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Processo nº 638/2024
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data do Acórdão: 28 de Maio de 2025

ASSUNTO:
- Revisão de Sentença estrangeira
- Divórcio


____________________
Rui Pereira Ribeiro












Processo nº 638/2024
(Autos de Revisão e Confirmação de Decisões)

Data: 28 de Maio de 2025
Requerente: A
Requerido: B
*
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

I. RELATÓRIO
  
  A, com os demais sinais dos autos,
  vem instaurar a presente acção para Revisão e Confirmação de Decisão Proferida por Tribunal Exterior de Macau, contra
  B, também com os demais sinais dos autos.
  
  Citada a Requerida editalmente para querendo contestar esta silenciou, pelo que, nomeando-se defensor para o efeito, veio este igualmente a silenciar.
  
  Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido de nada opor ao pedido de revisão e confirmação formulado.
  Foram colhidos os vistos.
  
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
  
  O Tribunal é o competente.
  O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
  Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
  
  Cumpre assim apreciar e decidir.
  
III. FUNDAMENTAÇÃO

a) Dos factos

1. A e B casaram entre si em Hong Kong em 07.03.1992 – cf. fls. 6 -;
2. Pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong foi proferida Decisão Provisória de Divórcio nº 17702/2011 em 21.09.2012 declarou dissolvido por divórcio o casamento celebrado entre A e B, decisão essa que veio a ser declarada definitiva em 7 de Novembro de 2012;
3. Da decisão referida na alínea anterior consta que:
«FCMC 17702/2011
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE HONG KONG
TRIBUNAL DISTRITAL
CAUSA MATRIMONIAL N.º 17702, DO ANO 2011
-------------
(carimbo do Tribunal Distrital: vide original)
B Peticionante
e
A Contestante
-------------
Julgado pelo MM.º Juiz Deputado XXX, na sala de audiência do
Tribunal Distrital
Ordem
  Em 21 de Setembro de 2012
  Depois de ter sido visto a declaração ajuramentada da peticionante, a fim de sustentar a sua petição;
  bem como visto as citações de concordâncias (“aludidas citações de concordâncias”) dos advogados representantes de peticionante e contestante, em 04 de Junho de 2012;
  o acordo final confirmado e admitido por peticionante e contestante, cujo cláusulas em abaixo mencionada, apresentadas entre as partes, propriamente, em virtude de garantia do pagamento periódico, um ou vários pagamentos integrais e ordem de alienação de bens, conjugado os previstos nos Matrimonial Causes Ordinance (Regime de Causa Matrimonial), Matrimonial Proceedings and Property Ordinance (Regime do Procedimento Matrimonial e de Bens), Married Persons Status Ordinance (Regime de Posição dos Casados), sucessão de bens (Provision for Family and Dependants Ordinance (Regime de Provisão para Família e Dependentes) e o pedido de indemnização, bem como o requerimento de assistência, subsidiárias, constantes, dos respectivos regulamentos
  a peticionante e o contestante confirmaram que, as ambas partes conseguiram efectuar a venda do domicílio matrimonial, sito em Hong Kong, XXX (adiante designado simplesmente por “domicílio matrimonial”), em 11 de Abril de 2012, cujo preço de $5.600.000, e seria transaccionada em 08 de Junho de 2018
  a peticionante e o contestante concordaram que, a peticionante continua a cuidar dos dois filhos, ou sejam, C e D (adiante denominados, juntamente, por “dois filhos”) e vivem-se no domicílio matrimonial em conjunto, até à venda do dito domicílio, é que a peticionante e os dois filhos se arranjar-se-ão outro domicílio
  a peticionante e o contestante prometeram entre si e ao Tribunal que, os mesmos baseavam no espírito de cooperação em cuidar, educar os dois filhos, conjuntamente, bem como manter uma boa comunicação entre as partes para o efeito de ajudar os dois filhos obter um crescimento saudável
  a peticionante e o contestante concordaram que, seja atribuído do valor líquido da venda do domicílio matrimonial, isto é, $1.660.000 dólares de Hong Kong para o efeito de fundar um fundo de educação (adiante designado simplesmente por “aludido fundo”) dos dois filhos, o aludido fundo é detido temporariamente por peticionante e contestante, sob a forma de custódia, e seja depositado na conta bancária em nome colectivo de peticionante e contestante (os montantes só podem ser levantados com as assinaturas conjuntas), em 08 de Junho de 2012, apesar do aludido fundo ter sido depositado na conta bancária em nome colectivo de peticionante e contestante (adiante designada simplesmente por “conta do aludido fundo”), mas, na verdade a conta do aludido fundo pertence, totalmente, aos dois filhos
  a peticionante e o contestante concordaram que, caiba à peticionante com todo o direito na decisão sobre a maneira de depósito (isto é, depósito a prazo ou outras formas de investimento)
  a peticionante e o contestante prometeram entre si e ao Tribunal que, as ambas partes não irão utilizar o aludido fundo por motivo pessoal
  a peticionante e o contestante prometeram entre si e ao Tribunal que, se futuramente por motivo de doença dos dois filhos, precisasse da necessária economia especial ou extra, as ambas partes prometem que, por princípios de imparcialidade e razoabilidade, seja sustentada equitativamente entre eles, conforme as suas capacidades
  a peticionante e o contestante concordaram que, as despesas de vida e educação mensais de cada filho sejam calculadas pela forma a seguir:
(HKD$5.600.000 – despesas, nomeadamente, de advogados para tratamento do divórcio das partes e venda do domicílio matrimonial, comissão do agente imobiliário e todos os gastos relativamente à venda do domicílio matrimonial – activos distribuídos às partes) ÷ números de meses de encargos dos dois filhos
isto é: HKD$(5.6 milhões-10 mil-1.92 milhãox2)÷54(mês)÷2=$15.370 a cada filho
ou seja: 1.66 milhão dólares de Hong Kong÷54(mês)÷2=15.370 dólares de Hong Kong a cada filho
  a peticionante e o contestante concordaram que, não solicitam à outra parte qualquer tipo de alimento (incluindo alimento significativo)
  com a concordância das partes, o MM.º Juiz ordena:-
1. Relativamente ao filho da família, ou seja, D, caiba à peticionante em educar, cuidar e tomar conta, enquanto o contestante, seja autorizado o adequado direito de visita. Assim vem, proferir a seguinte determinação: antes de o filho acima referido atingir 18 anos de idade, se não tivesse autorização, é proibido levar o aludido filho ausentar-se de Hong Kong, salvo qualquer um dos pais que prometa por escrito normal ao Tribunal, garantindo o regresso do aludido filho a Hong Kong, conforme o solicitado, excepto com outra indicação autorizada por escrito pela outra parte dos pais, senão, qualquer um dos pais antes referido poderiam levar o dito filho ausentar-se de Hong Kong, durante o período indicado na aludida autorização por escrito;
2. O contestante paga mensalmente ao filho da família, isto é, C, 1.750,00 dólares de Hong Kong a título de alimento, até que o mesmo atinge 18 anos de idade, ou completar a actividade escolar do sistema do dia inteiro, considerando como padrão aquele que aconteceria mais atrasado. O contestante tem que depositar no dia 28 de cada mês ou antes, por forma de pagamento antecipado, os 1.750,00 dólares de Hong Kong na conta bancária do Banco Hang Sang, de C (conta bancária n.º: XXX), e que produz efeito a partir de 28 de Junho de 2012.
3. O contestante paga mensalmente ao filho da família, isto é, D, 1.750,00 dólares de Hong Kong a título de alimento, até que o mesmo atinge 18 anos de idade, ou completar a actividade escolar do sistema do dia inteiro, considerando como padrão aquele que aconteceria mais atrasado. O contestante tem que depositar no dia 28 de cada mês ou antes, por forma de pagamento antecipado, os 1.750,00 dólares de Hong Kong na conta bancária do Banco Hang Sang, de D (com bancária n.º: XXX), e que produz efeito a partir de 28 de Junho de 2012.
4. Após a prolação da ordem absoluta de divórcio, o montante da venda do domicílio matrimonial, seja distribuído conforme a ordem a seguir:
a. Descontado as despesas de advogado de venda do domicílio matrimonial, todos os gastos em virtude da respectiva venda do domicílio matrimonial, mais o pagamento da comissão do agente imobiliário, no valor de HKD$28.000 dólares de Hong Kong e as despesas de mobílias adquiridas para C e D, no valor de HKD$20.000 (no total de HKD$48.000) já pagos, sejam devolvidas à peticionante;
b. Seja distribuído à peticionante e ao contestante, a cada um, HKD$1.920.000;
c. Seja atribuído HKD$1.660.000 ao aludido fundo, para o efeito do pagamento das despesas de vida e educação deles, nos termos dos artigos 5 e 6, abaixo mencionados, até que os mesmos atingem 18 anos, ou completar a actividade escolar do sistema do dia inteiro, considerando como padrão aquele que aconteceria mais atrasado;
d. Descontado todos os montantes acima referidos, os montantes remanescentes sejam atribuídos na conta bancária em nome colectivo de peticionante e contestante, para o efeito de pagamento das despesas de advogados para o tratamento de divórcio entre as partes.
5. As partes são, obrigatoriamente, por forma de determinação rotina a transferir automaticamente, no dia 28 de cada mês, os HKD$15.370 do aludido fundo para a conta bancária do Banco Hang Sang, de peticionante (conta bancária n.º: XXX), para o efeito de pagamento das despesas de vida e educação do filho, C, a partir de 28 de Junho de 2012, até que C atinge 18 anos, ou completar a actividade escolar do sistema do dia inteiro, considerando como padrão aquele que aconteceria mais atrasado.
6. As partes são, obrigatoriamente, por forma de determinação rotina a transferir automaticamente, no dia 28 de cada mês, os HKD$15.370 do aludido fundo para a conta bancária do Banco Hang Sang, de peticionante (conta bancária n.º: XXX), para o efeito de pagamento das despesas de vida e educação do filho, D, a partir de 28 de Junho de 2012, até que D atinge 18 anos, ou completar a actividade escolar do sistema do dia inteiro, considerando como padrão aquele que aconteceria mais atrasado.
7. Para além dos artigos acima referidos, as partes podem continuar a deter absolutamente e totalmente os actuais investimentos e bens em nome próprio, que não hajam qualquer litígio contra outra parte;
8. O contestante e a peticionante podem requer, livremente, nos termos das cláusulas do acordo e do ordenamento promovido na ordem de concordância de arranjo; e
9. Ordenamento de não aplicação das despesas de audiência, incluindo, as custas das citações de concordâncias acima referidas.
  O MM.º Juiz mais promoveu: O Tribunal admite que D, filho de família acima referida, como o único filho da família aplicável ao artigo 18.º (Capítulo 192) de Matrimonial Proceedings and Property Ordinance (Regime do Procedimento Matrimonial e de Bens), donde os seu benefícios foram arranjados, e os tais arranjos são satisfeitos, ou sendo na altura os eventuais melhores arranjos.
  Data: 21 de Setembro de 2012
   Escrivão
Nota: Qualquer uma das partes dos pais pode solicitar ao Departamento de Imigração que, sem qualquer conhecimento da própria parte, não podendo efectuar a emissão do passaporte e autorizar a ausência de fronteira dos filhos.
Nota: Qualquer uma das partes dos pais pode enviar a presente ordem ao Director do Departamento de Imigração, a fim de limitar a ausência de Hong Kong dos filhos por alguém.
Aviso importante: Os indivíduos obrigados a efectuar o pagamento nos termos da ordem, incluindo, os indivíduos obrigados a pagar as custas, se os mesmos tiverem qualquer alteração de endereço, devem, dentro do prazo de 14 dias, após a alteração de endereço, enviar a comunicação de alteração de endereço, por carta registada, ao último endereço conhecido do credor da parte vencedora, ou enviar outro endereço de correspondência do credor. Os aludidos indivíduos se não cumprissem nestes termos e não tiver o adequado esclarecimento, são considerados com prática do respectivo crime.»
«FCMC 17702/2011
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE HONG KONG
TRIBUNAL DISTRITAL
CAUSA MATRIMONIAL N.º 17702, DO ANO 2011
-------------
(carimbo do Tribunal Distrital: vide original)
B Peticionante
e
A Contestante
-------------
Julgado pelo MM.º Juiz Deputado XXX, do Tribunal Distrital
Ordem Provisória de Divórcio
Em 21 de Setembro de 2012, o MM.º Juiz confirma que a peticionante e o contestante têm vivido separadamente pelo menos de um ano consecutivo, antes da apresentação do pedido de divórcio. O contestante consente com que o Tribunal profira ordem de divórcio.
B Peticionante
e
A Contestante
Em 07 de Março de 1992, o casamento que tinha sido celebrado no Registo de Casamento de Cotton Tree Drive, de Hong Kong, é irremediavelmente quebrado, assim sendo, decreta-se a dissolução de tal casamento, caso não haja apresentação ao Tribunal os motivos fundamentados para a ordem não transitar em absoluta no prazo de seis semanas, contado a partir da prolação desta ordem.
Data: 21 de Setembro de 2012
Escrivão»
- cf. fls. 20 a 25 e 27 traduzido a fls. 63 a 65 -.

b) Do Direito

  De acordo com o disposto no nº 1 do artº 1199º do CPC «Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.».
  Como é sabido nos processos de revisão e confirmação de decisões proferidas no exterior de Macau o Tribunal não conhece do fundo ou mérito da causa limitando-se a apreciar se a decisão objecto dos autos satisfaz os requisitos de forma e condições de regularidade para que possa ser confirmada.
  Esses requisitos são os que vêm elencados no artº 1200º do CPC, a saber:
  «1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
  a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
  b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
  c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
  d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
  e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
  f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
  2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.».
  
  Vejamos então.
  
  Da certidão junta aos autos resulta que pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong foi decretado o divórcio entre Requerente e Requerida, nada havendo que ponha em causa a autenticidade da mesma e o sentido da decisão, tornando-se a mesma definitiva na data indicada o que na legislação de Hong Kong corresponde ao trânsito em julgado, estando assim preenchidos os pressupostos das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente resulta da certidão junta que a decisão não veio de tribunal cuja competência haja sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau, estando preenchidos os requisitos da alínea c) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Igualmente não consta que a questão tenha sido submetida a qualquer tribunal de Macau, não havendo sinais de poder ser invocada a litispendência ou caso julgado, pelo que se tem por verificada a condição da alínea d) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  Não resulta das certidões juntas que a decisão haja sido tomada sem que o Réu haja sido regularmente citado ou em violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, pelo que se tem por verificada a condição da alínea e) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  
  A sentença revidenda procede à dissolução do casamento por divórcio, partilha de bens e atribuição de alimentos aos filhos, direito que a legislação de Macau igualmente prevê – artº 1628º e seguintes do C.Civ. -, pelo que, a decisão não conduz a um resultado incompatível com a ordem pública, tendo-se também por verificada a condição da alínea f) do nº 1 do artº 1200º do CPC.
  
  
  
  Termos em que se impõe concluir no sentido de estarem verificados os requisitos para a confirmação de decisão proferida por tribunal exterior a Macau.
  
IV. DECISÃO
  
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder a revisão e confirmar a decisão do Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong nos termos acima transcritos.
  
  Custas pelo Requerente.
  
  Registe e Notifique.
  
  Fixam-se os honorários à defensora nomeada à Requerida em MOP3.000,00 por analogia com o nº 6.7 da tabela anexa ao despacho do Chefe do Executivo nº 59/2013.
  
  RAEM, 28 de Maio de 2025
  
  Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
  (Relator)
  
  Seng Ioi Man
  (1º Adjunto)
  
  Fong Man Chong
  (2º Adjunto)
638/2024 8
REV e CONF DE DECISÕES