Processo n.º 297/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Relator: Fong Man Chong
Data : 05 de Junho de 2025
Assuntos:
- Insuficiência de factos alegados para imputar a responsabilidade civil ao ente público
SUMÁRIO:
I – A titularidade do cartão de acesso às zonas reservadas do aeroporto, além de estar sujeita a um termo final previamente definido, depende ainda da verificação e pronúncia sobre a aptidão do respectivo titular feita pelo GTVA por força do referido Regulamento emitido pela “Comissão Territorial FAL/SEC”, a qual se renova sucessivamente de dois em dois anos, conforme se alude no ponto 3.4.2.4. do referido Regulamento.
II - A extinção da relação laboral entre o Recorrente e o CAM na sequência do parecer desfavorável do GTVA e do consequente cancelamento do cartão de acesso emitido, deve ser interpretada no sentido de que o conteúdo do referido parecer foi acolhido pela entidade patronal, motivo pelo qual ao Recorrente cabe alegar e provar que tal conteúdo não corresponde à verdade ou não seja suficiente para sustentar tal decisão da cessação da relação laboral (seja na forma de despedimento ou na de “exoneração forçada”), tal deve ser uma das causas de pedir alegadas, a omissão deste ponto determina a deficiência de factos alegados o que condiciona à improcedência da pretensão deduzida.
O Relator,
_______________
Fong Man Chong
Processo n.º 297/2025
(Autos de recurso de decisões jurisdicionais do TA)
Data : 05 de Junho de 2025
Recorrente : A
Recorrida : Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區)
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
A, Recorrente, devidamente identificado nos autos, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, datada de 10/01/2025, veio, em 21/01/2025, recorrer jurisdicionalmente para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 308 a 337, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. O Recorrente entende padecer a douta Sentença Recorrida, proferida pelo douto Tribunal Administrativo (doravante douto TA), em 10 de janeiro de 2025, no âmbito do processo à margem epigrafado, do vício de erro na aplicação do direito substantivo aos factos, concretamente, a errada interpretação e aplicação do art.º 2.º do Decreto-lei n.º 28/91/M e dos artigos 477.º e 556 a 558.º, todos do Código Civil.
2. A douta Sentença Recorrida sustenta a improcedência da presente acção de responsabilidade civil interposta pelo Recorrente contra a Recorrida com fundamento na inexistência de um nexo causal, entre o parecer negativo emitido pelo GTVA relativamente à emissão do cartão de acesso do Recorrente às áreas reservadas do aeroporto e a cessação da relação laboral do Recorrente com a CAM, nos termos previstos no art.º 557.º do Código Civil.
3. A respeito do alcance da norma prevista no art.º 557.º do Código Civil de Macau, atente-se à anotação dos ilustres Professores Pires de Lima e Antunes Varela ao art.º 563.º do Código Civil Português, que prevê uma norma de conteúdo idêntico à prevista no art.º 557.º do Código Civil de Macau:
4. “A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo. A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores - a doutrina da causalidade adequada -, que Gaivão Teles formulou nos seguintes termos: «Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar» (sublinhado da nossa autoria) (...) A fórmula usada no artigo 563.º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento se tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito. (...) O nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia de causalidade indirecta, que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (Cfr. M. Andrade, ob. Cit., 357). A vende um animal a B, mas entrega um animal doente, o qual, posto em contacto com outros do comprador, os contagia e lhes provoca a morte. Outro exemplo: A sofre um acidente provocado por B; este pode responder não só pelo dano causado a A, mas também pelos danos sofridos por C, que tentou socorrer A logo após o acidente (Cfr. Vaz Serra, est. Cit., pág. 47).".
5. Nas palavras dos Autores supracitados "Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar".
6. Constitui facto devidamente documentado, inclusivamente com decisões judiciais proferidas a respeito, que uma vez emitido um parecer negativo do GTVA sobre a emissão do cartão de acesso às áreas reservadas do aeroporto, o que se segue é a não emissão ou renovação do respectivo cartão e, em consequência, a cessação do contrato de trabalho da pessoa visada com a CAM, normalmente revestindo a forma de revogação ou resolução do contrato de trabalho, sendo que a forma que reveste a cessação da relação laboral é na prática apenas uma formalidade, porque a cessação é uma inevitabilidade, conforme ocorreu no caso tratado no Acórdão n.º 931/2018 de 23/05/2019, também no caso de que trata o processo n.º TA-24-3192-ADM que corre termos no Tribunal Administrativo, para citar os casos que são conhecidos por terem ido parar à barra dos tribunais.
7. A esse respeito veja-se, paradigmaticamente, o seguinte arresto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância no suprarreferido Processo n.º 931/2018:
8. "Antes de mais nada, cumpre dizer que o parecer da GTVA, que propõe a não concessão ao autor do cartão de acesso às zonas reservadas e restritas do aeroporto, faz parte daqueles a que alguma doutrina já deu o estranho nome de "pareceres conformes". São aqueles que se devem tomar como tendo uma natureza vinculativa quando se pronunciam num dado sentido, mas não vinculativa se o juízo opinativo for em sentido diferente. Ou seja, obrigam e vinculam, ou não, consoante ("conforme") o sentido favorável ou desfavorável da opinião transmitida. No caso em apreço, ele seria vinculativo quando fosse desfavorável ao interessado, tal como resulta dos pontos 3.4.3 da Deliberação nº 1/2010-FAL/SEC e da Deliberação 1/2013-FAL/SEC (ver extractos na sentença recorrida). Como tal, a B não tinha possibilidade de deixar de seguir a proposição do referido parecer."
9. Existe, efectivamente, uma relação causa e efeito entre o parecer negativo do GTVA sobre a emissão do cartão de acesso à área reservada do aeroporto e a cessação do contrato do Recorrente, ou seja, é um resultado expectado pelo GTVA, conforme as regras da experiência.
10. É assim desprovido de qualquer sentido a conclusão a que o douto Tribunal a quo chega de que o Recorrente quis demitir-se porque assinou a sua carta de demissão.
11. A demissão do Recorrente já havia sido decidida pela CAM, em função do parecer do GTVA, conforme se reconhece na própria Sentença Recorrida, o Recorrente foi pressionado a assinar uma carta de demissão preparada pela entidade patronal, tendo sido instado por esta a fazê-lo, para evitar maiores danos reputacionais que, alegadamente, resultariam da sua demissão pela entidade patronal.
12. A única conclusão a que se poderia chegar, perante os factos provados é a de que o parecer negativo emitido pelo GTVA, em conformidade com a doutrina da causalidade adequada adoptada pelo art.º 557.º do Código Civil, determinou a cessação da relação laboral do Autor com a CAM.
13. Aliás, essa é a única conclusão plausível que se pode retirar da resposta aos quesitos 1 a 3 da base instrutória, que se reproduziu acima, em que se deu como comprovado que antes da apresentação da carta de demissão referida na alínea F) dos Factos Assentes, o Autor foi informado na reunião com a CAM que não poderia continuar a trabalhar, porque o seu cartão de acesso havia sido cancelado e reavido pelo director do aeródromo, com base no parecer negativo emitido pelo GTVA conforme descrito na alínea E) dos Factos Assentes.
14. Não colhe a tese propugnada pelo douto Tribunal a quo de que, e passa-se a citar o pertinente arresto da sentença: "O comportamento proveniente de um terceiro estranho não é susceptível de pôr fim à relação laboral existente, e de lesar consequentemente qualquer direito de crédito que emerge do contrato para uma das partes, de acordo com a tese tradicional da relatividade do direito de crédito (...)".
15. Indo esta tese em contramão daquilo que tem sido o entendimento tanto do douto Tribunal Administrativo como do Venerando Tribunal de Segunda Instância, conforme a jurisprudência acima citada que, acertadamente, imputou a responsabilidade ao GTVA ao entender que os seus "pareceres conformes", emitidos em desconformidade com as normas e princípios do Direito Administrativo, atenta a sua natureza vinculativa, determinaram inelutavelmente a cessação do vinculo laboral do Autor no caso respectivo, daí emergindo danos que deveriam ser ressarcidos pela RAEM, ao abrigo do art.º 2.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
16. O Recorrente nunca quis demitir-se e perder o seu trabalho, o Autor foi instado a subscrever uma carta de demissão preparada pela CAM em alternativa a ser demitido pela CAM, ou seja, nunca esteve na disponibilidade do Recorrente manter a sua relação laboral, esta já estava condenada à cessação assim que foi emitido parecer negativo à emissão do cartão de acesso às áreas reservadas do aeroporto do Recorrente,
17. Atento o facto de as funções desempenhadas pelo Recorrente e para as quais foi treinado pela CAM, como condutor, implicarem necessariamente o acesso às áreas reservadas do aeroporto e, estando barrado o seu acesso a essas áreas por não ter cartão de acesso, nunca poderia o Recorrente manter o seu posto de emprego.
18. A respeito dos danos patrimoniais sofridos pelo Recorrente, decorrentes da cessação da sua relação laboral com a CAM, a douta Sentença Recorrida sufragou o entendimento de que não existe nexo entre o evento lesivo e os danos sofridos pelo Recorrente, nos termos previstos no art.º 556.º do Código Civil, e, por conseguinte, a perda do rendimento salarial expectável no período de 134 meses seguintes ao despedimento, no valor total de MOP1,768.800.00, conforme invocado pelo Recorrente, não é admissível porquanto a sua entidade patronal nunca seria obrigada a mantê-lo contratado, numa situação hipotética alternativa, em que não tivesse sido emitido o parecer negativo do GTVA e que a cessação da relação de trabalho não pode conferir o direito à indemnização nos termos peticionados pelo Recorrente.
19. A este respeito atente-se ao que ficou decidido na Sentença proferida pelo douto Tribunal Administrativo no âmbito do Processo n.º 268/16-RA:
20. "A respeito dano patrimonial invocado pelo autor, sem dúvida, o facto ofensivo leva directamente à perda de salário do autor. Com base nos factos dados como provados, o autor tomou finalmente o cargo de passenger servisse supervisor na XXX Limited, o Autor encontrou um emprego com salário de HKD30,000.00. Por isso, entre o dano por um mês tem nexo de causalidade adequado com o facto de despedimento, o qual deve ser incluído no âmbito de indemnização."
21. O art.º 556.º do Código Civil prevê que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação."
22. O art.º 560.º do Código Civil prevê que “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.”.
23. No caso dos vertentes autos, não estando na disponibilidade do GTVA ou da RAEM reintegrar o Recorrente no seu antigo posto de trabalho, deve a Recorrida compensar o Recorrente em dinheiro pelo dano causado.
24. Havendo nexo causal entre o parecer do GTVA e a cessação da relação laboral do Recorrente com a CAM, conforme se alegou e demonstrou acima, e não havendo a possibilidade de reconstituição natural, a solução legal é a indemnização em dinheiro, calculada com base nos salários que o Recorrente deixou de auferir por força da cessação da sua relação laboral com a CAM, nos termos do art.º 558.º, n.º 1, do Código Civil.
25. Na douta Sentença Recorrida o Tribunal a quo entendeu ainda que os danos não patrimoniais invocados pelo Recorrente não decorrem do seu despedimento e que não foi alegado e muito menos demonstrado qualquer dano moral arbitrável ao abrigo.do disposto nos artigos 556.º a 558.º do Código Civil.
26. Entendendo ainda que o quadro fático descrito no vertente processo é distinto daquele do Processo n.º 931/2018, que correu termos no Venerando Tribunal de Segunda Instância, nos termos do qual foi a ocorrência dos danos morais expressamente imputada ao acto de despedimento da entidade patronal.
27. No que diz respeito à factualidade relevada para efeitos da determinação da existência de danos não patrimoniais no processo n.º 931/2018, temos que esse exercício foi feito na sentença proferida no âmbito desse mesmo processo pelo douto Tribunal Administrativo, sob o n.º 268/16-RA, aquando do julgamento da causa em primeira instância, que, posteriormente, em sede de recurso, veio a dar origem ao Processo n.º 931/2018.
28. Na referida sentença (proferida no processo n.º 268/16-RA) foi relevada a seguinte factualidade quase idêntica para efeitos da determinação da existência de danos não patrimoniais atendíveis e sua quantificação.
29. No presente caso, ficou comprovado, com base nas respostas aos quesitos 8 a 13 da base instrutória, que desde a cessação do vínculo com a CAM, o Autor não logrou obter mais nenhum emprego a tempo inteiro até à presente data, apesar de ter tentado, passando a depender da sua mulher para fazer face aos encargos básicos da família, sentindo-se deprimido, e constrangido diante da sua mulher e o filho recém-nascido, tendo inclusivamente deixado de ir jantar ou de conviver com os seus amigos por causa do pudor de se encontrar sem trabalho nesta altura.
30. Excluindo-se as diferenças semânticas e aquelas que decorrem do facto de no caso do processo n.º 268/16-RA, que em sede de recurso teve a numeração 931/2018, o autor ter trabalhado 17 anos na respectiva empresa, os danos morais alegados num e noutro caso são fundamentalmente os mesmos, ou seja, o pudor social e perante a família acerca da perda do emprego, evitar fazer vida social por causa dos constrangimentos financeiros e por falta de ânimo por a vida ter deixado de correr bem, por causa do despedimento, a dependência económica de terceiros para fazer face às despesas do dia-a-dia, a angustia e ansiedade de ter de voltar a procurar emprego.
31. Todas essas circunstâncias são resultantes directamente do despedimento do Recorrente, ou seja, o despedimento constituiu conditio sine qua non para a verificação do quadro fáctico constante da resposta aos quesitos 8 a 13 da base instrutória.
32. O Recorrente entende que os factos dados provados no vertente processo demonstram claramente a relação entre despedimento e os danos morais causados ao Recorrente e são suficientes para sustentar o seu pedido, nos termos em que foi fomulado.
33. Todavia, a Sentença Recorrida refere que o Recorrente não alegou danos morais que pudessem ser imputados ao despedimento, circunstância que não corresponde de todo à realidade!
34. Veja-se o alegado no capítulo VI da sua PI, sob a epigrafe "Danos não Patrimoniais".
35. Foram devida e claramente alegados os danos não patrimoniais imputados ao despedimento do Recorrente, o douto Tribunal a quo entendeu, no exercício das competências que lhe são próprias, escolher apenas alguns dos factos alegados para levar à base instrutória, entendendo desnecessários os outros, para a resolução da causa.
36. O Recorrente reputa os factos levados à base instrutória e devidamente comprovados como suficientes para sustentar os pedidos formulados, porém,
37. Se o douto Tribunal a quo entende que os factos que levou à base instrutória são insuficientes para demonstrar o nexo entre o despedimento e os danos não patrimoniais alegados, a responsabilidade por essa circunstância reside única e exclusivamente no douto Tribunal a quo, pois a factualidade alegada estabelecia plena e claramente esse nexo.
38. Não sendo, por conseguinte, admissível que a douta Sentença Recorrida faça menção que o Recorrente não alegou factos que demonstrem o nexo entre o despedimento e os danos não patrimoniais alegados.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Ex.ª com certeza doutamente suprirá, deverá julgar-se procedente o presente recurso, por provado, reconhecer-se os vícios apontados à douta Sentença Recorrida, nos termos acima expostos, e ser revogada a douta Sentença Recorrida, substituindo-a por outra decisão que dê provimento aos pedidos formulados pelo Recorrente na vertente acção, assim se fazendo a Costumeira Justiça!
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Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區), representada pelo MP, ofereceu a resposta constante de fls. 340 a 343, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 上訴人援引中級法院第931/2018案的司法見解,以支持GTVA不批准發出通行證的意見存在問題。
2. 然而,兩案所牽涉刑事案件的處理結果(歸檔或有罪判決)、歸檔原因,以及申請通行許可的背景及次數等情節皆不同,根本沒有可比性。
3. 本案中,GTVA發表的意見並非任意為之,對上訴人機場通行證的申請發表不利意見,實屬情理之中。
4. 實際上,從已證事實中看不到GTVA的意見有何違法之虞,原審法院也沒有審理此一問題。
5. 另外,根據4月22日第28/91/M號法令第8條第2款規定,由於沒有適時採用合適的行政及司法申訴手段主張其利益和避免倘有的損失,原告任何或有的補償權應不得保持。
6. 就因果關係的爭議方面,上訴人主張其是在壓力下被迫簽署僱主預先準備好的離職聲明。
7. 但是,從已證事實中無法體現上述說法。
8. 既然上訴人的前僱主沒有因為被取消機場通行證而解僱上訴人,更不存在勸退的事實,上訴人主張的事實與損失之間不存在法律要求的適當因果關係,不能要求為此作出賠償。
9. 另一方面,一如原審法官指出,非合同方的第三人行為,除非屬權利濫用,否則不會引致合同關係,尤其當中權利和義務消滅,更不會衍生需要對其債權人負上責任。
10. 上訴人為反駁而援引的學說,均為講述一般非合同民事責任的情況;援引案例方面,其一個案具體情節顯示僱員確實被僱主辭退了,與本案不能相提並論;另一個案甚至仍未審結,並無參考價值。
11. 原審法院更指出,即使拋開上述不談,上訴人要求的賠償金額,包括薪酬損失及精神損失,還是欠缺法律依據。
12. 上訴人援引的行政法院編號268/16-RA案件(其衍生上述中級法院編號931/2018案件)判決的認定,無法推翻原審法院的理據。
13. 一來該案與本案訴稱的一百多個月薪酬損失差之千里;二來該案特別地呈現出在機場的工作對相關利害關係人的人生重要性,而非像本案描述上訴人的情況般僅能看到是一份職業,同時亦欠缺除經濟外失去原工作對其各方面影響的敘述。
14. 上訴人還無理地將已證事實不足以支撐其理據的現實歸責於原審法院未有將必要的事實納入調查基礎中審理,而忽略其當初接受法庭篩選的事實,從未提出異議的舉動。
15. 綜上所述,應裁定上訴不成立,維持原審裁判。
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – FACTOS
São os seguintes elementos considerados assentes pelo TA, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- O Autor A foi contratado desde 1/12/2018, pela Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, SARL (doravante “CAM”) para prestar funções de condutor (conforme o doc. 1 junto da petição inicial a fls. 35 a 38 dos autos) (alínea A) dos Factos Assentes).
- No início do exercício das suas funções, foi-lhe emitido um cartão de acesso válido até 27/11/2020, para poder transitar nas áreas do aeroporto (alínea B) dos Factos Assentes).
- Ao mesmo tempo, foi apresentado em favor do Autor, por Senior Head of Personnel Division do CAM, o requerimento da emissão do cartão de acesso permanente, com a junção do certificado do registo criminal deste, e as cópias do BIR, fotos, e o formulário preenchido com as informações prestadas pelo Autor (conforme o doc. 3 junto da contestação a fls. 100 a 108 dos autos) (alínea C) dos Factos Assentes).
- Nada constava do referido certificado registo criminal (alínea D) dos Factos Assentes).
- Por reunião convocada em 9/9/2019, os membros do Grupo de Trabalho para Verificação de Antecedentes Criminais (doravante “GTVA”), votaram contra o requerimento da emissão do cartão de acesso permanente no Aeroporto Internacional de Macau, com base na seguinte fundamentação:
“第4/2019號會議記錄
日期:2019年9月9日
時間:15H00
地點:司法警察局10樓會議室
出席者:
司法警察局
XXX廳長、XXX職務主管
海關
XXX關務總長
治安警察局
XXX副警務總長
會議內容:表決下列人士機場通行證申請
9. A,持澳門居民身份證XXX
第9申請人A:
2001年涉及對兒童之性侵犯案(治安警察局列為懷疑強姦);
2003年2月懷疑盜竊(經調查屬一場誤會);
2003年6月涉及一宗盜竊案,事主不追究;
2010年6月因醉酒駕駛被移送檢察院,其後法院判處3個月徒刑,暫緩1年執行。
上述的對兒童之性侵犯案件,案中被害人為一名13歲女童,法院判決由社工看管,居於青暉舍。2001年10月6日被害人逃出青暉舍,其後被一名同住青暉舍的朋友找到,但被害人拒絕回去,於是兩人便四處遊蕩,每晚到不同同學或朋友的家中居住,約於10月8日,被害人要求朋友陪同到嫌犯(即申請人A)的住所,期間嫌犯進入房播音樂,被害人獨自進入嫌犯房間。個多小時後,被害人朋友入房打算換CD時,發現二人在床上,並被嫌犯威嚇不要亂說話。約15分鐘後,被害人走出房間並對朋友稱被嫌犯強姦。在對嫌犯訊問中,其聲稱沒有與被害人發生性關係,法醫未能判斷被害人近期有否進行過性行為,2001年10月19日,將案連同有關人事移送檢察院處理。
考慮到申請人的背景資料以及申請職位(司機),表決結果一致不通過A的申請。
※因本文件部分涉及其他利害關係人個人私隱,故將有關部分遮蓋”
(conforme o doc. 5 junto da petição inicial a fls. 42 e v dos autos) (alínea E) dos Factos Assentes).
- Em 18/9/2019, o Autor subscreveu a carta de demissão dirigida à CAM, com efeitos a partir de 19/9/2019 (conforme o doc. 3 junto da contestação a fls. 108 dos autos) (alínea F) dos Factos Assentes).
- A Comissão Territorial de Facilitação e Segurança, criada pelo DL n.º 36/94/M, de 18/7/1994, criada FAL/SEC, tomou Resolução n.º 1/2010, que regula o acesso do pessoal do Aeroporto Internacional de Macau às áreas restritas e reservadas (alínea G) dos Factos Assentes).
- A dita Resolução estipula no ponto 3.4.1 o seguinte:
“The applications for the issuance of Access Cards to the Macau Aviation Facilities shall be addressed to the President of the Civil Aviation Authority for evaluation and, once authorized they are sent to the Airport Director for issuance.
Entities included in a), b), c), d) and e) of paragraph 4.1 and the President of the Civil Aviation Authority are not included and they will be invited to collect the cards made available for them.”
(alínea H) dos Factos Assentes).
- E prevê, no ponto 3.4.4 o seguinte:
“The Permanent Access Card can be renewed if the conditions that led to its issuance remain unchanged beyond the validity date. For this purpose the applicant entity for the issuance of the card, shall address to the Airport Director 8 working days before the expiry date of the card an application letter attaching the following documents:
• 4 photos in color ID sized (scanned photos are not accepted)
• Copy of the identification document
• Copy of the card to be renewed
• Annex 11 – Application form for the renewal of the card duly filled in and signed in original
Faxed, “emailed” or scanned forms/documents or signatures are not accepted.
Any application for the renewal of an access card beyond the period of time above referred, shall be dully justified for evaluation and decision in a “case by case” basis. Elapsed 90 days upon the validity date of the card, it will be definitively cancelled and not renewed anymore.
The renewal of permanent access cards is subject to the background security checks by the GTVA to ensure individuals still meet the required criteria.
The validity of the access cards renewed conditionally is subject to the background check and then to be approved by the Airport Director, the cards shall be cancelled at once in case of unfavorable information.”
(alínea I) dos Factos Assentes).
- E mais ainda, no ponto 3.4.2.3 da Resolução, prevê-se o seguinte:
“After verification that all documents are in conformity, the process is sent by the Airport Director or delegated person to the “Grupo de Trabalho para Verificação de Antecedentes Criminais” (GTVA), composed by representatives from Public Security Police, Macau Customs and Judiciary Police, which is the competent entity to analyze and to inform about the profile of the candidates in the scope of the Police records. The terms of reference and the modus operandi of GTVA, and the disqualifying criteria are laid down in the relevant resolution.”
(alínea J) dos Factos Assentes).
- A referida Resolução n.º 1/2010 veio a ser substituída pela Resolução n.º 1/2013, com alterações sucessivamente introduzidas pelas Resoluções n.º 5/2017 e 1/2018 (alínea K) dos Factos Assentes).
- Consta, do ponto 3.4 do Regulamento sobre o acesso do pessoal do Aeroporto Internacional de Macau às áreas restritas e reservadas, aprovado pela referida Resolução n.º 1/2013, o seguinte teor:
“3.4 Issuance of the Access Cards
3.4.1 The applications for the issuance of Access Cards to the Macau Aviation Facilities shall be addressed to the President of the Civil Aviation Authority for evaluation and, once authorized they are sent to the Airport Director for issuance.
Entities included in a), b), c), d) and e) of paragraph 4.1, and the President of the Civil Aviation Authority are not included and they will be invited to collect the cards made available for them.
3.4.2 The requests for the issuance of Access Cards to the Airport shall be addressed to the Airport Director by the applicant entities, which are responsible for their devolution as soon as the conditions that led to their issuance are terminated. Later the process is sent to the Airport Security Company for adequate processing and filing.
3.4.2.1 The application letter shall be addressed at least 8 working days prior to the date intended for the use of the cards and attaching the following documents:
• Annex 9 - Application form dully filled in and signed in original
• 4 photos in color ID sized (scanned photos are not accepted)
• Original of Criminal Record or equivalent document
• Copy of the identification document
Faxed, “emailed” or scanned forms/documents or signatures are not accepted.
3.4.2.2 The Criminal Record issued in Macau is a sufficient document if the concerning person is a resident of, or has legally stayed in Macau for at least 4 consecutive years. In case of shorter period of residence or stay, a Criminal Record issued by the country of origin is required. For the persons whose countries of origin do not issue Criminal Record, this document will be replaced by a Declaration of Responsibility of the Applicant Entity, elaborated according to the sample in Annex 10;
3.4.2.3 After verification that all documents are in conformity, the process is sent by the Airport Director or delegated person to the “Grupo de Trabalho para Verificação de Antecedentes Criminais” (GTVA), composed by representatives from Public Security Police, Macau Customs and Judiciary Police, which is the competent entity to analyze and to inform about the profile of the candidates in the scope of the Police records. The terms of reference and the modus operandi of GTVA, and the disqualifying criteria are laid down in the relevant resolution.
3.4.2.4 In case the candidate has already been holder of permanent access card and submitted to the GTVA verification within the last two years, it is not required to send the application to that entity. However, the validity of the card will be limited accordingly in order to ensure that all holders of permanent access cards are subject to the security background checks every 2 years.
3.4.3 The Airport Director or delegated person, the competent entity to analyze and to define the accessing areas and the levels of access, will approve the conditional issuance of the access cards. The validity of the cards is subject to the background check information provided and then to be approved by the Airport Director, the cards shall be cancelled at once in case of unfavorable information.
3.4.4 The Permanent Access Card can be renewed if the conditions that led to its issuance remain unchanged beyond the validity date. For this purpose the applicant entity for the issuance of the card, shall address to the Airport Director 8 working days before the expiry date of the card an application letter attaching the following documents:
• 4 photos in color ID sized (scanned photos are not accepted)
• Copy of the identification document
• Copy of the card to be renewed
• Annex 11 - Application form for the renewal of the card duly filled in and signed in original.
Faxed, “emailed” or scanned forms/documents or signatures are not accepted.
Any application for the renewal of an access card beyond the period of time above referred, shall be dully justified for evaluation and decision in a “case by case” basis. Elapsed 90 days upon the validity date of the card, it will be definitively cancelled and not renewed anymore.
The renewal of permanent access cards is subject to the background security checks by the GTVA to ensure individuals still meet the required criteria.
The validity of the access cards renewed conditionally is subject to the background check and then to be approved by the Airport Director, the cards shall be cancelled at once in case of unfavorable information.
3.4.5 The applications for the 2nd Issuance of Permanent Access Cards are addressed to the Airport Director by means of an application letter attaching the following documents:
• 1 photo in color ID sized (scanned photos are not accepted)
• Copy of the identification document
• Original of Annex 11 - Application form for the 2nd Issuance of the card duly filled in and signed
• Original of the Declaration of Loss issued by the Police in case of lost card.
After the approval by the Airport Director or delegated person, the Annex 11 - Form is sent to the Airport Security Company for issuance of the new card, being this form later attached to the previous concerning Annex 9 - Form.
3.4.6 The requests for the issuance of Temporary Access Cards shall be addressed to the Airport Director, with at least 2 working days in advance, by means of written document (letter or fax) dully signed that shall include:
• The purpose of the visit;
• Areas to visit;
• Date/time of the visit;
• Identification of the visitors;
• Beneficiary entity if different of the applicant entity;
• Entity responsible to escort the visitor(s) if other than the applicant.
Verbal and via electronic mail requests are not accepted.
Urgent and last minute requests will only be accepted to deal with unexpected situations or occurrences affecting or putting in risk the normal airport operations if not immediately corrected.
3.4.7 All applications for the issuance or renewal of access cards prepared in accordance with the previously referred documents are addressed to the Airport Director by the Applicant Entities. For this purpose, each entity is compelled to assign up to 3 of its managing staff as the responsible persons for the elaboration, signing and sending of the applications. The Airport Director shall be informed in advance by means of a formal letter in which the full identification of the assigned staff is included as well as their concerning signatures/rubrics, in order to allow the recognition and authenticity of the requests.
3.4.8 The Airport Security Company is responsible to ensure the access cards processing, as well as the safeguard, maintenance and update of the concerning files.
The security of non-collected temporary access cards is also considered important therefore, the non-collected temporary permits shall be strictly controlled and held under secure conditions during three months and then destroyed.
All used and returned temporary permits shall be securely controlled and kept during three months and then destroyed.”
(alínea L) dos Factos Assentes).
*
Da Base instrutória:
- Antes da apresentação da carta de demissão referida na alínea F) dos Factos Assentes, foi o Autor informado na reunião com a CAM que não poderia continuar a trabalhar (resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
- Mais informado que era por causa do seu cartão de acesso emitido conforme descrito na alínea B) dos Factos Assentes ter sido cancelado e reavido pelo director do aeródromo (resposta ao quesito 2.º da base instrutória).
- E com base no parecer negativo emitido pelo GTVA conforme descrito na alínea E) dos Factos Assentes (resposta ao quesito 3.º da base instrutória).
- Até 19/9/2019 em que o Autor cessou as suas funções na CAM, ele auferia o salário mensal de MOP13,200.00 (resposta ao quesito 4.º da base instrutória).
- Segundo convencionado com a CAM, o Autor ainda receberia o décimo terceiro salário no valor de MOP13,200.00 para cada ano (resposta ao quesito 5.º da base instrutória).
- Enquanto funcionário da CAM, o Autor adorava o seu trabalho, sem nenhum problema disciplinar (resposta ao quesito 6.º da base instrutória).
- O Autor frequentou e concluiu com sucesso um curso de condução de veículos automóveis dentro da pista do aeroporto, ministrado pela CAM (resposta ao quesito 7.º da base instrutória).
- Desde a cessação do vínculo com a CAM, o Autor não logrou obter mais nenhum emprego a tempo inteiro até à presente data, apesar de ter tentado (resposta ao quesito 8.º da base instrutória).
- Nesta altura, depende da sua mulher que aufere um salário de MOP15,000.00, para fazer face aos encargos básicos da família (resposta ao quesito 9.º da base instrutória).
- Desde 2007, o Autor e sua namorada, agora mulher, mudaram para a casa da avó desta (resposta ao quesito 10.º da base instrutória).
- E aí reside com a mulher até à presente data (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).
- Por ser incapaz de contribuir para a economia familiar, o Autor tem se sentido deprimido, e constrangido diante da sua mulher e o filho recém-nascido (resposta ao quesito 12.º da base instrutória).
- Desde então, o Autor deixou de ir jantar ou de conviver com os seus amigos por causa do pudor de se encontrar sem trabalho nesta altura (resposta ao quesito 13.º da base instrutória).
* * *
IV - FUNDAMENTOS
Como o presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, importa ver o que este decidiu. Este proferiu a douta decisão com base nos seguintes argumentos:
I. Relatório
Autor A, melhor id. nos autos,
vem intentar a presente
Acção para Efectivação da Responsabilidade Civil Extracontratual
Contra
Ré REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
com os fundamentos apresentados constantes da p.i. de fls. 2 a 34,
Concluiu pedindo que:
1. Se condene a Ré a pagar ao Autor a quantia total de MOP 2,568,800.00 a título da indemnização pela responsabilidade civil incorrida, corresponde a MOP 1,768,800.00 a título de danos patrimoniais, e o montante MOP 800,000.00 a título de danos não patrimoniais;
2. Quantia a que deve acrescer juros legais, contados desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento;
3. Condenar a Ré no pagamento de todas as despesas efectuadas com a presente acção, incluindo as custas judiciais e procuradoria condigna.
*
A Ré contestou com os fundamentos de fls. 53 a 67v dos autos.
*
Foi procedido ao julgamento com observância do devido formalismo.
*
Devidamente notificadas, ambas as partes apresentaram as alegações de direito a fls. 260 a 279 e 282 a 287v dos autos.
*
Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade “ad causam”.
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, ou questões prévias que obstem a apreciação “de meritis”.
* * *
II. Fundamentação
1. De Facto
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
(...)
***
2. De Direito
Segundo alega o Autor, em virtude do parecer negativo do Grupo de Trabalho para a Verificação de Antecedente Criminais (doravante “GTVA”) sobre o pedido de emissão do cartão de acesso em seu favor, necessário à circulação nas áreas restritas do aeroporto, viu-se confrontado com a cessação do vínculo laboral que tinha com a Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, SARL (doravante “CAM”). Entende nesta linha que sofreu os danos tanto patrimoniais, e.g. a perda do rendimento salarial expectável no período de 134 meses a seguir do despedimento, no valor total de MOP 1,768,800.00 como os não patrimoniais provocados pela perda do emprego, no valor de MOP 800,000.00, tudo resultante da referida actuação ilícita da Administração da Ré, pretendendo assim responsabilizar esta mediante a presente acção instaurada.
A responsabilidade extracontratual por facto ilícito da entidade pública (RAEM e as demais pessoas colectivas públicas) emergente no domínio dos actos de gestão pública, encontra-se regulado pelo regime jurídico do DL n.º 28/91/M, de 22 de Abril.
De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do referido DL, “A Administração do Território e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”. À luz do princípio geral relativo à responsabilidade civil extracontratual, enunciado no artigo 477.º do Código Civil de Macau, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.
Donde resulta que a obrigação de indemnizar da RAEM e das demais pessoas colectivas públicas está adstrita aos danos que tenham resultado da actuação ilícita dos seus órgãos ou agentes administrativos, cuja ilicitude reside na violação do direito subjectivo ou os outros interesses do lesado que merecem a tutela do direito. Como tal, exige-se para justificar o pagamento de uma indemnização, a existência do nexo de causalidade entre o facto lesivo e os danos produzidos, o qual, nas palavras do professor Almeida Costa, desempenha uma dupla função, ou como pressuposto da responsabilidade civil – isto é, o nexo de imputação da lesão do direito ou interesse juridicamente protegido ao comportamento do agente, e além disso, como medida da obrigação de indemnizar – ou melhor, o nexo entre o dano e a lesão do direito ou interesse protegido (cfr. Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, pp. 606 a 607 e Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, pp. 279 a 280).
Ademais, face ao previsto no artigo 557.º do CCM, o tipo de causalidade que importa deve ser a tal adequada no sentido de que “o facto tenha sido em concreto condição sine qua non do dano, mas também que constitua em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadinha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, anotado, pp. 96 a 97, Almeida Costa, obra cit, pp. 766 a 767).
Contudo, no caso dos autos em apreço, salvo devido respeito, a actuação da Administração da Ré qualificada pelo Autor como ilícita não é causa adequada dos danos sofridos por este, como passaremos a demonstrar de seguida.
A actuação administrativa na situação vertente, conforme se apura nas alíneas G) e K) dos Factos Assentes, enquadra-se no âmbito do Regulamento sobre o acesso do pessoal do Aeroporto Internacional de Macau às áreas restritas e reservadas, por força do qual está o acesso às determinadas áreas restritas do aeroporto sujeito à emissão do cartão de acesso, Regulamento esse que foi emitido através da Resolução n.º 1/2010, posteriormente substituída pela n.º 1/2013, com sucessivas alterações introduzidas pelas n.ºs 5/2017 e 1/2018, todas tomadas pela Comissão Territorial de Facilitação e Segurança (ou “Comissão Territorial FAL/SEC”), cuja criação e funcionamento se encontrava regulada pelo DL n.º 36/94/M, de 18/7/1994, antes da entrada em vigor do novo diploma que o revogou, isto é, o Regulamento Administrativo n.º 16/2022.
De acordo com a tramitação prevista no ponto 3.4.2 do referido Regulamento na sua versão vigente (conforme transcrito na alínea L) dos Factos Assentes), o requerimento para emissão do cartão de acesso deve ser endereçado em primeiro lugar ao director do aeroporto que era responsável pela primeira autorização e a subsequente renovação, de acordo com os pontos 3.4.3, 3.4.4 e 3.4.5 do Regulamento; Depois, o requerimento é encaminhado por este para o GTVA, composto por representantes do Corpo de Polícia de Segurança Pública, dos Serviços de Alfândega, e da Polícia Judiciária, de acordo com referido no ponto 3.4.2.3, para proceder à verificação dos antecedentes criminais relativos ao requerente e pronunciar-se sobre o seu perfile numa perspectiva de registo policial. Na pendência da verificação por GTVA, é aprovada pelo director do aeroporto a emissão do cartão, condicionado pela informação que se colhe sobre a verificação dos antecedentes. No caso de a informação colhida ser desfavorável, é cancelado o cartão de acesso emitido, conforme se exige no ponto 3.4.3.
Daí é fácil perceber que a titularidade do cartão de acesso do requerente além de estar sujeita a um termo final previamente definido, dependia, em última linha, da suprareferida verificação e pronúncia emitida pelo GTVA por força do referido Regulamento emitido pela “Comissão Territorial FAL/SEC”, a qual se renovava sucessivamente de dois em dois anos, conforme se alude no ponto 3.4.2.4.
No caso dos autos, o ora Autor contratado pela CAM como condutor em 1/12/2018, sendo desde então portador de um cartão de acesso emitido, a título provisório, com prazo de validade até 27/11/2020, para poder transitar nas áreas do aeroporto (conforme as alíneas A) e B) dos Factos Assentes). Sucedeu que apresentou, entretanto, através do Senior Head of Personnel Division do CAM, um requerimento da emissão do cartão de acesso permanente, “com a junção do certificado do registo criminal deste, e as cópias do BIR, fotos, e o formulário preenchido” (conforme alínea C) dos Factos Assentes), requerimento seu foi encaminhado para o GTVA para o efeito da análise sob o prisma de registo policial, donde nasceu o parecer negativo em causa, conforme demonstrado na alínea E) dos Factos Assentes.
Em nosso entender, se a emissão do parecer negativo pelo GTVA sobre a verificação é configurada na petição inicial como comportamento ilícito do agente administrativo, sendo por isso fundamentadora da responsabilidade civil da Ré, nos termos previstos no artigo 477.º do CCM, não sobra qualquer dúvida de que a lesão do seu direito provocada pelo fim do seu contrato de trabalho não é imputável àquele comportamento identificado, inexistindo aqui o nexo de imputação necessário para o efeito.
Isto porque desde logo, a extinção do vínculo laboral que existia entre o trabalhador e o empregador, assim como qualquer relação contratual, opera-se ou por mútuo consentimento das partes, ou nos casos admitidos na lei, segundo o previsto no artigo 400.º, n.º 1 do CCM, e especialmente, nos artigos 66.º e ss da Lei n.º 7/2008 (Lei de relações de trabalho). O comportamento proveniente de um terceiro estranho não é susceptível de pôr fim à relação contratual existente, e de lesar consequentemente qualquer direito de crédito que emerge do contrato para uma das partes, de acordo com a tese tradicional da relatividade do direito de crédito (veja-se MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, 1963, pp. 48 a 51, VAZ SERRA, Responsabilidade de terceiros no não-cumprimento de obrigações, BMJ, n.º 85, Abril de 1959, p. 352, apud. E. Santos Júnior, Da responsabilidade civil de terceiro por lesão do direito de crédito, Almedina, pp. 416 a 418).
Mais conforme a posição perfilhada pela jurisprudência do TUI, no acórdão n.º 2/2002, de 19/7/2002, “…No caso de incumprimento das obrigações, mesmo com a concorrência de culpa por parte do terceiro, só o devedor incorre em responsabilidade para com o credor. Mas se a conduta do terceiro se mostra particularmente chocante e censurável, este pode responder perante o credor por ter agido com abuso do direito. Portanto, a responsabilidade do terceiro só pode ser constituída com base no abuso do direito, quando se verificarem os respectivos pressupostos…” (sublinhado nosso).
Se assim o entender, então ainda que aquele parecer emitido pelo GTVA pudesse ser configurado como uma causa determinante da cessação do contrato de trabalho, os agentes administrativos autores desse parecer não devem ser chamados à responsabilização pela lesão do direito que decorreu da cessação do contrato, muito menos responsável a Ré, a pessoa colectiva pública a quem pertencem os referidos agentes no exercício da sua função pública.
Sem prejuízo de entendermos que a actuação do GTVA como terceiro não consubstancia uma causa concreta da cessação do contrato de trabalho, de acordo com os factos apurados no julgamento.
Isto é, apesar da posse do referido cartão de acesso ser necessário à circulação do veículo na área restrita do aeroporto, portanto indispensável para o exercício da função de condutor para a qual foi contratado o Autor, é de sublinhar que a extinção da relação laboral na sequência do parecer desfavorável do GTVA e do consequente cancelamento do cartão de acesso emitido deveu-se à própria iniciativa daquele, mediante sua declaração de vontade expressa à sua entidade patronal no sentido de que quis demitir-se do seu emprego, conforme decorre da alínea F) dos Factos Assentes, segundo a qual “Em 18/9/2019, o Autor subscreveu a carta de demissão dirigida à CAM, com efeitos a partir de 19/9/2019”.
Não se ignora, certamente, que a carta referida foi subscrita num contexto específico de acordo com demonstrado nos factos n.ºs 1, 2 e 3 da base instrutória, ou seja, foi o Autor anteriormente informado pela entidade patronal de não poder continuar a trabalhar, e que o cartão de acesso emitido tinha sido cancelado pelo director do aeroporto em virtude da existência do parecer negativo emitido pelo GTVA, consideramos que isso é longe de ser caracterizável como perturbante da sua vontade naquela declaração emitida. O que se poderia configurar quanto muito seria um simples temor reverencial por parte do declarante, irrelevante como motivo determinante da vontade, conforme se prevê no artigo 248.º, n.º 3 do CCM, sem efeito anulatório.
Nesta linha, a cessação do vínculo laboral em causa não obstante ser subsequente da actuação da Administração da Ré, não lhe é contudo imputável, mas sim deveu-se exclusivamente ao facto do próprio lesado.
Nesta medida, a ausência do nexo de imputação avaliado em termos concretos e abstractos, entre a actuação administrativa que se reputa ilícita e a lesão do direito ocorrida deve conduzir necessariamente à improcedência da acção de responsabilidade intentada, pela falta do respectivo pressuposto constitutivo.
*
Posto isto, sempre se dirá que também não há qualquer nexo entre o evento lesivo que obriga à reparação nos termos previstos no artigo 556.º do CCM e os danos alegadamente sofridos.
Os danos que o Autor vem alegar aqui são tanto de natureza patrimonial, correspondente à perda do rendimento salarial expectável no período de 134 meses a seguir do acto de despedimento, no valor total de MOP 1,768,800.00, como de não patrimonial, decorrente da perda do seu emprego no aeroporto, designadamente a depressão, o constrangimento e o pudor que ele se sente na sua vida social e familiar, contabilizado no valor de MOP 800,000.00, conforme se alude nos factos quesitados nos n.ºs 6 a 13 da base instrutória.
Mas parece óbvio que ele não tem direito à perda salarial tal como invocada, porquanto a sua entidade patronal nunca é obrigada a mantê-lo contratado, numa situação hipotética alternativa em que não tivesse ocorrido o concreto evento lesivo, durante todo o período de 134 meses a seguir.
Além do mais, a cessação da relação de trabalho existente não pôde conferir o direito de indemnização nos termos peticionados pelo Autor.
Tem-se entendido na jurisprudência do direito comparado que em abstracto são ressarcíveis os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, causados pelo seu despedimento ilícito, desde que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar (veja-se Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 01S967, de 2001/11/07). Porém, como é fácil constatar, os danos morais resultantes da depressão, o constrangimento e o pudor que o Autor se sentiu, segundo o que alega, não tinham origem no acto de despedimento ilícito, mas sim no facto de tornar-se posteriormente difícil para o Autor encontrar qualquer outro emprego no mercado de trabalho, após sua saída da CAM. Ou melhor, “Por ser incapaz de contribuir para a economia familiar, o Autor tem se sentido deprimido, e constrangido diante da sua mulher e o filho recém-nascido (resposta ao quesito 12.º da base instrutória). E “Desde então, o Autor deixou de ir jantar ou de conviver com os seus amigos por causa do pudor de se encontrar sem trabalho nesta altura” (resposta ao quesito 13.º da base instrutória).
A que acresce que o quadro fáctico descrito neste processo é distinto daquele fixado no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância n.º 931/2018 de 23/05/2019 em que foi a ocorrência dos danos morais expressamente imputada ao acto de despedimento da entidade patronal, sendo certo que no caso não foi alegado, muito menos demonstrado a este respeito qualquer dano moral arbitrável ao abrigo do disposto nos artigos 556.º a 558.º do CCM.
Aqui chegado, pela inverificação dos pressupostos substantivos legalmente estabelecidos, deve-se improceder a acção de responsabilidade intentada com a absolvição da Ré dos pedidos formulados.
***
III. Decisão
Assim, pelo exposto, decide-se:
- Julgar improcedente a acção e em consequência, absolver a Ré REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU dos pedidos formulados pelo Autor A.
*
Custas pelo Autor.
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Registe e notifique.
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Quid Juris?
Concordamos basicamente com a argumentação tecida pelo Tribunal recorrido, que procedeu à análise de todas as questões levantadas pelo Recorrente, ao qual integralmente aderimos, sufragando a solução nela adoptada, limitamo-nos a acrescentar, nesta sede do recurso jurisdicional, o seguinte:
1) – A matéria de facto está muito deficientemente alegada, não se chegou a tocar o ponto essencial que consiste em saber qual o acto produtor de dano para o Recorrente? E como? Não é supérfluo frisar-se que a decisão tomada pelo CAM de não contratar o Recorrente se prende com o facto de a referida Comissão (GTVA) ter deliberado em não dar autorização ao Recorrente para entrar nas “zonas reservadas” do aeroporto de Macau, e com base nos factos ocorridos há já quase 10 anos antes, e esta “decisão” é vinculativa para o CAM. Daí um dos pontos que o Recorrente devia atacar é justamente tal “deliberação” (parecer) em tempo oportuno e por meios adequados, mas nada isto foi feito. Ainda que tal “deliberação” se assumisse como um parecer, uma vez que ele veio a ser acolhido pelo CAM para tomar a decisão de “despedimento”, então o conteúdo deste alegado “parecer” tem de ser objecto de ataque. Porém, o que o Recorrente veio a fazer é apenas imputar a alegada “responsabilidade” para a RAEM, traduzida em não continuação da sua contratação!
2) – Neste ponto, cabe sublinhar igualmente que o Recorrente nunca pode afirmar que tem direito a acesso às zonas reservadas do aeroporto, por tal estar dependente da autorização competente. Ou seja, se se pode usar a expressão de “direito”, este é apenas uma “direito dependente da autorização”. Sem tal autorização, o Recorrente não pode ter acesso a tais zonas! Daí que, quando o CAM decidiu não continuar a manter a relação de emprego com o Recorrente, com base em tal “autorização revogada”, não se vê onde existe a ilicitude da decisão em causa (um dos requisitos que o instituto da responsabilidade civil exige) conforme o quadro factual desenhado pelo Recorrente na sua PI! Em rigor das coisas, o Recorrente devia alegar e provar que não corresponde à verdade ou não são suficientes os factos com base nos quais o CAM alegou para proceder ao “despedimento”. Eis a causa de pedir muito deficiente!
3) – Pois, ao Recorrente cabe provar a ilicitude do acto danoso imputado à Administração Pública, ónus este que não foi cumprido nesta acção.
4) – Do mesmo modo, não se vê onde existe o nexo de causalidade entre o dano e acto danoso. Poderá que o Recorrente afirmar que ele tem “direito” a ser contratado pelo CAM? Nunca! Porque a contratação depende do preenchimento de um conjunto de exigências, e uma delas que o Recorrente não satisfez!
5) – Pelo que, na sequência da imodificação dos factos assentes fixados pelo Tribunal a quo, é da nossa conclusão que a decisão recorrida não padece dos vícios imputados pelo Recorrente, e nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, ex vi do preceituado no artigo 1º do CPAC, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.
*
Síntese conclusiva:
I – A titularidade do cartão de acesso às zonas reservadas do aeroporto, além de estar sujeita a um termo final previamente definido, depende ainda da verificação e pronúncia sobre a aptidão do respectivo titular feita pelo GTVA por força do referido Regulamento emitido pela “Comissão Territorial FAL/SEC”, a qual se renova sucessivamente de dois em dois anos, conforme se alude no ponto 3.4.2.4. do referido Regulamento.
II - A extinção da relação laboral entre o Recorrente e o CAM na sequência do parecer desfavorável do GTVA e do consequente cancelamento do cartão de acesso emitido, deve ser interpretada no sentido de que o conteúdo do referido parecer foi acolhido pela entidade patronal, motivo pelo qual ao Recorrente cabe alegar e provar que tal conteúdo não corresponde à verdade ou não seja suficiente para sustentar tal decisão da cessação da relação laboral (seja na forma de despedimento ou na de “exoneração forçada”), tal deve ser uma das causas de pedir alegadas, a omissão deste ponto determina a deficiência de factos alegados o que condiciona à improcedência da pretensão deduzida.
*
Tudo visto, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida do TA.
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Custas pelo Recorrente que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 05 de Junho de 2025.
Fong Man Chong
(Relator)
Tong Hio Fong
(1º Adjunto)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro
(2º Adjunto)
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