a uma pessoa por ter tido um comportamento diverso daquele que deveria ter tido, ou seja, por ter tido um comportamento ilícito ou contrário ao Direito em vez de ter tido um comportamento lícito. In casu está em causa um ilícito contratual, o incumprimento de uma obrigação contraída por via contratual.
  Este juízo de culpa pressupõe capacidade de motivação e liberdade de decisão do agente (que não se questiona em relação à ré) e, em matéria de responsabilidade civil, estrutura-se numa comparação entre o comportamento que o agente teve e aquele que, no seu lugar, teria um bom pai de família, o qual é uma pessoa que, entre o mais, se esforça por não cair em situações que o impeçam de honrar aquilo a que se comprometeu por via contratual e que, para isso, designadamente, pondera bem as possibilidades de cumprir antes de se comprometer e não se compromete quando há um não desprezível grau de probabilidade de não conseguir cumprir.
  A ré, quando se comprometeu com o autor a cumprir (16/07/2012), dispunha de cerca de um ano e meio até ao fim do prazo de aproveitamento da concessão (28/2/2014) e de cerca de três anos e meio até ao fim do prazo da concessão (25/12/2015), sendo notório que se trata de tempo insuficiente, pois que a ré se comprometeu a construir em “1200 dias úteis de sol, contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura” (ponto 7. dos factos provados), necessitava de três a quatro anos para construir (art. 126º da contestação da ré) e ainda não tinha licença de obras para iniciar a construção por esta licença depender da aprovação administrativa de estudos de impacto ambiental que a ré tinha apresentado à autoridade competente em 11 de Maio de 2011 e que não estavam ainda aprovados na data em que a ré celebrou o contrato com o autor (16 de Julho de 2012). Além disso, necessitava da cooperação dos serviços públicos da RAEM, que vinham cooperando com atraso não desprezível em relação aos prazos legais e contratuais, não relevando aqui as razões desse atraso, quer respeitem a acumulação imprevisível de serviço, quer respeitem a falhas de organização ou outras falhas.
  Neste contexto, um bom pai de família, no lugar da ré, não se vincularia a construir e entregar como a ré vê vinculou ou, então, obtinha a adesão da sua contraparte contratual à possibilidade de sobrevir a impossibilidade de cumprir, incrementando ao contrato alguma álea em vez de se comprometer firmemente como se comprometeu. A ré distanciou-se claramente do comportamento que no seu lugar teria um bom pai de família. A ré é juridicamente censurável em termos de culpa por ter ocorrido a impossibilidade da sua prestação.
  Este tribunal só pode decidir por razões jurídicas. Se, por mero exemplo, a actuação da ré foi meritória, justificada ou compreensível em termos de gestão empresarial não cabe aqui avaliar nem releva em sede de juízo de culpa cível em matéria de responsabilidade civil. O risco empresarial não é o risco jurídico. Este tem a ver com os direitos e deveres jurídicos, nomeadamente de quem celebra contratos e, designadamente, do âmbito da autonomia privada e do dever de agir de boa fé. Aquele outro risco é aqui alheio.
  Em conclusão, a causa da impossibilidade da prestação é, crê-se que sem sombra de dúvida, juridicamente imputável à ré a título de culpa.
  2 – Da resolução contratual.
  No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
  Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
  3 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
  3.1 Da existência de obrigação de indemnizar.
  Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
  Tendo-se provado que o autor pagou à ré para receber dela dois imóveis e que nada recebeu é forçoso concluir que o autor sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
  Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
  3.2 Do montante da indemnização
  O autor pretende ser indemnizados pelo dano que efectivamente sofreu e que diz ser superior a sinal prestado.
  Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclusa que existe, é diminuta e que o dano do autor também não é tão elevado como alega, pelo que, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
  O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
  No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
  É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
  3.2.1 Da existência de sinal
  Da qualificação dos contratos.
  Como antes se referiu, o autor entende que os contratos em discussão nos presentes autos devem ser qualificados como contratos-promessa, ao passo que a ré entende nas suas alegações de Direito que devem ser qualificados como contratos de compra e venda de bem futuro.
  A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC).
  A qualificação dos contratos pertence à lei e não às partes4. É uma operação muito relevante, pois vai determinar o regime jurídico aplicável à relação contratual5. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CC).
  Pois bem, a qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular6. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais, podendo concluir-se que o contrato concreto se reconduz a um tipo, a nenhum ou a mais que um, sendo neste caso um contrato misto ou uma união de contratos.
  A nosso ver, deve atender-se de forma mais relevante às prestações características acordadas pelos contraentes, quer para qualificar o contrato, quer para se lhe determinar o regime quando se conclua que o contrato celebrado se trata de um contrato misto por agregar elementos de mais do que um tipo contratual7.
  Faltando no contrato celebrado um elemento essencial de um contrato tipificado na lei, o acordo das partes não pode qualificar-se segundo tal tipo contratual.
  Pois bem, então afinal a operação de qualificação do contrato redunda em duas operações: saber que prestação característica quiseram as partes e, depois, subsumi-la à prestação característica de um tipo contratual, de mais que um ou de nenhum.
  A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
  Este tribunal também já decidiu esta questão em diversos litígios semelhantes ao que se discute nos presentes autos, conhecendo as partes, designadamente os seus ilustres mandatários, a fundamentação da referida decisão, razão por que, não se tendo encontrado ainda razões para alterar o sendido da decisão, também não advém redução das garantias processuais das partes se aqui não se reproduzir exaustivamente aquela fundamentação.
  A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de mera reserva ou encomenda de um bem futuro é que o autor foi pagando prestações do preço e não apenas uma comissão de reserva. Crê-se que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de mera reserva de lugar para aquisição em face do facto de ter sido colocado perante a escolha de pagar todo o preço ou apenas um parte e perante o pagamento de várias e sucessiva “comissões de reserva”. Reserva, terá havido no pagamento dos primeiros HKD200.000,00, mas com a formalização do contrato em discussão e com os pagamentos seguintes, nenhum declaratário normal considerará que as partes se quiseram manter em situação de mera reserva.
  A razão decisiva para o tribunal concluir que a vontade das partes não foi de compra e venda de um bem futuro, contrato que seria formalmente inválido, é que no contrato que celebraram não consideraram o autor como titular de um direito real, oponível erga omnes, mas consideraram-no na situação de alguém que necessitava do consentimento da ré e de lhe pagar para exercer o direito que adquiriu por via contratual, se esse exercício passasse pela transmissão para terceiros.
  Crê-se também que é incontornável que um declaratário normal não considera que a vontade das partes foi de tornar o autor dono ou proprietário, mas de torná-lo mero titular de um direito a ultimar uma qualquer relação contratual com a ré, o que é, precisamente, a prestação característica do contrato-promessa.
  Em conclusão, dir-se-á que o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial quanto às prestações acordadas só é reconduzível ao tipo contratual de contrato-promessa.
  Da convenção de sinal.
  O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico8. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
  Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
  Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes9.
  Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
  Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
  Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o autor entregou à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito dos contratos-promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 71º da base instrutória). Tem a ré de ver esta questão decidida em sentido contrário à sua pretensão.
  Mas dir-se-á ainda que do contrato-promessa sub judice resulta que as partes quiseram que as quantias pagas pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor sejam consideradas sinal. Com efeito, na cláusula 5ª do contrato referido em c) dos factos provados diz-se que a falta de pagamento das prestações do preço acordado implica a perda da quantia já paga. Trata-se do regime supletivo do sinal, pelo que parece clara a vontade das partes no sentido de terem pretendido constituir sinal.
  Mas, em caso de dúvida sobre o sentido que atribuiria o “declaratário normal”, deve, para se apurar o sentido com que a vontade declarada das partes deve valer, ponderar-se a medida em que o princípio do equilíbrio das prestações intervém na fixação do valor da vontade negocial declarada quando se desconhece a vontade real.
  Se é certo que não é determinante para qualificar o acordo das partes o facto de as partes terem denominado como contrato-promessa aquele acordo que celebraram, é igualmente certo que não é determinante para fixar o sentido com que deve valer a declaração negocial o facto de terem denominado de depósito a quantia monetária entregue pelo autor à ré em cumprimento do acordo que celebraram.
  Se a vontade real dos contraentes é conhecida pelo declaratário, é ela que deve vincular os declarantes (nº 2 do art. 228º do CC). Se essa vontade real não é conhecida, é a vontade declarada que vai determinar quais os vínculos contratuais que as partes devem cumprir. Para saber em que sentido a vontade declarada vincula é necessário interpretá-la, ou seja, avaliá-la intelectivamente para lhe apreender o sentido vinculador.
  Há, pois, que atender ao princípio do equilíbrio das prestações, o qual diz que, em caso de dúvida, o sentido da declaração é o mais equilibrado nos negócios onerosos, como é o dos autos.
  Ora, se em caso de incumprimento do autor a ré é indemnizada em “X”, qual será a vontade negocial que deve valer em caso de incumprimento da ré? Deve pagar apenas se se enriqueceu e só na medida do seu enriquecimento? Ou deve também ter uma pena e pagar o mesmo que o autor ou outra quantia, mas uma pena? Parece que o princípio do equilíbrio das prestações impõe que, em caso de dúvida, se conclua que as partes estabeleceram penas para ambas e que quiseram que a quantia entregue pelo autor fosse a medida da pena de ambas em caso de incumprimento definitivo.
  As partes não estipularam que em caso de incumprimento do autor a ré podia recorrer à acção de execução específica, nem à acção de condenação, nem à resolução do contrato com restituição do que foi prestado e indemnização dos danos efectivos. Estipularam o regime do sinal segundo o qual, em caso de incumprimento daquele que o prestou, aquele que o recebeu fica com ele para si sem direito a outra indemnização excepto se sofrer danos manifestamente superiores.
  Na dúvida, o princípio do equilíbrio das prestações “manda” que se atribua valor à declaração negocial das partes no sentido de ter sido estipulado sinal.
  Assim, mesmo que não se qualifique os contratos como contratos-promessa, há-de a quantia entregue ser qualificada de sinal de acordo com o sentido com que deve valer juridicamente a declaração negocial das partes.
  Portanto, mesmo sem a presunção legal referida, sempre a vontade das partes deve ser interpretada no sentido de terem convencionado sinal.
  Conclui-se, pois, que foi acordado sinal no caso em apreço.
  O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal, a sua ampliação para o valor do dano efectivo que excede o valor do sinal ou a sua redução por juízos de equidade.
  “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
  Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
  Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
  Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
  Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC)10. Mas terá ainda de pagar aos aurores um montante igual ao do sinal que recebeu, um montante superior ou um montante inferior?
  Vejamos.
  Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
  E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
  Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
  - Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal11;
  - Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo12.
  O ónus da prova.
  O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano do lesado e para sancionar a culpa do lesante.
  No presente caso, cabe ao autor alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o seu dano efectivo é superior ao valor do sinal e cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
  Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
  “A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” (art. 801º, nº 1 do CC).
  Este normativo rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações13, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento14.
  O legislador, perante um dano efectivo superior ao sinal, preferiu o dano efectivo, mas perante um dano efectivo inferior ao sinal já não escolheu o dano efectivo, mas a redução equitativa do valor determinado pelo sinal. Claramente, pretende-se que a indemnização ainda tenha função punitiva, conatural à cláusula penal e supletiva do sinal confirmatório e pretende-se também que a indemnização não se fique meramente pela função ressarcitória que é a essência da obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil. O limite equitativo não deve, pois, ser inferior ao dano efectivo e deve ainda deixar que o sinal cumpra a sua função punitiva, embora não com a severidade castigadora pretendida pelas partes ou resultante da norma supletivamente estabelecida pelo legislador.
  Vejamos então.
  A equidade serve de critério para decidir se a indemnização deve ser reduzida e, em caso de se concluir que há lugar à redução, serve ainda de medida dessa redução.
  Cabe, pois, aferir se a pena convencional determinada pelo sinal é manifestamente excessiva em relação aos danos efectivos que o autor sofreu. O dano efectivo é o limite mínimo da redução equitativa, como ficou dito.
  Como se disse atrás, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado pelo valor do sinal tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
  No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
  No que tange ao dano efectivo, a ré disse que o autor, devido à impossibilidade da prestação da ré irá adquirir uma fracção autónoma semelhante à que iria adquirir da ré como acordado e pelo preço que foi acordado pagar à ré.
  Provou-se que o autor se candidatou com sucesso à aquisição de tal fracção e que esta é semelhante à “H**” acordada ente o autor e a ré.
  Está também provado por falta de impugnação que o autor pagou à ré a título de sinal relativo à promessa de venda da fracção “H**” a quantia de HKD1.989.000,00.
  Perante esta situação já se pode concluir que só poderá haver lugar à redução equitativa em relação à indemnização que seja devida ao autor pelo incumprimento da ré em relação ao contrato que tinha por objecto a fracção autónoma “H**”. Na verdade, em relação ao contrato que tinha por objecto a fracção “G**” não receberá o autor qualquer fracção para troca, pelo que nenhuma razão relativa ao dano efectivo foi invocada para justificar a redução equitativa, estando o autor definitivamente privado da fracção que pretendia adquirir.
  Assim, apenas há que ponderar se, por razões de equidade, deve haver redução do valor da indemnização relativamente ao incumprimento do contrato relativo à fracção “H**”. Quanto ao contrato relativo à fracção “G**” há apenas que ponderar se a indemnização deve ser superior ao valor do sinal e correspondente ao dano efectivo.
  Redução equitativa quanto à indemnização por incumprimento da prestação da ré relativa à fracção “H**”.
  A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
  O autor tinha o direito de a adquirir a fracção “H**” pagando à ré a parte do preço ainda não paga (HKD4.641.000,00) e terá de pagar pela aquisição da habitação para troca HKD6.630.000,00, pelo que terá um prejuízo de HKD1.989.000,00 (HKD6.630.000,00 - HKD4.641.000,00), que é exactamente o valor do sinal, o qual também deve ser devolvido pela ré. Se a ré devolver o sinal antes de o autor pagar o preço da “fracção para troca”, este já não terá o referido prejuízo.
  O prejuízo do autor será, então, o correspondente à privação da disponibilidade da fração entre a data em que a ré deveria entregar e a data em que o autor a irá receber da sociedade comercial Macau ......, S.A.. O interesse contratual positivo. Uma situação semelhante à mora e não ao incumprimento definitivo, pois que o autor irá adquirir uma fracção como pretendia, mas mais tarde do que acordou.
  O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso semelhante ao presente, embora a ali autora tivesse feito o seu pagamento no ano de 2015, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pelo autor15. Perspectivou, pois o dano como interesse contratual negativo. Não o que o autor deixou de auferir através do que despendeu, mas o que teve de despender em vão, sem nada auferir.
  Seguindo o entendimento do Venerando TSI, no caso presente seria de considerar o período de 11 anos, pois que o autor pagou à ré no ano de 2012.
  Aplicando a doutrina do referido douto acórdão, temos que o sinal pago foi de HKD1.989.000,00, pelo que o valor da indemnização equitativa deveria ser de HKD765.765,00 (1.989.000,00 x 3,5% x 11).
  Este tribunal também já decidiu em diversos casos a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável o repetir.
  O autor esá privado da sua fracção há vários anos e continuará ainda por tempo desconecido impossibilitado de a fruir. Está também privado do sinal que pagou. Para adquirir a fracção prometida teria ainda de fazer um esforço financeiro considerável. A culpa da ré é leve e é pesada a pena já suportada pela ré em despesas com as obras iniciadas e com as indemnizações já fixadas. O autor pretendia adquirir duas fracções, o que indicia que tinha objectivos de investimento para obtinção de lucros cuja justificação é o risco que o autor aceitou assumir em relação ao comportamento do mercado imobiliário.
  Não há razões para duvidar que se a fracção prometida tivesse sido entregue ao autor no tempo acordado (cerca de 2016), o autor não teria conseguido com a sua fruição um valor aproximado ao valor do sinal prestado (HKD1.989.000,00).
  Também não há razões para duvidar que se não tivesse pago o sinal e, em vez disso, o tivesse fruído em fruição lícita comum não teria conseguido um resultado líquido aproximado ao valor do sinal.
  Tudo visto e ponderado, afigura-se respeitador da equidade fixar em MOP900.000,00 (novecentos mil Patacas) a indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito do contrato que celebrou com o autor relativo à fração “H**”.
  Da indemnização por “dano excedente”.
  O dano que o autor pretende ver ressarcido consiste na privação do aumento que se deu no valor de mercado das fracções, entre o preço que acordou pagar e o valor de mercado que hoje o autor teria se tivesse recebido as fracções pretendidas em cumprimento do acordado.
  Vejamos se tal dano ocorreu na esfera jurídica do autor e, em caso afirmativo, se o autor tem direito a que seja ressarcido.
  Quanto à fracção “H**”.
  Pois bem, se, como se viu, o autor vai receber uma fracção equivalente à fracção “H**” não terá, quando a receber, qualquer dano em relação à diferença de valor. Terá o valor que teria se recebesse a fracção “H**”, ou um valor semelhante. Outro dano que não seja a privação da diferença de valor de mercado não pode o tribunal considerar por falta de pedido e de discussão contraditória.
  Improcede, pois a pretenção de indemnização superior ao valor do sinal relativamente à fracção “H**”, pois que pressupõe que o dano efectivo seja consideravelmente superior ao valor do sianal prestado (art. 436º, nº 3 do CC), o que não está provado, mesmo que seja admissível que a fracção que o autor venha a receber não tenha exactamente o valor que teria a fracção contratada “H**”. É necessária a demonstração de uma diferença consideravelmente superior ao valor do sianal prestado, o que não está demonstrado.
  Portanto, quanto a esta fracção a indemnização não deve corresponder ao alegado dano efectivo nem ao valor do sinal prestado por haver razão para redução por equidade e por não se provar o dano alegado de privação do aumento ocorrido no valor de mercado nem o tribunal poder atender a dano não peticionado.
  Tem, pois, o autor direito a receber, por via da resolução contratual, HKD1.989.000,00, a título de restituição da quantia que a ré recebeu e têm direito a receber MOP900.000,00 a título de indemnização por incumprimento resultante da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré devedora.
  Quanto às fracções “G**”.
  O sinal prestado no âmbito dos contratos relativos à fracção “G**” foi de HKD1.617.000,00 (equivalente a MOP1.665.510,00).
  O autor acordou com a ré que o preço da referida fracção seria HKD5.390.000,00 (equivalente a MOP.5.551.700,00).
  Provou-se que no momento conhecido mais próximo do encerramento da discussão em primeira instância a referida fracção teria o valor de MOP8.549.601,74 (pontos 116. e 117. dos factos provados).
  O aumento do valor de mercado da fracção “G**” foi, pois, de MOP2.997.901,74.
  Por não ter recebido da ré a fracção “G**” acordada, o autor está privado deste aumento de valor. É este o seu dano efectivo que alegou, não podendo o tribunal conhecer de outro por não lhe ter sido colocado para apreciação (arts. 563º, nº 3 do CPC).
  A diferença entre o valor do sinal prestado e o aumento do valor de mercado das fracções é de MOP1.332.391,74.
  Afigura-se inquestionável que o dano efectivo que o autor alegou e provou é consideravelmente superior ao valor do sinal prestado. A diferença “salta aos olhos”16, pelo que procede a pretensão do autor de ser indemnizado pelo “dano excedente”, que equivale a dano efectivo, como se disse, em vez de ser indemnizado pelo valor do sinal prestado.
  Assim, relativamente à fracção “G**” tem o autor direito a receber, por via da resolução contratual, HKD1.617.000,00 a título de restituição da quantia que a ré recebeu, e tem direito a receber MOP2.997.901,74 a título de indemnização por incumprimento resultante da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré devedora, indemnização esta que não corresponde ao valor do sinal, mas ao valor do dano efectivo alegado e provado, o qual é consideravelmente superior ao valor do sinal prestado que serve supletivamente de predeterminação da indemnização por incumprimento.
  Não há que ponderar aqui, contrariamente ao que se fez a propósito da aplicação do critério de equidade, o facto de o autor, para adquirir a fracção “G**” que fosse construída pela ré, ainda ter de pagar a parte do preço que não pagou além do sinal. É que este pagamento foi-lhe impossibilitado pela própria ré, pelo que esta não se pode prevalecer de uma situação ilícita a que deu causa, uma situação equivalente ao ilícito contratual de incumprimento, a impoissibilidade superveniente decorrente de causa imputável à própria ré. Com efeito, é antigo princípio de Direito que ninguém pode tirar benefícios do seu próprio delito17. Ninguém deve beneficiar das suas condutas negativas, designadamente dos seus incumprimentos culposos.
  4. Da mora na obrigação de indemnizar e na obrigação de restituir em consequência de resolução contratual.
  O autor pediu a condenação da ré no pagamento de juros de mora à taxa legal, contados sobre a quantia em que a ré for condenada, desde a data da citação até integral pagamento. Nas suas alegações de Direito já o autor se pronuncia no sentido de a mora quanto à parte da obrigação de indemnizar fixada por referência ao “dano excedente” só ocorrer com a presente decisão.
  A indemnização moratória pressupõe a mora do devedor e esta só ocorre com a interpelação do devedor no que respeita às obrigações puras e líquidas que não provenham de facto ilícito e com a liquidação quanto às obrigações ilíquidas cuja falta de liquidez não seja imputável ao devedor (art. 794º, nºs 1, 3 e 4 do CC).
  A citação tem valor de interpelação (art. 794º, nº 1 do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
  A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
  A mora ocorreu, pois, com a citação relativamente à obrigação de restituir por resolução contratual18 e à obrigação de indemnizar fixada por referência ao dano efectivo correspondente à privação do aumento do valor de mercado das fracções prometidas vender. Não pode perturbar esta conclusão o facto de o cálculo do dano a indemnizar ser feito por referência a momento posterior à citação/interpelação. É que esse cálculo também podia ser feito no momento da citação e só não foi porque a ré não cumpriu aí a sua obrigação de indemnizar, pelo que a mora e a sanção moratória se justificam plenamente a partir do acto da citação. A obrigação não era então ilíquida por não depender da fixação de qualquer aspecto que não fosse fixo na altura, o aumento de valor de mercado. A questão só se poderia colocar em relação a eventual aumento do dano (valor de mercado) entre a data da citação/interpelação e a data da sentença, pois que na citação seria pedido valor inferior ao posteriormente pedido e fixado na sentença e se a ré tivesse pago com a interpelação não poderia ter pago o valor fixado na sentença. Não foi isso que ocorreu. Se o dano líquido diminuir após a citação, a mora contada apenas de data posterior à interpelação redunda em “benefício para o infractor”. No caso presente a mora e as suas consequências assentam bem ao momento da interpelação, pois que o montante do dano não era ilíquido, por ser o valor de mercado e este não depender, para ser quantificado, de qualquer acto de terceiro em relação à ré, como seria se necessitasse de um juízo equitativo de terceiro.
  Diferente é a situação em que o montante da obrigação é liquidado após juízo equitativo. Este juízo é, por natureza, actualizado à data em que é feito, devendo ponderar todas as circunstâncias relevantes e nada justificando indemnização moratória anterior, a qual já deve ser ponderada no juízo de equidade que fixa o valor da obrigação e a torna líquida. Por outro lado, a obrigação fixada segundo juízos de equidade é, por natureza ilíquida, pois que a sua liquidação depende de juízo inexistente antes da liquidação.
  A mora quanto à obrigação de indemnizar fixada segundo juízos de equidade ocorre apenas aquando da fixação/liquidação.
  Embora estejamos em sede de responsabilidade contratual ou por acto ilícito contratual consubstanciado no incumprimento culposo, a mora deve começar na data da decisão que liquida pela primeira vez o valor da indemnização que venha a tornar-se definitivo, seja por não ser impugnada por via de recurso, seja porque o recurso não mereceu procedência, seja por outra razão. Esta solução está em consonância com a jurisprudência do Venerando TUI sobre a mora na obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual por acto ilícito, (Acórdão para fixação de jurisprudência de 02/03/2011, proferido no processo nº 69/2010, acessível em www.court.com.mo).
  O momento da decisão como início da mora é também o mais coerente com a fixação da indemnização por juízos de equidade, pois que a ponderação feita quanto ao valor adequado da indemnização deve contar com todos os factores relevantes que sejam ponderáveis no momento da decisão de acordo com as regras substantivas e processuais aplicáveis e, por isso, já deve ter em consideração o tempo decorrido entre a ocorrência do dano e o seu ressarcimento, seja a dilação imputável ao devedor ou seja imputável ao credor
  5 Síntese.
  Tendo o autor, como promitente-comprador, celebrado com a ré, como promitente-vendedora, dois contratos-promessa de compra e venda no âmbito dos quais o autor prestou sinal e não tendo a ré vendido as coisas prometidas por impossibilidade superveniente cuja causa lhe é imputável, tem o autor direito a:
  - Resolver os contratos;
  - Ser restituído das quantias que pagou (HKD3.606.000,00);
  - Ser indemnizado pelo dano efectivo que teve em consequência de não lhe ter sido vendida uma das coisas prometidas vender - fracção “G**” – MOP2.997.901,74;
  - Ser indemnizado pelo dano que teve em consequência de não lhe ter sido vendida a outra coisa prometida vender (fracção “H**”), sendo este dano avaliado segundo juízos de equidade porquanto, por causa do incumprimento da ré, o autor irá poder comprar a terceiro outra coisa semelhante (MOP900.000,00);
  - Ser indemnizado com juros legais em consequência da mora no cumprimento pela ré do seu dever de restituir e do seu dever de indemnizar, iniciando-se a contagem dos juros com a citação relativamente às quantias a restituir e a indemnizar que eram líquidas no momento da citação e iniciando-se a contagem dos juros no momento da liquidação relativamente às quantias a indemnizar que não eram líquidas no momento da citação.».
  
  Por discordar da subsunção jurídica dos factos feita na decisão recorrida vem a Recorrente repetir nas suas alegações e conclusões de recurso questões que já antes havia suscitado, a saber:
  - Nas conclusões 2ª a 28ª sustenta que o incumprimento do contrato celebrado com a Autora ora Recorrida resulta de uma impossibilidade jurídica superveniente que não lhe é imputável;
  - Nas conclusões 29ª a 45ª no que concerne à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes como não sendo de promessa de compra e venda e a qualificação das quantias pagas pela Autora ora Recorrida como não sendo a título de sinal;
  - Nas conclusões 46ª a 73ª vem atacar o valor da indemnização em que foi condenada atacando o valor de MOP900.000,00 fixado a título de equidade quanto à fracção H** e quanto ao cálculo da indemnização pelo dano excedente quanto à fracção G**, bem como o momento a partir do qual se devem contar os juros de mora sobre o valor das indemnizações para além do valor de HKD3.606.000,00 a restituir como sinal pago pela Autora.
  A questão suscitada nestes autos repete-se em largas centenas de processos onde sem prejuízo de algumas alterações factuais a questão de direito a decidir se mantém inalterada.
  Estamos perante o género de situação que tem vindo a ser qualificada pela Doutrina e Jurisprudência como “processos em massa19” entendendo-se como aqueles em que a situação de facto subjacente poucas alterações sofre, ainda assim repetindo-se e para os quais a solução de direito não pode deixar de ser a mesma, levando o legislador noutras jurisdições a adoptar soluções que garantam uma decisão igual do ponto de vista jurídico para todas as acções.
  Na decisão recorrida são detalhadamente analisadas todas as questões agora repetidamente invocadas.
  A decisão recorrida não só segue a mesma solução jurídica adoptada nos demais casos no Tribunal a quo, como também, aquela que tem vindo a ser Jurisprudência deste Tribunal20, salvo no que concerne à fracção G**.
  
  Destarte, no que concerne a todas as questões suscitadas que não sejam as relacionadas com o valor das indemnizações fixadas e respectivos juros de mora, damos aqui reproduzidos os fundamentos da Douta decisão recorrida, aos quais aderimos integralmente nos termos do nº 5 do artº 631º do CPC, negando-se nesta parte provimento ao recurso mantendo o que se decidiu.
  
  Quanto ao valor das indemnizações fixadas.
  
  No que concerne à fracção H** decidiu-se ordenar a restituição do valor pago pela Autora no montante de HKD1.989.000,00, e dado que, pela impossibilidade de cumprimento do contrato de promessa de compra e venda desta fracção foi dado à Autora a possibilidade de comprar uma outra fracção de idênticas características e preço, entendeu-se na decisão recorrida, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 801º do C.Civ. ser de reduzir equitativamente o valor da indemnização – que seria igual ao valor do sinal prestado – para um valor que se apurou em termos equitativos tendo por referência uma taxa anual de remuneração do capital que havia sido pago a título de sinal pelo tempo que a Autora esteve privada desse mesmo capital e de usufruir da fracção que havia prometido comprar e a que lhe foi posteriormente permitido adquirir em substituição.
  Note-se que no apuramento deste valor – fixado segundo critérios de equidade – entendeu-se usar um elemento objectivo que é considerar uma taxa de rendimento anual de 3,5%.
  A Recorrente argumenta no sentido deste valor ser excessivo seja quanto à taxa de rendimento usada por ser inferior a taxa de remuneração de depósitos bancários, seja quanto ao tempo em que a Autora esteve privada do rendimento do capital e uso da fracção prometida vender uma vez que haveria sempre o tempo necessário à construção da mesma.
  Ora, como é sabido e consta da decisão recorrida a Autora teria direito a receber o que prestou (o valor do sinal) em dobro sendo que desse valor metade é a restituição do que prestou e a outra a indemnização pela frustração da promessa.
  Seria assim o valor da indemnização igual a HKD1.989.000 o que corresponde a MOP2.048.670,00, sendo que o sinal – como resulta da matéria de facto - foi pago entre 16.07.2012 e 09.07.2014 e a decisão data de 29.07.2024. Desconhecemos quando foi entregue à Autora, se é que já o foi, a fracção adquirida em substituição.
  Entre o valor que a Autora teria direito a receber a título de indemnização (MOP2.048.670,00) e valor fixado com recurso à equidade (MOP900.000,00) o que resulta é que a indemnização arbitrada é inferior a metade do que a Autora teria direito, e note-se, não por uma qualquer atitude ou acção da Ré, mas com base numa solução legislativa adoptada dada a repercussão social e económica que este caso teve.
  O critério usado que apenas tem por base de cálculo a taxa de 3,5% visa apenas, dada a repetição de processos, estabelecer um critério com alguma objectividade que ainda com recurso à equidade, permita resolver situações idênticas de uma forma similar.
  Pelo que, recorrendo-se à equidade, e bem, é irrelevante tudo quanto se alega nas alegações sobre esta matéria – quanto a prazos e taxas de juros de depósitos -, pois esse não foi o critério equitativamente usado.
  Assim é de manter a indemnização fixada de MOP900.000,00 quanto à fracção H**.
  Quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros quanto a esta parte da indemnização nada se impugna.
  
  Quanto à indemnização fixada decorrente do incumprimento do contrato de promessa de compra e venda da fracção G**, sumariamente o que resulta da factualidade apurada quanto a esta fracção é que foi prometida vender pelo preço total de HKD5.390.000,00, equivalente a MOP5.551.700,00, tendo sido pago a título de sinal o valor de HKD1.617.000,00, equivalente a MOP1.665.510,00.
  Entendeu-se na decisão recorrida que o valor dessa fracção, se tivesse sido construída, no momento do encerramento da discussão da causa seria de MOP8.549.601,74, pelo que se o contrato tivesse sido cumprido a Autora teria tido um ganho de MOP2.997.901,74.
  Segundo o artº 435º do C.Civ. «no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem caracter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço».
  De acordo com o nº 2 do artº 436º do C.Civ. se o promitente vendedor deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável tem o promitente-comprador o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
  Destarte, no caso em apreço a Autora terá sempre direito a receber o sinal que prestou em dobro no valor de MOP3.331.020,00 (MOP1.665.510,00x2).
  Dado que na decisão recorrida se distingue entre a devolução do que prestou e o valor da indemnização, para manter o mesmo tipo de linguagem/exposição, sempre tem a Autora direito a que a Ré fosse condenada pelo incumprimento do contrato relativo a esta fracção a pagar-lhe uma indemnização de MOP1.665.510,00.
  
  Porém, vem a Autora pedir a indemnização pelo dano excedente nos termos do nº 4 do artº 436º do C.Civ., tendo-se concluído na decisão recorrida pela procedência deste pedido, condenando a Ré a título de indemnização a pagar à Autora o valor de MOP2.997.901,74, correspondente à diferença entre o valor pelo qual a fracção seria comprada pela Autora e o valor que a fracção tem neste momento – para além de ter de devolver o que recebeu a título de sinal no montante de MOP1.665.510,00 -.
  
  Vejamos então.
  
  Pretende-se com esta interpretação “da indemnização pelo dano excedente” obter uma solução legal para o incumprimento de contratos de promessa referentes a imóveis como a que existe no artº 442º do C.Civ. Português.
  Devido ao aumento crescente do valor das habitações e de modo a evitar situações em que o pagamento do sinal em dobro fosse mais vantajoso para o promitente-vendedor do que cumprir a promessa, de modo a salvaguardar a posição dos promitentes-compradores, o legislador Português adoptou uma solução para as situações em que tivesse havido tradição da coisa no sentido do promitente-comprador poder optar entre o sinal em dobro ou o valor da coisa na data do incumprimento deduzido do preço convencionado acrescido do sinal e do preço que haja pago21.
  No direito de Macau não há norma idêntica ao nº 2 do artº 442º do Código Civil Português.
  O legislador de Macau no nº 4 do artº 436º para além dos casos de sinal em dobro ou perda do sinal ressalva a possibilidade de haver o direito a uma indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior.
  Remete-nos assim a lei para o domínio da responsabilidade contratual.
  Nos termos do artº 787º do C.Civ. o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor, presumindo-se a culpa do devedor na falta de prova em contrário – artº 788º do C.Civ. -.
  Nos termos do artº 556º do C.Civ. aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
  No caso da indemnização pelo dano excedente fixada os referidos MOP2.997.901,74 corresponderia ao prejuízo do credor por força do incumprimento do devedor – artº 558º nº 1 do C.Civ. –, calculado com base no valor de mercado de fracções autónomas semelhantes, havendo assim nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo credor aqui Autora e o incumprimento do devedor aqui Ré – artº 557º do C.Civ. -.
  Com base na regra de que o promitente-vendedor inadimplente é obrigado a colocar o promitente-comprador adimplente “na situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, e a situação que existiria se não tivesse havido o incumprimento que seria a Ré ter comprado a fracção autónoma em causa mediante o pagamento do preço HKD5.390.000,00 e hoje tê-la pelo valor de MOP8.549.601,74, tendo o seu património obtido um incremento de MOP2.997.901,74, este seria o valor da indemnização a fixar.
  Para melhor explicar em que consiste a indemnização pelo dano excedente nestes casos, usando a hipótese de compra para revenda a título de exemplo, se o negócio se houvesse concretizado para que a Autora tivesse o ganho com a valorização da fracção tinha de fazer o investimento, tinha que pagar o preço, e depois ao revender recebia o valor do preço que pagou mais o ganho gerado, isto é, a situação seria ficar com o capital que investiu mais o ganho gerado.
  Se bem analisarmos a solução é igual à preconizada no nº 2 do artº 442º do C.Civ., sendo irrelevante se pagou apenas o sinal ou a totalidade do preço, uma vez que, o que interessa é colocar o promitente-comprador na situação em que estaria se o negócio se tivesse realizado, pelo que, apenas haveria que acautelar que tivesse um incremento patrimonial igual ao valor das mais-valias da fracção.
  Isto corresponde a ser-lhe devolvido o que prestou e fixar o valor da indemnização no montante igual ao que seria o do incremento patrimonial.
  Acaso tivesse sido pago a título de sinal o preço total, bastaria condenar no valor da fracção à data do incumprimento pois aí seria devolvido do que pagou mais o ganho.
  Tal como se define no nº 2 do artº 442º do C.Civ. Português, no direito de Macau através do recurso às regras da indemnização decorrentes do incumprimento o resultado é igual.
  Regressando ao caso em apreço, para além da Autora ter direito a receber o valor do sinal que prestou, teria ainda direito a receber o valor das mais valias correspondente à valorização da fracção autónoma caso o contrato prometido se tivesse concretizado. Isto é, o aumento patrimonial da Autora seria igual a MOP2.997.901,74. Sendo este valor superior ao que tem direito a receber igual ao sinal que prestou, com base na indemnização pelo dano excedente teria a Autora direito à indemnização fixada de acordo com o disposto no nº 4 do artº 436º do C.Civ. em valor igual àquele que a fracção autónoma teria valorizado.
  Neste mesmo sentido se decidiu no Acórdão do TUI de 30.03.2017, processo nº 5/2017.
  É assim irrelevante tudo quanto se argumenta em sede de alegações de recurso no sentido de que havendo sido pago apenas o sinal teria apenas direito a receber o proporcional quanto ao valor das mais-valias. Não interessa se pagou apenas o valor correspondente a parte do preço ou o preço total, sendo certo que se não pagou o preço total foi porque o promitente-comprador se colocou na situação de incumprimento.
  O que releva para fixar a indemnização pelo dano excedente, de acordo com a Jurisprudência consagrada no indicado Acórdão do TUI é repor o lesado na situação patrimonial mais recente que pode ser atendida pelo Tribunal – nº5 do artº 560º do CPC – e essa como já se viu seria igual ao acréscimo patrimonial decorrente do valor das mais valias e não da indemnização pelo valor equivalente ao do sinal.
  
  Estaria assim a correcta a decisão recorrida se estivéssemos perante uma situação “comum” de incumprimento de contrato de promessa de compra e venda.
  
  Como se referiu, a ratio da indemnização pelo dano excedente tem em vista evitar as situações em que ao promitente vendedor é mais vantajoso optar pelo não cumprimento do contrato, pagando um indemnização de valor igual aos valores que recebeu a título de sinal e locupletando-se ainda assim com o acréscimo do valor da fracção, uma vez que esse (acréscimo) é suficiente para compensar o valor pago a título de indemnização e ainda dar ganho para o promitente vendedor.
  No caso da legislação Portuguesa aqui referida a título de direito comparado, essa indemnização – pelo dano excedente – só é possível quando está em causa imóvel destinado a habitação, ou fracção autónoma dele, e houve tradição da coisa, protegendo-se para além dos interesses contratuais do promitente comprador o direito à habitação.
  Subjacente a esta situação está a inflação normalmente associada ao mercado imobiliário, cujos efeitos nefastos no mercado se pretendem evitar.
  Contudo, a situação sub judice é algo diferente do “comum” dos incumprimentos dos contratos de processa de imóveis.
  Embora se tenha concluído, e bem, ser o incumprimento imputável ao promitente vendedor, o certo é que aqui as fracções autónomas prometidas vender não chegaram a ser construídas pelas razões que constam dos autos.
  Ainda que tecnicamente seja possível equacionar o valor que o imóvel teria no momento presente se houvesse sido construído, o certo é que, objectivamente o imóvel não existe nem vai existir porque a construção não é possível e é precisamente esta impossibilidade que determina o incumprimento do contrato de promessa de compra e venda.
  Sendo a teoria da indemnização pelo dano excedente construída com vista a evitar o locupletamento do promitente vendedor em detrimento do promitente comprador, decorrente da mais-valia que pudesse ocorrer no valor do imóvel/fracção autónoma prometida vender, se este imóvel nunca chega a ser construído, objectivamente nunca pode valorizar.
  Logo, se nunca chega a haver, a existir a fracção autónoma prometida vender e comprar, nunca vamos além do domínio do direito de crédito em que contrato de promessa de compra e venda se traduz.
  Assim sendo a valorização para efeitos de apuramento do valor da indemnização pelo dano excedente no caso da fracção autónoma que nunca chega a ser construída, tem de ser aferida em função da valorização desse direito de crédito. Direito de crédito esse que no caso em apreço se traduz no direito a adquirir uma fracção autónoma que temos já por certo nunca vai existir.
  Ora, não duvidamos que fracções autónomas com características idênticas à prometida vender e que foram construídas e hoje existem, tenham actualmente o valor apurado ou aproximado deste.
  Mas duvidamos que este direito de crédito, nestas circunstâncias – direito a adquirir uma fracção autónoma que sabemos nunca vir a ser construída – haja valorizado nos mesmos termos.
  Por outro lado, no quadro da factualidade apurada, embora todas as hipóteses futuras fossem teoricamente possíveis, o certo é que nada indicia que o promitente vendedor não tivesse intenção de cumprir se tivesse logrado construir o imóvel.
  Veja-se a propósito a matéria de facto provada nos itens 110 e 111 da factualidade assente.
  Destarte, sem prejuízo da responsabilidade que é imputável ao promitente vendedor porque começou a prometer vender fracções autónomas de um imóvel que objectivamente não havia ainda a certeza de vir a conseguir construir nos moldes em que equacionava, financiando-se com os valores recebidos a título de sinal, o certo é que, também não houve por banda da Ré o intuito de se enriquecer com o não cumprimento dos contratos de promessa celebrados em detrimento dos interesses dos promitentes compradores.
  A indemnização fixada na sequência do incumprimento do contrato de promessa que resulta do nº 2 do artº 436º do C.Civ. é bastante generosa para o contraente adimplente ao fixar o valor em montante igual àquilo que foi prestado.
  Tem sido jurisprudência deste Tribunal entender que nos casos análogos ao destes autos, ser de maior equidade - fora dos casos idênticos ao da fracção H** - fixar a indemnização apenas pelo valor do sinal em dobro, posição esta que acompanhamos dado que não está demonstrado que tenha havido valorização do direito de crédito subjacente a este contrato de promessa de compra e venda, nem tão pouco está subjacente ao incumprimento do contrato o enriquecimento gratuito do promitente vendedor em detrimento do promitente comprador, ratio da indemnização pelo dano excedente.
  
  Assim sendo, não acompanhamos a decisão recorrida no que concerne à fracção G**, sendo de conceder provimento parcial ao recurso condenado a Ré a pagar apenas a título de indemnização pelo incumprimento do contrato de promessa quanto à fracção G** o valor igual ao que foi prestado a título de sinal sem prejuízo da já ordenada restituição do que foi pago a título de sinal.
  
  Quanto ao momento a partir do qual são devidos os juros de mora quanto ao valor da indemnização fixada relativamente à fracção G** a regra é igual aos demais juros de mora fixados contando-se desde a data da citação tal como é Jurisprudência do TUI – Acórdão de 19.07.2018 Procº 526/2017 -.
  
III. DECISÃO

  Termos em que, pelos fundamentos expostos, concedendo-se provimento parcial ao recurso, altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
  Declaram-se resolvido os contratos celebrados entre as partes e condena-se a Ré a pagar à Autora:
  - A quantia de HKD3.606.000,00 (três milhões, seiscentos e seis mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da Ré até integral pagamento;
  - A quantia de HKD1.617.000,00 equivalente a MOP1.665.510,00 (um milhão, seiscentas e sessenta e cinco mil e quinhentas e dez Patacas), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da Ré até integral pagamento;
  - A quantia de MOP900.000,00 (novecentas mil Patacas), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente decisão até integral pagamento.
  
  Custas em ambas as instâncias a cargo da Recorrente e Recorrida na proporção do decaimento.
  
  Registe e Notifique.
  
  RAEM, 15 de Maio de 2025
  
  (Relator)
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  
  (Primeiro Juiz-Adjunto)
  Fong Man Chong
  
  (Segundo Juiz-Adjunto)
  Tong Hio Fong

1 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
2 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
3 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
4 “Este é o processo de qualificação próprio da doutrina dos elementos do contrato: a verificação da existência no contrato de todos os elementos essenciais do tipo determina a qualificação… Na doutrina tipológica, a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato ao um tipo” – Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atrípicos, 2ª edição, p. 166.
5 “A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico” - Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., loc. cit.
6 “Tratar-se-á … de questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a … doutrina da impressão do destinatário…” Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 24.
7 “…haveria, nos contratos mistos, que descobrir qual o elemento típico relevante. A regulamentação global seria a própria desse elemento” – Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º Volume, 1987, p. 427.
8 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
9 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
10 A autor terá dois títulos para o mesmo direito (receber a quantia que pagaram): a restituição em consequência da resolução contratual e a devolução do sinal. É, portanto, infrutífero escolher um dos títulos. Porém, sempre se dirá que a resolução de apresenta com precedência lógica sobre o sinal.
11 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
12 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
13  Art. 436º, nº 5 do CC: “É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º”
14 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, fala em sinal confirmatório-penitencial.
15 Acórdão do Venerando TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, acessível em www.court.gov.mo.
16 Professor Manuel Trigo, Uma Mudança de Paradigma…, p. 123, fazendo referência a António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização.
17 Nemo ex suo delicto meliorem suam conditionem facere potest (Ulpiano).
18 Consta dos factos provados que o autor declarou à ré que consideravam resolvido o contrato, mas não consta daqueles factos que interpelaram aí para restituir nem para indemnizar, pelo que não pode atender-se a qualquer interpelação anterior à que ocorreu com a citação.
19 Veja-se artº 48º do CPTA Português
20 Vejam-se Acórdão deste Tribunal de 09.05.2024 proferido no Procº 22/2024 e de 16.01.2025 proferido no processo 292/2024.
21 Para referência transcreve-se aqui o nº 2 do artº 442º do C-Civ. Português.
2 - Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.“
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189/2025 CÍVEL 1



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