Processo n.º 929/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Relator: Fong Man Chong
Data: 22 de Maio de 2025
ASSUNTOS:
- Função do sinal no contrato-promessa de compra e venda e consequência de impossibilidade de cumprimento definitivo de prestação prometida
SUMÁRIO:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 929/2024
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 22 de Maio de 2025
Recorrentes : - A
- Sociedade de Importação e Exportação B, Limitada
Recorridos : - Os Mesmos
*
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 06/06/2024, veio, em 21/06/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2068 a 2081, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 對於原審法院的部分事實認定及法律適用,上訴人認為存在錯誤解釋和適用法律的瑕疵,故提起本上訴。
I. 關於定金金額
甲、事實認定之明顯錯誤
2. 對於原審法院就本案已證事實中涉案單位之價金及原預約買受人實際支付的事實部分的認定(即已證事實第53條及第102條)及有關法律之適用,上訴人並不認同。
3. 首先,就原預約買受人所實際支付的金額方面,上訴人曾要求被上訴人提交已收取樓宇款項的記錄文件(卷宗第1003頁背頁及第1030頁),但被上訴人一直未提交有關記錄。
4. 在這一情況下,原審法院應適用《民事訴訟法典》第455條、第456條結合第442條第2款之規定,對被上訴人這一不提供文件之行為作出自由心證,更是應考慮適用舉證責任倒置之制度—然而原審法院在作出事實認定時,並未考慮被上訴人這一行為。
5. 另外,於2011年3月9日,原預約買受人及其妻子與被上訴人簽訂了樓宇預約買賣合同,相關單位的價金為HK$5.045.000,00(即MOP$5.196.350,00),被上訴人確實已從原預約買受人全數收取有關價金,且發出了相關收據。
6. 雖然原預約買受人於2011年3月9日聲明收到被上訴人所發放的“購置物”回贈,但被上訴人於2011年3月11日仍然繼續收取原預約買受人支付的餘下樓款,並發出收據。
7. 亦即是說,即使有所謂的“購置物”回贈,原預約買受人實際所需支付,以及已支付的款項總額為HK$5.045.000,00。否則,原預約買受人在收到“購置物”回贈後,便能直接免除支付HK$1.009.000,00的義務。
8. 因此,原審法院將調查基礎事實第1條、第62條作出已證事實第53條以及已證事實第102條之認定存有審查證據明顯錯誤之瑕疵,故應根據《民事訴訟法典》第629條第1款a項對調查基礎事實第1條之回覆,對已證事實第53條作出改判,並將已證事實第102條視為不獲得證實。
9. 即使上述見解未蒙採納,事實上,“購置物”回贈HK$1.009.000,00的款項是被上訴人向原預約買受人發出,上訴人根本沒有享受到上述款項優惠。
10. 由始至終,不論是《承諾業權轉讓合約》、抑或是《XX居轉讓聲明》,還是《樓宇買賣按揭借款合約》(見起訴狀文件6-8),三份文件當中從未曾提及過“購置物”回贈款項一事,而且對於涉案單位的售價一致為HK$5.045.000,00,有關文件亦顯示被上訴人已全數收取有關款項。
11. 因此,上訴人從來不知悉“購置物”回贈的存在,更不可能收取過有關款項,“購置物”回贈只是存在於被上訴人及原預約買受人之間的關係,與上訴人無關。
12. 被上訴人作為合約其中一方,甚至是合同的準備方,倘若認為涉案單位售價存在問題,完全有權要求將涉案單位的原售價減去HK$1,009,000.00的已支付的“購置物”的回贈。但被上訴人代表在該合約作出簽署、其更以該價格為基礎,計算上訴人需支付的轉名費用,該等行為更能證明被上訴人是有意以HK$5.045.000,00作為單位的售價。
13. 既然被上訴人同意有關金額為HK$5,045,000.00,且已全數收取預約買受人所支付的定金,而相關的預約買受人合同地位亦已轉移予上訴人。那麼,就應按照涉案單人立之售價,作為定金金額,向上訴人作出賠償。
14. 因此,被上訴判決錯誤地以原預約買受人實際支付的金額作為定金賠償之基礎,存在錯誤解釋及適用《民法典》第400條、434條至436條款的瑕疵。
II. 衡平原則的錯誤適用
15. 上訴人認為原審判決中就衡平原則部分有事實審查的明顯錯誤及錯誤適用法律之瑕疵。
i. 事實認定之明顯錯誤
16. 在本案,與置換房相關的已證事實為第66條至第68條,有關事實獲得證實的主要依據為澳門都市更新股份有限公司所提供之文件、第8/2019號法律以及原審法院之經驗法則。
17. 然而,上訴人認為已證事實第106條以及第108條有事實審查明顯錯誤之瑕疵。
18. 首先,原審法院作出事實認定之依據、卷宗文件第1960頁,可以見到上訴人所選購的單位,價格為MOP5,277,177.05元,有關價值係大於涉案單位之價值。
19. 同時,該文件亦載明了:「註1:置換房的面積,都市更新股份有限公司按第89/2019號行政長官批示第7條規定進行規劃,而所選的置換房單位面積、間格及用料最終將依照土地運輸工務局最後批准圖則為准。」
20. 也就是說,直至現時,置換房單位的面積、間格、用料,均未確認,亦無可能得出與涉案單位相同之結論。
21. 而且,置換房價格是按照第8/2019號法律第8條所規定,是經都更公司參照市場價值作出,在這一法律前提下,置換房的售價不應該為「bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores」。
22. 基於此,已證事實第106條以及第108條有審查事實現顯錯誤之瑕疵,有關調查基礎內容在沒有更多證據的情況下,應視為不獲得證實,原審法院在本案適用衡平原則之前提亦不復存在。
ii. 法律適用錯誤
23. 倘上述見解未蒙法官 閣下所採納,上訴人認為,被上訴人所提出適用《民法典》第801條的衡平原則的理由同樣不合理。
24. 上訴人不同意原審法院認為只要被上訴人在上訴入購買置換房前,向上訴人返還原預約買受人向其支付的金額(即HK$4.036.000,00),便能完全彌補上訴人於本案所遭受到的損失。
25. 亦不同意原審法院認為由於上訴人在未來會取得及享用置換房單位,故上訴人無法享用的履行的情況更接近為遲延,而不是確定不履行的見解。
26. 再次重申,根據第8/2019號法律第3條規定,置換房的性質並無補償性質,上訴人僅僅是獲得購買的資格,並不是免費取得有關單位。
27. 況且,直至現今,置換房都仍未建造完畢,上訴人亦無法得知何時完工。
28. 但上訴人從2013年起支付了HK$6.350.000,00後,已經無法取得涉案單位,而現在為了取得一個未知建造質量、將來價值的單位,更需要額外再支付HK$5.045.00,00,而上訴人不再像十年前時,有能力支付首期及取得貸款,最後上訴人是否仍有能力購入置換房,一切均為未知之數。
29. 但可肯定的是,根據已證事實67條以及第68條,在提起訴訟之日,上訴人如要購入與涉案單位相同質量以及位置相同的單位,上訴人係額外需要支付MOP8,173,911.00元。
30. 這種情況下,購入置換房的機會,根本算不上是對上訴人的補償。
31. 而且,原審法院所述的由澳門政府建設的置換房令到被上訴人不履行變得遲延履行的說法,更是無法證實。
32. 本案是根據涉案的預約合同,被上訴人本應需要向上訴人作出應付的定金賠償;另一方面,上訴人得到購買置換房的資格,而該置換房由澳門政府所提供。
33. 所以,被上訴人既不是建造置換房之人,亦沒有為上訴人支付置換房單位的全部樓款,這樣的話更加無法證實原審法院所述的由澳門政府建設的置換房令到被上訴人的確定不履行變得遲延履行的說法。
34. 而且,被上訴人無法向上訴人履行提供涉案單位的這一義務已是毫無爭議的,且原審法院在被上訴判決中亦已認同這一說法。
35. 所以,上訴人取得置換房的這一事實並不會令到被上訴人的確定不履行轉為/變得更像遲延履行,亦無法減低上訴人承擔的損失。
36. 因此,被上訴人所提出的適用《民法典》第801條的依據並不合理,不應適用衡平原則,中級法院應改判被上訴人向上訴人支付雙倍的定金,合共HK$10,090,000.00,折合為MOP$10,392,700.00。
III. 縮減請求的部分以及利息計算部分
37. 上訴人同樣不同意有關原審法院對於縮減請求以及利息部分的判處。
38. 按照被上訴判決中所道,原審法院認為應補充適用澳門《民法典》第773條第1款的規定,將被上訴人代上訴人向銀行履行的貸款義務抵充至到期之債務。
39. 然而,從《民法典》第773條第1款可見,這一條文的僅適用於當債務人在履行時不作出指定時,才會將相關履行抵充至已到期之債務。
40. 然而上述條文並不適用於本案的原因是因為,上訴人及被上訴人於2020年4月23日提交了一份縮減請求之聲請,其中,雙方向原審法院提出縮減請求的聲請,若上訴人之請求完全或部份成立時,將從判處被上訴人支付之最後金額中減去MOP$2,715,178.02。
41. 所以透過上述文件,上訴人已明確指出會縮減請求的部份為最後判處被上訴人所支付的金額。
42. 而原審法院卻違反上訴人和被上訴人雙方之意願,將履行抵充在被上訴人應向上訴人返還的款項中。
43. 所以,原審法院的這一判決,是錯誤解釋及適用澳門《民法典》第773條第1款的規定,中級法院應作出改判。
44. 經改判後,結合上述部份之理據,應改判被上訴人向上訴人支付雙倍的定金,合共HK$10,090,000.00,折合為MOP$10,392,700.00。且有關金額需根據《民法典》第794條第1條規定,判處被上訴人向上訴人支付獲傳喚之日起計直至完全支付為止的法定遲延利息9.75%。
45. 最後,根據上訴人在2020年4月23日所作出的縮減請求,在計算上述金額後,再減去HKD$2,715,178.02。
46. 倘上述見解未蒙採納,即使有關縮減請求係在雙倍之賠償金額中扣除且需要作出衡平的情況下,需要指出的是,作為雙倍賠償的一部份、即原預約買賣合同價金部份之金額,係在判決作出前已經獲得確認。
47. 雖然上述部份同樣為雙倍賠償中的一部份,實際上,按其性質而言,屬被上訴人應返還予上訴人之價金。因此,這一部份的金額之利息,應根據《民法典》第794條第1條規定,由被上訴人被傳喚之日起開始計算。
48. 至於另一部份作為衡平後的賠償(即真正意義上的「賠償」),應按照雙方在縮減請求中之意願,在減去上訴人縮減請求之部份後,再根據判決作出之日起計算利息。
49. 綜上所述,原審法院裁定請求部分不成立的判決應予以廢止,中級法院應該根據《民事訴訟法典》第630條第2款規定,作出相應改判。
綜上所述,敬請中級法院裁定上訴人上訴理由成立,廢止原審法院之判決,因有關判決存在事實審理明顯錯誤以及錯誤適用法律的瑕疵,並根據《民事訴訟法典》第630條之規定,直接改判:
1. 被上訴人向上訴人支付對應雙倍定金之賠償,即合共HK$10,090,000.00,折合為MOP10,392,700.00;以及
2. 上述金額應加上由被上訴人獲傳喚之日起計直至完全支付為止之法定遲延利息,每年9.75%;
3. 從最後判處的被上訴人支付的金額中減去HKD2,715,178.02。
*
Sociedade de Importação e Exportação B, Limitada, veio, 06/11/2024, a apresentar as suas contra-alegações constantes de fls. 2197 a 2200, tendo alegado o seguinte:
I - "Sobre o montante do sinal"
1. O Recorrente alega que pagou à ora Recorrida HKD5.045.000,00 e que só depois de lhe pagar esta quantia, a Recorrida lhes fez um desconto no valor de HKD1.009.000,00.
2. Relativamente a esta situação, subscreve-se a douta fundamentação e decisão do Distinto Tribunal Judicial de Base (TJB), nomeadamente, em Resposta ao Quesito 62º.
3. Com efeito, em caso de pagamento integral do preço, a B faz um desconto imediato no preço, ainda antes da realização do respectivo pagamento, e que os compradores nessas circunstâncias como é o caso do Recorrente, nunca pagam, portanto, em nenhum momento, o preço total.
4. Apenas pagam, sempre, o preço constante do contrato, imediatamente deduzido do respectivo desconto.
5. Por exemplo, se o preço contratado é de HKD5.000.000,00 e o desconto é de 20%, ou seja, HKD1.000.000,00, o comprador apenas entrega à B HKD$4.000.000,00.
6. Quanto à emissão do recibo no valor do desconto, de acordo com as regras da experiência comum, nomeadamente, as relativas à concessão de crédito hipotecário, tem como justificação o facto de o autor ter pedido empréstimo bancário com base no preço acordado para conseguir uma determinada percentagem deste por mútuo, tendo a ré feito a sua declaração para se harmonizar com o empréstimo e para, por razões de marketing e de mercado, prevenir ou evitar que se criasse a imagem de descida de preços.
7. É este, de resto, o entendimento defendido pelo Distinto Tribunal de 1ª instância nas diversas sentenças que até ao momento foram proferidas em casos idênticos.
Acresce que,
8. O Recorrente não impugnou a decisão de facto com recurso à gravação dos depoimentos prestados (o que se compreende, pois que tais depoimentos são claros, peremptórios e inequívocos em sentido contrário ao que ele vem alegar).
9. A Decisão da Matéria de Facto não violou elementos de prova tarifados, como por exemplo, documentos autênticos ou autenticados.
10. Deste modo, a sua alegação a este respeito é uma mera discordância da apreciação da prova levada a efeito pelo tribunal ao abrigo do artigo 558º/1 do CPC, o que, como se sabe, não é sindicável e violaria o princípio da imediação da prova.
11. Conforme a lição do douto Acórdão desse Venerando TSI, de 9 de Fevereiro de 2023, Proc. nº 1038/2021: “- A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos qu o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
- A reapreciação da matéria de facto por parte do TSI tem um campo limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resosta com a respectiva fundamentação".
12. Ora, é patente que não há nenhum erro manifesto de julgamento, nem violação de regras e princípios de direito probatório por parte do Tribunal a quo.
13. Pelo que, deve improceder a douta alegação de recurso quanto a esta parte.
II - "Erro na aplicação do princípio da Equidade"
14. Seguidamente, o Recorrente imputa à douta sentença recorrida a violação do artigo 801º do Código Civil, nomeadamente, a decisão por equidade protagonizada pelo distinto Tribunal de 1ª Instância, bem como a violação do artigo 569º do Código Comercial.
15. Começa por alegar o vício de erro manifesto na apreciação dos factos, porque "o preço de compra da fracção escolhida pelo Recorrente foi o de MOP$5.277.177,05, i.é, superior ao valor da fracção em discussão nos autos".
16. Ora, de acordo com o artigo 7 do Despacho do Chefe do Executivo nº 89/2019, de 30/05/2019, entre a área útil das fracções que os compradores vão receber ao abrigo deste diploma, as "habitações para troca", e a área útil das fracções que aqueles iam receber da aqui Recorrida, a que chamaremos as "fracções originais", há uma margem de diferença que pode ir até ao máximo de 5%.
17. Assim, contrariamente ao que rezam as alegações a que ora se responde, a área útil da habitação para troca que o aqui Recorrente vai receber ao abrigo deste diploma legal não é "uma incógnita", mas está claramente pré-definida na lei, sendo idêntica à área da fracção original.
18. Depois, ao abrigo do artigo 9 do mesmo diploma legal, o preço por metro quadrado da habitação para troca que o Recorrente vai receber, é idêntico ao preço por metro quadrado da fracção original.
19. Se, dentro dos limites legais de um máximo de 5%, a área da habitação para troca for menor do que a área da fracção original, o preço será correspondentemente mais baixo e se a área for maior, o preço será correspondentemente mais elevado.
20. Aliás, conforme o afirma o próprio Recorrente e também conforme o que vem previsto no artigo 10 do referido diploma legal, esta escolha foi feita por ele próprio.
21. O preço por metro quadrado, porém, como previsto na lei, mantém-se inalterado, e é nesse sentido que se dá por provado que os preços são idênticos.
22. Quanto ao mais, percorrendo-se este diploma legal, é por demais claro que as características da habitação para troca têm directamente por referência a fracção original.
23. Pelo que, salvo melhor opinião, afigura-se que deve improceder o Recurso quanto a esta parte.
Finalmente,
24. Considera o Recorrente que o princípio da equidade "não tem igualmente razão de ser".
25. A este respeito, a aqui Recorrida remete a sua contra-resposta para todo o exposto nas suas Alegações de Recurso, aqui as dando por integralmente reproduzidas.
III - "Sobre a redução do pedido e cálculo de juros"
26. No entender da aqui Recorrida esteve bem a douta sentença recorrida ao entender que ao pagar o empréstimo bancário do Recorrente ao Banco credor, por, recorde-se, contrato escrito com o Banco constante dos autos, a B efectuou um cumprimento parcial da sua obrigação de restituição.
27. Foi, aliás, com base neste entendimento que as partes subscreveram um requerimento conjunto relativamente à redução do pedido formulado pelo Autor/ora Recorrente que também consta dos autos.
28. Com efeito, a intenção das partes era de que o valor da compensação, o valor do contra-crédito da Ré, aqui Recorrida, fôsse deduzido do que esta teria que restituir ao Recorrente.
29. Já quanto à contagem dos juros de mora, dá-se por integralmente reproduzido o que consta das alegacões de recurso apresentadas pela B.
30. Pelo que, salvo melhor opinião, também quanto a esta parte devem as doutas alegações de recurso a que ora se responde, improceder.
*
Sociedade de Importação e Exportação B, Limitada, Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 06/06/2024, veio, em 21/06/2024, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 2084 a 2109, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Constitui objecto do presente Recurso a, aliás, douta sentença do Tribunal Judicial de Base, que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou a Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Recorridos, no montante global de HKD4.550.821.98.
2. Ocorreu uma impossibilidade jurídica superveniente e definitiva do cumprimento do contrato em discussão nos presentes autos mas tal impossibilidade não é imputável à Recorrente.
3. Com efeito, ficou provada praticamente toda a matéria alegada pela Recorrente susceptível de estabelecer que não conseguiu aproveitar o terreno dentro do prazo contratado e, assim, dar cumprimento ao contrato em apreço, por razões imputáveis aos Serviços da RAEM.
4. Uma tal actuação da DSSOPT e da DSPA era imprevisível.
5. Com efeito, após a aprovação do projecto de arquitectura do empreendimento "XX", comunicada à Recorrente em 07/01/2011, não era previsível que a DSSOPT fizesse depender a emissão da licença de construção, da apresentação e aprovação de um Relatório ambiental pela DSPA.
6. Essa falta de previsibilidade é resulta da circunstância de nunca ter sido exigida anteriormente e nenhum promotor imobiliário.
7. E ainda da circunstância de, ao tempo, não existir norma legal ou regulamentar aprovada e em vigor que exigisse esse Relatório Ambiental ou que sugerisse, sequer, que conteúdo pudesse vir a ter de conter.
8. Muito menos era de esperar que, como se provou, a DSSOPT e a DSPA demorassem quase 3 anos a aprovar esse Relatório num procedimento moroso e ao sabor dos improvisos desses serviços.
9. Não se pode pretender que uma Administração Pública que está sujeita ao princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), ao princípio da protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos residentes (artigo 4.º do CPA), ao princípio da justiça e da imparcialidade (artigo 7.º do CPA) e aos princípios da boa fé e da colaboração (artigos 8.º e 9.º do CPA) deve entender-se genericamente como uma pessoa que actua de forma a violar os seus deveres contratuais com os sujeitos com que se relaciona. E que a Recorrente deveria assim ter presumido vir a suceder.
10. E mesmo quando confrontada com essa exigência inesperada, a Recorrente previu, tal como qualquer bom pai de família no seu lugar o faria, que tal exigência seria rapidamente ultrapassada.
11. Com efeito, do Ofício de 07/01/2011 constante de fls. 360 a 369, no seu ponto nº 19, parte final, resulta que o Relatório ambiental exigido pela DSSOPT deveria consistir em 4 pontos muito simples.
12. No entanto, conforme está provado, os serviços da Administração foram apresentando sucessivas e novas condições ao longo de quase 3 anos, à medida que as anteriores iam sendo cumpridas pela Recorrente, o que era manifestamente imprevisível, mesmo para um bom pai de família.
13. D'outro passo, a actuação da RAEM sempre seria inultrapassável.
14. Efectivamente, os serviços da RAEM não emitiriam a licença de construção sem que fosse apresentado o Estudo Ambiental, rectius, sem que fossem apresentadas todas as versões do Estudo Ambiental que foi exigindo ao longo de cerca de 3 anos.
15. A única forma de a Recorrente procurar ultrapassar estas exigências era a de avançar para a via contenciosa, através do recurso contencioso de anulação destinado a anular os actos administrativos praticados pelos serviços da RAEM, por vício de violação de lei.
16. Bem se vê que a DSSOPT e a DSPA não actuaram como parte do contrato de concessão mas sim como Administração Pública, como puissance publique, sob as mesmas vestes com que actuam relativamente a qualquer privado.
17. Ou seja, em resumo, ao contrário do que se sugere na douta sentença recorrida, afigura-se que se está, efectivamente, em sede de "facto do príncipe".
18. Quanto ao risco, desde logo, em boa verdade, o risco para o Recorrido nasce com a cessão da posição contratual que celebrou com o contraente inicial, cedente.
19. Nesta situação, a questão da distribuição do risco em contratar diz respeito somente ao cedente e ao Recorrido, enquanto cessionário, mas não, salvo melhor opinião, à Recorrente, que nunca teve qualquer conhecimento do teor do que foi previamente contratado entre eles, limitando-se a consentir na cessão (vd. Acórdão do TSI de 21/06/2012, Proc. n.º 169/2012).
20. Por outro lado, compreende-se, por exemplo, que a crise económica, a retracção do mercado financeiro, taxas de juros, salários, etc., possam ser considerados riscos com que os promotores imobiliários devem contar e assumir, mas não já, a situação dos autos que provocou uma provada paralisação de cerca de 5 anos do prazo de aproveitamento do terreno.
21. O Recorrido sabia necessariamente que o contrato que celebrou com a Recorrente estava umbilicalmente ligado ao cumprimento do contrato de concessão do terreno e que, naturalmente, as vicissitudes deste se repercutiam necessariamente naquele.
22. As datas dos termos das concessões são públicas, constando do Registo Predial.
23. Um dos princípios fundamentais do Registo Predial é o Princípio da Publicidade consagrado no artigo 1º do Código do Registo Predial de Macau e dele decorre que a ninguém é lícito invocar o desconhecimento da situação jurídica de qualquer imóvel, quando constante de registo público, que é de livre acesso.
24. O Recorrido também sabia perfeitamente que havia uma fracção a ser construída no futuro, ou seja, que tinha adquirido um bem que não existia à data do contrato que celebrou.
25. E a Recorrente não faltou a deveres de informação que fossem devidos, nem prestou informação falsa ou sonegou informação que, de acordo com ditames de boa fé, estivesse vinculada a transmitir.
26. Pelo que em boa verdade não foi a Recorrente que trouxe o Recorrido para a esfera de risco do contrato em causa. Foi ele que quis nela entrar.
27. Quanto à qualificação do contrato, o que se revela mais plausível e consentâneo com a aplicação das regras plasmadas entre os artigos 228º e 230º do CC é que se trata de um contrato de reserva ou de um contrato de compra e venda de um bem futuro.
28. A respeito da letra do contrato, refira-se que as partes podem usar terminologia jurídica e fazer qualificações, mas esse aspecto não é vinculativo para o intérprete-aplicador.
29. Relativamente à redacção do contrato em apreço, logo na sua cláusula 5ª, as partes acordaram numa redacção que excluiu propositadamente a utilização da expressão “訂” referente ao conceito de "sinal" (com o sentido de penalização), em prol da expressão "訂金", correspondente ao conceito de "depósito" (que não tem sentido penalizador).
30. Deste modo, as partes estão a manifestar a sua vontade em afastar a qualificação de sinal aos pagamentos efectuados por conta do contrato em causa.
31. A cláusula 22ª não indicia que as partes celebraram uma promessa de compra e venda em vez de uma compra e venda de um bem futuro ou um contrato de reserva.
32. Em contrário do que se considerou na douta sentença recorrida, a previsão da cláusula 9ª de um consentimento para a cessão também não permite reconduzir o contrato base a um contrato-promessa.
33. É esta a solução preconizada no artigo 418º do CC pela simples razão de que em contratos com prestações recíprocas, como é o caso, a Recorrente tem o dever de entregar o imóvel objecto do contrato, mas o adquirente tem o dever de pagar um preço e, no caso vertente, de pagar o preço em prestações distintas e sucessivas.
34. Quanto à circunstância de poder eventualmente inferir-se de alguns dos segmentos do clausulado a necessidade de celebração de um segundo contrato, é, nos termos do artigo 866º do Código Civil (CC), uma formalidade absolutamente essencial, quer para o contrato-promessa, quer para o contrato de reserva, quer para o contrato de compra e venda imediata de um bem futuro.
35. Por seu turno, as suas cláusulas 10ª a 12ª são previsões que raramente ou nunca são reguladas no contrato-promessa, mas sim no contrato de compra e venda.
36. Também os textos preliminares e circundantes constantes dos autos conectados com o contrato em questão, designadamente, os recibos de pagamento identificarem-se deliberadamente como se tratando da liquidação de um preço e, nunca, de um sinal) e o facto de o contrato conter uma planta da fracção adquirida em anexo.
37. Relativamente ao elemento histórico subjacente ao contrato em causa, há a destacar que o contrato foi celebrado antes da publicação da Lei nº 7/2013, que foi elaborada em resposta a um vazio legal que disciplinasse estes casos, o que permite vincar a sua especificidade em relação às figuras existentes a esse tempo na ordem jurídica de Macau, incluindo a figura do contrato-promessa tipificada no Código Civil.
38. Como afirma João Vicente Monteiro na sua mais recente obra, Código do Registo Predial de Macau Anotado, pág. 299, "Estes 'contratos-promessa' têm sido tradcionalmente utilizados para formalizar verdadeiros contratos de compra e venda sobre as fracções autónomas em construção”.
39. Relativamente ao elemento teleológico, o fim do negócio tido em mente pelas partes é o seguinte: para a parte compradora, um imóvel a ser construído fica reservado contra o pagamento de uma certa quantia, por inteiro ou dividida em prestações; para a parte vendedora é receber do adquirente um determinado preço pela fracção autónoma que vai construír e lhe vai entregar.
40. Se o beneficiário desistir perde essa quantia a favor da outra parte; quando não, o contrato mantém-se. Em contrapartida, o vendedor deixa de poder dispor da fracção autónoma não podendo celebrar nenhum outro contrato com terceiros que tenha por objecto essa fracção autónoma.
41. Assim, pela interpretação do clausulado, pelos textos conectados com o contrato, pelo elemento histórico e pelo elemento teleológico, afigura-se que o contrato em discussão não é um típico contrato-promessa mas um contrato de reserva ou um contrato de compra e venda imediata de um bem futuro, tal como defende Menezes Cordeiro no douto Parecer Jurídico ora junto.
42. Subsidiariamente, mesmo que se entenda que o contrato em discussão nos presentes autos se trata de um contrato-promessa típico, a verdade é que as quantias que a Recorrente recebeu enquanto pagamentos de uma parte do preço da fracção a construir que foi vendida, configura um cumprimento antecipado do contrato prometido tendo em vista a satisfação de obrigação futura, previsto nó artigo 434º do Código Civil, como o comprovam os recibos de pagamento de fls. 30 a 39 dos autos.
43. Relativamente à indemnização a arbitrar, uma vez que a impossibilidade superveniente não é imputável à Recorrente, tem aplicação o disposto no artigo 779º/1 do CC: "A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor."
44. As consequências são as do artigo 784º/1 do CC: o interessado na aquisição fica desobrigado da contraprestação e pode exigir a restituição do valor que entregou ao alienante, em singelo, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa, conforme o estipulado nos artigos 467º e 473º/1 do CC.
45. Deste modo, salvo melhor opinião, na perspectiva da Recorrente, o quantum final da indemnização a arbitrar cifra-se em HKD1.320.821,98 (4.036.000,00 - 2.715.178,02), equivalentes a MOP1.360.446,64 e respectivos juros de mora.
46. Subsidiariamente a Recorrente pediu que a indemnização fosse arbitrada com base na equidade, tendo a douta sentença recorrida considerado ser essa a solução jurídica adequada e arbitrado uma indemnização a esse título no valor de HKD$3.230.000,00.
47. Este valor pode ser decomposto em 2 parcelas: o valor de HKD1.009.000,00, que corresponde ao que o Recorrido despendeu além do que o cedente pagou à Ré para poder adquirir a habitação por troca; e o valor de HKD2.222.500,00 obtido com base num eventual rendimento de juros para os depósitos a prazo incidentes sobre o capital pago pelo Recorrido ao Cedente (HKD6.350.000,00).
48. Afigura-se, porém, que o valor-base deve ser o valor pago e recebido pela Recorrente, HKD4.036.000,00, uma vez que, como refere Menezes Cordeiro no Parecer Jurídico ora junto a págs. 74, "quaisquer cláusulas acordadas entre este e o cesionário, incluindo mais ou menos-valias, são inoponíveis ao construtor".
49. Por outro lado, de acordo com os dados oficiais da Autoridade Monetária de Macau, a taxa de juros praticada pelos Bancos, em média, entre 2011 e 2023, foi a de 1,2655% (cfr. docs. 1 e 2 ora juntos ao abrigo do art. 616º/1/2ª parte do CPC)
50. Consequentemente, com base no valor recebido pela Recorrente, HKD4.036.000,00 e nos fundamentos de aplicação da taxa de 1,2655% enquanto vector da indemnização equitativa, o valor mais justo seria o de HKD510.755,80, caso se tomasse em conta o referido período de 10 anos (4.036.000,00 x 1.2655% x 10 = 510.755,80).
51. Se somarmos a este valor, aquele outro valor de HKD1.009.000,00, o juízo equitativo a formular mais justo seria então o de HKD1.520.000,00 (equivalente a 510.755,80 + 1.009.000,00, com o resultado arredondado por excesso).
52. Mas há que tomar ainda em conta que na cláusula 10ª do contrato donde emerge este pagamento consta que a fracção deveria ser entregue no prazo de "1200 dias de sol e trabalho após a construção do primeiro piso, só a partir dessa data entrando a Recorrente em mora”.
53. Por outras palavras, os Recorridos fizeram os pagamentos totalizando HKD4.036.000,00 em 2013, mas contrataram voluntariamente com a Recorrente em como tal quantia ficaria imobilizada sem vencer juros por aquele período e, portanto, até um momento indeterminado no tempo.
54. Entretanto, como resulta dos autos, tal momento nunca chegou a ocorrer uma vez que não foi possível construir e entregar a fracção pelas razões supervenientes acima descritas.
55. Consequentemente, salvo melhor opinião, é o momento em que a impossibilidade do cumprimento se tornou definitiva que deve ser tomado em conta para o cálculo deste segmento da indemnização a arbitrar.
56. Assim, esse momento foi o momento em que a declaração de caducidade do contrato de concessão foi proferida e se tornou irreversível, o que apenas ocorreu com o trânsito em julgado do douto acórdão do TUI proferido em 23 de Maio de 2018, no âmbito do Processo nº 7/2018.
57. Pelo que, ressalvado diverso entendimento, o momento a ser tomado em consideração para o cálculo do dano equitativo é o ano de 2018 e, como tal, compreende um período de 5 anos, isto é, entre 2018 e 2023.
58. Ora, de acordo com os mesmos dados oficiais da AMCM (cfr. docs. 1 e 2), a taxa média deste período de 5 anos foi a de 2,141%, foi a de 2,141%, pelo que o montante respeitante a este vector de ponderação se cifra, a final, em HKD$432.053,80 (4.036.000,00 x 2,141% x 5 = 432.053,80).
59. Assim, o valor mais justo e equilibrado para a indemnização equitativa a arbitrar cifra-se, parece-nos, neste montante, HKD432.053,80, acrescido do outro valor que foi tomado em consideração pela douta decisão recorrida, isto é, HKD1.009.000,00, o que perfaz um total de HKD1.450.000,00 (432.053,80 + 1.009.000 = 1.441.053,80, arredondando por excesso = HKD1.450.000,00).
60. Pelo que, salvo melhor opinião, seguindo-se o próprio itinerário da douta sentença recorrida com base nos factos só agora carreados aos autos, o valor total da indemnização, comprendendo a obrigação de restituir e o dano equitativo, cifra-se em HKD2.770.821,98 (1.320.821,98 + 1.450.000,00), ou, no máximo, em HKD2.840.821,98 (1.304.976,84 + 1.520.000,00)
61. Relativamente à parcela da indemnização no valor de HKD$1.320.821,98, salvo melhor opinião, a obrigação de restituir só se tornou líquida com a redução do pedido subscrita pelo Recorrido e seu trânsito em julgado, pelo que deve ser esta a data do início da sua contagem.
62. Ressalvado diverso entendimento, a douta decisão recorrida incorre na violação dos artigos 228º, 229º, 230º, 435º, 436º, 467º, 473º/1, 556º, 560º/5, 779º/1, 784º/1, 795º e 801º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo, serenamente, Justiça.
*
A, com os sinais identificativos nos autos, ofereceu a resposta constante de fls. 2203 a 2217, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.本案中,原審法院判處上訴人向被上訴人支付HKD1.320.821,98及HKD3.230.000,00。針對該判決,上訴人提出了上訴,主要分為A.不可歸責於上訴人之不履行;B.合同定性;以及C.賠償金額。
2. 上訴人為此亦附入兩份文件,然而,在尊重上訴人見解的前提下,被上訴人並不能同意上訴人之見解。
A. 針對文件之附入
3. 上訴人根據《民事訴訟法典》第616條第1款第2部分的規定,附入兩份由其所制作的關於2011年至2023年銀行存款之平均利息表格。然而,被上訴人已在2024年1月15日聲請了相類似的文件以附入卷宗。
4. 由此可見,有關文件絕非「因第一審所作之審判而有需要附具文件」,而是根據同一法典第450條第2款規定應在第一審辯論終結前提交的文件。因此,有關文件抽出並退回予上訴人。
B. 不可歸責於上訴人之不履行方面
5. 首先,上訴人認為,其不履行合同的原因係因為行政當局導致其沒有辦法在批給期內完成「XX居」之建造;其亦主張被上訴人在簽署合同時知道本案屬將來物之買賣合同、涉案單位仍未存在、及涉案合同與土地批給合同的履行是密不可分。
6. 上訴人同樣認為其沒有對被上訴人隱瞞或提供虛假資訊,而且認為有關合同風險是被上訴人自願承擔。
7. 然而,原審法院在被上訴判決中,裁定上訴人在合同確定不履行中是存在過錯,而被上訴人亦完全同意原審法院之理解。
8. 針對上訴人一再重覆行政當局之過錯的問題,正如被上訴人一如既往的主張,是因為上訴人未能在租賃期內完成利用,並將土地批給轉為確定性。因此,上訴人不能履行合約的原因,完全是可預見,且可避免的。
9. 而且,行政當局並非涉案合同的任一主體,在履行合同的過程中,被上訴人不可能知悉行政當局的行為。
10. 參考葡萄牙最高法院2012年5月29日在第3987/07.9TBAVR.C1.S1號合議庭裁判中的見解便可得知,只有合同對第三人產生效力的情況下才討論基於第三人行為而導致之合同不履行。而本案中,未能證實行政當局存有權利濫用之情況。
11. 再者,在372/19-RA、352/19-RA及359/19-RA號案件中,當中行政法院裁定特區並未對上訴人有任何過錯,更未存在權利濫用之情況。而且,如果預約買受入未能因為行政當局之行為獲得任何賠償,上訴人卻能以行政當局之行為來免於歸責,這對被上訴人來說,實屬不公,亦違反了合同的相對性原則。
12. 因此,上訴人所主張的不可歸責於其之不能履行,係明顯不能成立的。
13. 至於上訴人認為被上訴人係自願承擔相關風險的這一部份,除了必要的尊重外,被上訴人完全不能認同。
14. 首先,只有上訴人與行政當局進行接洽,因此,到底行政當局在履行中是否有遲延,何時才能建成涉案物業,這屬於上訴人才能知悉的事宜。然而,在與被上訴人接洽的過程中,上訴人從未披露有關風險。
15. 即使上訴人在2011年1月7日已知悉,工程計劃係要在環評報告通過後才能發出施工准照,但上訴人未曾向被上訴人透露過有關問題的情況下,於2013年5月30日,與被上訴人及中國銀行股份有限公司簽署「樓宇買賣按揭抵押借款合約」。
16. 上訴人在清楚知悉以上風險的情況下,仍然在距離土地利用期屆滿不足三年的時候,向被上訴人承諾可以按照將涉案單位作出交付。(見已證事實第100條)。
17. 根據善良家父的標準,上訴人在有能力預見其無法在批給期限內「交樓」予被上訴人,卻未曾提出相關事實及解釋,只是繼續表示可以如期「交樓」。
18. 由始可見,上訴人一直都是過份自信地認為即使沒有任何法律依據之情況下,仍可獲得租賃批給續期或延期,又或重新獲得行政當局批給“P”地段,也無履行其告知義務。這明顯不符合一個作為具多年經驗的且符合善良家父標準的發展商所為。
19. 基於此,原審法院在認同上訴人在履行合同中有過錯這一部份正確無誤,應維持原審法院之判決。
C. 合同定性方面
20. 上訴人除了認為不履行涉案合同的原因是不可歸責其之外,上訴人還認為,涉案合同並非是「預約買賣合同」,而是「預留合同」或「將來物的買賣合同」的結論,原因為:(1)從合同文字上分析;(2)在協商過程中以及相關(文件上)的文字上分析;及(3)歷史上分析;(4)目的上。作為補充,上訴人主張,即使涉案合同為預約買賣合同,被上訴人所支付的樓款,對應《民法典》第434條所指的提前履行,所以有關不履行所支付的賠償僅應為已付之樓款而非樓款之雙倍。
21. 被上訴人對以上見解表示尊重,但被上訴人認為並無道理。
22. 首先,按《民法典》第404條第1款規定,不動產預約買賣合同的目的,係為了將來以同樣的條件簽署買賣公證書。而本案中,不論是從哪一方面上去分析,不同於上訴人的見解,被上訴人認為均充分顯示涉案合同為一份預約買賣合同。
23. 已證事實第13條至第16條已證明,上訴人承諾出售涉案單位予原預約買受人,而為著獲得承諾出售的單位,原預約買受人需支付HKD5,045,000.00;已證事實第18條至第23條亦證明了,於2013年5月30日,在上訴人的同意下,被上訴人繼受了原預約買受人的合同地位,並支付了HKD6,350,000.00的款項。
24. 在合同的文字上,根據卷宗內第62頁至第65頁之涉案合同,標題上為《樓宇買賣預約合約》,而合同條款第1條、第5條、第15條、第9條以及第22條的表述,更是可得出有關合同是一預約買賣合同的結論。由此可見原審法院將涉案合同定性為預約買賣合同正確無誤。
25. 至於上訴人所主張涉案合同第10條以及第12條為買賣將來物合同才會有的條款,如果是正如上訴人所主張,被上訴人在簽署涉案合同一刻已經為涉案單位之所有人—那麼,為何仍要就這些「水、電錶」費用以及管理費用進行規管,並作為預約買賣合同的義務的一部份要求被上訴人支付相關費用?
26. 再者,雖然上訴人主張其所發出的收據中所寫的文字為「訂金(depósito)」而非「定金」,但相信作為一般受意人,在澳門的市場交易中,均為未區分這兩個表述,即使係現樓預約買賣,均習慣以「落訂」或「落大訂」作為定金的表述。更何況,無論有關字眼上表述為哪一個也好,根據《民法典》第435條規定,均推定為:定金。
27. 另外,按照已證事實第70條至第71條,涉案合同係由上訴人所準備,以上合同上的文字,均為上訴人所草擬。因此,實在是難以理解上訴人一方面主張在歷史上樓花法生效前法律並未有就買賣在建樓宇的形式進行規管,卻又一方面準備《XX居樓宇買賣預約合約》(而非《XX居樓宇買賣合同》)予被上訴人簽署,而最後卻主張有關合同並非預約買賣合同而是所謂的「預留合同」或「將來物的買賣合同」。
28. 還須強調的是,卷宗第52頁顯示在樓花法生效之後被上訴人係以第7/2013號法律第10條第3款作出登記—即上訴人所主張登記的依據為預約買受人名義以及預約買賣合同,而這一依據係獲作為第三方的物業登記局所承認。
29. 因此,無論係文字上、背景上、歷史上以及目的上,均只能得出涉案合同為受《民法典》第404條、第435條以及第436條所規管之預約買賣合同。
30. 而法律上,無論係「將來物之買賣合同」,抑或「預留合同」,均明顯不適用於本案中。
31. 「將來物之買賣合同」受買賣合同的規定所約束,在司法上以及學說上均認為,簽署「將來物之買賣合同」後無須另外再簽署其它合同,因為其物權已獲得轉讓,只是相關移轉基於將來物未存在而暫時被中止。根據同一法典第866條,有關合同需要採用公證書成立。否則根據第212條為無效的合同。
32. 如上訴人有意與被上訴人簽署將來物的買賣合同,作為經驗豐富的發展商,顯然而見會選擇公證書而非準備一「無效」的合同去約束被上訴人。
33. 而就上訴人所主張的「預留合同」,參考里斯本中級法院於第25178/20.3T8LSB.L1-7號案之見解,「預留合同」屬於簽署在協商初期,通常早於預約買賣合同所簽署。然而在涉案合同中,樓宇之價格、支付方式以及交付已作出了相應規管,明顯已遠超「預留合同」所規管之範疇。
34. 綜上,上訴人為著規避定金制度的適用而將同一份合同定性為兩種大相逕庭之合同之理據,係明顯不成立的。
35. 至於上訴人作為補充,倘涉案合同為預約買賣合同,其所主張被上訴人所支付的款項為《民法典》第434條所指的提前履行亦無道理
36. 由於原預約買賣人將涉案合同地位轉讓予被上訴人,故被上訴人作為涉案合同的預約買受人,自然享有上述法律推定,應由上訴人根據同一法典第337條證明被上訴人所支付的HKD6,350,000.00均非為定金。但從事實事宜裁判中,針對相關事實(調查基礎事實第61條)的回答為不獲證實。
37. 而在本上訴理由陳述中,上訴人並沒有根據《民事訴訟法典》第599條第1款就不獲證實的事實事宜裁判提出爭執。
38. 在沒有任何已證事實支撐上訴人單方面之說辭下,上訴人這一部份理據之上訴理由應同樣視為不成立。
D. 關於賠償金額
39. 上訴人認為,根據上述見解,應按照不當得利的制度,向被上訴人返還其曾支付的款項。而作為補充,上訴人認為本案的賠償金額應適用衡平原則,且該金額可分為:一、被上訴人為著取得置換房而額外需支付的金額;二、被上訴人本應可從已支付的樓款中獲得的利息。
40. 被上訴人同樣不認同上訴人上述主張。
41. 根據《民法典》第467條第1款規定,既然已經證實了上訴人與被上訴人之間存在合同關係,也證實了基於上訴人之過錯不履行而無法簽署買賣公證書,無論如何也不應適用不當得利的規定,而是應維持適用案中根據《民法典》第436條第2款判處上訴人向被上訴人支付雙倍定金之賠償之決定。
42. 至於上訴人主張僅需向被上訴人歸還HKD2,770,821.98或不超過HKD2,840,821.98款項部分,被上訴人亦認為毫無道理。
43. 正如被上訴人在起訴狀以及其上訴陳述中一直所主張,認為本案中不適用衡平原則,其內容在此不再多贅。
44. 上訴人主張以1.2655%每年來計算有關衡平原則的賠償、又或者係以有關不履行轉為確定的2018年開始計算賠償同樣是沒有道理的。因為原審法院在作出衡平考量時,並不單單考慮了該年間的銀行定期存款利息,更是考慮了被上訴人多年來為銀行供款的利息以及失去該等資金多年而承受的損失(儘管被上訴人並不能認同本案適用衡平原則)。
45. 有關損失,不應該單單以銀行定期存款的平均利息所考量—如非因為上訴人過錯不履行以及不進行賠償,被上訴人在2013年開始已經可以運用有關金額,另外作出投資、理財、安家置業等—被上訴人所遭受的損失係明顯不止於銀行定期存款的利息的。
46. 被上訴人的損失也不能從2018年才開始衡量,因為自2013年開始,被上訴人已經向原預約買受人付了全部樓款以取得與上訴人的合同地位—因為被上訴人的過錯不能履行而對上訴人造成的損害,無容置疑係已經整整維持10年。
47. 而且,被上訴人是確確實實地支付了HKD6,350,000.00,所以,在這10年期間無法運用的款項總額為HKD6,350,000.00,應以此金額為基礎而計算。
48. 最重要的是,倘若以上訴人上述所請求的金額向被上訴人作出賠償,有關賠償金額根本無法賠償被上訴人最基本的損失(即被上訴人向原預約買受人所支付的HKD6,350.000.00)。
49. 最後,上訴人仍主張有關利息的計算應自雙方簽署縮減請求之日起計,因為只有自當日起有關金額才已經結算。然而,有關金額早已經確定,只係透過簡單計算便可得出,係屬於已確切定出的債。因此,原審法院按照由上訴人被傳喚起計算利息並無不妥。
50. 綜上,結合被上訴人所提交的上訴理由陳述,上訴人這一部份的理據應同樣不成立,上訴人應依法向被上訴人作出雙倍賠償,合共HKD10,090,000.00,折合為MOP$10,392,700.00。
51. 最後,上述金額應按照被上訴人在其上訴理由陳述之方法減去由上訴人為被上訴人所支付的HKD2,715,178.02。
52. 基於此,上訴人的上訴理由不應判處理由成立。
*
Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade limitada, constituída em 8/Fevereiro/1977 e registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º *** (SO), cujo objecto é a exploração do comércio de importação e exportação, da actividade de agente comercial e de transportes, da indústria de vestuário, fiação, tecelagem e malhas, tinturaria e impressão, do fabrico de bordados e, ainda, da actividade de fomento predial e construção e reparação de edifícios.
2. A Ré é uma sociedade com experiência de longa data na área do fomento predial e chegou a desenvolver vários projectos imobiliários em Macau, como, por exemplo, o Edifício “###”, construído no lote “O”, o Edifício “###”, construído no lote “S”, e o Edifício “###”, construído no lote “V”.
3. Por Despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no Suplemento ao BO n.º 52, de 26/Dezembro/1990, rectificado pelo Despacho n.º 107/SATOP/91, publicado no BO n.º 26, de 1/Julho/1991, foi concedido à Ré um terreno, resgatado ao mar, com a área de 60.782 m2, constituído por lote “O” para fins habitacionais, lote “S” para fins habitacionais e lote “Pa” para fins industriais, situado na península de Macau, nos Novos Aterros da Areia Preta (NATAP), dando-se tal despacho por integralmente reproduzido aqui.
4. Em conformidade com o estipulado no n.º 1 da cláusula 2.ª do aludido despacho de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do contrato.
5. Por Despacho n.º 123/SATOP/93, publicado na II Série do BO n.º 35, de 1/Setembro/1993, e nos termos que já tinham sido previstos no Despacho n.º 160/SATOP/90, foi à Ré concedida a parcela de terreno designada por “Pb”, destinada a ser anexada à parcela “Pa”, constituindo um lote único designado por “P”, com a área global de 67.536 m2 e destinava-se a viabilizar o projecto de instalação de um “complexo industrial”.
6. Em 2004, a Ré apresentou à DSSOPT um estudo prévio, pretendendo alterar a finalidade do Lote “P” de indústria para comércio e habitação.
7. No dia 21/Janeiro/2005, o aludido estudo prévio da alteração da finalidade do Lote “P” foi considerado passível de aprovação, constituindo condição para a revisão do contrato.
8. Neste contexto, através do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, publicado na II Série do BO da RAEM n.º 9, de 1/Março/2006, foram acordados a alteração de finalidade e o reaproveitamento do Lote “P”, alterando a finalidade inicial de indústria para comércio e habitação, com a construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, constituído por 1 pódio com 5 pisos, sobre o qual assentavam 18 torres com 47 pisos cada uma, afectado às seguintes finalidades e áreas brutas de construção (vide doc. n.º 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):
– Habitação: 599.730 m2;
– Comércio: 100.000 m2;
– Estacionamento: 116.400 m2;
– Área livre: 50.600 m2.
9. Não obstante a total alteração do aproveitamento do Lote “P”, o prazo de concessão de 25 anos estipulado no n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato de concessão manteve-se inalterado.
10. O prazo de aproveitamento foi acordado em 96 meses, contados a partir da data da publicação no BO da RAEM do despacho que titulasse a respectiva revisão.
11. Para concretizar o aproveitamento do Lote “P”, a Ré requereu junto da DSSOPT a aprovação do projecto de arquitectura para a construção das fracções autónomas de propriedade horizontal do edifício, denominado “XX”.
12. A Ré já celebrou, até à presente data, 3020 contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas do Edifício “XX”.
13. No dia 9/Março/2011, a Ré, na qualidade de promitente-vendedora, celebrou com C, titular do BIRPM n.º 50*****(8), como promitente-comprador, um Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel (adiante designado por “Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”), dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. 6 junto à petição inicial.
14. Através do contrato supracitado, a Ré prometeu vender a D a fracção autónoma E, no 10.º andar, para habitação, do Bloco ..., do Edifício “XX”, em construção, situado em Macau, no Bairro da Areia Preta, s/n, Lote P (Lote “P”, ora em discussão), tendo D aceite a aquisição.
15. O preço para a compra e venda da referida fracção autónoma era de HK$5.045.000,00, equivalentes a MOP5.196.350,00.
16. Em função da cláusula 3.ª do Contrato, a forma de pagamento do preço por D era:
- Montante de HK$504.500,00, aquando da celebração do aludido contrato;
- Montante de HK$4.540.500,00 no prazo de 7 dias após a celebração do supracitado contrato.
17. No dia 21/Maio/2013, D e a sua esposa, F, celebraram com o Autor um Contrato-Promessa de Transmissão do Direito de Propriedade (adiante designado por “Contrato-Promessa de Transmissão do Direito de Propriedade”), dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. 8 junto à petição inicial.
18. Através do aludido contrato, D e sua esposa, F, transmitiram ao Autor a fracção autónoma, para habitação, do 10.º andar E, do Bloco ..., do Edifício “XX”, em construção, situado em Macau, no Bairro da Areia Preta, s/n, Lote P (Lote “P”, ora em discussão).
19. Segundo o acima referido contrato, o preço da respectiva fracção autónoma era de HK$6.350.000,00, equivalentes a MOP6.550.025,00.
20. A forma de pagamento estipulada no aludido contrato foi:
a. Aquando da celebração do presente contrato, o 2.º Contraente (o Autor) pagou ao 1.º Contraente (D e sua esposa F) o montante de HK$653.000,00 a título de sinal, tendo declarado pelo 1.º Contraente que recebeu integral e devidamente esse sinal;
b. Ambas as partes acordaram deslocar-se, em 23/Julho/2013, ou, antes dessa data, à SOCIEDADE DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO B, LIMITADA (Ré), para tratarem das formalidades de transmissão de nome, sendo a data de transmissão indicada pela Ré. Nessa altura, o 2.º Contraente tinha de pagar ao 1.º Contraente o remanescente do preço do imóvel, no valor de HK$5.715.000,00, e, na data da transmissão, o 1.º Contraente tinha de entregar ao 2.º Contraente a propriedade objecto de alienação. As despesas derivadas da transmissão corriam por conta do 2.º Contraente.
21. No dia 30/Maio/2013, aquando da celebração da Declaração de Transmissão – XX acima referida, o Autor pagou à Ré os valores de HK$50.450,00, a título de “despesas de transmissão do nome do proprietário da fracção do 10.º andar E do Bloco ... do Edf. XX”, e de HK$400,00, a título de “despesas do contrato, referentes à fracção do 10.º andar E do Bloco ... do Edf. XX”.
22. Na declaração acima referida, a Ré concordou com a respectiva cessão e assinou em concordância.
23. Segundo a cláusula 10ª do contrato, a Ré prometeu entregar a fracção ao Autor no prazo de 1200 dias úteis de sol (ou seja, excluídos domingos, feriados e dias de chuva), contados a partir da conclusão do primeiro piso para habitação das obras de superestrutura.
24. Durante a execução da obra, a Ré requereu, em 4/Junho/2014 junto da DSSOPT, a prorrogação do prazo de aproveitamento do Lote “P”, bem como a emissão da licença de obras até 25/Dezembro/2015, tendo ainda prometido solenemente no requerimento que iria assumir todas as consequências depois da construção.
25. No dia 10/Julho/2014, o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu o seguinte parecer sobre o requerimento, apresentado pela Ré em 4 de Junho de 2014:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Parecer
Proc. n.° 18/2014 – a Sociedade de Importação e Exportação B, Limitada, pediu prorrogar o prazo de aproveitamento dum terreno concedido por arrendamento, situado na península de Macau, nos NATAP, constituído pelos lotes designados por “O”, “P”, “S” e “V”, com área total de 105.437 m2, cujo contrato de concessão é titulado por despacho n.° 160/SATOP/90, modificado por despacho n.° 123/SATOP/93, despacho n.° 123/SATOP/99, despachos n.° 19/2006 e n.° 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Como não se observou o prazo de aproveitamento do lote “P”, propõe-se considerar a situação real do lote “P”, nomeadamente o teor da carta da concessionária, para tomar a decisão final.
Ficou prescrito o prazo de aproveitamento do terreno referido em 28 de Fevereiro deste ano, ficará prescrito o prazo de arrendamento em 25 de Dezembro do próximo ano (2015).
A Sociedade concessionária declara que aceita a eventual multa de prorrogação, realça e compromete-se que “vai assumir todas as consequências depois da construção”.
Analisado o parecer da Comissão de Terras e ponderando os 17° a 21° pontos desse parecer e a carta da concessionária constante do 24° ponto, nomeadamente o teor do ponto 24.4, concordo, em princípio, com os pontos 14.2 e 14.3 da informação n.° 090/DSODEP/2014 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, isto é, prorrogar o prazo de aproveitamento até 25 de Dezembro de 2015 e aplicar a multa no montante de MOP$180.000,00, pressupondo que a Sociedade concessionária aceite previamente por escrito as seguintes condições, para garantir interesses públicos:
1 Se não for completado o aproveitamento antes da prescrição de arrendamento, mesmo estando preenchidos os requisitos previstos do art.° 5.° da Lei n.° 7/2013 (Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção), a Sociedade concessionária não vai pedir autorização prévia para fazer negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção no lote P, nem vai realizar esses negócios jurídicos, excepto a eventual obtenção legal da nova concessão desse terreno;
2 Se não mais lhe for concedido o terreno, a Sociedade concessionária não pode pedir à RAEM qualquer indemnização ou compensação.
À consideração do Exmo. Sr. Chefe do Executivo.
10 de Julho de 2014
Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Ass. vide o original
@@@”
26. No dia 15/Julho/2014, o Chefe do Executivo lançou o seguinte despacho sobre o parecer supracitado: “Concordo”.
27. No dia 29/Julho/2014, a DSSOPT enviou à Ré um ofício, n.º 572/954.06/DSODEP/2014, com o seguinte teor:
“... ...
A ssunto: sobre o pedido de prorrogação do prazo do aproveitamento de terreno, de um terreno concedido por arrendamento, situado na zona de Novos Aterros da Areia Preta (NATAP) Macau, com uma superfície total de 105.437 m2, constituído por quatro lotes designados por “O”, “P”, “S” e “V”, cujo contrato de concessão foi regulado pelo Despacho n.° 160/SATOP/90, e revisto pelo Despacho n.º 123/SATOP/93, pelo Despacho n.° 123/SATOP/99, pelo Despacho n.º 19/2006 e pelo Despacho n.º 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas
1 Nos termos da cláusula n.º 2 do contrato de concessão de terreno revisto pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 19/2006, o prazo de aproveitamento do terreno já ficou caduco aos 28 de Fevereiro de 2014; no entanto, nos termos do art.º 2.º do Despacho n.º 160/SATOP/90, o prazo de arrendamento do terreno vai acabar aos 25 de Dezembro de 2015.
2 Como o atraso do aproveitamento do terreno é imputável à vossa empresa, e tendo em conta que esta não é a primeira vez que a vossa empresa requer prorrogar o aproveitamento de terreno, e visto que já concordou aceitar a forma de punição para o atraso prevista no contrato; para o efeito, nos termos do Despacho proferido pelo Chefe do Executivo aos 15 de Julho de 2014, autoriza-se prorrogar o prazo de aproveitamento do terreno até 25 de Dezembro de 2015, e aplica-se a multa no valor de MOP180.000,00 (cento e oitenta mil patacas). Mas para garantir os interesses públicos, a empresa concessionária obriga-se previamente a prometer por escrito aceitar as seguintes condições:
2.1 Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5.º da Lei n.º 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no lote “P" ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2.2 Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
3 Nestes termos, avisa-se a vossa empresa para entregar a promessa escrita acima mencionada, para ser transferida à Comissão de Terras para acompanhar, a fim de emitir a guia do pagamento da multa.”
28. A Ré aceitou o pagamento da referida multa de MOP180.000,00 e comunicou, no dia 4/Agosto/2014, ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o seguinte:
“… …
Assunto: sobre o pedido de prorrogação do prazo do aproveitamento de terreno, de um terreno concedido por arrendamento, situado na zona de Novos Aterros da Areia Preta (NATAP) Macau, com uma superfície de 68.001 m2, designado por Lote “P”, cujo contrato de concessão foi regulado pelo Despacho nº 160/SATOP/90, e revisto pelo Despacho nº 123/SATOP/93, pelo Despacho n.º 123/SATOP/99, pelo Despacho nº 19/2006 e pelo Despacho nº 30/2011 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas
A SOCIEDADE DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO B, LIMITADA (o nome em inglês: B CORPORATION LIMITED, doravante designada simplesmente por “concessionária”), com a sede de pessoa colectiva na Avenida ......, Lote “...”, Edifício “I”, Macau, a concessionária do terreno em título, em resposta ao pedido no ofício nº 572/954.06/DSODEP/2014 emitido pela DSSOPT aos 29 de Julho do ano corrente, declara aceitar a multa no valor de MOP180.000,00, condenada segundo o despacho proferido aos 15 de Julho de 2014, declara mais aceitar as seguintes condições:
1 Antes de o prazo de concessão por arrendamento do terreno caducar, se o aproveitamento do terreno ainda não for concluído, mesmo se está de acordo com os requisitos dispostos no artigo 5º da Lei nº 7/2013, Regime jurídico da promessa de transmissão de edifícios em construção, a concessionária não vai pedir autorização prévia para efectuar os actos jurídicos da promessa de transmissão do edifício em construção no Lote “P" ou da promessa de oneração, nem vai praticar esses actos jurídicos, excepto se o terreno for concedido de novo nos termos legais;
2 Se no futuro o terreno não for concedido nos termos legais, a empresa concessionária não pode reclamar qualquer indemnização ou compensação à RAEM.
Sociedade de Importação e Exportação B, Limitada
%%%, &&&
Aos 4 de Agosto de 2014”
29. No dia 27/Novembro/2015, a Ré apresentou ao Chefe do Executivo um pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento e de concessão por período não inferior a 60 meses, contados a partir de 26/Dezembro/2015.
30. No dia 30/Novembro/2015, o Chefe do Executivo indeferiu o aludido pedido de prorrogação com fundamento de a Lei n.º 10/2013 impedir a renovação de concessões provisórias, não podendo, por isso, ser autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento.
31. No dia 11/Dezembro/2015, a Ré anunciou publicamente em jornal de Macau que assegurava a entrega dos imóveis aos promitentes-compradores em 2018.
32. No dia 29/Janeiro/2016, foi publicado, na II Série do BO da RAEM, o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 6/2016, que tornou público o seguinte: “Por despacho do Chefe do Executivo, de 26 de Janeiro de 2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno com a área de 68.001 m2, situado na península de Macau, nos NATAP, designado por lote «P», a que se refere o Processo n.º 2/2016 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 22 de Janeiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho” (vide doc. n.º 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
33. Contra o despacho que declarou a caducidade da concessão do Lote “P”, a Ré interpôs recurso contencioso junto do TSI no processo n.º 179/2016, requerendo ainda a suspensão de eficácia no processo n.º 179/2016/A.
34. No dia 19/Outubro/2017, o TSI proferiu o acórdão que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pela Ré, mantendo-se o despacho que declarou a caducidade da concessão do Lote “P”.
35. A Ré recorreu junto do TUI contra o referido acórdão proferido pelo TSI (Processo n.º 7/2018).
36. No dia 23/Maio/2018, o TUI proferiu o acórdão que negou provimento ao recurso interposto pela Ré.
37. Tanto o TSI, como o TUI, entendem fundar-se a declaração da caducidade da concessão do Lote “P” em caducidade preclusiva, a qual depende do facto objectivo de ter decorrido o prazo do contrato de concessão e não ter a Ré apresentado a licença de utilização de imóvel.
38. A partir da data da declaração, pelo Chefe do Executivo, da caducidade da concessão do Lote “P”, a Ré deixou de desenvolver qualquer obra no respectivo terreno, no âmbito da construção do Edf. “XX” e da fracção autónoma, ora em discussão.
39. A DSSOPT emitiu duas Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO’s) para o lote “P”, uma em 23/12/2004 e outra 23/02/2005.
40. Em 06/05/2008 a R. apresentou o projecto inicial de arquitectura (Talão nº T-3163).
41. Em 22/10/2009, a R. apresentou o projecto global de arquitectura (T-7191/2009).
42. Em 23/02/2010, a DSSOPT emitiu nova PAO.
43. Em 11/05/2011 a R. apresentou o exigido relatório de impacto ambiental (T-5205/2011).
44. A DSPA elaborou um parecer que apenas foi notificado à R. em 04/10/2011 (ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011, onde formulou exigências adicionais, designadamente no que respeita aos factores “ruído”, “qualidade da água”, “paisagem”, “vista” e “voo de pássaros”.
45. A DSPA emitiu o parecer sobre o terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental em 16/10/2012, mas este parecer apenas foi notificado à R. em 28/12/2012 (Ofício no. 13023/DURDEP/2012).
46. Apenas em 03/05/2013 a DSPA emitiu o parecer sobre o quarto relatório de avaliação do impacte ambiental apresentado em 15/03/2013 (Ofício 1545/071/DAMA/DPAA/2013).
47. Em 07/08/2013 foi apresentado o sexto relatório de avaliação do impacte ambiental pela R..
48. Em 15/10/2013 a R. foi notificada da aprovação do projecto de obra através do Ofício nº 11031/DURDEP/2013.
49. No dia 24/Outubro/2013, a Ré requereu, junto da DSSOPT, a emissão de licença para as obras das fundações, a qual foi emitida no dia 2/Janeiro/2014.
50. Em 15 de Janeiro de 2014, a R. também apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento.
51. O prazo para a apreciação dos projectos constante da cláusula 5.º, n.º 7 do contrato de concessão inicial, titulado pelo Despacho n.º 160/SATOP/90, é de 60 dias.
52. Encontra-se previsto no artigo 5° do despacho n.° 160/SATOP/90, alterado pelo despacho n.° 123/SATOP/93, o seguinte: “……”
「7. Caso os Serviços competentes não se pronunciem no prazo fixado no número anterior, o segundo outorgante poderá dar início à obra projectada trinta dias após comunicação, por escrito, à DSSOPT, sujeitando, todavia, o projecto a tudo o que se encontra disposto no RGCU ou quaisquer outras disposições aplicáveis e ficando sujeito a todas as penalidades previstas naquele Regulamento Geral da Construção Urbana, com excepção do estabelecida para a falta de licença. Todavia, a falta de resolução, relativamente ao anteprojecto de obra, não dispensa o segundo outorgante da apresentação do respectivo projecto de obra.」
53. D pagou à ré a quantia total de HK$4.036.000,00 do preço integral do imóvel convencionado no contrato, no valor de HK$5.045.000,00. (Q 1.º)
54. Na data da celebração do contrato acima mencionado, o Autor procedeu ao pagamento de HK$635.000,00 para D e sua esposa, F, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. 9 junto à petição inicial. (Q 6.º)
55. No dia 30/Maio/2013, D e sua esposa F celebraram com o Autor a Declaração de Transmissão – XX, pela qual aqueles cederam ao cessionário (ou seja, o Autor) a posição contratual que detinham no contrato que em 9 de Março de 2011 haviam celebrado com a ré relativo à fracção autónoma, para habitação, do 10.º andar E, do Bloco ... do Edifício “XX”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e consta do documento junto a fls. 61 dos autos. (Q 7.º)
56. No dia 30/Maio/2013, o Autor procedeu ao pagamento do remanescente do preço do imóvel, conforme o acordado no Contrato-Promessa de Transmissão do Direito de Propriedade celebrado em 21/Maio/2013, a D e sua esposa F, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. 9 junto à petição inicial. (Q 9.º)
57. Segundo a nota de imprensa, emitida pelo Gabinete do Porta-Voz do Governo em 23/Maio/2018, o director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, +++, anunciou que o Lote “P”, situado em Macau, na zona nordeste da Areia Preta, com a área de 68 mil metros quadrados, seria desocupado, o mais rápido possível, pelo governo e, após a recuperação do terreno, as autoridades iriam proceder, de acordo com a Lei do planeamento urbanístico, ao seu planeamento. Acrescentou que, atenta a localização do terreno, o governo propunha-se aproveitá-lo para o uso de habitação, comércio, instalações públicas e sociais, dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor do doc. 18 junto à petição inicial. (Q 11.º)
58. A Ré não pode vender ao Autor a respectiva fracção nos termos do Contrato-Promessa de Compra e Venda do Imóvel, tendo como motivo directo a não renovação do prazo de arrendamento do contrato de concessão de terreno, respeitante ao Lote “P”, nem que a ré conseguiu novamente a sua concessão por parte das autoridades competentes. (Q 12.º)
59. A não renovação do prazo de arrendamento do contrato de concessão de terreno, respeitante ao Lote “P”, tem como origem de que a Ré não concluiu o aproveitamento da terra dentro do prazo de arrendamento para que a concessão provisória passasse a ser definitiva. (Q 13.º)
60. Em 9/Março/2011, quando a Ré celebrou o Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, sabia perfeitamente que o prazo de arrendamento do contrato de concessão de terreno, respeitante ao Lote “P”, terminava no dia 25/Dezembro/2015. (Q 15.º)
61. Quando a Ré celebrou o Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, era completamente capaz de prever a possibilidade de não renovação do prazo de arrendamento do contrato de concessão de terreno, respeitante ao Lote “P”. (Q 16.º)
62. Na altura em que foi concedido por arrendamento o Lote “P” e autorizada a alteração de finalidade, a Ré tinha perfeito conhecimento de que o prazo de arrendamento do respectivo terreno iria prescrever em 25/Dezembro/2015. (Q 17.º)
63. A Ré sabia perfeitamente que, conforme o estipulado na Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras) então vigente, a renovação só se aplicava aos terrenos em concessão definitiva. (Q 18.º)
64. A Ré acreditou confiantemente que, mesmo que ainda não tivesse sido convertida em concessão definitiva após o termo do prazo da concessão provisória do Lote “P”, poderia ser concedida a renovação ou prorrogação, ou, obter, novamente, a concessão do Lote “P” por parte das autoridades competentes. (Q 19.º)
65. Aquando da celebração do Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel, em 9/Março/2011, o preço por m2 da área útil da referida fracção autónoma era de MOP61.699.00. (Q 22.º)
66. Segundo os “dados estatísticos respeitantes às fracções autónomas destinadas à habitação, que foram declaradas para liquidação do imposto do selo por transmissões de bens (por nome do edifício)”, publicados pela DSF em 16/Maio/2018, o preço por m2 das fracções de “###” era de MOP158.754,00, sendo essas fracções localizadas perto do lote onde ia ser construída a fracção, ora em discussão, e de uma qualidade semelhante a esta. (Q 23.º)
67. Para adquirir uma fracção com uma área igual à da fracção ora em discussão e com o preço das fracções do Edf. “###”, seria necessário pagar MOP13.370.261,00 na data da entrada da petição inicial em juízo. (Q 24.º)
68. Na entrada da petição inicial em juízo, caso o Autor quisesse adquirir uma fracção habitacional localizada próxima do lote onde ia ser construída a fracção, ora em discussão, e de uma qualidade semelhante desta, ainda necessitaria de pagar mais MOP8.173.911,00. (Q 25.º)
69. O Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel e a Declaração de Transmissão – XX, ambos ora em discussão, foram previamente preparados pela Ré. (Q 26.º)
70. O contrato e a declaração supracitados são contratos-tipos, usados pela Ré em inúmeros casos de promessa de compra e venda dos imóveis do Edf. “XX” e de cessão de posição contratual. (Q 27.º)
71. No decurso da elaboração dos referidos contratos, o promitente-comprador e o cessionário limitaram-se a fornecer os seus dados pessoais, sendo todas as cláusulas, inalteráveis, previamente estabelecidas pela Ré. (Q 28.º)
72. O contraente originário e o seu cessionário podiam pedir os esclarecimentos e fazer as contrapropostas que entendessem, mas apenas podiam optar por aceitar ou recusar as cláusulas contratuais previamente estabelecidas pela Ré. (Q 29.º)
73. Com vista a aferir da viabilidade da alteração da finalidade e aproveitamento, a R. apresentou em 10/09/2004 um Estudo Prévio junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) (T- 4803), seguido de um estudo prévio complementar apresentado junto da mesma entidade em 15/12/2004 (T- 6451). (Q 30.º)
74. As Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO’s) emitidas em 23/12/2004 e 23/02/2005 estavam em harmonia com os Estudos Prévios aprovados. (Q 31.º)
75. Os estudos prévios mencionados no quesito 30. e as Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO) emitidas pela DSSOPT em 23/12/2004 e 23/02/2005 formaram a base na qual se alicerçou a revisão da concessão de 2006 firmada entre a B e a RAEM. (Q 32.º)
76. Os estudos prévios mencionados no quesito 30. e as Plantas de Alinhamento Oficiais (PAO) emitidas pela DSSOPT em 23/12/2004 e 23/02/2005 não prevêem a obrigatoriedade de um afastamento mínimo de 1/6 da altura do prédio mais alto entre as diversas torres a construir no terreno, tal como não prevêem a exigência de um limite máximo de 50 metros para a extensão das fachadas das torres. (Q 33.º)
77. Em 29/04/2008 a R. apresentou o “Master Layout Plan” (Recibo de entrada nº T-3040). (Q 34.º)
78. O projecto inicial de arquitectura de 2008, o projecto global de arquitectura de 2009 e as duas PAO inicialmente emitidas pela DSSOPT em 2004, 2005 mantinham as mesmas soluções arquitectónicas já previstas nos Estudos Prévios de 2004. O “estudo prévio de 2004” previa a construção de 18 torres com 46 andares cada, assentes em pódio de 6 pisos, o contrato de concessão revisto previa a construção de 18 torres com 47 andares assentes num pódio de 5 pisos, o “projecto inicial de arquitectura de 2008” continha 4 torres de um conjunto de 16 com 43 andares assentes em pódio de 2 pisos de cave e mas três pisos acima do nível do solo e o projecto global de 2009 continha 18 torres com 52 pisos mas com localização diferente da indicada no “estudo prévio de 2004”. (Q 35.º)
79. A nova PAO emitida em 23/02/2010 pela DSSOPT foi notificada à R. por Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010. (Q 36.º)
80. A nova PAO e o ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010 vieram formular exigências não previstas anteriormente e que também não constavam do contrato de concessão revisto. (Q 37.º)
81. O teor da resposta da DSSOPT de 09/04/2010 (Ofício nº 4427/DURDEP/2010) continha, designadamente, o seguinte: (Q 38.º)
“1. Para efeitos de cálculo da altura do edifício, as larguras das vias são as seguintes: 1.1. Av. da Ponte da Amizade: 27 metros
1.2. Rotunda da Amizade: 20 metros
1.3. Av. do Nordeste: 32,5 metros
1.4. Via a planear em sudoeste: 34 metros
1.5. Espaço verde em sudeste: 34 metros
1.6. Espaço verde em sudeste: 32 metros (…)
5. Extensão máxima contínua das fachadas da torre: 50 metros
6. O afastamento mínimo entre as torres não deve ser inferior a 1/6 da altura da torre.”.
82. O cumprimento das inéditas exigências formuladas pela DSSOPT constantes dos docs. 11 e 12 juntos com a contestação da Ré, tinha, necessariamente, por consequência, um aproveitamento em termos diversos, com a redução da área destinada a construção (quanto à largura das fachadas e ao afastamento mínimo entre torres foram feitas sugestões e não exigências). (Q 40.º)
83. O cumprimento da inédita sugestão formulada pela DSSOPT constante dos docs. 11 e 12 juntos com a contestação da Ré (de afastamento entre torres de mínimo correspondente a 1/6 da altura da torre mais alta) implicava, necessariamente, a elaboração de novos estudos prévios e novos projectos de arquitectura, já que a disposição no terreno das torres a construir teria que ser alterada e implicaria uma alteração estrutural do próprio aproveitamento constante do contrato de concessão. (Q 41.º)
84. Em 07/01/2011, a DSSOPT aprovou o projecto de arquitectura que tinha sido apresentado pela R. em 22/10/2009. (Q 43.º)
85. O projecto aprovado pela DSSOPT em 07/01/2011 não contemplava a sugestão de afastamento entre torres mencionada no nº 6 do referido Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010. (Q 44.º)
86. A DSSOPT prescindiu da sugestão de afastamento entre torres mencionada no nº 6 do referido Ofício nº 4427/DURDEP/2010, de 09/04/2010. (Q 45.º)
87. O projecto então aprovado contemplava as soluções anteriormente preconizadas nos Estudos Prévios de 10/09/2004 e 15/12/2004, das PAO’s de 23/12/2004 e de 23/12/2005, do projecto de arquitectura de 2009, e do contrato de concessão revisto. (Q 46.º)
88. A decisão de aprovação do projecto de arquitectura sujeitou a emissão da licença de obras à condição de (a) a Ré apresentar um relatório de avaliação do impacte ambiental que poderia ser causado pela nova construção a implementar no Lote “P” e (b) de tal relatório vir ser aprovado pelo serviço administrativo competente da Região – a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (“DSPA”). (Q 48.º)
89. A resposta a novas exigências constantes do ofício com referência n.º 11599/DURDEP/2011 exigiu a preparação de um segundo relatório de avaliação do impacte ambiental, tendo sido apresentado pela R. em 19/04/2012 (T-4242/2012). (Q 49.º)
90. Na apreciação do segundo relatório de avaliação do impacte ambiental apresentado pela Ré, a DSPA decidiu apontar novos requisitos a cumprir pela R, comunicando-os primeiro por escrito, através de Ofício nº 1586/054/DAMA/DPAA/2012, de 24/05/2012, e depois oralmente, em reunião ocorrida em 25/07/2012. (Q 50.º)
91. Em 31/08/2012, foi apresentado o terceiro relatório de avaliação do impacte ambiental, que cumpria os requisitos apontados pela DSPA em 24/05/2012 e 25/07/2012. (Q 51.º)
92. No parecer emitido pela DSPA em 16/10/2012, a DSPA voltou a exigir elementos nunca anteriormente solicitados, designadamente um estudo pormenorizado sobre o “Layout” das torres, com “simulação informática” e uma avaliação sobre as partículas em suspensão. (Q 52.º)
93. Foi a Ré obrigada a apresentar um quarto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que fez em 15/03/2013 (T-3953/2013). (Q 53.º)
94. A O parecer emitido pela DSPA em 03/05/2013 são novamente formuladas exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório, desta vez no que respeitaria ao impacto ambiental sobre os novos aterros. (Q 53.ºA)
95. Como resposta ao parecer emitida pela DSPA em 03/05/2013, a R. apresentou um quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, o que fez e apresentou em 28/06/2013. (Q 54.º)
96. Perante a ausência de resposta a este quinto relatório de avaliação do impacte ambiental, a R. solicitou uma reunião à DSSOPT e à DSPA que teve lugar em 26/07/2013. (Q 55.º)
97. Novamente, dessa reunião realizada em 26/07/2013, a DSPA efectuou exigências adicionais quanto ao conteúdo do relatório. (Q 56.º)
98. O projecto de obra que acabou por ser aprovado em 15/10/2013 não contempla, relativamente aos de 29/04/2008, 06/05/2008 e 22/10/2009, alteração relativa ao afastamento entre torres que consta dos docs. 11 e 12 juntos com a contestação da Ré. (Q 57.º)
99. O projecto submetido pela Ré em 22/10/2009 satisfazia plenamente as exigências sobre impacto ambiental. (Q 58.º)
100. À R. bastariam 3 anos para concluir a construção de todo o empreendimento imobiliário “XX” e entregar ao A. a fracção autónoma em causa. (Q 59.º)
101. - Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde.
A R. tinha concluído o empreendimento “XX” dentro dos prazos de aproveitamento e de concessão e teria podido entregar à parte autora a fracção autónoma de prédio urbano que se comprometeu a entregar e no prazo em que se comprometeu a fazê-lo. (Q 60.º)
102. A R. efectuou um desconto no preço global a pagar pelo promitente-comprador primitivo, no montante de HKD$1.009.000,00. (Q 62.º)
103. Com base na convicção de vir a deferir à ré um pedido de prorrogação dos prazos de aproveitamento do Lote P e da concessão, a ré celebrou milhares de contratos-promessa de compra e venda das fracções autónomas, investiu avultadas verbas na preparação dos diferentes projectos da obra e na realização e densificação dos estudos de impacte ambiental sucessivamente solicitados pela RAEM e custeou e executou as obras das fundações do edifício durante o último ano dos prazos de aproveitamento e de concessão. (Q 63.ºA)
104. Os Autores candidataram-se à aquisição de uma fracção autónoma ao abrigo da Lei n° 8/2019, de 12 de Abril, por via do Despacho do Chefe do Executivo 89/2019, de 30 de Maio. (Q 64.º)
105. Em caso afirmativo, tal requerimento foi deferido. (Q 65.º)
106. Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea M) dos Factos Assentes. (Q 66.º)
107. Os Autores apenas poderão receber do Governo tal fracção nas condições descritas porque são compradores de uma fracção autónoma à Ré, a construir no mesmo terreno. (Q 67.º)
108. O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 68.º)
109. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou a renovação de concessão para a data posterior de 24/12/2015 porque os serviços da RAEM: (Q 69.º)
1) Emitiram licença de obras de fundação em 2/1/2014;
2) Prorrogaram o prazo de aproveitamento em 29/7/2014;
3) Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno por ajuste direto ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no respectivo do prazo de aproveitamento.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Impugnação da matéria de facto:
O Autor veio a impugnar as respostas dadas pelo Colectivo aos seguintes quesitos, defendendo que elas deviam ser NEGATIVAS:
-Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea M) dos Factos Assentes. (Q 66.º)
- O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores. (Q 68.º)
A propósito da impugnação da matéria de facto, o legislador fixa um regime especial, constante do artigo 599º (Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto) do CPC, que tem o seguinte teor:
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/2 do CPC.
*
No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
Repita-se, ao Tribunal de recurso não compete reapreciar todas as provas produzidas e analisadas pelo Tribunal a quo, mas só aqueles pontos concretos indicados pelo Recorrente como errados ou omissos!
Neste ponto, o Colectivo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“66.º
Tal fracção é de tipologia, área e preço equivalentes à fracção que constitui o objecto do contrato em causa nos presentes autos e irá ser construída no terreno concessionado à Ré que vem mencionado na Alínea M) dos Factos Assentes?
Provado (fundamentação: documento de fls. 1957 a 1969).
(...)
68.º
O valor de mercado dessa fracção é bastante superior ao valor inicialmente pago pelos Autores?"
Provado (fundamentação: as regras da experiência quanto à evolução do mercado imobiliário da RAEM desde a data do contrato em apreço – 2011 – e a análise global da prova testemunhal que depôs sobre a matéria quesitada).”
Ora, é de concluir-se que inexiste erro na apreciação de prova nem outro vício que invalide a decisão sobre a matéria de facto em causa, pois, o impugnante veio a atacar a convicção do julgador e não chegou a indicar concretamente quais elementos probatórios constantes dos autos que permitam tirar com segurança uma decisão diferente da fixado pelo Tribunal recorrido. Aliás, sobre a mesma questão este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, defendendo que o Tribunal de 1ª instância decidiu bem e com fundamentos suficientes.
Pelo que, é de julgar improcedente a impugnação em causa, mantendo-se as respostas atacadas.
*
Prosseguindo,
Como os recursos têm por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – RELATÓRIO.
A, de nacionalidade chinesa, casado, titular dos BIRPM n.º 5******(9), com outros elementos de identificação nos autos, intentou a presente acção declarativa que segue termos sob a forma ordinária de processo comum contra Sociedade de Importação e Exportação B Limitada, registada na CRCBM sob o n.º ***(SO);
Em síntese, alegou o autor que:
- Celebrou com C um contrato através do qual esta lhe transmitiu a posição de promitente-compradora que detinha num contrato-promessa de compra e venda que havia celebrado com a ré relativo a uma fracção autónoma designada “E10” de um prédio urbano que a ré se propunha construir num terreno que lhe havia sido concessionado por arrendamento;
- A ré não cumpriu e já não pode cumprir a prometida venda porquanto, por razões que lhe são imputáveis, não construiu nem pode já construir os imóveis prometidos vender, uma vez que foi declarada pelo Chefe do Executivo e “confirmada” no TUI a caducidade da concessão por arrendamento do terreno destinado à construção.
Pediu o autor que:
1. Seja declarado resolvido o referido contrato-promessa;
2. Seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia de HKD10.090.000,00, correspondente ao dobro da quantia que recebeu a título de sinal, ou, se for entendido que não foi constituído sinal, seja a ré condenada a restituir-lhe o dobro do montante pago, acrescido do valor da diferença entre MOP8.173.911,00 e o montante pago, bem como ainda a restituir o montante já pago pelo autor à ré e não considerado como sinal;
3. Seja a ré condenada a pagar os juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, contados sobre a quantia em que for condenada, desde a data da publicação no Boletim Oficial da RAEM declaração de caducidade da concessão (29/01/2016) até integral pagamento.
4. Para o caso de se entender que a falta de cumprimento não é imputável à ré ou em virtude da alteração das circunstâncias, pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de HKD5.095.850,00 acrescida de juros de mora à taxa legal das obrigações de natureza comercial, a contar de 29/01/2016 até integral pagamento.
Contestou a Ré, aceitando a existência do contrato-promessa2 invocado pelo autor e alegando que, caso não consiga construir e entregar a fracção autónoma prometida vender, essa impossibilidade não lhe deve ser imputada a si porquanto deve ser imputada à RAEM, a qual, durante o decurso do respectivo procedimento administrativo para aprovação do projecto de arquitectura e para emissão da licença de obras, fez exigências de alteração do projecto de arquitectura que não podia ter feito, fez indevidamente exigências de realização de estudos do impacto ambiental do mesmo projecto e, além disso, não cumpriu os prazos estabelecidos no contrato de concessão e demorou demasiado a apreciar os pedidos da ré para prorrogação do prazo de aproveitamento da concessão, o que levou a que a ré não pudesse iniciar a construção mais cedo e não tivesse conseguido concluí-la antes de caducar a referida concessão3.
Para o caso de se concluir que ocorre impossibilidade da prestação e que esta é imputável à ré, veio esta, também na contestação, defender que o autor não tem direito a indemnização calculada pelo valor do sinal prestado, porquanto foi acordado que as quantias pagas à ré não constituíam sinal.
Também na contestação que apresentou, disse a ré que, caso se conclua pela impossibilidade imputável e pela existência de sinal, deve a indemnização determinada pelo valor deste ser reduzida segundo juízos de equidade.
Ainda na contestação, disse a ré que o preço que lhe foi pago pela cedente da posição contratual ao autor foi inferior ao alegado por ter sido feito um desconto de HKD1.009.000,00.
Por fim, requereu a ré contestante a intervenção acessória da RAEM invocando como fundamento que, caso seja condenada a indemnizar o autor, terá direito de regresso contra a RAEM para esta lhe reembolsar o montante da condenação.
Na réplica que apresentou, o autor impugnou todas as teses da contestação da ré, quer quanto à afirmação da prestação da ré como ainda possível, à imputabilidade a terceiro da causa da impossibilidade da prestação, à inexistência de sinal e à intervenção da equidade na fixação do montante da indemnização.
Quanto ao alegado desconto feito ao cedente da posição contratual disse o autor que o desconhece e que, a ter existido, não altera o valor do sinal.
Foi admitida a intervenção acessória da RAEM, a qual contestou e foi objecto de resposta pelas partes principais. Porém, a ré veio depois comunicar aos autos que desistiu da acção de indemnização que movera contra a RAEM e, por isso, foi proferido despacho a fls.1658 a declarar extinta a instância relativamente à RAEM por inutilidade superveniente da lide.
Foi proferido despacho saneador a fls. 960 a 972, o qual também seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão.
A fls. 1612 a 1614 foi requerida a redução do pedido na sequência de um pagamento que a ré fez por conta do autor ao Banco da China, redução que foi aceite pelo despacho de fls. 1628, considerando-se agora o pedido de condenação da ré reduzido em HKD2.715.178,02 (MOP2.796.633,61).
Procedeu-se a julgamento, foi decidida a matéria de facto contravertida e foram apresentadas doutas alegações de Direito pelo autor e pela ré. De tais alegações sobressai que o autor considera que a relação contratual em litígio consubstancia um contrato-promessa (incumprido por impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável à ré) e retira do respectivo regime jurídico a solução de Direito do presente pleito defendendo a procedência da acção e sobressai ainda que a ré já não rejeita que a sua prestação se tornou impossível mas considera que a referida relação contratual se trata de contrato atípico com elementos de proximidade com contratos típicos como o contrato-promessa e o contrato de compra e venda de bens futuros e só para efeitos de análise admite que possa ser qualificada de contrato-promessa.
*
II – SANEAMENTO.
A instância mantém-se válida e regular, como decidido no despacho saneador e nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
III – QUESTÕES A DECIDIR.
Tendo em conta o relatório que antecede, designadamente:
- Que a principal pretensão do autor é ser indemnizado/restituído em consequência dos danos que sofreu por a ré não ter cumprido, por impossibilidade superveniente, a prestação a que se vinculou por contrato;
- O facto de o autor e a ré estarem de acordo que entre eles existe a relação contratual invocada pelo autor;
- O facto de neste momento processual autor e ré estarem também de acordo que a prestação contratual a cargo da ré se tornou impossível depois da celebração do respectivo contrato;
- O facto de a essência da principal divergência entre as partes ser a imputabilidade à ré ou a terceiro da causa da impossibilidade superveniente da prestação da ré e a existência ou inexistência de sinal;
As principais questões a decidir gravitam à volta de:
1- Imputação à ré ou a terceiro da causa superveniente da impossibilidade da prestação a cargo da ré.
1.1 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada a terceiro, importa apurar as consequências jurídicas de tal imputação, designadamente:
1.1.1 - Quanto à extinção da obrigação da ré decorrente do contrato;
1.1.2 Quanto a eventual criação na esfera jurídica da ré de uma outra obrigação de restituir ao autor o que recebeu da cedente da posição contratual;
1.2 - Caso se conclua que a causa da impossibilidade superveniente da prestação a cargo da ré deve ser imputada à própria ré, importa então apurar as consequências da referida impossibilidade superveniente da prestação decorrente de causa imputável à ré, designadamente:
1.2.1 - Direito do autor de resolver o contrato e seus efeitos;
1.2.2 - Obrigação da ré indemnizar o autor.
1.2.2.1 - Caso se conclua que a ré tem obrigação de indemnizar o autor, caberá apurar o montante da indemnização e a ocorrência de mora no cumprimento desta obrigação de indemnizar, para isso é necessário averiguar se foi acordado e prestado sinal;
1.2.2.1.1 - Caso se conclua pela existência de sinal, caberá ainda decidir se a indemnização deve ser calculada com base no “regime-regra” do sinal ou se deve ser reduzida segundo juízos de equidade para montante inferior ao valor do sinal prestado.
1.2.2.1.2 Caso se conclua pela inexistência de sinal, caberá determinar qual o valor da indemnização na ausência de sinal.
1.2.2.1.3 – Caso se conclua pela ocorrência mora no cumprimento da obrigação de indemnizar é ainda necessário apurar as consequências desta a nível indemnizatório, designadamente quanto ao início da mora e quanto à taxa dos juros moratórios.
*
IV – FUNDAMENTAÇÃO.
A) – Motivação de facto.
Estão provados os seguintes factos:
(...)
B) – Motivação de Direito.
1 – Da impossibilidade superveniente da prestação.
Neste momento da discussão já não são necessárias especiais considerações para concluir que a prestação da ré se tornou impossível. Seja qual for a prestação devida: celebrar os contratos prometidos de compra e venda de uma fracção autónoma de prédio urbano ou apenas construir e entregar as referidas fracções. Com efeito, por um lado, a ré já não questiona nas suas alegações de Direito a referida impossibilidade como questionou na contestação dizendo que mantinha pendente uma acção judicial que lhe poderia proporcionar a faculdade de construir aquela fracção. Por outro lado, a ré veio aos autos informar que já terminou por desistência a referida acção judicial que movera contra a RAEM na qual pretendia recuperar a possibilidade jurídica de construir as fracções a entregar ao autor. Acresce que, não tendo a ré meios jurídicos conhecidos nos autos que lhe permitam construir as mencionadas fracções, não se vê como negar as características relevantes da impossibilidade superveniente da prestação: ojectiva, absoluta e definitiva4. Com efeito, sem que ocorram circunstâncias de todo imprevisíveis presentemente, a ré, apesar de ser uma sociedade comercial e poder existir durante muito tempo, não tem possibilidade jurídica de construir ou adquirir as fracções autónomas em causa5. Trata-se de uma impossibilidade jurídica da prestação, não de uma impossibilidade física ou naturalística, pois a construção da mencionada fracção está acessível à ré pelos conhecimentos técnicos existentes, mas não lhe está permitida por causa da sua situação jurídica actual e previsível num futuro ponderável6. Na verdade, resulta dos autos que a ré não tem qualquer direito sobre o terreno onde se iria situar a planeada construção.
Conclui-se assim que se tornou impossível após a celebração dos contratos a prestação que a ré acordou prestar.
Resta, pois, apurar as consequências da impossibilidade da prestação.
1.1 – Dos efeitos da impossibilidade da prestação.
1.1.1 – Em geral.
Se a prestação acordada é originariamente impossível, a obrigação não nasce porque o contrato é nulo e, por isso, não gera a obrigação de prestar nem o dever de cumprir (art. 395º, nº 1 do CC).
Se a prestação acordada é originariamente possível (aquando da celebração do respectivo negócio jurídico), mas posteriormente deixa de o ser, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar (arts. 779º e 790º do CC).
Se a impossibilidade superveniente ocorre por razões não imputáveis ao devedor, mas imputáveis a terceiro, ao credor ou a ninguém (caso fortuito ou de força maior), fica o devedor exonerado perante o credor. Se, porém, o credor cumpriu perante o devedor a sua eventual contraprestação e a causa da impossibilidade não imputável ao devedor também não lhe é imputável a si, credor, então este, credor, tem direito a que lhe seja restituído o que prestou, mas segundo as regras do enriquecimento sem causa. É esta a tese da ré, escorada no art. 784º do CC. Com efeito, entende que a impossibilidade da prestação não lhe é imputável a si nem ao credor, mas a terceiro, a RAEM.
Se a prestação se tornou impossível por causa imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, não pode ser cumprida e o devedor deixa de ter o dever de a prestar, como se disse atrás. Porém, o devedor poderá ver nascer na sua esfera jurídica outra obrigação, a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos em consequência da mencionada impossibilidade superveniente, devendo o devedor indemnizar o credor como se faltasse culposamente ao cumprimento devido (art. 790º, nº 1 do CC).
Para apurar os efeitos da impossibilidade da prestação torna-se, pois, necessário decidir se a causa da impossibilidade da prestação é imputável à ré devedora ou à RAEM, terceiro em relação à prestação.
Vejamos.
1.1.2 – Da imputação da causa da impossibilidade da prestação.
A prestação da ré tornou-se impossível porque a ré não construiu no prazo em que poderia fazê-lo (entre a data em que acordou com a pessoa que cedeu a posição contratual ao autor – 09/3/2011 e a data limite do prazo que tinha para construir, o prazo de aproveitamento da concessão – 28/2/2014 – que foi prorrogado até 25/12/2015).
A imputação da causa da impossibilidade tem de fazer-se a título de culpa7 e esta é, em sede de responsabilidade civil, um juízo de censura que assenta no facto hipotético de a impossibilidade não ter ocorrido se o agente, em vez de ter actuado como actuou, tivesse actuado como, no seu lugar, actuaria um bom pai de família (arts. 480º, nº 2, 788º, nº 2 e 790º, nº 1 do CC), o qual, entre o mais, é medianamente prudente e medianamente previdente8.
A ré necessitava de um período mínimo de três anos para conseguir construir como se comprometeu com o autor (ponto 100. dos factos provados) e comprometeu-se a construir quando faltavam menos de três anos para terminar o prazo em que, em condições de normalidade, poderia construir. Além disso, para construir necessitava da “cooperação” da administração pública, cooperação que não vinha decorrendo de forma célere. Mesmo que os serviços da Administração pública não despendessem um único dia durante o qual a ré não pudesse construir, o tempo que a ré dispunha era insuficiente numa perspectiva prudente. Em tal situação, um bom pai de família, não se teria comprometido como a ré se comprometeu com o “cedente”, designadamente sem esclarecer a outra parte contratante, o que se presume que a ré não fez (arts. 788º, nº 1 e 790º, nº 1 do CC), do CC). Na verdade, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé…” – art. 219º, nº 1 do CC9. Por isso, o esgotamento do tempo em que a ré poderia ter construído e não construiu, a causa da impossibilidade da prestação, é imputável à ré a título de culpa10.
O contraente que se compromete a prestar no futuro compromete-se ao mesmo tempo a remover os obstáculos ao cumprimento que previsivelmente se lhe deparem e a disponibilizar o esforço previsivelmente necessário à remoção. Assim, em caso de impossibilidade de remoção do obstáculo ao cumprimento, o insucesso do devedor é-lhe, em princípio, censurável se quando contratou calculou mal as suas forças para remover os obstáculos previsíveis, se previu mal esses obstáculos que eram previsíveis ou se calculou bem forças e obstáculos previsíveis e se conformou com a insuficiência de forças para remover os obstáculos. São a imprudência, a imprevidência, a intenção e a consciência os locais onde se pode ancorar a censura.
Por outro lado, não se provaram factos onde se possa concluir que a ré tinha razões para estar segura que, contrariamente ao que aconteceu, o prazo de aproveitamento e o prazo de concessão seriam prorrogados nem que lhe seria atribuída nova concessão do mesmo terreno com um grau de segurança que permitiria a um bom pai de família (determinado a cumprir os seus compromissos) vincular-se contratualmente perante terceiros. A ré até poderia confiar e ter expectativas, mas não suficientemente seguras ao ponto de levarem o “bom pai de família” a contratar como a ré contratou contraindo a obrigação de construir. Com efeito, as expectativas são isso mesmo: confiança que aconteça o que pode não acontecer.
Perante a factualidade provada, um bom pai de família comerciante e empresário comercial empreendedor que estivesse determinado a prosseguir a sua actividade comercial e que tivesse expectativas de conseguir, não contrataria com o cedente da posição contratual ao autor sem o avisar da escassez de tempo que se verificava.
Em conclusão, a impossibilidade da prestação devida pela ré é imputável à devedora (ré) a título de culpa (negligência ou inobservância do cuidado devido) porquanto essa impossibilidade era previsível a um comerciante medianamente prudente no momento em que o dever de prestar foi assumido pela ré e essa previsibilidade levaria aquele comerciante a não contratar como a ré contratou ou a fazê-lo apenas depois de obter a adesão ao seu risco empresarial por parte do cedente da posição contratual adquirida pelo autor.
1.1.3 – Da resolução contratual.
No que respeita ao direito à resolução do contrato e às suas consequências de restituição retroactiva do que foi prestado, não se vê como negar. É a lei evidente (arts. 790º, nº 2, 426º a 428º e 282º do CC) e nem as partes questionam.
Procede, pois, esta pretensão do autor e deve ser declarado resolvido o contrato, como peticionado.
1.1.4 – Da indemnização dos danos decorrentes da impossibilidade superveniente da prestação por causa imputável ao devedor.
Da existência de obrigação de indemnizar.
Estando decidido que houve incumprimento culposo da ré, rectius, impossibilidade da prestação por causa imputável à ré, basta que haja danos na esfera jurídica do autor com nexo de causalidade com o referido incumprimento para que surja na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar (arts. 787º, 790º e 557º do CC).
Tendo-se provado que o autor pagou ao cedente para receber uma fracção autónoma de um prédio a construir pela ré e que nada recebeu, é forçoso concluir que sofreu danos decorrentes do incumprimento da ré, pois que pagou para adquirir e nada adquiriu.
Assim, não são necessárias outras considerações para se concluir que existe na esfera jurídica da ré a obrigação de indemnizar o autor, sendo a controvérsia essencialmente respeitante ao valor da indemnização.
Do montante da indemnização
O autor pretende ser indemnizado pelo dobro do sinal prestado.
Por seu lado, a ré entende que a sua culpa, caso se conclua que existe, é diminuta e, havendo lugar a indemnização, esta deve ser fixada, por razões de equidade, em montante inferior ao “sinal” prestado.
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil é que devem ser indemnizados todos os prejuízos efectivamente sofridos pelo credor em consequência do incumprimento do devedor (arts. 787º - “prejuízo que causa ao credor”, 556º - “reconstituir a situação que existiria” e 557º - “danos que o lesado … não teria se não fosse a lesão” - do CC.).
No entanto, se for constituído sinal é o valor deste que, em princípio, determina o valor da indemnização, o valor que terá a obrigação de indemnizar originada pelo incumprimento culposo. É o que dispõe o art. 436º do CC.
É, pois, necessário apurar se foi constituído sinal, entendendo o autor que foi e a ré que não foi.
Da existência de sinal.
Da qualificação do contrato.
Esta questão já foi diversas vezes apreciada por este tribunal com conhecimento das partes, designadamente dos respectivos mandatários, razão por que se dispensa aqui a análise antes feita e se opta pela síntese, por ser mais conveniente para as partes, não lhes reduzindo qualquer garantia processual.
É a prestação característica acordada pelas partes que determina a qualificação do acordo que celebraram e é a qualificação desse contrato que determina o respectivo regime jurídico que há-de determinar a solução dos diferendos contratuais.
A prestação acordada que vincula as partes apura-se através da interpretação do contrato.
A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CC).
No contrato celebrado entre ré e o cedente da posição contratual adquirida pelo autor, reproduzido no nº 13. dos factos provados, as partes contratantes comprometeram-se a celebrar no futuro um contrato de compra e venda, o que se conclui da interpretação do contrato, quer pelo título que as partes lhe deram, quer pelas cláusulas de que o dotaram, designadamente estipulando que o “promitente-comprador” não podia recusar a celebração do contrato definitivo em determinadas circunstâncias (cláusula 22ª) e fazendo depender de pagamento e de autorização da ré a transmissão da posição contratual do “promitente-comprador” (cláusula 9ª), o que é incompatível com a convicção das partes no sentido de o “promitente-comprador” ter adquirido da ré um direito real.
Conclui-se, pois, que deve ser qualificado como contrato-promessa o acordo celebrado entre o “cedente” e a ré.
Da convenção de sinal.
O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico11. Numa certa perspectiva, é, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial.
Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes.
Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes12.
Se o autor pretende ser indemnizado segundo o regime do sinal, cabe-lhe, nos termos do art. 335º, nº 1 do CC, alegar e provar, entre o mais, os factos demonstrativos de ter sido estipulada a existência de sinal.
Porém, no caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CC que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CC). No caso dos autos, provou-se que o “cedente” entregou à ré, promitente-vendedora, determinada quantia em dinheiro no âmbito do contrato-promessa que celebraram. Provou-se o facto base da presunção, pelo que está presumido que as partes quiseram atribuir carácter de sinal. Cabe, pois à ré, interessada em ilidir a presunção, a alegação e a prova do facto contrário ao facto presumido, isto é, cabe-lhe provar que as partes acordaram que a quantia entregue não tinha carácter de sinal. A ré não conseguiu fazer a prova dessa vontade negocial contrária à presunção legal (resposta negativa dada ao quesito 61º da base instrutória).
Conclui-se, pois, por presunção legal, que foi acordado sinal no caso em apreço.
O montante da indemnização predeterminado pelo valor do sinal e a sua redução por juízos de equidade.
“Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado” (art. 436º, nº 2 do CC).
Está demonstrado que a ré não cumpriu definitivamente a sua promessa de venda.
Está também demonstrado que a ré recebeu sinal.
Foi já decidido atrás que a causa do incumprimento não é imputável a terceiro e que é imputável à ré a título de culpa. E também já atrás foi decidido que o incumprimento culposo da ré confere ao autor o direito de resolver o contrato-promessa.
Deve, pois a ré restituir o que recebeu para cumprir a promessa de venda que não cumpriu, uma vez que, como efeito da resolução do contrato, sempre terá que devolver o que lhe foi prestado (arts. 282º e 427º do CC). Mas terá ainda de pagar ao autor um montante igual ao do sinal que recebeu?
Vejamos.
Dispõe o nº 4 do art. 436º do CC que “na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
E dispõe o art. 801º, nº 1 do CC, aplicável por força do disposto no nº 5 do art. 436º do mesmo CC, que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”.
Portanto, o valor da indemnização por incumprimento do contrato, rectius, por impossibilidade culposa da prestação, deve, em princípio, corresponder ao valor do sinal prestado. Porém, o referido valor da indemnização pode ser:
- Aumentado para o valor do dano efectivamente sofrido pelo credor se este dano for consideravelmente superior ao valor do sinal13;
- Reduzido para montante equitativo não inferior ao valor do dano efectivo se a penalização resultante do sinal for manifestamente excessiva em relação ao mesmo dano efectivo14.
O valor do sinal.
Quanto a esta questão divergem as partes quanto ao valor do sinal prestado que deve relevar para a decisão da indemnização a fixar. O autor entende que prevalece o valor estipulado como preço da compra e venda prometida. Por sua vez, a ré entende que prevalece o valor efectivamente entregue pelo promitente comprador.
Releva para a solução desta questão a consideração da vertente real do sinal. Se para decidir se a quantia entregue tem carácter de sinal relevou a vertente negocial ou obrigacional do sinal (a vontade negocial das partes ainda que presumida), agora releva a vertente real. Com efeito, nesta vertente, o sinal assume-se como uma coisa entregue e não já como o acordo ou a convenção de entrega de uma coisa15. É essa dimensão que deriva do texto da lei e da função do sinal, quer seja confirmatório de uma vontade negocial séria, quer seja penitencial e convencionado para o caso de arrependimento previsto na vontade negocial das partes, mas sempre garantístico e destinado a ter efeitos em sede de incumprimento, seja incumprimento lícito porque previsto e regulado pelas partes, seja ilícito. Com efeito, sempre a lei se refere ao sinal como a coisa entregue ou a quantia entregue (arts. 434º a 436º do CC).
O sinal é, pois, um elemento contratual real quoad constitutionem, sendo que só fica eficazmente constituído com o acto material de entrega da coisa por parte daquele que constitui o sinal (tradens) àquele que dele beneficia (accipiens). Para a existência de sinal não basta o acordo de vontades negociais reais ou presumidas no sentido da respectiva constituição. É necessária a entrega da coisa em que o sinal se materializa16. Daqui deriva que só pode ser considerado sinal aquilo que foi efectivamente entregue, ainda que fosse acordado que deveria ser entregue a título de sinal coisa ou quantia superior. Com efeito, o sinal só desempenha eficazmente a sua função de garantia na medida em que é efectivamente entregue àquele que recebe a coisa que consubstancia o sinal. No fundo, um dos aspectos essenciais que distingue o sinal da cláusula penal é esta diferença estrutural, pois que esta última se restringe a uma convenção obrigando a uma prestação futura em caso de incumprimento, ao passo que o sinal, além de convenção, tem natureza real quoad constitutionem consubstanciada no acto de entrega.
O sinal prestado no caso dos presentes autos é pois constituído pela quantia efectivamente entregue pela promitente compradora à ré promitente-vendedora - HK$4.036.000,00 (resposta ao quesito 1º).
Tendo em conta o teor do nº 102. dos factos provados, dir-se-á que o sinal tem também uma função de garantia, pelo que a quantia entregue e devolvida perde a referida função e só a quantia retida pela parte que recebe o sinal se mantem como garantia, pois o acordo de redução do preço (desconto) equivale a uma alteração consensual da convenção de sinal, alteração que as partes podem fazer livremente (art. 400º do CC)17.
O ónus da prova.
O legislador ao permitir às partes fixarem por convenção as consequências do incumprimento acabou por criar uma distribuição do ónus da prova em que só tem que provar o dano relevante o contraente que pretende que a indemnização por incumprimento se fixe em valor diferente do predeterminado. Assim, o credor que pretende que o valor da indemnização seja superior ao predeterminado tem de provar que sofreu um dano consideravelmente superior ao sinal. Por sua vez, o devedor que pretende que a indemnização seja de valor inferior ao predeterminado tem que demonstrar que a pena é manifestamente excessiva em relação ao dano.
No presente caso, cabe à ré alegar e provar os factos de onde se possa concluir que o valor do sinal é manifestamente excessivo para ressarcir o dano efectivo do autor e para sancionar a culpa pelo incumprimento.
A ré alegou e provou que se esforçou por cumprir e que o autor vai receber uma fracção autónoma de um imóvel idêntica à que a ré lhe entregaria e por preço também idêntico.
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
O autor tinha o direito de adquirir a fracção prometida sem ter que pagar nada mais do que já pagou ao cedente (HKD6.350.000,00) e terá de pagar pela aquisição da habitação para troca o preço igual ao que foi acordado com a ré (sem desconto – HKD5.045.000,00).
Se a ré devolver o que recebeu do cedente (sinal) antes de o autor pagar o preço da “fracção para troca”, o autor já não terá o prejuízo correspondente (HKD4.036.000,00).
O prejuízo do autor será, então, o correspondente à diferença entre o que recebe da ré e o que vai pagar pela fracção sucedânea (interesse contratual negativo – HKD1.009.000,00) e o correspondente à privação da disponibilidade da fração entre a data em que a ré deveria entregar e a data em que a irá receber da sociedade comercial Macau Renovação Urbana, S.A. (interesse contratual positivo).
No que tange ao interesse contratual positivo trata-se de uma situação semelhante à mora e não ao incumprimento definitivo, pois que o autor irá adquirir uma fracção como pretendia, mas mais tarde do que foi acordado.
Se ao autor for devolvida a quantia que o cedente pagou à ré e se obtiver a fracção que pretendia, embora com atraso e sem desconto no preço, a indemnização correspondente ao valor pago à ré (HK$4.036.000,00) é manifestamente excessiva, pois que a disponibilidade da fracção durante o tempo em que o autor dela não pôde dispôr não proporcionaria ao autor um valor líquido tão elevado que, somado à diferença do preço que o autor tem de pagar pela “fracção sucedânea” atinja (HK$4.036.000,00).
O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso semelhante ao presente, embora os ali autores tivessem feito o seu pagamento para aquisição da posição contratual de promitente comprador no ano de 2015, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pela autora para adquirir a posição contratual de promitente-compradora18. O Venerando Tribunal de Segunda Instância perspectivou, pois, o dano como interesse contratual negativo. Não o que a autora deixou de auferir através do que despendeu, mas o que tiver de despender em vão, sem nada auferir.
Seguindo o entendimento do Venerando TSI, no caso presente seria de considerar o período de 10 anos, pois que o autor pagou ao cedente no ano de 2013.
Aplicando a doutrina do referido douto acórdão, temos que o preço pago ao cedente foi de HK$6.350.000,00, pelo que o valor da indemnização equitativa do interesse contratual positivo deve ser de HKD2.222.500,00 (HK$6.350.000,00 x 3,5% x 10).
No caso presente há ainda a considerar o dano do autor correspondente à diferença entre o preço que terá de pagar pela “habitação para troca” e o preço pago pelo cedente que lhe é restituído pela ré (HKD1.009.000,00).
Este tribunal também já decidiu em diversos casos semelhantes a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável repetir.
Assim, aderindo à referida doutrina do TSI, e considerando ainda o dano do autor correspondente à diferença entre o preço que lhe será restituído pela ré e o que terá que pagar pela “habitação para troca”, afigura-se equitativo fixar em HKD3.230.000,00 o valor da indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito do contrato que celebrou.
2 Dos pedidos subsidiários.
Em consequência do que fica dito, está prejudicada a apreciação dos pedidos subsidiários que pressupõem que se considere que não foi acordado sinal e que o incumprimento não é imputável à ré.
3 Da mora na obrigação de indemnizar.
3.1 Do início da mora (art. 794º do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
Tendo a indemnização sido fixada segundo juízos de equidade, é ilíquida a respesctiva obrigação de indemnizar, pelo que a mora só se inicia com a liquidação operada pela presente decisão.
Porém a mora quanto à obrigação de restituição do sinal prestado venceu-se com a interpelação. E esta interpelação ocorreu com a citação.
3.2 A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito do autor nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.
4 Da redução do pedido.
A ré pagou ao Banco da China uma dívida do autor e o autor reduziu o pedido. A quantia que a ré pagou deve ser imputada na obrigação vencida na altura em que o pagamento foi feito. Na referida altura, a obrigação de indemnizar ainda não estava vencida, pois só com a liquidação se venceu, mas já se vencera a obrigação de restituir em consequência da resolução contratual, que se venceu com a citação. É nesta obrigação que deve fazer-se a imputação do cumprimento parcial por aplicação analógica do disposto no art. 773º, nº 1 do CC.
Deste modo, a parte que falta restituir da quantia que a ré recebeu é HKD1.320.821,98 (4.036.000,00 – 2.715.178,02).
*
V – DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declara-se resolvido o contrato celebrado entre as partes e condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de:
- HKD1.320.821,98 (um milhão, trezentos e vinte mil, oitocentos e vinte e um dólares de Hong Kong e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação da ré até integral pagamento;
- HKD3.230.000,00 (três milhões, duzentos e trinta mil dólares de Hong Kong), acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da presente sentença até integral pagamento;
Custas a cargo de autor e ré na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
*
Quid Juris?
Uma vez que está em causa essencialmente a aplicação de Direito aos factos assentes vamos apreciar em conjunto os recursos interpostos pelo Autor e pela Ré.
*
Ora, a particularidade do caso dos autos consiste no seguinte:
a) – O primeiro contraente pagou, no 1º momento, o preço total acordado para adquisição da fracção autónoma em causa;
b) – Depois, tal primeiro contraente cedeu a sua posição para o Autor por um preço superior nos termos acordados;
c) - O Autor chegou a candidatar-se a uma fracção semelhante por via de “compensação” nos termos permitidos pela Lei nº 8/2019, de 30 de Maio;
d) - Agora, o Autor veio a reclamar a restituição em dobro das quantias totais pagas por ele.
Terá o Autor fundamentos legais para o fazer?
Tal como temos vindo a sublinhar que cada caso é um caso, não obstante existirem vários processos em que se discutem as questões idênticas ou semelhantes.
Ora, dada a identidade ou semelhança da matéria discutida neste tipo de processos, as considerações por nós tecidas noutros processos valem, mutatis mudantis, para o caso, obviamente com as devidas adaptações, nomeadamente no processo nº 813/2024, com o acórdão proferido em 13/3/2025, em que ficou consignado o seguinte entendimento:
“(…)
1) – Nos exercício das funções jurisidicionais, é do conhecimento deste TSI que são basicamente as seguintes situações que dão origem aos litígios em que se discutem as mesmas matérias:
a) – O promitente-comprador mantém a sua posição contratual até à data em que foi proposta acção contra a Ré, sem que tivesse transmitido a sua posição contratual para terceiro;
b) – O promitente-comprador chegou a ceder a sua posição de promitente-comprador para um terceiro, por um preço superior ao fixado no primeiro contrato-promessa, e é este terceiro, actual titular da posição do contrato-promessa que veio a propor a acção contra a Ré, pedindo que esta lhe pagasse o sinal dobro à luz do preço mais alto (ou seja, existe diferença ao nível do preço, o preço fixado no primeiro contrato-promessa e o preço mais alto posteriormente fixado no segundo (ou posteriores) contrato-promessa;
c) – O promitente-comprador chegou a celebrar vários contratos-promessa com a Ré, prometendo adquirir várias fracções autónomas (depois, chegou a transmitir alguns contratos-promessa para terceiros e mantém alguns para si próprio).
2) – Todas as hipóteses acima apontadas trazem várias questões para discutir, uma delas consiste em saber se é legítimo e justo que o promitente-comprador venha a receber o sinal em dobro independentemente das particularidades do caso em discussão.
3) – No caso, não é supérfluo realçar que o caso em análise tem a sua particularidade, já que, ao contrário daquilo que se verifica em situações normais, em que a promitente-vendedor não quer cumprir de livre vontade e por iniciativa própria o acordado. No caso não foi isto que sucedeu, a Ré quis cumprir, só que por decisão do Governo da RAEM, a Ré não pude cumprir. Ou seja, a sua “culpa”(se podemos utilizar esta palavra) não é acentuada nem “indesculpável”, o que deve relevar para ponderar e fixar as sanções contratuais!
(…)”.
Neste tipo de processo em massa, são discutidas várias questões jurídicas:
Questão da “culpa” (em sentido lato) da parte que não cumpriu a promessa:
“Aqui, merece igualmente destacar um outro ponto: o raciocínio do Tribunal a quo aponta, parece-nos, para a ideia de que toda a culpa de incumprimento se concentra na parte da Ré/Recorrente, mas tal como se refere anteriormente por nós, não é líquida esta argumentação, já que a Ré fazia e tentava fazer tudo para que pudesse cumprir os compromissos assumidos perante o Governo da RAEM, apesar que o resultado final não vir a ser “satisfatório” a todos os níveis. Mas os comportamentos assumidos pela Ré demonstram que não existe “dolo” de incumprimento por parte dela, quanto muito, negligência ou utilizando uma linguagem diferente, um “ risco de investimento” que a Ré há-de assumir, daí a sua quota-parte de responsabilidade, circunstâncias estas que devem ser valoradas na fixação das indemnizações que cabem no caso em análise. Aliás, o Tribunal recorrido na fundamentação da decisão dos factos afirmou: “A convicção do tribunal formou-se na análise crítica da globalidade da prova testemunhal e documental produzida, ponderada nos termos antes referidos e que podem ser explicitados sinteticamente como segue.
É uma evidência que a ré tinha vontade firme de concluir o empreendimento “XX”, o que resulta da consideração dos esforços e dispêndios que fez, incontestáveis e incontestados nos autos, incluindo por via judicial.”
*
Conforme o quadro factual fixado pelo Tribunal recorrido, existem vários factos que são claros para demonstrar que a Ré não actuou com “dolo” no cumprimento dos acordos quer perante o Governo enquanto concedente quer perante as partes dos contratos-promessa, a saber:
“(…)
- A DSSOPT aprovou o projecto sem o sugerido afastamento entre torres e em 7/1/2011 notificou a ré dessa aprovação e notificou-a ainda para apresentar o relatório de estudo de impacto ambiental que teria a construção do edifício em matéria de fluxo de ar, efeito biombo, ilhas de calor e expansão de poluentes e referindo à ré que não lhe seria emitida licença de obras sem que o referido relatório fosse apresentado e aprovado;
- Em 11/5/2011, a ré apresentou à DSSOPT um relatório do estudo de impacto ambiental requerido;
- Posteriormente, a DSSOPT em coordenação com a DSPA exigiu à ré a apresentação de outros relatórios de estudos de impacto ambiental incidentes sobre outros aspectos ambientais diferentes daqueles que havia mencionado e a ré apresentou-os até que, em 15/10/2013, foi aprovado o último relatório apresentado;
Em 24/10/2013, a ré requereu à DSSOPT a emissão de licença de obras que foi emitida em 2/1/2014.
- Se a DSSOPT tivesse dado resposta em 60 dias apreciando o projecto parcial de arquitectura apresentado pela ré em 06/05/2008, a que não respondeu;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando o projecto global de arquitectura apresentado pela ré em 22/10/2009, a que respondeu em 9/4/2010;
- Se a DSSOPT tivesse respondido em 60 dias apreciando a alteração apresentada ao referido projecto global em 3/6/2010, a que respondeu em 7/1/2011 e
- Se a DSSOPT, quando em 7/1/2011 exigiu pela primeira vez a realização de estudos de impacto ambiental, tivesse exigido à ré todos os estudos da mesma natureza que lhe exigiu mais tarde.
“(…)”
1. A Ré confiou que lhe seria prorrogado o prazo de aproveitamento ou dada uma nova concessão do mesmo terreno para data posterior a 24/12/2015 porque os serviços da RAEM criaram tais expectativas, nomeadamente:
a. Ao emitirem licença de obras para as fundação em 02/1/2014, um mês antes do terreno do prazo de aproveitamento;
b. Ao Prorrogarem o prazo de aproveitamento em 29/7/2014 até 25/12/2015, sabendo que tal não seria possível;
c. Já anteriormente haviam concessionado novamente o mesmo terreno ao mesmo concessionário em casos em que o terreno concessionado não tinha sido aproveitado no dentro do respectivo prazo. (Q 9.º)
(…)”.
Tudo isto demonstra claramente que a Ré não actuou com dolo para desrespeitar as obrigações decorrentes dos contratos-promessa, pelo contrário, os factos assentes acima transcritos podem constituir alteração superveniente das circunstâncias nos termos do artigo 431º do CCM (a Autora chegou também alegar esta matéria conforme o teor do artigo 138º a 139º da PI), já que se tratam de factos imprevisíveis e que ocorreram posteriormente ao momento da celebração dos acordos em análise.
*
Questão da consideração do benefício obtido pela parte não culposa na resolução dos contratos bilaterais:
“(…)
Com as devidas adaptações, o disposto no artigo 784º/2 do CCM pode ser chamado para fundamentar a decisão em análise, já que tal normativo dispõe:
(Contratos bilaterais)
1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.
2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, o valor do benefício é descontado na contraprestação.
Em regra, a restituição do sinal não representa uma injustiça flagrante ou ofende o sentido de justiça material, é de aceitar como correcta a solução legalmente consagrada: restituição do sinal em dobro por quem não cumpre o acordo celebrado nos termos do disposto no artigo 801º do CCM.
*
1) - Agora, relativamente ao dano excedente, quando não se pude ser calculado ao certo, à luz da doutrina dominante, e no caso da sua impossibilidade, recorre-se ao juízo de equidade.
A propósito deste ponto, escreveu-se:
“De harmonia com a lei substantiva, sempre que não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil). Considerada a possibilidade processual de uma condenação ilíquida, coloca-se o problema da articulação de uma e outra norma (artº 609.º, n.º 2, do CPC). A articulação deve ser feita do modo seguinte: se ainda for possível fixar no incidente de liquidação a quantidade da condenação, aplica-se a norma processual da condenação genérica; no caso inverso, o dano será equitativamente julgado5. Equidade – como justiça do caso concreto – que, porém, sob pena de um julgamento puramente arbitrário ou atrabiliário, não prescinde de um suporte de facto, por mínimo ou reduzido que seja6, nem serve para alijar por inteiro, o não cumprimento, seja pelo credor da obrigação de indemnização quantitativamente indeterminada do ónus da prova do valor do dano a que está indiscutivelmente adstrito, seja pelo devedor de igual ónus que o vulnera no tocante a qualquer facto extintivo daquela mesma obrigação (art.º 342.º, n.ºs 1 e 2, e 346.º, n.º 1, in fine, do Código Civil, e 414.º do CPC).”19
Questão da aplicação da teoria de interesse contratual negativo ou de confiança:
“(…)
2) – Pergunta-se, como é que se deve resolver este tipo de questões? A propósito desta matéria, citemos aqui a posição dominante vigente em Portugal, em nome do Direito Comparado (Cfr. ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/10/2012) sobre a matéria em discussão (uma situação semelhante):
“Acontece porém que nos situamos no âmbito da resolução do contrato. O autor optou pela resolução do contrato.
A resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” [14].
Entre as partes e na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade do negócio jurídico, nos termos do art.º 433º do Código Civil. Por isso tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes.
Ao pretender indemnização por lucros cessantes, o A. está a pedir a reparação do interesse contratual positivo, ou seja, o ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a cessão de exploração tivesse sido inteiramente cumprida pela R. O que resultaria para o credor do cumprimento curial do contrato, abrangendo, portanto, não só o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, "de modo a colocar-se o credor na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida".
Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos” [15].
Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado [16]. Tal entendimento tem sido seguido maioritariamente na jurisprudência. [17]
Com base nesta doutrina, não é aceitável a compatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao (interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela solução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.
Por isso e conclui no citado acórdão de 24.1.2012 que, “por regra, a indemnização fundada no não cumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido”.
Nada no caso justifica que nos afastemos da regra geral em razão dos interesses em discussão, o que se justifica apenas em casos excepcionais, como também tem sido entendido na jurisprudência. [18]
Por conseguinte, improcede o pedido de indemnização do A. relativo a lucros cessantes.”
O raciocínio vale, mutantis mudantis, para o caso dos autos, sendo certo que o artigo 436º do CCM (que tem uma redacção diferente da do CC de 1966 vigente em Portugal), consagra:
(Sinal)
1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.
2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado.
3. A parte que não tenha dado causa ao incumprimento poderá, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, quando esse poder lhe seja atribuído nos termos gerais.
4. Na ausência de estipulação em contrário, e salvo o direito a indemnização pelo dano excedente quando este for consideravelmente superior, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.
5. É igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 801.º
Depois, o artigo 801º do CCM manda:
(Redução equitativa da pena)
1. A pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
Questão de danos excedentes:
A propósito dos nº 4 e 5 do artigo 436º do CCM, anotou-se:
“15. No estudo global que se faça do problema, chega-se à conclusão que o nº 4 vem reforçar a ideia transversal consagrada no Código a respeito da natureza confirmatória do sinal (o próprio Menezes Leitão acaba por admitir que o nº 4 não tem natureza penitencial, em ob. cit., pág. 246). Ou seja, para lá da perda do sinal pelo tradens ou da devolução em dobro do sinal pelo accipiens, ainda pode haver lugar, salvo estipulação em contrário, a indemnização pelo dano excedente. Foi uma opção do legislador de Macau, que podia ter aproveitado a ocasião para ser mais generosa. Com efeito, não passou da criação dessa possibilidade indemnizatória pelo dano excedente, sem a estender a outra qualquer indemnização (nomeadamente, por danos não patrimoniais), tendo em conta que na parte final do nº 4 afirmou expressamente a impossibilidade de alargamento da extensão indemnizatória (habitualmente, alguns autores defendem que, sem limitação, pode haver a indemnização por perdas e danos no caso de sinal confirmatório).
Pior é, apesar de tudo, a situação do parente próximo preceito português, pois nele se preceitua que "Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento".
De qualquer maneira, há mesmo aí quem sustente que, para além dessa indemnização pelo não cumprimento, possa haver uma ou mais indemnizações fundadas noutras causas, como, por exemplo, nos casos de terem sido feitas benfeitorias na coisa (Ana Prata, Código ... cit., pág. 568).
16. O nº 5 manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 801º. Não é bem claro o propósio da disposição legal: se apenas se aplica aos casos em que os contraentes estabelecem no contrato uma indemnização para o caso de incumprimento por arrependimento (arras ou sinal penitencial), ou se também aplicação no caso de sinal confirmatório-penal.
E se a resposta for no sentido de apenas cobrir a segunda hipótese de sinal confirmatório, ainda fica por saber se a redução por equidade (art. 801º) abrange somente as situações em que há dano excedente (nº 4), calculando-se aí a indemnização segundo critérios equitativos, ou se também atinge o dobro do sinal por incumprimento do accipiens.
Por um lado, poderia parecer que a melhor solução seria, efectivamente, a que permite a aplicação do regime de redução no caso de incumprimento de contrato em que o sinal tem a função de arra confirmatória. Na verdade, se o sinal tiver o sentido penitencial, isso se deve ao facto de as partes, de livre vontade e por consenso, terem estabelecido os próprios limites indemnizatórios, não fazendo sentido que o tribunal os possa baixar apenas porque o devedor lho tenha pedido.
Por outro lado, é de crer que a redução também não possa incidir sobre o dobro do sinal, porque isso seria contrariar a solução da lei (nº 2).
Nesta óptica, pareceria ficar assim a remissão para o art. 801º circunscrita às situações em tiver que haver indemnização pelo dano excedente. Este dano pode ser, realmente, elevado, se tivermos em conta as diferenças de preços em mercados (por exemplo, imobiliários) que frequentemente se pautam por regras pouco saudáveis de especulação. Tendo em conta que o dano pode ser realmente avultado, a intervenção do juiz pode eventualmente justificar-se, se bem que a redução também pode funcionar como um prémio ao devedor.
Não temos, enfim, a certeza sobre o alcance da norma.
Mas, se fizermos a conjugação dos artigos 436º, 801º (e o ambiemte da sua sistematização) e 820º, nº 2, (neste caso, para o contrato-promessa) talvez seja possível, afinal de contas, considerar que a remissão apenas faça sentido nos casos em que as partes contratantes tenham estipulado, por penitência, uma indemnização com caracter de pena no contrato para a hipótese de não cumprimento por arrependimento. A jurisprudência dirá o que for de justiça sobre o assunto. (Cfr. Código Civil de Macau, Anotado e Comentado, João Gil de Oliveira e José Cândido de Pinho, CFJJ, 2020, Vol. VI, pág. 506 e 507).
Efectivamente pode existir alguma dúvida na interpretação e aplicação das normas em causa.
Mas não é pela primeira vez que este TSI é chamado para se pronunciar sobre o conceito de danos ou prejuízos excedentes, o mesmo conceito encontra-se consagrado no artigo 1027º do CCM em matéria locatária que dispõe:
(Indemnização pelo atraso na restituição da coisa)
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro; à mora do locatário não é aplicável a sanção prevista no artigo 333.º
3. Fica salvo o direito do locador à indemnização dos prejuízos excedentes, se os houver.
A propósito deste conceito, ficou consagrado o seguinte entendimento no Proc. nº 646/2017, com o acórdão proferido em 26/07/2018:
“I - A Ré deve pagar a quantia equivalente ao dobro da renda que se praticava, como justa indemnização específica pela não restituição do imóvel, embora de natureza contratual, por continuar a usar a coisa, em prejuízo das locadoras, correspondente à renda que estava a ser praticada e que se traduz no valor de uso do imóvel.
II – Em relação à indemnização pelos prejuízos excedentes, uma vez verificados, a título de lucros cessantes, ela tem por fundamento o efectivo prejuízo causado, que pode já não se medir pelo valor da renda, não obstante ser o mesmo o respectivo facto gerador, mesmo que o montante dos danos causados às locadoras seja inferior ou equivalente ao quantitativo da renda, hipótese em que ao credor basta a indemnização contemplada pelo artigo 1027º/2 do CC.
III - A solução correcta só poderá ser conseguida mediante interpretação sistemática, lógica e teleológica da norma do artigo 1027º/3 do CCM. Não resta dúvida que, quer a sanção prevista no nº 2, quer no nº 3 do artigo citado, visa “forçar” o inquilino a devolver o locado ao senhorio com o mais cedo possível, sob pena de estar sujeito a sanções pesadas até que o locado seja devolvido a quem de direito.
IV - Por esta via, a leitura mais consentânea com a ratio legis da norma do artigo 1027º/3 do CCM é a de que a indemnização da mora entra em linha de consideração para efeitos da fixação da indemnização por prejuízo excedente, sob pena de se duplamente “sancionar” o inquilino!”
Não há razões bastantes para não seguirmos o entendimento acima referido, já que está em causa uma matéria de natureza idêntica: para além de pagar o dobro, pode pedir-se indemnização por danos excedentes, mas estes têm de estar devidamente demonstrados e comprovados, não bastam alegações abstractas ou provas indirectas.
“(…)”.
Voltando ao caso em análise, sublinhe-se aqui, é de verificar-se que a norma do nº 4 do artigo 436º é mais exigente do que a norma do artigo 1027º (que regula a matéria de locação), pois aquela norma fala de “dano consideravelmente superior’! O que exige provas mais rígidas e persuasivas!
*
Aqui, é de recordar-se que no processo nº 220/2024 fica também consignado o seguinte entendimento:
“從上述轉錄的內容可見,原審法院已詳細論證了第一被告的不履行責任,我們認同有關見解,故基於訴訟經濟原則及根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述見解和依據,裁定這部分的上訴理由不成立。
事實上,本院在涉及“XX居”事件的案件中已多次強調(見中級法院在卷宗編號1142/2019、1145/2019、1150/2019及1192/2019內作出的裁判),澳門特別行政區僅和土地承批人,即本案之第一被告,建立了法律關係;一切因應承批土地所作出的行為,均是針對土地承批人/第一被告而作出。因此,即使假設該等行為損害了土地承批人/第一被告的權益,例如無法如期利用土地而導致其需向預約買受人作出賠償,也只能是土地承批人/第一被告在履行其賠償義務後再向澳門特別行政區追討賠償,而非預約買受人可直接向澳門特別行政區追討因土地承批人/第一被告違反與其簽定的預約買賣合同的賠償責任。
只有在澳門特別行政區濫用權利,行為特別惡劣的情況下其才需負上相關賠償責任,然而本案並不存在該等情況。
4. 就賠償金額方面:
第一被告認為基於合同不履行非其責任,故只應按不當得利規則(《民法典》第784條第1款之規定)作出返還。
此外,亦認為即使假設其在相關的合同不履行存有過錯,雙倍的定金賠償是明顯過高,應根據衡平原則作出縮減。
我們在前述部分已認定第一被告需對合同的不履行負上責任,故不能適用《民法典》第784條第1款之規定,按不當得利規則作出返還。
就賠償金額方面,根據《民法典》第3條的規定,法院在下列任一情況下可按衡平原則處理案件:
a) 法律規定容許者;
b) 當事人有合意,且有關之法律關係非為不可處分者;
c) 當事人按適用於仲裁條款之規定,預先約定採用衡平原則者。
《民法典》第436條第5款明確容許經適當配合後適用第801條之規定,即容許法院當認為賠償金額過高時按衡平原則減少違約賠償金額。
為此,我們需考慮原告們的實際損失是多少,即其共付出了多少金錢以取得相關的合同地位來決定是否適用衡平原則作出縮減。
在本個案中,原告們向原預約買受人支付了港幣2,356,000.00元(900,000+1,456,000)以取得相關的預約買受人合同地位。
倘按平均年利率3.5%計算8年(2012-2019年)的利息,可獲得港幣659,680.00元的利息,即共有港幣3,015,680.00元。
原告們可獲得雙倍定金的賠償是港幣2,292,000.00元(1,146,000 x 2),並不高於前述的金額。
由此可見,原審法院不以衡平原則對賠償金額作出縮減是正確的,應予以維持。”
3) – Voltando ao caso dos autos, uma leitura possível: ao contrário que se pretende defender, temos por certo que as quantias pagas pelos Autores à Ré a título de sinal, se fossem depositadas nas instituições bancárias, certamente eles receberão juros, facto este que temos por certo que os Autores deixaram de poder os receber, razão pela qual a Ré deve indemnizá-los por esta via.
(…)
4) - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, que se distingue do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição. Portanto, a equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto (Cfr. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in o Direito, Ano 122, 1990, Abril-Junho, pág. 272, e Manuel Carneiro da Frada, “A equidade (ou justiça com coração): a propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in Revista da Ordem dos Advogados, 2012, Ano 72, Vol. I, pág. 143, e os Acs. do STJ de 31.01.2012 (875/05) e 07.10.2010 (3515/03). Ou seja, no caso, deve existir factos assentes no sentido de que os Autores tivessem a possibilidade de vender, pelo menos, pelos valores por ele alegados e comprovados (ex. mediante contratos-promessa de compra e venda celebrados) a uma terceira pessoa concreta, o que não se encontra devidamente demonstrado por factualidade assente.
5) (…)”.
*
Relativamente ao recurso interposto pelo Autor, este alegou o seguinte:
“(…)
II. 衡平原則的錯誤適用
15. 上訴人認為原審判決中就衡平原則部分有事實審查的明顯錯誤及錯誤適用法律之瑕疵。
ii. 法律適用錯誤
23. 倘上述見解未蒙法官 閣下所採納,上訴人認為,被上訴人所提出適用《民法典》第801條的衡平原則的理由同樣不合理。
24. 上訴人不同意原審法院認為只要被上訴人在上訴入購買置換房前,向上訴人返還原預約買受人向其支付的金額(即HK$4.036.000,00),便能完全彌補上訴人於本案所遭受到的損失。
25. 亦不同意原審法院認為由於上訴人在未來會取得及享用置換房單位,故上訴人無法享用的履行的情況更接近為遲延,而不是確定不履行的見解。
26. 再次重申,根據第8/2019號法律第3條規定,置換房的性質並無補償性質,上訴人僅僅是獲得購買的資格,並不是免費取得有關單位。
27. 況且,直至現今,置換房都仍未建造完畢,上訴人亦無法得知何時完工。
28. 但上訴人從2013年起支付了HK$6.350.000,00後,已經無法取得涉案單位,而現在為了取得一個未知建造質量、將來價值的單位,更需要額外再支付HK$5.045.00,00,而上訴人不再像十年前時,有能力支付首期及取得貸款,最後上訴人是否仍有能力購入置換房,一切均為未知之數。
29. 但可肯定的是,根據已證事實67條以及第68條,在提起訴訟之日,上訴人如要購入與涉案單位相同質量以及位置相同的單位,上訴人係額外需要支付MOP8,173,911.00元。
30. 這種情況下,購入置換房的機會,根本算不上是對上訴人的補償。
31. 而且,原審法院所述的由澳門政府建設的置換房令到被上訴人不履行變得遲延履行的說法,更是無法證實。
32. 本案是根據涉案的預約合同,被上訴人本應需要向上訴人作出應付的定金賠償;另一方面,上訴人得到購買置換房的資格,而該置換房由澳門政府所提供。
33. 所以,被上訴人既不是建造置換房之人,亦沒有為上訴人支付置換房單位的全部樓款,這樣的話更加無法證實原審法院所述的由澳門政府建設的置換房令到被上訴人的確定不履行變得遲延履行的說法。
34. 而且,被上訴人無法向上訴人履行提供涉案單位的這一義務已是毫無爭議的,且原審法院在被上訴判決中亦已認同這一說法。
35. 所以,上訴人取得置換房的這一事實並不會令到被上訴人的確定不履行轉為/變得更像遲延履行,亦無法減低上訴人承擔的損失。
36. 因此,被上訴人所提出的適用《民法典》第801條的依據並不合理,不應適用衡平原則,中級法院應改判被上訴人向上訴人支付雙倍的定金,合共HK$10,090,000.00,折合為MOP$10,392,700.00。
III. 縮減請求的部分以及利息計算部分
37. 上訴人同樣不同意有關原審法院對於縮減請求以及利息部分的判處。
38. 按照被上訴判決中所道,原審法院認為應補充適用澳門《民法典》第773條第1款的規定,將被上訴人代上訴人向銀行履行的貸款義務抵充至到期之債務。
39. 然而,從《民法典》第773條第1款可見,這一條文的僅適用於當債務人在履行時不作出指定時,才會將相關履行抵充至已到期之債務。
40. 然而上述條文並不適用於本案的原因是因為,上訴人及被上訴人於2020年4月23日提交了一份縮減請求之聲請,其中,雙方向原審法院提出縮減請求的聲請,若上訴人之請求完全或部份成立時,將從判處被上訴人支付之最後金額中減去MOP$2,715,178.02。
41. 所以透過上述文件,上訴人已明確指出會縮減請求的部份為最後判處被上訴人所支付的金額。
42. 而原審法院卻違反上訴人和被上訴人雙方之意願,將履行抵充在被上訴人應向上訴人返還的款項中。
43. 所以,原審法院的這一判決,是錯誤解釋及適用澳門《民法典》第773條第1款的規定,中級法院應作出改判。
44. 經改判後,結合上述部份之理據,應改判被上訴人向上訴人支付雙倍的定金,合共HK$10,090,000.00,折合為MOP$10,392,700.00。且有關金額需根據《民法典》第794條第1條規定,判處被上訴人向上訴人支付獲傳喚之日起計直至完全支付為止的法定遲延利息9.75%。
45. 最後,根據上訴人在2020年4月23日所作出的縮減請求,在計算上述金額後,再減去HKD$2,715,178.02。
46. 倘上述見解未蒙採納,即使有關縮減請求係在雙倍之賠償金額中扣除且需要作出衡平的情況下,需要指出的是,作為雙倍賠償的一部份、即原預約買賣合同價金部份之金額,係在判決作出前已經獲得確認。
47. 雖然上述部份同樣為雙倍賠償中的一部份,實際上,按其性質而言,屬被上訴人應返還予上訴人之價金。因此,這一部份的金額之利息,應根據《民法典》第794條第1條規定,由被上訴人被傳喚之日起開始計算。
48. 至於另一部份作為衡平後的賠償(即真正意義上的「賠償」),應按照雙方在縮減請求中之意願,在減去上訴人縮減請求之部份後,再根據判決作出之日起計算利息。
49. 綜上所述,原審法院裁定請求部分不成立的判決應予以廢止,中級法院應該根據《民事訴訟法典》第630條第2款規定,作出相應改判。
綜上所述,敬請中級法院裁定上訴人上訴理由成立,廢止原審法院之判決,因有關判決存在事實審理明顯錯誤以及錯誤適用法律的瑕疵,並根據《民事訴訟法典》第630條之規定,直接改判:
1. 被上訴人向上訴人支付對應雙倍定金之賠償,即合共HK$10,090,000.00,折合為MOP10,392,700.00;以及
2. 上述金額應加上由被上訴人獲傳喚之日起計直至完全支付為止之法定遲延利息,每年9.75%;
3. 從最後判處的被上訴人支付的金額中減去HKD2,715,178.02。”
O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:
“(…)
Da redução equitativa da indemnização determinada pelo valor do sinal prestado.
A redução equitativa da indemnização requer a certeza de que a indemnização determinada pelo valor do sinal é manifestamente excessiva em relação ao dano efectivo.
O autor tinha o direito de adquirir a fracção prometida sem ter que pagar nada mais do que já pagou ao cedente (HKD6.350.000,00) e terá de pagar pela aquisição da habitação para troca o preço igual ao que foi acordado com a ré (sem desconto – HKD5.045.000,00).
Se a ré devolver o que recebeu do cedente (sinal) antes de o autor pagar o preço da “fracção para troca”, o autor já não terá o prejuízo correspondente (HKD4.036.000,00).
O prejuízo do autor será, então, o correspondente à diferença entre o que recebe da ré e o que vai pagar pela fracção sucedânea (interesse contratual negativo – HKD1.009.000,00) e o correspondente à privação da disponibilidade da fração entre a data em que a ré deveria entregar e a data em que a irá receber da sociedade comercial Macau Renovação Urbana, S.A. (interesse contratual positivo).
No que tange ao interesse contratual positivo trata-se de uma situação semelhante à mora e não ao incumprimento definitivo, pois que o autor irá adquirir uma fracção como pretendia, mas mais tarde do que foi acordado.
Se ao autor for devolvida a quantia que o cedente pagou à ré e se obtiver a fracção que pretendia, embora com atraso e sem desconto no preço, a indemnização correspondente ao valor pago à ré (HK$4.036.000,00) é manifestamente excessiva, pois que a disponibilidade da fracção durante o tempo em que o autor dela não pôde dispôr não proporcionaria ao autor um valor líquido tão elevado que, somado à diferença do preço que o autor tem de pagar pela “fracção sucedânea” atinja (HK$4.036.000,00).
O Venerando Tribunal de Segunda Instância já apreciou caso semelhante ao presente, embora os ali autores tivessem feito o seu pagamento para aquisição da posição contratual de promitente comprador no ano de 2015, e considerou que o dano equitativo corresponde à aplicação de uma taxa anual de 3,5% durante 8 anos sobre o valor efectivamente pago pela autora para adquirir a posição contratual de promitente-compradora20. O Venerando Tribunal de Segunda Instância perspectivou, pois, o dano como interesse contratual negativo. Não o que a autora deixou de auferir através do que despendeu, mas o que tiver de despender em vão, sem nada auferir.
Seguindo o entendimento do Venerando TSI, no caso presente seria de considerar o período de 10 anos, pois que o autor pagou ao cedente no ano de 2013.
Aplicando a doutrina do referido douto acórdão, temos que o preço pago ao cedente foi de HK$6.350.000,00, pelo que o valor da indemnização equitativa do interesse contratual positivo deve ser de HKD2.222.500,00 (HK$6.350.000,00 x 3,5% x 10).
No caso presente há ainda a considerar o dano do autor correspondente à diferença entre o preço que terá de pagar pela “habitação para troca” e o preço pago pelo cedente que lhe é restituído pela ré (HKD1.009.000,00).
Este tribunal também já decidiu em diversos casos semelhantes a questão da redução equitativa do valor da indemnização determinada pelo valor do sinal. Sendo essa decisão e a respectiva fundamentação conhecidas das partes através dos seus ilustres mandatários, é aqui dispensável repetir.
Assim, aderindo à referida doutrina do TSI, e considerando ainda o dano do autor correspondente à diferença entre o preço que lhe será restituído pela ré e o que terá que pagar pela “habitação para troca”, afigura-se equitativo fixar em HKD3.230.000,00 o valor da indemnização a cargo da ré em consequência da impossibilidade superveniente da sua prestação devida no âmbito do contrato que celebrou.
Ora, face à argumentação acima transcrita, entendemos que a decisão está bem fundamentada e representa uma aplicação correcta do Direito neste ponto, já que tem sido esta solução que vem a sendo defendida por este TSI nesta matéria, motivo pelo qual, na ausência de vícios invalidantes, ao abrigo do artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pelo Autor nesta parte.
*
Relativamente à argumentação tecida pelo Tribunal recorrido neste ponto, importa destacar ainda os seguintes aspectos:
a) – Em 9/03/2011 o contrato-promessa foi celebrado;
– A cláusula 10ª estipula: “"1200 dias de sol e trabalho (sem contar os domingos, feriados e dias de chuva) após a construção do primeiro piso, só a partir dessa data entrando a Recorrente em mora".
b) – Feitas as contas à luz do critério fixado na citada cláusula 10ª (em regra, cada mês tem 22 dias úteis (de trabalho), um ano tem 262 dias úteis, portanto, 1200dias/262 (dias) = 5 (anos). Ou seja, a Ré deveria entregar os imóveis em 2016 se tudo corresse bem.
c) – Em 29/01/2016 foi publicado no BO o despacho que declarou a caducidade do terreno;
d) – Em 23/05/2018 pelo TUI foi proferido o acórdão que negou provimento ao recurso contencioso interposto pela Ré.
Ou seja, o tempo mais cedo possível para calcular as indemnizações devia ser a partir do ano 2016. Nestes termos, existe um período de cerca de 5 anos relativamente ao qual a Autora não pode reclamar juros moratórios. Ou seja, usando o raciocínio seguido este TSI, desde a data da celebração do contrato-promessa até ao momento em que se verifica a impossibilidade de prestação definitiva, há-de descontar tal período de 5 anos, portanto, o período de 2011 a 2018, se se considerasse que a Autora ficava privada de gozo do imóvel, só se contam 2 anos.
Na sequência de argumentação acima por nós tecida, por força do acordo à luz do qual a Ré gozava de 1200 dias úteis para cumprir as obrigações contratuais, os juros calculados não devem reportar-se a 12 anos, mais sim 7 ou 8 anos ao máximo, pelo que o o valor da indemnização equitativa do interesse contratual positivo não deve ser tão elevado nos termos reclamados pelos Autores, nomeadamente no que se refere à perda de “interesses” pela privação de fundos pela Ré.
Eis um valor que pode servir de referência.
*
Depois, o Tribunal a quo afirmou ainda:
“(…)
5 Da mora na obrigação de indemnizar.
3.1 Do início da mora (art. 794º do CC e art. 565º, nº 3 do CPC).
Tendo a indemnização sido fixada segundo juízos de equidade, é ilíquida a respesctiva obrigação de indemnizar, pelo que a mora só se inicia com a liquidação operada pela presente decisão.
Porém a mora quanto à obrigação de restituição do sinal prestado venceu-se com a interpelação. E esta interpelação ocorreu com a citação.
3.2 A taxa de juro moratório.
A indemnização moratória relativa às obrigações pecuniárias corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo excepções aqui inaplicáveis (art. 795º do CC).
Nos termos do art. 569º, nº 2 do Código Comercial só em relação aos créditos de natureza comercial acresce a sobretaxa de 2% sobre os juros legais, não sendo aplicável ao crédito do autor nem às obrigações de que sejam titulares passivos os comerciantes ou as empresas comerciais se o titular activo não for comerciante.
A indemnização moratória deve corresponder aos juros legais contados desde a citação sem acréscimo da sobretaxa aplicável aos créditos de natureza comercial.
6 Da redução do pedido.
A ré pagou ao Banco da China uma dívida do autor e o autor reduziu o pedido. A quantia que a ré pagou deve ser imputada na obrigação vencida na altura em que o pagamento foi feito. Na referida altura, a obrigação de indemnizar ainda não estava vencida, pois só com a liquidação se venceu, mas já se vencera a obrigação de restituir em consequência da resolução contratual, que se venceu com a citação. É nesta obrigação que deve fazer-se a imputação do cumprimento parcial por aplicação analógica do disposto no art. 773º, nº 1 do CC.
Deste modo, a parte que falta restituir da quantia que a ré recebeu é HKD1.320.821,98 (4.036.000,00 – 2.715.178,02).
Pelo que, o valor fixado pelo Tribunal a quo não se mostra desproporcional ou inadequado, e como tal é de manter a decisão em análise.
*
Relativamente aos argumentos invocados pela Ré/Recorrente, a análise acima citada e desenvolvida, é bastante clara para replicar as questões levantadas pela Recorrente, pois, é de verificar-se que nesta parte, todas as questões levantadas pelas partes já foram objecto de reflexões e decisões por parte do Tribunal recorrido, nesta sede de recurso, concluímos que, em face da argumentação acima transcrita, o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a sentença recorrida.
*
Face ao exposto, é de negar provimento aos recursos interpostos respectivamente pelo Autor e pela Ré, mantendo-se as decisões recorridas.
*
Síntese conclusiva:
I - A qualificação jurídica que as partes fazem dos factos a que cabe aplicar o Direito não vincula o tribunal (art. 567º do CPC), qualificação esta que determina o regime jurídico aplicável à relação contratual. No caso dos autos está em causa a aplicabilidade ou a inaplicabilidade da presunção legal de que é sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor em cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (art. 435º do CCM).
II - A qualificação do contrato tem essencialmente por base a vontade negocial das partes plasmada no clausulado concretamente acordado relativamente às prestações a que se pretenderam vincular. É feita por comparação ou subsunção, tendo em conta os elementos do concreto contrato a qualificar e os elementos dos diversos tipos contratuais.
III - A prestação característica do contrato-promessa é a celebração de outro contrato, o contrato prometido. As partes comprometem-se a celebrar outro contrato (art. 404º do CCM). Nos factos provados faz-se referência conclusiva à expressão “promessa de venda”. No entanto esta referência não é decisiva, pois que a qualificação do contrato é questão de direito e não de facto. Numa situação em que, tal como se detecta no caso dos autos, se desconhece a vontade real das partes e estas a exteriorizaram por escrito em termos moldáveis (porque se usam expressões diversas, tais como “contrato-promessa de compra e venda” “prometer comprar e “prometida venda”, “promitente-vendedor” e “promitente-comprador”), a declaração das vontades negociais vale com o sentido que lhe atribuiria o normal declaratário colocado na posição do real declaratário (art. 228º do CCM).
IV – O sinal é um elemento eventual do conteúdo do negócio jurídico, sendo nesta perspectiva, em essência, uma estipulação contratual, uma cláusula negocial. Seja qual for a qualificação que lhe seja dada, o sinal é sempre também uma convenção das pastes contratantes. Depende, pois, da existência de vontades negociais concordantes. Para se concluir se foi ou não estipulado sinal é necessário interpretar as declarações negociais das partes contratantes.
V - No caso do contrato-promessa de compra e venda, como ocorre na situação sub judice, a parte que se quiser prevalecer da existência de sinal beneficia da presunção legal inserta no art. 441º do CCM que diz que se presume “que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal, está dispensado de provar o facto a que ela conduz, sendo a parte contrária que tem de provar o facto contrário ao facto presumido (art. 343º, nºs 1 e 2 do CCM).
VI - O artigo 801º/-1 do CCM manda que “a pedido do devedor, a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…”, normativo este que rege directamente a cláusula penal, a pena convencionada pelas partes para sancionar o incumprimento. É aplicável ao sinal com as necessárias adaptações, sendo que o sinal, mesmo sendo confirmatório, também funciona, ainda que supletivamente, como pena aplicável ao incumprimento.
VII - É de sublinhar que o julgamento segundo a equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar o problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas. A equidade não remete, de modo algum, para o simples entendimento pessoal do juiz ou para a sua íntima convicção, afastando-se decisivamente do puro arbítrio judicial, não estando igualmente em causa, na decisão segundo o critério não normativo da equidade, uma apreciação intuitiva puramente individual, mas antes racional e objectivável. A racionalidade e a objectivação dessa apreciação pressupõe a aquisição da indispensável base de facto.
VIII - Por regra, a indemnização fundada no incumprimento definitivo, que se cumula com a resolução, respeita apenas ao chamado interesse contratual negativo ou de confiança, visando colocar o credor prejudicado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato, e não naquela em que se acharia se o contrato tivesse sido cumprido. Nesta óptica, o regime de restituição do sinal em dobro em matéria de contrato-promessa pode classificar-se como um regime especial.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento aos recursos, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Custas pelos Recorrentes e pela Recorridos em partes iguais para ambas.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 22 de Maio de 2025.
(Relator)
Fong Man Chong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 Nas suas doutas alegações de Direito a ré defende tratar-se de contrato de reserva ou de compra e venda de coisa futura e não de contrato-promessa de compra e venda.
3 Nas alegações de Direito a ré já não questiona a impossibilidade do cumprimento da sua prestação contratual.
4 Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 11ª edição, pgs. 117.
5 “… o não cumprimento definitivo, que é o resultado de uma impossibilidade definitiva de cumprir, não tem de derivar de uma impossibilidade absoluta de cumprir, no sentido de não poder em caso algum desaparecer. … A impossibilidade da prestação considera-se definitiva não apenas quando toda a probabilidade da sua remoção está excluída, mas também quando ela só pode ser removida mediante circunstâncias especiais que não são de esperar de antemão. … Isto é o mesmo que dizer que também é definitiva a impossibilidade que só possa cessar por um facto extraordinário com que não seja legítimo contar” - Vaz Serra, RLJ, Ano 100º (1967 – 1968), p. 254.
6 Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil, volume IX, 2ª edição, p. 324.
7 O art. 790º do CC, sob a epígrafe “imputabilidade culposa” dispõe que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação”.
8 “Como definir então se uma conduta é culposa? Pela diferença entre o comportamento exigível… e o comportamento adoptado no caso concreto” - Alberto de Sá e Mello, “Critérios de apreciação da culpa na responsabilidade civil: breve anotação ao Regime do Código” in Revista da Ordem dos Advogados, sem n.º, ano 49, setembro 1989, Lisboa, p. 535, também acessível em https://www.oa.pt/upl/%7Ba2b9529f-1b59-4cec-94ff-b02dab234224%7D.pdf.
9 Também o credor está obrigado a proceder de boa fé no exercício do seu direito de crédito (art. 752º, nº 2 do CC), designadamente não lhe sendo lícito em certas circunstâncias recusar sem razão prestação semelhante à prestação devida que o devedor ofereça. No caso dos autos a ré alegou que propôs ao autor entregar-lhe outra fracção autónoma de entre as que tinha e que o autor escolhesse. Na dificuldade/impossibilidade de cumprir que a ré experimentou, ao autor poderia não ser lícito recusar se a fracção oferecida satisfizesse o interesse contratual, o que se desconhece, designadamente quanto a área, localização e preço da fracção devida e da oferecida.
10 A propósito da impossibilidade superveniente da prestação por facto de terceiro estranho ao cumprimento, escreve Pessoa Jorge (op. cit., pg. 136): “... só há impossibilidade exoneratória se o comportamento do terceiro reunir as características do caso fortuito ou de força maior: assim, se o devedor podia e devia ter previsto e evitado a sua actuação, não lhe é lícito invocar o impedimento por ele criado”.
O mesmo autor escreve também que não releva o facto de o comportamento de terceiro que impossibilita a prestação ser ele próprio ilícito e culposo ou ser lícito e não censurável.
11 Um elemento natural ou típico do conteúdo do contrato-promessa para Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144. Um acto jurídico real quoad constitutionem, podendo constituir uma cláusula acessória de um negócio jurídico para Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
12 Acórdão do Venerando TSI de 04/04/2019, proferido no processo nº 327/2017, Relator: Dr. Fong Man Chong, acessível em www.court.gov.mo e João Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 11ª edição, p. 94.
13 “…a indemnização pelo dano excedente constituiria a indemnização pelo dano efectivo …” - Professor Manuel Trigo, Uma Uma Mudança de Paradigma: A Indemnização pelo Dano Excedente, em Especial nos Casos de Perda do Sinal ou de Pagamento do Dobro Deste e a Jurisprudência Recente (estudo em homenagem a João Calvão da Silva), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, Ano XXV, nº 49, 2021, p. 151.
14 Assim, também Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, p. 730. E, do mesmo autor, “A Cláusula Penal no Ordenamento Jurídico de Macau”, Um Diálogo Consistente, Olhares Recentes Sobre Temas do Direito Português e de Macau, 2016, Vol. I, Edição da Fundação Rui Cunha, pgs. 38 e 39 – “Ora, qual será o critério que deve pautar a actuação do juiz, quer para decidir se pode reduzir a pena, quer para determinar, simultaneamente, em caso afirmativo, a medida dessa redução?
Naturalmente que a diferença entre o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena é, desde logo, o primeiro factor, de cariz objectivo, a considerar”.
15 “É entendimento comum que o sinal consiste na coisa ou direito fungíveis .. entregue … como garantia de cumprimento” – Professor Manuel Trigo, Lições de Direito das Obrigações, p. 144.
16 Nuno Manuel Pinto Oliveira, Ensaio Sobre o Sinal, págs. 10 e 11.
17 Em sentido algo diverso decidiu o acórdão do TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, acessível em www.court.gov.mo.
18 Acórdão do Venerando TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, acessível em www.court.gov.mo.
19 Ac do STJ, Proc. 3292/20.5TBLRA/C1.S1., de 11/02/2025.
20 Acórdão do Venerando TSI nº 22/2024, de 9/5/2024, acessível em www.court.gov.mo.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
2024-929-uma-fracção-autónoma-vender 43