Processo nº 261/2025/A
(Suspensão de Eficácia)
Data do Acórdão: 28 de Maio de 2025
ASSUNTO:
- Grave prejuízo para o interesse público na não execução imediata do acto
- Indeferimento do incidente de execução indevida do acto
- Prejuízos do Requerente consideravelmente superiores à protecção do interesse público
SUMÁRIO:
- Há grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução do acto, seja pelo efeito de prevenção das penas disciplinares aqui agravado por estar em causa um agente das forças de segurança, seja pelo efeito preventivo de protecção do interesse público ao evitar que agentes de segurança pratiquem actos ilegais durante o tempo de serviço e no exercício de funções;
- Considerando que a justificar a imediata execução do acto estão apenas razões de prevenção e não de afastamento de perigos concretos e efectivos para o interesse público, mas que do lado do Requerente se demonstra a existência de perigos concretos e que não podem ser completamente ressarcidos através de uma indemnização, entendemos serem os prejuízos do Requerente consideravelmente superiores à necessidade de protecção do interesse público, sendo de, nos termos do nº 4 do artº 121º do CPAC, deferir a suspensão de eficácia do acto, dado que não se verificam indícios de ilegalidade do recurso, único outro requisito que no caso em apreço havia que dar por verificado.
____________________
Rui Pereira Ribeiro
Processo nº 261/2025/A
(Suspensão de Eficácia)
Data: 28 de Maio de 2025
Recorrente: (A)
Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I. RELATÓRIO
(A), com os demais sinais dos autos,
vem requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 21.02.2025 que aplicou ao ora Requerente a dispensa de serviço.
Para tanto alega o Requerente em síntese que pese embora no caso em apreço não seja exigível a demonstração de que previsivelmente da execução do acto resulte prejuízo de difícil reparação (artº 121º nº 1 al. a) do CPAC) uma vez que estamos perante uma acto com natureza de sanção disciplinar (artº 121º nº 3 do CPAC) ainda assim resulta demonstrado que da execução do acto resulta prejuízo de presumível difícil reparação para o Requerente e sua família, para além de que a suspensão não determina grave lesão do interesse público nem resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso. Mais invoca que ainda que assim não se entenda e se conclua que há grave lesão do interesse público na não execução imediata do acto, está demonstrado que da imediata execução do acto os prejuízos que resultam para o Requerente são desproporcionadamente superiores.
Citada a Entidade Requerida para contestar veio esta invocar grave prejuízo para o interesse público na não execução imediata da decisão de dispensa do serviço do Requerente uma vez que considerando a factualidade que esteve na base do processo disciplinar onde foi aplicada a pena de suspensão por 100 dias – factos que integram a exploração ilícita de jogo e de prática ilícita de jogo – entende ser inadequado à imagem do Serviço e das Forças de Segurança o Requerente continuar ao serviço, tudo conforme consta de fls. 174/175, traduzidos a fls. 211/212.
Notificado o Requerente que o órgão administrativo reconheceu haver grave prejuízo para o interesse público na não execução imediata do acto, veio este em síntese impugnar os fundamentos invocados para não suspender a execução do acto.
Contestando a Entidade Requerida veio esta invocar que a suspensão de eficácia do acto causa grave lesão ao interesse público e que o Requerente não demonstra que sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que da imediata execução do acto resultam para si.
Pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público foi emitido o seguinte parecer:
«Nos termos previstos no n.º 2 do artigo 129.º do CPAC, o Ministério Público vem emitir o seu parecer nos termos seguintes:
1.
(A), melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia da decisão do Secretário para a Segurança que o dispensou do serviço nos termos do artigo 190.º da Lei n.º 13/2021.
A Entidade Requerida fez juntar aos autos a resolução fundamentada a que alude o artigo 126.º, n.º 2 do CPAC (Despacho n.º 035/SS/2025 junto a fls. 174 e 175) e apresentou contestação.
O Requerente, a fls. 205 a 208 dos presentes autos, pronunciou-se no sentido de que fossem julgadas improcedentes as razões em que se fundamenta o referido Despacho n.º 035/SS/2025 «com as legais consequências».
2.
(i)
(i.1)
Como se sabe, assim que o órgão administrativo é citado ou notificado do pedido de suspensão de eficácia, fica impedido de prosseguir com a execução do acto. É o que resulta do n.º 1 do artigo 126.º do CPAC.
No entanto, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 126.º do CPAC esse efeito suspensivo provisório pode ser neutralizado pela Administração através da emissão de uma resolução fundamentada de reconhecimento de que a não imediata execução do acto implica grave prejuízo para o interesse público.
Se for dada execução ao acto sem que tenha sido produzida a dita resolução fundamentada ou sem que a mesma tenha sido comunicada ao Tribunal ou se as razões em que a mesma se fundamente forem consideradas improcedentes, considera-se que tal execução é indevida, podendo o requerente pedir ao tribunal a declaração da ineficácia dos actos de execução indevida.
Na situação em apreço, desconhece-se se a Administração deu ou não execução ao acto suspendendo, e o Requerente não pediu a declaração de ineficácia de actos que considere serem de execução indevida, nos termos previstos no artigo 127.º do CPAC, pelo que, em rigor, não foi suscitado o incidente previsto nessa norma.
(i.2)
Em todo o caso, a benefício subsidiário da observância do disposto no n.º 4 do artigo 127.º do CPAC, sempre diremos o seguinte.
A nosso ver, a referida resolução mostra-se devidamente fundamentada.
Na verdade, estando em causa um acto administrativo que dispensou o Requerente do serviço mercê da sua inadequação profissional demonstrada pela respectiva na colocação na 4.ª classe de comportamento, parece-nos claro que o concreto interesse público que através do acto suspendendo se prossegue ficará em causa se esse acto vir a sua eficácia provisoriamente suspensa por mero efeito da citação da Entidade Requerida.
Sendo certo que não está em causa uma medida disciplinar, não o é menos que se trata de uma medida determinada em virtude de uma verificada inadequação profissional que, por sua vez, tem na base uma colocação numa classe de comportamento que foi determinada pela prática de diversas infracções disciplinares.
Ora, estando em causa a manutenção de elevados padrões de comportamento e disciplina no seio do Corpo de Bombeiros, tendo em vista, justamente, preservar a sua coesão e a sua eficiência na prossecução das respectivas atribuições que legalmente lhe estão cometidas, dessa forma se garantindo o seu prestígio e a sua autoridade, parecem-nos justificadas as razões em que a Entidade Requerida se baseou para proferir a resolução a que se refere o n.º 2 do artigo 126.º do CPAC.
Daí, parece-nos, o bem fundado da decisão administrativa que se encontra a fls. 174 e 175 dos presentes autos.
3.
(i)
(i.1)
Não é controvertido que o acto suspendendo, por isso que se trata de um acto dispensou o Requerente do serviço, implicando, portanto, uma alteração extintiva do seu estatuto profissional, é um acto que tem conteúdo positivo [artigo 120.º, alínea a) do CPAC] e como tal a sua eficácia pode ser suspensa.
Para isso é necessário, como decorre do disposto no artigo 121.º, n.º 1 e 3 do CPAC, que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
* a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso;
* a suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente produzido pelo acto;
* do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Estes requisitos do decretamento da providência cautelar da suspensão de eficácia são de verificação cumulativa, bastando a não verificação de um desses para que tal decretamento resulte inviável, sem prejuízo, no entanto, do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do citado artigo 121.º do CPAC (assim, entre outros, o Ac. do Tribunal de Última Instância de 4.10.2019, processo n.º 90/2019).
(i.2)
Como se sabe, a lei prescinde da verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC, atinente ao prejuízo irreparável quando em causa esteja a suspensão da eficácia de acto com natureza de sanção disciplinar. Apesar de a dispensa de serviço por inadequação profissional não ser, em sentido estrito, uma sanção disciplinar, a verdade é que, no caso, ela foi determinada em resultado da colocação do Requerente na 4.ª classe de comportamento o que, por sua vez, tem origem nos seus antecedentes disciplinares (cfr. artigo 186.º da Lei n.º 13/2021), pelo que se nos afigura que é de estender a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 121.º à situação agora em apreço.
(i.3)
(i.3.1)
Isto dito, parece-nos, se bem vemos, que as duas únicas questões que se debatem no presente recurso jurisdicional são a de saber se a suspensão de eficácia, a ser decretada, determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e a de saber se, ainda que que tal requisito se não dê por verificado, será de conceder a providência por se mostrar que os prejuízos decorrentes para o requerente da imediata execução do acto são desproporcionadamente superiores ao prejuízo que, da suspensão de eficácia, advém para o interesse público.
Vejamos, pois.
(i.3.2)
Estando em causa um acto administrativo que dispensou o Requerente do serviço por inadequação profissional demonstrada pela respectiva na colocação na 4.ª classe de comportamento, parece-nos claro que o concreto interesse público que através do acto suspendendo se prossegue ficará em causa se esse acto vir a sua eficácia suspensa.
Trata-se, com efeito, de uma medida determinada em virtude de uma verificada inadequação profissional do Requerente que, como acima referimos, tem na base uma colocação numa classe de comportamento que foi determinada pela prática de diversas infracções disciplinares.
Assim, parece-nos que a suspensão da eficácia do acto seria susceptível de conflituar com a manutenção de elevados padrões de comportamento e disciplina no seio do Corpo de Bombeiros os quais têm em vista, justamente, preservar a sua coesão e a sua eficiência na prossecução das atribuições que legalmente lhe estão cometidas, dessa forma se garantindo o seu prestígio e a sua autoridade.
Estamos em crer, pois, que não está verificado, no caso, o requisito de concessão da providência a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC (tem sido este o entendimento seguido pela nossa jurisprudência: veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Última Instância tirado no processo n.º 147/2020 e o acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido no Processo n.º 382/2023/A).
(i.3.3)
Apesar do que vimos de referir, importa ver se, no caso se justifica ou não a aplicação da norma do n.º 4 daquele artigo 121.º do CPAC, segundo a qual, «ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os demais requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente».
O que está aqui em causa são situações em que, não obstante o tribunal considerar não estar demonstrado que a suspensão não determina grave lesão para o interesse público, ainda assim concede a providência, suspendendo a eficácia do acto. Para isso é necessário que se demonstre que o Requerente, a ver o acto imediatamente executado, irá sofrer prejuízos desproporcionadamente superiores aqueles que da suspensão resultarão para o interesse público. O que remete, pois, para uma concreta ponderação entre o prejuízo para o interesse público e o prejuízo para o interesse particular do requerente da suspensão.
No caso concreto, parece-nos que o Requerente da providência concretizou e demonstrou sumariamente, como é próprio do contexto processual em que estamos, que da execução do acto podem resultar para ele e para o seu agregado familiar prejuízos claramente superiores ao prejuízo que para o interesse público pode resultar da suspensão do acto. Por isso propendemos no sentido da concessão da providência.
3.
Pelo exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que deve ser deferido o pedido de suspensão de eficácia.».
II. QUESTÕES A DECIDIR
Nesta sede processual cabe apreciar das seguintes questões:
- Da execução indevida
- Da verificação dos requisitos da suspensão de eficácia do acto considerando que acto objecto do pedido embora não seja uma sanção disciplinar resulta da aplicação desta.
III. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
1) Dos Factos
a) Por despacho do Secretário para a Segurança de 21.02.2025 ao Requerente foi aplicada a dispensa de serviço com os seguintes fundamentos:
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
DESPACHO N.º 017/SS/2025
Assunto: Processo administrativo, nos termos do artigo 190.º do “Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança”
Autos do Processo Administrativo n.º: ADM/15/24/AGO, do Corpo de Bombeiros
Interessado: (A), bombeiro sob o n.º 405131, do Corpo de Bombeiros
O objectivo de instauração do presente procedimento administrativo, visa a posterior descida de classificação para 4.ª classe, em virtude da conduta do interessado, assim, nos termos do artigo 190.º da Lei n.º 13/2021 - “Estatuto dos agentes das Forças e Serviços de Segurança” (adiante designado por “Estatuto”), vem, avaliar a viabilidade da manutenção do seu vínculo funcional, caso a avaliação fosse negativa e a conclusão confirmasse a dissonância entre a coesão interna das Forças de Segurança e o valor de missão, resultar-se-á, provavelmente, a sua dispensa de serviço.
Através dos autos podemos ver que o interessado foi punido o seguinte: 1) No processo disciplinar n.º D/49/17/NOV, devido a violação do dever de pontualidade, foi punido multa de 1 dia; 2) No processo disciplinar n.º D/40/18/JUL, devido a violação do dever de pontualidade, foi punido multa de 5 dias; 3) No processo disciplinar n.º D/22/23/MAI, foi punido com suspensão de 100 dias, através da aplicação da fórmula de classificação de comportamento, nos termos do artigo 186.º do “Estatuto”, a sua classificação desceu para 4.ª classe, e o facto que causou essa grave sanção era – o seu acto de ter efectuado por várias vezes apostas de jogos aos colegas, durante a hora de expediente; o que deve realçar, as justiça, fé pública e autoridade das Forças de Segurança, baseiam-se nas integridade, eficiência e imagem profissional, mostradas pelos agentes das Forças de Segurança, durante nas execuções da lei, tudo isto exigindo-se aos agentes das Forças de Segurança que sejam reunidos, obrigatoriamente, os requisitos profissionais de autodisciplina, o acto ilícito de jogo do interessado, é óbvio que seja diferente ao valor de missão acima referida.
Para o efeito do preceituado no artigo 93.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, foi notificado ao interessado o procedimento administrativo instaurado e para apresentar a sua defesa, nos termos legais.
Após a análise das informações sobre a personalidade do interessado e do desenvolvimento da sua carreira, testemunhos e documentos, apesar de as suas diversas chefias directas e colegas alegaram positivamente quanto aos seus comportamento e desempenho das funções, ademais, o interessado tendo também obtido um louvor colectivo em 2015; mas, não podemos desconsiderar que o erro cometido pelo aludido bombeiro era bastante grave, causando influência na coesão interna das Forças de Segurança e no valor de missão; o acto de jogo mostrava que o aludido bombeiro consta vício na deontologia profissional, reflectindo a sua desconsideração à lei, manifestando também que é inadequado o seu cultivo moral, pois, a sua conduta lesou gravemente aos brio e decoro das Forças de Segurança onde prestava o seu serviço, e violou gravemente a disciplina das funções que devia ser respeitada na qualidade de bombeiro do Corpo de Bombeiros, pelo que seja inadequado a ficar na fileira das Forças de Segurança.
Assim, após ouvido o Conselho Disciplinar do Corpo de Bombeiros, o próprio signatário, que exercendo a competência atribuída nos termos do n.º 1 da Ordem Executiva n.º 93/2024 e do artigo 190.º do “Estatuto”, decido a dispensa de serviço do interessado.
Notifique ao interessado que, poderá, para, dentro do prazo de trinta dias, apresentar ao Tribunal de Segunda Instância o recurso contencioso contra o presente despacho.
Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM, aos 21 de Fevereiro de 2025.
O Secretário para a Segurança
(ass. e carimbo: vide original)
…»
tudo conforme consta de fls. 22 e traduzido a fls. 235v./236 e que aqui se dá por reproduzido;
b) Citado para contestar pelo Senhor Secretário para a Segurança foi proferido o seguinte despacho:
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
DESPACHO N.º 035/SS/2025
Autos de Suspensão de Eficácia n.º: 261/2025/A
Requerente: (A), ex-bombeiro n.º …, do Corpo de Bombeiros
Cfr. documento: Despacho n.º 017/SS/2025, proferido pelo Secretário para a Segurança, em 21 de Fevereiro de 2025.
Em 10 de Abril de 2025, o Secretário para a Segurança, tendo sido recebido a citação sobre o requerimento acima epigrafado, assim, nos termos do artigo 126.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem, manifestar a discordância de suspensão provisória do Despacho n.º 17/SS/2025, proferido pelo próprio signatário, em 21 de Fevereiro de 2025, onde foi dispensado de serviço do Requerente, e entendendo que a não execução imediata da supra sanção, causará grave lesão ao interesse público, cujo fundamento a seguir:
O Requerente ingressou no Corpo de Bombeiros, em 11 de Março de 2013, de acordo com os factos provados, constantes do processo disciplinar, dentro dos doze anos, o Requerente para além de ter violado os deveres gerais, ainda por cima, praticou por várias vezes a conduta de apostas de jogos, juntos dos colegas.
O Corpo de Bombeiros tem na qualidade de autoridade das forças de segurança, as suas reputação e imagem sejam bastante importantes, sempre que o público duvidava a deontologia e o comportamento dos agentes de bombeiros, especialmente, as suas consciências de respeito pela legalidade, influenciará, directamente, a eficácia do exercício atribuído. Ademais, caso a supra conduta fosse provada, constituirá um crime de exploração ilícita de jogo e um crime de prática ilícita de jogo, previstos e punidos nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 8/96/M, respectivamente, a supra conduta do Requerente é sem dúvida que tinha prejudicado, gravemente, aos brio e decoro das forças de segurança onde ele prestava o serviço, o que violando o dever em que um bombeiro devia cumprir.
Além disso, os serviços de segurança obrigam aos seus agentes que estejam sujeitos, rigorosamente, às leis e disciplinas nas funções, porque este é o ponto fulcral para o efeito de camaradagem das forças internas para uma boa eficácia nos exercícios das funções eficazes. A supra conduta do Requerente reflecte a sua atitude de desconsideração à lei, o que causando lesão à sua própria carreira, ao trabalho e à imagem do serviço, pois, é inadequado de ficar na equipa das forças de segurança; caso permitisse o Requerente regressar no seu posto, durante o período do recurso contencioso, mesmo que seja um mero curto regresso temporário, também conduz aos outros agentes que se sentem a lei não produz o seu efeito, enquanto à gestão interna do Corpo de Bombeiros, designadamente, a gestão disciplinar do pessoal, causará uma grave influência negativa.
Nesta conformidade, o Secretário para a Segurança entende que caso suspendesse a execução da respectiva sanção, causará influência às consideração e confiança do público ao Corpo de Bombeiros, ao mesmo tempo, é também desfavorável à gestão interna da corporação, surgindo grave influência negativa à ordem disciplinar dos agentes do Corpo de Bombeiros, fazendo com que criasse a grave lesão do interesse público.
Ordeno nos termos do artigo 126.º n.º 3 do CPAC, que notifique, imediatamente, ao Tribunal de Segunda Instância o presente despacho e simultaneamente ao Corpo de Bombeiros, para o conhecimento.
Gabinete do Secretário para a Segurança da RAEM, aos 14 de Abril de 2025.
O Secretário para a Segurança
(ass. e carimbo: vide original)
…»
tudo conforme consta de fls. 174/175 e traduzido a fls. 211v./212 e que aqui se dá por reproduzido;
c) O Requerente está inscrito no registo predial como sendo conjuntamente com a sua esposa os titulares do domínio útil de uma fracção autónoma relativamente à qual está também inscrita uma hipoteca a favor de um Banco, tudo conforme consta de fls. 67 e aqui se dá por reproduzido;
d) A esposa do Requerente aufere cerca de MOP18.600,00 por mês – cf. fls. 63 -;
e) Pela amortização do empréstimo contraído para a aquisição da referida fracção autónoma o Requerente e a sua esposa pagam mensalmente HKD14.239,25 – cf. fls. 68 e 69 -;
f) O Requerente tem um filho que sofre de doença crónica na pele em cujo tratamento o Requerente e a esposa gastam cerca de MOP6.000,00 por mês – cf. fls. 78 a 95 -:
g) Em actividades extracurriculares do filho o Requerente gasta cerca de MOP1.900,00 mensais – cf. doc. a fls. 96 e 97 -;
O Tribunal deu como provados os factos referidos com base nos documentos indicados, sendo certo que, em sede de providência cautelar a prova é indiciária1, sendo assim aqueles documentos bastantes para o efeito, sendo certo que também não são impugnados, uma vez que em sede de contestação apenas se questiona ser a capacidade financeira do Requerente apenas a que resulta do seu vencimento.
Relativamente às demais despesas que se invocam, contribuições para pais e sogros, prestação do empréstimo contraído para aquisição do carro, propinas e seguro da esposa do Requerente, face ao que se invoca não se mostram as mesmas essenciais à subsistência do agregado familiar, pelo que, por não serem factos com relevo para a decisão e dos documentos juntos não resultar a essencialidade de tais despesas não se dão as mesmas por provadas.
Os demais factos que se invocam têm a ver com o mérito e razoabilidade da decisão, matéria que não é objecto destes autos.
2) Do Direito
DO INCIDENTE DA EXECUÇÃO INDEVIDA
A Entidade Requerida foi citada para contestar por carta registada expedida em 10.04.2025 – cf. fls. 172 -.
Em 14.04.2025 (segunda-feira) veio a Entidade Requerida invocar o interesse público na não imediata execução do acto considerando a factualidade que foi fundamento da sanção disciplinar antes aplicada e de onde decorreu a baixa de classe de classificação do Requerente.
Verifica-se assim que o requerimento em causa foi tempestivamente apresentado – nº 2 do artº 126º do CPAC -.
Sobre a matéria em causa, tendo subjacente questão de facto idêntica à destes autos, pronuncia-se o Acórdão do TUI de 19.07.2017 proferido no processo 37/2017:
«Tal como tem entendido este Tribunal de Última Instância, a grave lesão do interesse público deve ser ponderada segundo as circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os fundamentos do acto e as razões invocadas pelas partes.2
O interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, “como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins”3
Concretamente, o interesse público prosseguido por acto que pune um agente policial com a pena de demissão é o de afastar definitivamente “... do serviço o agente cuja presença se revelou inconveniente aos seus interesses, dignidade e prestígio”4, por ter praticado infracção que, pela sua gravidade, inviabiliza a manutenção da relação funcional (artigo 238.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança).5».
Resulta do despacho cuja suspensão se pede que a dispensa do serviço aplicada ao Requerente se ficou a dever à prática de jogo ilícito com colegas durante o horário de trabalho.
A actuação subjacente à sanção disciplinar que motivou que viesse a ser aplicada a dispensa do serviço por inadequação ao exercício das funções não só constituiu uma violação dos deveres profissionais a que estava obrigado como também se traduziu na prática de actos ilegais durante o serviço numa área que tem tanto de sensível como de relevante para a economia e imagem da RAEM como é a do Jogo.
Destarte, não podemos deixar de acompanhar a fundamentação apresentada de que haveria grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução do acto, seja pelo efeito de prevenção das penas disciplinares aqui agravado por estar em causa um agente das forças de segurança, seja pelo efeito preventivo de protecção do interesse público ao evitar que agentes de segurança pratiquem actos ilegais durante o tempo de serviço e no exercício de funções.
Destarte, pelos fundamentos expostos vai indeferido o incidente de execução indevida do acto.
DA SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DO ACTO
De acordo com o disposto no artº 120º do CPAC «a eficácia dos actos administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente».
No caso dos autos o acto cuja suspensão se pede é de aplicação de pena disciplinar e como tal manifestamente de conteúdo positivo.
Por sua vez o CPAC no seu artº 121º consagra os requisitos para que a suspensão seja concedida, requisitos estes de verificação cumulativa, a saber:
Artigo 121.º
(Legitimidade e requisitos)
1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.
Vejamos então.
No caso em apreço o acto praticado de dispensa do serviço tem natureza disciplinar uma vez que resulta da aplicação de anterior sanção disciplinar, pelo que, está dispensada a demonstração do requisito de prejuízo de difícil reparação a que alude a al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC, tudo de acordo com o nº 3 do mesmo preceito legal.
A questão coloca-se no que concerne ao requisito da al. b) do nº 1 da citada norma, uma vez que, tal como já se decidiu em sede de incidente de execução indevida e pelos fundamentos ali expostos que aqui se dão por reproduzidos, a suspensão do acto determina grave lesão para o interesse público não só porque se poria em causa o efeito preventivo do acto punitivo quanto a condutas semelhantes, como também, pelo efeito preventivo de protecção do interesse público ao evitar que agentes de segurança pratiquem actos ilegais durante o tempo de serviço e no exercício de funções.
Assim sendo impõe-se concluir não estar verificado este requisito.
Recorrendo ao disposto no nº 4 da citada norma invoca o Requerente que os prejuízos que para si resultam da execução do acto são desproporcionadamente superiores ao prejuízo que poderia advir para o interesse público da suspensão.
Para tanto, de relevante, alega que é casado, tem 1 filho com uma doença de pele cujos tratamentos chegam a custar cerca de MOP6.000,00 por mês e que pagam cerca de MOP15.000,00 por mês para amortização do empréstimo para aquisição de casa, perfazendo estas duas despesas cerca de MOP21.000,00, valor este superior ao salário da esposa do Requerente de MOP18.600,00.
Destarte, da perda de salário do Requerente consequência da imediata execução da decisão objecto destes autos, considerando o valor do salário da esposa e que embora não se refiram mas há despesas básicas que qualquer família tem de fazer com bens elementares como alimentação, água, gás e electricidade, resulta a impossibilidade de cumprir com o pagamento das prestações para amortização do empréstimo contraído para aquisição da habitação onde Requerente, mulher e filho vivem, pondo em risco a manutenção da casa de morada de família, bem como, a impossibilidade de fazer face às despesas com o tratamento da doença crónica do filho.
Se é certo que o prejuízo decorrente da falta de pagamento das prestações do empréstimo é passível de ser ressarcido através de uma indemnização pecuniária, já não o é a instabilidade e a insegurança da necessidade de se ver privado da habitação que é casa de morada de família acrescido de toda a perturbação que resulta de uma família se ver de forma inopinada na obrigação de ter de mudar de casa – note-se que a atribuição e a protecção da casa de morada de família é um princípio do nosso sistema jurídico que se destaca da protecção do bem imobiliário em que ela consiste -.
Se tal já é bastante perturbador a ponto de não se admitir que uma indemnização possa eliminar todos os efeitos psíquicos que possam ter resultado da inopinada perda da casa de morada de família, a situação agrava-se se acrescentarmos a situação de saúde do filho de cerca de 6 anos de idade e a impossibilidade de não poder prosseguir os tratamentos que tem vindo a realizar, ainda que tenha direito a saúde grátis em Macau.
Destarte, considerando que a justificar a imediata execução do acto estão apenas razões de prevenção e não de afastamento de perigos concretos e efectivos para o interesse público, mas que do lado do Requerente se demonstra a existência de perigos concretos e que não podem ser completamente ressarcidos através de uma indemnização, entendemos serem os prejuízos do Requerente consideravelmente superiores à necessidade de protecção do interesse público, sendo de, nos termos do nº 4 do artº 121º do CPAC, deferir a suspensão de eficácia do acto, dado que não se verificam indícios de ilegalidade do recurso, único outro requisito que no caso em apreço havia que dar por verificado.
V. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Vai indeferido o incidente de execução indevida;
- Vai deferido o pedido de suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança de 21.02.2025 que decidiu pela dispensa de serviço do Requerente.
Sem custas por delas estar subjectivamente isenta a Entidade Requerida.
Registe e Notifique.
RAEM, 28 de Maio de 2025
Rui Pereira Ribeiro (Relator)
Seng Ioi Man (Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong (Segundo Juiz-Adjunto)
Mai Man Ieng (Procurador Adjunto do Ministério Público)
1 Não se junta certidão de casamento, certidão de nascimento do filho, atestado médico relativamente à situação de saúde invocada, recibos das despesas médicas não referem de forma pormenorizada que tratamentos e a quem uma vez que supostamente estão emitidos em nome da mãe, o que noutra sede inviabilizaria a prova destes factos.
2 Ac. do TUI, Proc. n.ºs 12/2010 e 14/2010, ambos de 10 de Maio de 2010.
3 MARCELLO CAETANO, 《Manual de Direito Administrativo》, Coimbra, Almedina, Tomo II, 9.ª
4 MARCELLO CAETANO, 《Manual de Direito Administrativo》, Coimbra, Almedina, Tomo II, p. 821.
5 4 Ac. do TUI, Proc. n.º 4/2011, de 23 de Fevereiro de 2011.
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261/2025/A SUSPENSÃO 18