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Processo n.º 809/2023/A
(Execução para prestação de um facto)

Relator: Fong Man Chong
Data : 26 de Junho de 2025

Assuntos:
     
- Execução de sentença administrativa
     
SUMÁRIO:

I – Nos termos do disposto no artigo 174º do CPAC, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias. A execução em processo jurídico-administrativo consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética” (cfr. artigo 174º/3 do CPAC).

II – Em processo executivo administrativo só se discute, em princípio, a existência (ou não) da causa legítima de inexecução, que consiste na impossibilidade absoluta e definitiva de execução e no grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão nos termos previstos no artigo 175º/1 do CPAC.
III – Com a declaração de nulidade do acto revogatório da autorização de residência temporária, a eliminação daquele acto teve por efeito a manutenção dessa autorização de residência durante todo o período relevante, eventualmente relevante tendo em vista a aquisição subsequente do estatuto de residente permanente por parte do Exequente. Sem que isto signifique, no entanto, que o mesmo adquira esse estatuto de forma automática, porquanto, face ao disposto no artigo 5.º da Lei n.º 8/1999, tal dependerá de um acto administrativo a praticar pelo director dos Serviços de Identificação (neste sentido decidiu o TUI no acórdão de 13.11.2019, processo n.º 106/2019).

O Relator,

_______________
Fong Man Chong













Processo n.º 809/2023/A
(Execução para prestação de um facto)

Data : 26 de Junho de 2025

Exequentes : - A
- B

Entidade Executada : - Secretário para a Economia e Finanças

*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    
    I – RELATÓRIO
A e B, Exequentes, devidamente identificados nos autos, vierem, em 07/03/2025, interpor a execução para prestação de um facto para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 2 e 3, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. 利害關係人A及B之澳門非永久性居民身份證因澳門貿易投資促進局於2023年6月30日發出發函編號為OF/05098/DJFR/2023之批示被收回。
2. 根據中級法院於2024年7月11日作出第809/2023號合議庭裁判(已轉為確定)之內容,利害關係人A已獲得永久居留權,構成一種基本性質的法律地位,即永久居民身份。
3. 根據中級法院於2024年7月11日作出第809/2023號合議庭裁判(已轉為確定)之裁決內容,被上訴行為即經濟財政司司長廢止給予利害關係人A及利害關係人B在中華人民共和國澳門特別行政區臨時居留許可續期的兩項行為及宣告利害關係人B在澳門特區的臨時居留許可續期申請的行政程序消滅的行為。
4. 上述被上訴之三項行為被宣告無效。
5. 根據招商投資促進局於2024年11月26日發出之發函編號為OF/02722/AJ/2024的聲明異議行政程序消滅通知所述,可見招商投資促進局清晰明白有關行政行為已被宣告無效,亦相信招商投資促進局如悉該裁判中法官所表達之利害關係人A已獲得永久居留權及永久居民身份的情況。
6. 根據《行政訴訟法典》第174條之規定,“行政機關應於三十日期間內自發遵行法院在行政上之司法爭訟程序中作出之確定裁判。”
7. 招商投資促進局一直沒有遵從法院的判決作出應為之行為。
8. 雖然根據中級法院之裁決內容,利害關係人A已獲得永久居留權及永久居民身份,但其申請澳門特別行政區永久性居民身份證仍需招商投資促進局向其發出之臨時居留許可。
9. 在後續利害關係人的主動電話聯絡下,招商投資促進局告知該情況下如利害關係人需要申請臨時居留許可,則需由利害關係人提交確認聲請,而為著善意原則,利害關係人於2024年9月24日提交了相關申請。
10. 於2024年12月10日,招商投資促進局針對利害關係人的確認聲明申請以與先前同樣的理由(建議廢止利害關係人A及配偶B的臨時居留許可並將效力追溯至所依據的上述事實發生之日)通知利害關係人進行書面聽證。
11. 而利害關係人之代表律師於2025年1月10日適時、合法地向招商投資促進局提交書面聽證。
12. 但直至提交本執行程序之日,招商投資促進局仍沒有任何回覆。
13. 招商投資促進局亦未按《行政訴訟法典》第174條之規定遵從法院的判決作出應為之行為。
懇請法官 閣下裁定:
1. 根據中級法院於2024年7月11日作出第809/2023號合議庭裁判(已轉為確定)所述之內容,及根據《行政訴訟法典》第174條之規定命令招商投資促進局向利害關係人A發出臨時居留許可。
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O Secretário para a Economia e Finanças, Entidade Executada, ofereceu a resposta constante de fls. 21 a 25, tendo alegado o seguinte:
1. Por douto acórdão de 11.07.2024, tirado no processo n. 809/2023 (recurso contencioso), e já transitado em julgado, o TSI declarou a nulidade do despacho do SEF de 23.06.2023 exarado na proposta do IPIM n. PRO/00095/AJ/2023, de 17.01.2023.
2. O referido despacho continha 3 actos administrativos, a saber:
a) As revogações das autorizações de residência dos dois recorrentes, e
b) A declaração de extinção, por inutilidade, do procedimento de renovação da autorização de residência de B.
3. Fundamentou-se a decisão anulatória na impossibilidade jurídica do objecto do acto revogatório (art. 122, n. 2, c), do CPA), pois as autorizações revogadas já tinham caducado pelo decurso do tempo – e não tinha sido feito uso do poder de revogação com efeitos retroactivos previsto no art. 43,4, da Lei 16/2021.
4. Acrescentou o TSI que, quando essas autorizações caducaram, um dos então recorrentes (A) já tinha até completado os 7 anos necessários à aquisição de residência permanente:
5. “(... nessa situação, já não haverá lugar à renovação da autorização de residência temporária). O que ocorre, em circunstâncias normais, uma vez completado aquele prazo, é uma alteração qualitativa na esfera jurídica do interessado, com a aquisição ex novo do direito de residência permanente na Região, constitutivo de um estatuto jurídico de natureza fundamental, o de residente permanente, nos termos previstos no artigo 24.º, alínea 2) da Lei Básica e no artigo 8.º, n.º 1, alínea 2) da Lei n.º 8/1999).”
6. Entendem os requerentes que a Administração ainda não executou o referido acórdão, o que vêm agora requerer - recaindo sobre eles o ónus de “especificar os actos e operações em que, no entender do interessado, a execução deve consistir” (art. 180, n. 2, do CPAC).
7. Ora, nesta matéria o requerimento dos interessados peca por alguma ambiguidade.
8. Na verdade, inicialmente os interessados parecem pretender que o IPIM emita uma certidão comprovativa de que eles preenchem os requisitos para ser considerados residentes permanentes da RAEM - mas no final pedem apenas que seja concedida a A uma autorização temporária de residência.
9. Quid iuris? Pois bem, em nossa humilde opinião parece-nos que a Administração executou o acórdão anulatório, como passamos a explicar.
10. É sabido que o cumprimento das decisões anulatórias proferidas pelos tribunais em processos do contencioso administrativo "consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética" (art. 175, n. 3, do CPAC).
11. Significa isto que a Administração deve repor a situação que existiria se o acto anulado pelo tribunal (ou declarado nulo ou inexistente) não tivesse sido praticado - não estando, à partida, impedida de praticar novo acto administrativo de sentido idêntico ao anterior, desde que não incorra no mesmo vício.
12. É, pois, necessário, em cada caso, determinar qual seria essa "situação actual hipotética".
13. No caso presente, como vimos, a decisão judicial declarou a nulidade de dois actos revogatórios - e, consequentemente, também da decisão de declarar extinto o procedimento administrativo relativo à renovação da autorização de residência de B (art. 122, n. 2, al. i), do CPA).
14. A declaração de nulidade, em si, tem efeitos constitutivos, pelo que nada havia nessa parte a executar - ou seja, os efeitos jurídicos dessa declaração produziram-se independentemente de qualquer actuação administrativa.
15. O que a Administração tinha de fazer era re-apreciar a situação dos interessados, nomeadamente o requerimento de renovação da autorização de residência de B e a verificação dos requisitos necessários à aquisição do direito de residência permanente.
16. E foi precisamente isso que a Administração fez: reabriu o respectivo procedimento administrativo para apreciar essas duas questões.
17. Os próprios interessados, aliás, reconhecem isso mesmo na sua petição - por exemplo, quando dizem que foram notificados pelo IPIM para se pronunciarem (Doc. 1 anexo).
18. Prova também do cumprimento da decisão anulatória é ofício enviado pelo IPIM à PSP, com o objectivo de evitar que B encontrasse dificuldades na fronteira, que anexamos (Doc. 2 anexo);
19. O procedimento administrativo reaberto em cumprimento do referido acórdão ainda não foi objecto de decisão, mas, a ser o caso, a possibilidade de nova revogação, desta vez com efeitos retroactivos, nos termos previstos no art. 43, n. 4, da Lei 16/2021, cumpre os requisitos de cumprimento das decisões anulatórias.
20. Foi, de resto, essa revogação com efeitos retroactivos considerada admissível pelo próprio acórdão anulatório, se bem o compreendemos.
21. Efectivamente, o acórdão concordou integralmente com a pronúncia do MP, segundo a qual "na situação sub judice, nem o acto de revogação aqui impugnado se fundamentou na invalidade do acto revogado, nem o autor do acto revogatório determinou, nomeadamente ao abrigo da previsão habilitante contida naquele n.º 4 do artigo 43.º da Lei n.º 16/2021, a eficácia retroactiva do mesmo".
22. Concluímos daqui que, se o autor do acto revogatório tivesse determinado, ao abrigo do n. 4 do artigo 43 da Lei n. 16/2021, a eficácia retroactiva do mesmo, o tribunal não teria dado como verificado o vício de impossibilidade do objecto que conduziu à declaração de nulidade.
23. Seja como for, esse acórdão não pode ser lido como tendo "condenado"1 a Administração a reconhecer que os interessados adquiriram já o estatuto de residentes permanentes, independentemente de cumprirem ou não os respectivos requisitos legais.
24. E recorde-se que a aquisição desse estatuto exige a residência habitual na RAEM durante 7 anos consecutivos (art. 24, als. 2) e 5) da Lei Básica).
25. Foi precisamente o facto de eles aqui não terem tido a sua residência habitual que fundamentou o despacho administrativo declarado nulo pelo tribunal.
26. Todavia, essa decisão judicial não se fundamentou em erro nos pressupostos de facto - mais precisamente, em parte alguma disse o acórdão que era falso que os interessados não tivessem tido residência habitual em Macau.
27. Assim, no cumprimento da decisão, não está a Administração impedida de continuar a considerar como provada a falta dessa residência habitual, e a retirar daí as devidas consequências.
28. Pelas razões expostas, entendemos que a Administração não está numa situação de incumprimento do acórdão anulatório.
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O Digno. Magistrado do Ministério Público junto do TSI emitiu o douto parecer de fls. 49 a 52, pugnando pela seguinte conclusão:
“Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que a presente execução ser julgada improcedente, absolvendo-se a Entidade Executada do pedido.”
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III – FACTOS
São os seguintes elementos, extraídos do processo principal e do processo administrativo com interesse para a decisão da causa:
- Por acórdão do TSI datado de 11/07/2024 foi declarado nulo o acto revogatório da autorização da fixação de residência concedida aos Recorrentes;
- Tal acórdão transitou em julgado em 29/07/2024 (fls. 264 do processo principal);
- Em 07/03/2025 vieram os Recorrentes interpor o presente processo executivo com vista a que a decisão fosse executada nos termos pedidos de fls. 2 a 3 dos autos.

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    IV – FUNDAMENTOS
A propósito das questões suscitadas pelos Exequentes, o Digno. Magistrado do MP junto deste TSI teceu as seguintes doutas considerações:
“Visto.
Em nosso modesto entendimento, a réplica apresentada pelos Exequentes é processualmente inadmissível: na sua resposta, a Entidade Executada não invocou causa legítima de inexecução e, por isso, não se mostra preenchido o pressuposto previsto na norma legal do n.º 1 do artigo 182.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC).
Parece-me, pois, que deve ser ordenado o respectivo desentranhamento com a consequente devolução aos apresentantes, sem prejuízo da tributação incidental que se mostre devida.
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Quanto à questão principal controvertida nos presentes autos, nos termos previstos na norma do artigo 183.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), vem o Ministério Público pronunciar-se nos termos que seguem:
1.
A e B, ambos melhor identificados nos autos, vieram, nos termos do disposto no artigo 180.º do CPAC, por apenso aos autos de recurso contencioso n.º 1157/2020, instaurar a presente execução para a prestação de um facto contra o Secretário para a Economia e Finanças, alegando que este não deu execução ao acórdão do Tribunal de Segunda Instância proferido nos autos principais.
A Entidade Executada, apresentou resposta na qual alegou que executou espontânea e integralmente o mencionado acórdão julgado anulatório pelo que concluiu no sentido de o pedido de execução ser julgado improcedente.
2.
(i)
(i.1)
Sabemos que, de acordo com o que resulta das normas contidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades» e que «as leis de processo regulam os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determinam as sanções que devam ser aplicadas aos responsáveis pela sua inexecução».
Em consonância com o que antecede, a lei processual administrativa dedica um dos seus capítulos ao chamado «processo executivo», cuja norma introdutória, a do artigo 174.º do CPAC, consagra, justamente, o dever de a Administração, no prazo máximo de 30 dias, cumprir de modo espontâneo as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo quando transitadas em julgado. Tal cumprimento, de acordo com o n.º 3 do artigo 174.º do CPAC, consiste «na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética».
(i.2)
Embora a questão não seja inteiramente pacífica, parece que, em bom rigor, o processo de execução de sentenças proferidas em processo do contencioso administrativo, excepção feita àquelas das quais resulte um dever para a administração de pagar quantia certa, tem uma natureza essencialmente declarativa (já neste sentido, a propósito do chamado processo de «execução de julgado», JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Lições, Coimbra, 1998, p. 119). Através dele, o tribunal limita-se, se e quando necessário, a especificar os actos e as operações em que a execução deve consistir e os respectivos prazos e, eventualmente, a impor uma medida compulsória de natureza pecuniária.
Portanto, podemos dizer que o processo executivo administrativo, com ressalva, como dissemos, do processo de execução para pagamento de quantia certa, não tem a natureza de um verdadeiro processo executivo pois que, através dele, e ao contrário do sucede em processo civil, o tribunal não se substitui ao devedor que se encontra em incumprimento para satisfazer o direito do credor.
(i.3)
O CPAC prevê, expressamente, duas modalidades de processo executivo em função da respectiva finalidade: (a) o processo de execução para pagamento de quantia certa (artigos 178.º e 179.º do CPAC) e (b) o processo de execução para entrega de coisa certa ou para prestação de um facto (artigos 180.º a 185.º do CPAC).
Apesar de ter ficado de fora de qualquer previsão legal expressa o processo de execução das sentenças proferidas no mais frequente dos meios processuais, ou seja, no recurso contencioso, tem-se entendido que a essa execução é aplicável, por interpretação extensiva ou aplicação analógica, o processo de execução para prestação de facto (assim, VIRIATO LIMA/ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, RAEM, 2015, p. 446 e, no mesmo sentido, a propósito de uma lei que padece do mesmo «vácuo de disciplina legislativa processual», J. M. SÉRVULO CORREIA, A Execução das Sentenças Proferidas em Recurso Contencioso pelo Tribunal Administrativo de Moçambique, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor André Gonçalves Pereira, Coimbra Editora, 2006, p. 458).
No caso em apreço, a Exequente, lançou mão, justamente, da execução para prestação de facto para ver satisfeita a sua pretensão e a questão essencial que se discute nos presentes autos, se bem vemos, é a de saber se existiu ou não inexecução da sentença, é dizer, saber se existiu ou não incumprimento de dever de executar por parte da Administração, uma vez que é por referência a esse dever que, em contencioso administrativo, se define o objecto do processo de execução (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Reinstrução do procedimento e plenitude do processo de execução das sentenças, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 3, Maio/Junho 1997, p. 17).
Cremos que não. Em termos breves, pelo seguinte.
(ii)
(ii.1)
O que está aqui em causa é a execução do acórdão proferido no recurso contencioso que correu termos nos autos principais, o qual declarou nulo por falta de objecto o acto administrativo praticado pela Entidade Executada de revogação do acto de renovação de autorização de residência temporária em Macau do agora Exequente C.
Vejamos.
Quando se diz que a Administração fica constituída no dever de executar a sentença que anula ou declara nulo um acto administrativo, o que se pretende significar é que ela fica constituída «no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os actos jurídicos e realizando as operações materiais necessários para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida» (assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, 2022, p. 1337).
Ora, como se sabe e decorre expressamente do n.º 1 do artigo 123.º do Código do Procedimento Administrativo, um acto nulo não produz quaisquer efeitos e, por outro lado, parece-nos incontroverso que a Entidade Executada não extraiu qualquer efeito do acto declarado nulo, nem no plano jurídico nem no plano dos factos, o os Exequentes também não alegam que isso tenha ocorrido. Aliás, estando em causa um acto revogatório de um acto de autorização de residência, a pura e simples eliminação do acto (rectius: a mera declaração judicial da respectiva nulidade) é suficiente, via de regra, para que seja reposta a situação anterior sem necessidade de qualquer actuação complementar por parte da Administração. A repristinação da situação anterior decorre da simples anulação ou declaração de nulidade do acto, como é próprio, aliás, de sentenças constitutivas (anulatórias) ou de mera apreciação (declaração de nulidade) que, em grande medida, são auto-executivas (self-executing). Como, a este propósito, escreve MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «a anulação, eliminando a definição que decorria do acto, restabelece automaticamente a situação jurídica que existia no momento em que ele foi praticado» (cfr. A Anulação dos Atos Administrativos no Contexto das Relações Jurídico-Administrativas, 2.ª edição, Coimbra 2022, p. 364). Assim, com a declaração de nulidade do acto revogatório da autorização de residência temporária, a eliminação daquele acto teve por efeito a manutenção dessa autorização de residência durante todo o período relevante, eventualmente relevante tendo em vista a aquisição subsequente do estatuto de residente permanente por parte do Exequente A (como ensina JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 377, «a supressão (retroactiva) da eficácia revogatória de um acto administrativo tem como consequência inevitável o reconhecer que se mantém em vigor o regime jurídico revogado, e que se mantém vigor sem qualquer solução de continuidade, pois a solução de continuidade – a revogação – foi ela própria, suprimida»). Sem que isto signifique, no entanto, que o dito Exequente adquira esse estatuto de forma automática, porquanto, face ao disposto no artigo 5.º da Lei n.º 8/1999, tal dependerá de um acto administrativo a praticar pelo director dos Serviços de Identificação (neste sentido decidiu o Tribunal de Última Instância no acórdão de 13.11.2019, processo n.º 106/2019).
Deste modo e pelo que vimos de dizer, parece-nos, pois, que a Administração não incumpriu o dever de executar a decisão proferida nos autos principais.
(ii.2)
Pretendem os Exequentes que a Administração, na sequência da declaração de nulidade do acto revogatório ficou constituída no dever de emitir uma «carta de confirmação» para efeitos da obtenção do bilhete de identidade de residente permanente por parte de A.
Salvo o devido respeito, não nos parece. Como parece óbvio, a reconstituição da situação que existiria se o acto declarado nulo não tivesse sido praticado não implica, de modo algum, a emissão daquela carta, que nem sequer foi objecto de discussão no recurso contencioso.
Mais. A emissão daquela carta por parte do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento (IPIM), salvo melhor juízo, nem sequer encontra cobertura legal, pelo que jamais poderia ser judicialmente determinada no quadro da presente execução.
Na verdade, o que a nossa lei prevê é que, completados os sete anos de residência temporária ou não permanente, cabe ao interessado, se assim o entender, requerer junto da Direcção dos Serviços de Identificação a emissão do bilhete de identidade de residente permanente, competindo ao director dos Serviços de Identificação (e só a ele, não ao IPIM), no âmbito desse procedimento, apreciar, caso se lhe suscitem dúvidas, sobre a residência habitual do interessado em Macau, tal como decorre do artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 8/1999, de modo a deferir ou indeferir a pretensão do interessado, uma vez que essa residência habitual é condição da aquisição do estatuto de residente permanente de Macau.
Também por aqui se demonstra que a «pretensão executiva» deduzida nos presentes autos é, como todo o respeito, totalmente insubsistente e deve, por isso, ser julgada improcedente.
3.
Face ao exposto, salvo melhor opinião, parece ao Ministério Público que a presente execução ser julgada improcedente, absolvendo-se a Entidade Executada do pedido.”
*
Quid Juris?
Uma questão prévia: deve admitir-se ou não a peça (réplica) de fls. 34 a 40 dos autos? Tendo em conta a particularidade do caso, pois a Entidade Executada entende que cumpriu o acórdão, mas numa circunstância “sui generis”, que tem a ver com os fundamentos invocados (anormais) pela Entidade Executada para fundamentar a sua posição e que também mexe com a competência de um outro órgão administrativo que aprecie a situação dos Exequentes, a fim de salvaguardar o contraditório, decide-se admitir tal peça, embora não se trate, em rigor, duma peça referida no artigo 183º do CPAC.
Prosseguindo, relativamente ao mérito, concordamos BASICAMENTE com a douta argumentação acima transcrita da autoria do Digno. Magistrado do MP junto deste TSI, que procedeu à análise de todas as questões levantadas e que é reproduzida a aqui para fundamentar a nossa decisão e, além disso, acrescentemos ainda, nesta sede, as seguintes considerações:
1) - Por este TSI foi proferida em 11/07/2024 a seguinte decisão (Proc. nº 809/2023):
“(…)
Em face de tudo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar procedente o recurso, declarando-se a nulidade dos actos recorridos. (…)”.
2) - Ora, é de ver que é muito clara a decisão, cujo conteúdo está sempre indexado ao conteúdo do pedido formulado pelos Recorrentes/Exequentes!
Agora, neste processo executivo, a execução é justamente: “consistir na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética.” (cfr. artigo 174º/3 do CPAC).
3) - A Entidade executada insistiu no ponto de que os Exequentes não reúnem as condições legalmente exigidas para ter o estatuto de residentes permanentes de Macau, mas agora, se bem interpretado o seu raciocínio, por outros motivos, pelo que entendeu que a Entidade executada não incumpriu o decidido no acórdão acima referido.
É de frisar-se que, uma vez instaurado um processo executivo, de acordo com o disposto nos artigos 174º e 175º do CPAC, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias, estipulando tais normativos:
(Cumprimento espontâneo)
1. Excepto quando ocorra falta de verba ou cabimento orçamental ou causa legítima de inexecução, na ausência de normas específicas previstas no presente Código, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias.
2. Na ausência de norma específica, o cumprimento deve ser ordenado pelo órgão que tenha praticado o acto recorrido ou, tratando-se de acções ou outro meio processual ou procedimento, pelo principal órgão dirigente da pessoa colectiva pública em causa ou por aquele que tenha ficado concretamente obrigado pela decisão.
3. O cumprimento consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética.
4. Quando a entidade recorrida tenha extraído de acto juridicamente inexistente consequências lesivas dos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos do recorrente, a decisão que declare aquela inexistência é cumprida nos termos do número anterior.
Artigo 175.º
(Causa legítima de inexecução)
1. Apenas constitui causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e definitiva de execução e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão.
2. A causa legítima de inexecução pode respeitar a toda a decisão ou a parte dela.
3. A invocação de causa legítima de inexecução deve ser fundamentada e notificada ao interessado, com os respectivos fundamentos, no prazo previsto para cumprimento da decisão.
4. Não pode ser invocada causa legítima de inexecução das decisões cuja execução se traduza no pagamento de quantia certa, nem grave prejuízo para o interesse público no cumprimento das que defiram as seguintes espécies de pedidos:
a) Intimação de órgão administrativo para prestar informação, facultar a consulta de processo ou passar certidão;
b) Suspensão de eficácia dos actos administrativos e das normas;
c) Declaração de ineficácia, para efeitos de suspensão, dos actos de execução indevida;
d) Intimação de órgão administrativo, particular ou concessionário para adoptar ou se abster de certo comportamento;
e) Produção antecipada de prova;
f) Decretamento de providência preventiva ou conservatória não especificada.
4) - É de sublinhar que o legislador utiliza a expressão de “Apenas constitui causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e definitiva de execução e o grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão, ” ou seja, tem de ser uma situação da IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA E DEFINITIVA E GRAVE PREJUÍZO PARA O INTERESSE PÚBLICO!
5) – Pergunta-se, foi dado cumprimento ao acórdão acima referido pela Entidade Executada? Para responder a esta questão, importa perceber o que se sucedeu no processo principal. Assim, a fim de se inteirar da “história”, importa transcrever-se o sumário por nós elaborado constante do acórdão:
“I - Nos termos do disposto na alínea c), do n.º 2, do artigo 122.º do CPA, são nulos os actos cujo objecto seja impossível, considerando a melhor doutrina, na interpretação do citado inciso legal, que no conceito de objecto do acto a que a norma se refere se inclui, não só o seu objecto imediato, ou seja o seu conteúdo ou os seus efeitos, mas também o seu objecto mediato, é dizer, a coisa, o bem ou, no caso de se tratar de actos de segundo grau, o acto sobre o qual se projecta aquele conteúdo ou efeitos.
II – Constituindo a revogação um acto administrativo secundário de tipo desintegrativo, por isso que visa a destruição dos efeitos de um acto administrativo anterior (assim, MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, p. 103), a sua validade pressupõe, desde logo, a existência na ordem jurídica, do acto administrativo sobre o qual se vão projectar os efeitos extintivos. Faltando este, ocorrerá uma situação de impossibilidade jurídica do objecto do acto secundário.
III – Dos autos resulta que:
1) - os acto administrativos de renovação da autorização de residência temporária dos Recorrentes em Macau caducaram pelo decurso do tempo no dia 9 de Março de 2021, numa altura em que o Recorrente já havia completado 7 anos consecutivos de titularidade do estatuto de residente não permanente de Macau e, portanto, sem que tenha sido requerida (e, portanto, sem que tenha sido concedida) a renovação da autorização temporária e em que a Recorrente ainda não havia completado aqueles sete anos.
2) - o acto recorrido, revogatório desses actos de renovação da autorização de residência, foi praticado em 23 de Junho de 2023.
Resulta do disposto na alínea 1) do artigo 20.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que contém, no essencial, o regime normativo aplicável à situação em apreço, que a autorização de residência temporária se extingue por caducidade, uma vez decorrido o respectivo prazo sem que ocorra renovação (E isto é também assim mesmo quando esteja em causa a última renovação, quer dizer a renovação conducente ao completamento do prazo de 7 anos necessário à aquisição do estatuto de residente permanente, uma vez que, nessa situação, já não haverá lugar à renovação da autorização de residência temporária). O que ocorre, em circunstâncias normais, uma vez completado aquele prazo, é uma alteração qualitativa na esfera jurídica do interessado, com a aquisição ex novo do direito de residência permanente na Região, constitutivo de um estatuto jurídico de natureza fundamental, o de residente permanente, nos termos previstos no artigo 24.º, alínea 2) da Lei Básica e no artigo 8.º, n.º 1, alínea 2) da Lei n.º 8/1999).
Ou seja, no acórdão citado em nenhum lado se reconhece que os Exequentes adquiriram o estatuto de residentes permanentes da RAEM, mas sim o que aquele aresto sanciona foi a actuação errada e legalmente infundada da Entidade Pública, por isso não se pode do acórdão retirar a conclusão de que os Exequentes têm o estatuto pretendido! Daí não se pode censurar que a Entidade Executada não cumpriu os termos do acórdão em causa, sendo certo que, em nome da eficácia e da boa administração, o órgão administrativo competente devia e deve esclarecer, tanto quanto cedo possível, a situação do estatuto dos Exequentes, por se tratar duma matéria importante que mexe com a vida particular e profissional dos Exequentes. Mas, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, parece-nos, as vias mais correctas devem ser outras e não a de execução do acórdão!
Pelo expendido, é de julgar improcedente a execução, absolvendo-se a Entidade Executada do pedido.
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Síntese conclusiva:
I – Nos termos do disposto no artigo 174º do CPAC, as decisões dos tribunais em processos do contencioso administrativo, quando transitadas em julgado, devem ser espontaneamente cumpridas pelos órgãos administrativos no prazo máximo de 30 dias. A execução em processo jurídico-administrativo consiste na prática de todos os actos jurídicos e operações materiais que sejam necessários, conforme as hipóteses, à reintegração efectiva da ordem jurídica violada e à reposição da situação actual hipotética” (cfr. artigo 174º/3 do CPAC).
II – Em processo executivo administrativo só se discute, em princípio, a existência (ou não) da causa legítima de inexecução, que consiste na impossibilidade absoluta e definitiva de execução e no grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da decisão nos termos previstos no artigo 175º/1 do CPAC.
III – Com a declaração de nulidade do acto revogatório da autorização de residência temporária, a eliminação daquele acto teve por efeito a manutenção dessa autorização de residência durante todo o período relevante, eventualmente relevante tendo em vista a aquisição subsequente do estatuto de residente permanente por parte do Exequente. Sem que isto signifique, no entanto, que o mesmo adquira esse estatuto de forma automática, porquanto, face ao disposto no artigo 5.º da Lei n.º 8/1999, tal dependerá de um acto administrativo a praticar pelo director dos Serviços de Identificação (neste sentido decidiu o TUI no acórdão de 13.11.2019, processo n.º 106/2019).
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Tudo visto, resta decidir.
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do TSI acordam em julgar improcedente a presente acção executiva, absolvendo-se a Entidade Executada do pedido.
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Custas pelos Exequentes que se fixam em 6 UCs.
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Notifique e Registe.
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RAEM, 26 de Junho de 2025.

(Relator) Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto) Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro

(Procurador-Adjunto)
Mai Man Ieng
1 Usamos a expressão entre aspas pois, como é sabido, as decisões judiciais proferidas em recurso contencioso de anulação não têm natureza condenatória.
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2023-809-A